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Divide-se o livro em 3 partes: Brasão, Mar Portuguez, O Encoberto, com as seguintes epígrafes, respectivamente: Bellum sine bello, Possessio maris, Paz in Excelsis. Lê-se aqui, e desde logo pela simbólica trinitária, um destino exemplar que é mítico, e não apenas histórico, um destino exemplar que ao ser narrado deste modo aponta para a via da alma, da interioridade, depois de se ter es-gotado a outra via, do mundo, da materialidade. Em documentos do espólio que adiante detalharemos, escreve Fernando Pessoa, acerca da Terceira Ordem de Portugal, herdeira das anteriores do Templo e de Cristo, que esta Ordem é uma ordem interna, espiri-tual, que fundiu "certas teorias e profecias com a teoria mística e simbólica do Regresso do Rei Se-bastião". E neste mesmo documento reflecte sobre a tradição do país que é o seu: "Qual é a tradição portuguesa? O vago espírito nacional, cavalheiresco e lírico, que foi enchendo a Primeira Dynastia e cul-minou, extinguindo-se, no princípio da Segunda? O imperialismo terrestre de Tanger e de Arzilla? O im-perialismo marítimo dos descobrimentos? O dos descobrimentos só, ou o d'elles e das conquistas? Tudo isto é portuguez, tudo isto é tradição, mas uma ou outra d'estas coisas temos que escolher, pois to-das entre si se contradizem em seu íntimo sentido..." (Esp. 53A-4). E o poeta irá concluir, adiante, que Portugal "ganhou quasi todo o mundo e perdeu quasi toda a alma" (Esp. 53 B-65 ). A aposta é clara: o mundo ou a alma. E assim deve ler-se "Mensa-em", como tentativa de recuperação de um destino. Depois do finito do mundo (a terra, o mar), o infini-to da alma que o rei D. Sebastião vem personificar, como um outro heterónimo: colectivo, mítico e mís-tico.
Numa entrevista dada à Revista Portuguesa de 13 de Outubro de 1923, poderemos ler um depoi-mento igualmente significativo quanto a estas ques-tões:
"- O que calcula que seja o futuro da raça portuguesa?
"- O Quinto-Império. O futuro de Portugal -que não calculo, mas sei - está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo. Quem, que seja portuguez, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé?"16 E adiante: " Temos pois que a Nação Portu-guesa percorre, em seu caminho imperial, três tem-pos,- o primeiro caracterizado pela Força (Vis) ou as Armas (Arma), o segundo pelo ócio (Otium) ou o sossego (Quies), e o terceiro pela Ciência (Scientia) ou a inteligência (Intellectus) (...) No primeiro tem-po - a Força ou as Armas - trata-se de el-rei D. Manuel o Primeiro, que é o quinto rei da dinastia de Aviz, e sucede a D. João o Segundo, depois de este morto. Foi então o auge do nosso período de Força ou Armas, isto é, de poder temporal. No segundo tempo - Ócio ou Sossego - trata-se de el rei D. João o Quinto, que sucede a D. Pedro o Segundo, depois de este morto. Foi então o auge do nosso período de esterilidade rica, do nosso repouso do poder - o ócio ou sossego da profecia. No terceiro tempo - Ciência ou Inteligência - trata-se do Quinto Império, que sucederá ao Segundo, que é o de Roma, depois de este morto. Quanto ao que quer dizer esta Roma, a cujo fim ou morte se seguirá o Império português, ou Quinto Império, ou o que seja a Ciência ou Inteli-gência que definirá a este - não direi se o sei ou o não sei, se o presumo ou o não presumo. Saber seria de mais; presumir seria de menos. Quem puder com-preender que compreenda"17. Por outras reflexões do autor sobre o mesmo tema se poderá dizer, presu-mindo naturalmente, mais do que sabendo, que Roma representa aquilo a que ele chama " a forma romana do catolicismo", cujo fim já fora preconiza-do por Nostradamus para o final do Século XX.18 Fernando Pessoa chegará mesmo a dizer claramente:"Não precisamos dos sete montes de Roma: também aqui, em Lisboa, temos sete montes. Edifiquemos sobre estes a nossa Igreja".19
Assim se compreende o significado oculto da divisão tripartida da "Mensagem" e das epígrafes escolhidas pelo poeta. A paz a que se alude na últi-ma é igualmente a profetizada por Bandarra: "será a paz de não haver diferenças religiosas", a de "um só Deus será conhecido", como ele diz ainda.20
Em "Brasão", a análise dos poemas leva à definição do país que é o "rosto" da Europa. Mas já aqui, na conquista e delimitação do território, se afirma que " ter é tardar". A posse, embora gloriosa, atrasará a evolução natural. Sucedem-se os fundado-res: Ulisses, para o mito, D. Afonso Henriques, para a história. A espada e logo a seguir a poesia, que se conta com D. Dinis. A terra, e logo a seguir o mar, que a terra anseia.
Alude-se à Ordem do Templo (no poema "D. João, o Primeiro"). D. Dinis tinha-a transformado, em 1318, em Ordem de Cristo de Portugal, para evi-tar aos cavaleiros portugueses as perseguições de que haviam sido vítimas os seus pares em França. E já neste poema Portugal é referido como Templo, operando-se, por analogia, a transmutação do povo em povo eleito.
Confirma-se a eleição no poema "D. Phillipa de Lencastre": "Princesa do Santo Graal", "humano ventre do Império", que não é apenas terrestre e ma-rítimo, é o Quinto-Império, o reino do Evangelho Eterno, sonhado e adiado por António Vieira e tan-tos outros como ele, desde Joaquim de Flora, pas-sando pelo sapateiro Bandarra de Trancoso. Cum-pre-se na história o destino do mito, mas não inte-gralmente. A loucura, apanágio de D. Sebastião, terá que ser assumida por aqueles que não sejam "cadá-veres adiados que procriam". Cumpre-se o mundo, com "Brasão". Cumprem-se os três impérios: "Três impérios do chão lhe a Sorte apanha", diz-se no últi-mo poema, de "Affonso de Albuquerque".
E chega-se ao "Mar Portuguez", cuja traves-sia é uma iniciação, com a prova do Mostrengo (va-riante do antigo dragão medieval) e a afirmação da Ciência e da Ousadia que distinguem Portugal. Em "Última Nau", para que não o esqueçam, vai D. Se-bastião com o pendão do Império. Mas que Império? Deve entender-se aqui o do futuro, o da alma, o da chama que não se apagará nunca. Cumpriu-se o ele-mento terra, o elemento água, e falta agora cumprir o fogo e o ar.
Na terceira parte, "O Encoberto", amplia-se o significado da leitura. Caído em má hora, como o Grão-Mestre Jacques de Molay, D. Sebastião em boa hora se levantará: transmutado pela espada, não como corpo mas como pura chama espiritual. Via, destino, Quinto-Império aclamado: Grécia-Roma--Cristandade-Europa-Portugal.
"Há três espécies de Portugal, dentro do mes-mo Portugal; ou se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e a sua expansão numérica, trabalhando obscura e modesta-mente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandona-do por todos. Existe porque existe e é por isso que a nação existe também. Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira (...) do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agra-vou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se com-pleta com a República. Este português (...) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade é estúpido. Há um ter-ceiro português, que começou a existir quando Por-tugal, por alturas d'El-Rei D. Dinis, começou, de Nação a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica mo-derna, e depois foi-se embora. Foi-se em Alcácer--Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e continuam estando, à espera dele".21
Fernando Pessoa exprime, em "Mensagem", o "sonho português" de ser ele mesmo e mais, muito mais, do que ele mesmo. Com três avisos define três espaços, o histórico, o mítico e o místico; em cinco tempos narra a saudade do Encoberto, o desejo da Hora que deveria chegar, marcando o início-fim do Quinto Império. (Em 1935 escreverá um longo poe-ma com este nome, ressuscitando a história e o mito de Portugal. "Quinto-Império" é o grito que corta o nevoeiro da "Mensagem". O que aqui estava oculto é ali posto a descoberto: uma visão só mística da pátria).
O gosto da ordenação tripartida é muito fre-quente em Fernando Pessoa. Exprime assim a ordem espiritual no homem, no universo e em Deus.
D. Sebastião, enquanto figura mítica, reúne em si estes três elementos: o Poder, a Inteligência e o Amor, da tradição cristã (o Pai, o Filho e o Espíri-to Santo). Representa a súmula da manifestação e é, nesta medida, perfeito. Pode dizer-se dele o que René Guénon disse do Rei do Mundo: é Rei, Sacer-dote e Profeta.
A intenção da "Mensagem" é espiritual, signifi-ca mais um passo na obtenção do grau de Mestre, que Pessoa defeniu no Essay on Initiation, como "a fusão de toda a poesia, lírica, épica e dramática em algo para lá de todas elas".22 Com o jogo da heteronímia, marco do modernismo português, e com "Mensagem", cum-pre o poeta o múltiplo destino de ser muitos, de ser tudo e todos de todas as maneiras - de ser o outro, completamente o outro, face à nudez do eu.

D. João IV ( 1604-1656 ); Museu Nacional dos Coches, Lisboa.
Oswald Wirth, citado várias vezes por Pessoa, escreve a propósito do simbolismo oculto da maço-naria que só se pode captar a sua essência viva com-preendendo que ela se põe ao serviço da Vida e ensina a viver "como artista iniciado na Arte de Vi-ver". 23 Esta ideia da arte ligada à iniciação é impor-tante, como sabemos, para Pessoa. Os Superiores Desconhecidos são, como ele, discretos artistas da alma, que em silêncio modelam. O verdadeiro Mes-tre opera "unitivamente", pela imaginação (a estrela no homem, como lhe chama Paracelso) e é também isso que ele procura ao estudar a Alquimia, a Kabala, o Rosacrusismo, a Maçonaria, a Astrologia, a Teosofia, etc., buscando, de todas as maneiras, o essencial, o vivo das doutrinas, e não a letra que as mata.
"Mensagem" termina com um Valete Fratres, evocador dos irmãos rosacruz. Mas no último poe-ma, "Nevoeiro", a mutação alquímica encontra-se invertida: "ninguém conhece que a alma tem", "tudo é disperso, nada é inteiro", o que coloca a visão pessoana ainda longe do paraíso que os adeptos rosacruz preconizavam. Podemos no entanto dizer, usando a sua linguagem, que das trevas se chega à luz, da dispersão à unidade, da perda à aquisição da alma. A obra de Pessoa não é senão o esforço de uma vida em busca da sua alma: múltipla, repartida, no ponto mais exterior buscando o mais interior, in-tensamente.
Para Fernando Pessoa, Portugal é o centro da mediação possível entre a espiritualidade das Ordens Internas (que busca) e a materialidade das Ordens Externas (que recusa), abrindo uma terceira via: a da Terceira Ordem de Portugal, que bem merece ser estudada.
Reflectindo sobre o que é a tradição portu-guesa, afirma: "Qual é a tradição portuguesa? O vago espírito nacional, cavalheiresco e lyrico, que foi enchendo a Primeira Dynastia e culminou, extin-guindo-se, no princípio da Segunda? O imperialismo terrestre de Tanger e de Arzilla? O imperialismo ma-rítimo dos descobrimentos? O dos descobrimentos só ou o deles e das conquistas? Tudo isto é portuguez, tudo isto é tradição, mas uma ou outra destas coisas temos que escolher, pois todas entre si se contradizem em seu íntimo sentido, e, sobretudo, no em que pode-mos guiar-nos por elle." (Esp. 53A-4).
Foi então por ter escolhido, ou por ter esco-lhido mal, que Portugal, diz Pessoa, "ganhou quasi todo o mundo, e, como na promessa negra do Evan-gelho, perdeu quasi toda a alma." (Esp. 53B-65).
Mas há um novo caminho a descobrir. É o caminho oculto que vem da Ordem do Templo, que passa pela Ordem de Cristo e culmina, ou culminará, na Terceira Ordem, fundada como o Terceiro Tem-plo de que nos fala Henry Corbin em Temple et Contemplation, na alta montanha da espiritualidade.
A via que se aponta é a da abdicação, a da renúncia: "renúncia ao amor à vida e ao temor da morte, renúncia à personalidade, à individualidade, aos deuses e aos demónios, renúncia à Kether, Chokmah e Binah, renúncia à divinação." (Esp. 54--44).
Para Fernando Pessoa é especialmente impor-tante a fundação da Ordem de Cristo, pois que ele a relaciona de modo profético, com o futuro de Portu-gal. Assim vemos que num dos documentos mais curiosos do espólio vai somar a 1318 o número da Besta do Apocalipse, 666, obtendo 1984, número à frente do qual aponta "que anno?" (Esp. 53-79).
Mas se nos lembrarmos que o ano da Bula Papal é 1319 e que só ela legitima de facto a existên-cia da Ordem, o resultado obtido será então 1985, o ano em que se celebrou o cinquentenário da morte do poeta, em que as opções, nacionais, europeias, mundiais, mais uma vez nos fazem reflectir sobre o caminho: material, espiritual, do mundo ou da alma...
É também de modo profético que ele relacio-na com a Ordem de Cristo o sapateiro Bandarra, Nostradamus português: "O nome Bandarra que é de facto o appelido do sapateiro propheta, passou a de-signar, a dentro da Ordem de Christo, qualquer dos irmãos que assumira a mesma luz, ou, fallando figu-rativamente, o mesmo grau. Assim a maior parte das prophecias, ou trovas, ditas do Bandarra nada teem que ver com a pessoa do sapateiro de Trancoso. So-bretudo o não tem o chamado Terceiro Corpo, a obra prophetica mais completa (no sentido, por as-sim dizer, artistico ou intellectual) que se tem visto no mundo. Em vez da desordem da intelligencia, que se pode dizer que distingue toda a prophetica, desde o Apocalypse a Nostradamo, ha uma systematização rigorosa, uma geometria do predizer. A linguagem certo, é Symbolica, mas assim é a lin-guagem geral dos ensinamentos superiores, dos quaes a prophecia é tamsȯmente um caso particu-lar." (Esp. 54-88).
O problema do Bandarra remete-nos para o problema do Sebastianismo e da Terceira Ordem dePortugal, sucessora das do Templo e de Cristo, no entender do poeta. Compõe-se de elementos de uma obscura Ordem Sebastianista que fundiu "certas teo-rias e profecias como a teoria mística e simbólica do regresso do Rei D. Sebastião" e ainda de outros ele-mentos mais recentes, todos judeus portugueses. (Esp. 53B-56).
O sapateiro Bandarra, o Rei Sebastião deseja-do e encoberto, são os símbolos do Templo que per-manece escondido na alma nacional. Só na alma, e não no mundo encontrará Portugal a tradição que é a sua: a tradição dos romanos da cavalaria, onde pas-sa, próxima ou remota, a Tradição Secreta do Cristi-anismo, a sucessão Super-Apostólica, a Demanda do Santo Graal (Sobre Portugal, p. 177).
Obras como "Mensagem" ou Quinto Império, para já não falar de outros poemas de igual interesse mas menos ambição, pretendem dar testemunho de um Portugal oculto e diferente, o dos sacerdotes que abandonaram o gládio e o escudo, como diz o poeta, "para galgar o céu".24
NOTAS
1Para a vida e obra do Padre António Vieira, consultar: J. Lúcio de Azevedo, História de António Vieira, vol I, Lis-boa,1918; José van den Besselaar, António Vieira: o ho-mem, a obra, as ideias, Biblioteca Breve, Lisboa, 1981; João Marques, A Parenética Portuguesa e a dominação Filipina, Lisboa, 1986; A Parenética Portuguesa e a Res-tauração (1640-1668), Lisboa, 1986. Não deixam de ser igualmente interessantes, pela ferocidade sem perdão, as páginas de Oliveira Martins na História de Portugal.
2Sobre este assunto consultar Ana Isabel Buescu, O Milagre de Ourique e a História de Portugal de Alexandre Hercu-lano... INIC, Lisboa, 1987, pp.123 e segs. Repare-se como é no Século XVI, no final do reinado de D. João III, que se dá a primeira tentativa de canonização de D. Afonso Henriques, pelos cónegos de Santa Cruz de Coimbra (A. I. Buescu, p. 125).
3Sirvo-me, para todos os passos citados, da edição da Cróni-ca de Duarte Galvão, da Imprensa Nacional-Casa da Moe-da, com apresentação de José Mattoso: Crónica de El-Rei D. Afonso Henriques de Duarte Galvão (1934-1986).
4Ver Luísa Trías Folch (ed.) António Vieira, História del Futuro, Ed. Cátedra, Madrid, 1987. Como nos recorda a autora, "a ideia de um rei 'encoberto' não foi uma invenção de Bandarra. Procedia de Espanha. Por volta de 1520começaram a ser divulgados textos proféticos: uns extraídos dos escritos de Santo Isidoro, Bispo de Sevilha, no Século VII; outros que seguiam a tradição das lendas de Merlin. As Profe-cias anunciavam a destruição do Império e diziam que um Infante de Portugal venceria o rei D. Carlos e reinaria em toda a Espanha. Em 1520 publicaram-se em Valência umas Coplas deFreiPedro de Frias que eram a explicação, em rima popular, dos supostos textos de Santo Isidoro. O 'Encoberto' já existia antes de ser profetizado por Bandarra, e aparecia como um judeu misterioso que chefiava as sublevações de Valência em 1532 e pretendia fazer-se passar por D. João, filho dos Reis Católicos, alguns anos antes". Outra fonte de inspiração, ainda segundo L. Trías Folch, foram as coplas de Jean de Roquetaillade, franciscano catalão do Século XIV, discípulo do abade Joa-quim de Flora (p. 11). A esta amálgama da vaticínios de origem espanhola há que juntar "as esperanças judaicas no Messias e os restos das lendas do ciclo arturiano conservados na tradição popular" (p. 12). O judeu português Abravanel anunciou para 1503 a chegada do Redentor. Nesta linha, o primeiro Messias que se apresenta entre nós é David Rubeni, em 1526. Um dos seus discípulos, Diogo Pires (Salomão Malco), volta a anunciar a chegada do Messias para 1540. Não admira que as profecias do Bandarra floresçam, neste ambiente de profetismo excepci-onal.
Veja-se ainda, para este assunto, J. Lúcio de Azevedo, A Evolução do Sebastianismo, 2ªed. Presença, 1987, p. 17 e segs.
5Orações de Obediência, séculos XV a XVII - (ed. fac--similada com nota bibliográfica de Martim Albuquerque) Ed. Inapa, Lisboa, 1988.
6José van den Besselaar, Padre António Vieira, Livro Ante Primeiro da História do Futuro, Biblioteca Nacional, Lis-boa, 1983.
7Ibid., ibid.
8Ver Lúcio de Azevedo (ed.) Cartas do Padre António Vieira, Imprensa Nacional, Lisboa, 1970, 3 vols.
9Marjorie Reeves, Joachim of Fiore and the Prophetic Future, London, 1976, p. 133 e segs. (A importância da data ou do número 666 resultava do facto de, em escrita romana, MDCLXVI representar uma sucessão do maior para o menor número possível. Também em leitura teosófica re-presenta o l da unidade, da consumação do todo, e daí a virtude apocalíptica).
10Para o juramento de D. Afonso Henriques ver ainda Ana Isabel Buescu, op. cit. p. 196, onde refere António Pereira de Figueiredo, Dissertação histórica e crítica, em que se prova a milagrosa apparição de Christo Senhor Nosso a EL REI D. Afonso Henriques (...) Agora novamente accrescentada com o auto do juramento do mesmo rei em Latim e Portuguez.... Lisboa,1809. (O juramento foi publi-cado pela primeira vez em 1597 por Pedro de Maris em Diálogos de Vária História e por Frei Bernardo de Brito em 1602 na Crónica de Cister).
11Na Idade Média celebrara-se Cristo como Rei do Mundo, imperador de todas as coisas, representado pelos artistas no interior de uma mandorla, "pairando sobre as nuvens, com o globo terrestre e o livro da lei nas mãos, a coroa na cabeça, tal como o severo Cosmocrator", segundo as palavras de Kantorowicz (L 'Empereur Fréderic II, trad. Gallimard, Paris, 1987, p. 17). Era hábito os nascimentos ilustres serem acompanhados de profecias, o que se verificou com Frederico II, de quem o Mago Merlin, na Bretanha, parece ter-se ocupado (p.18), e a quem se profetizou que viria a ser a união do Ocidente e do Oriente. Joaquim de Flora (o abade calabrês que tanto agrada a Vieira e que tanto o inspira) reconhecerá em Frederico II o futuro tirano universal e o Anticristo responsável pela confusão no mundo. (p.222 e segs.) Este no Liber Augustalis afirmará que o Estado produz a verdadeira lei divina e a única válida: "a lei viva do mundo temporal é o Deus vivo e para permanecermos vivos, o Eterno e o Absoluto devem também metamorfosear-se no tempo" (p.226). Isto significa uma ruptura com tudo o que se tinha dito até então. O imperador fica transformado na Lex animata in terris. É a necessidade (necessitas) da função que confere ao imperador o privilégio de mudar o direito e a lei. O que Frederico II defende e proclama é, como diz Kantorowicz, "o direito de estado" (p.227).
12Do projecto da História do Futuro existem três manuscritos na Biblioteca Nacional de Lisboa: ms. 2674, editado por Luís de Azevedo e reeditado mais tarde por Hernâni Cidade e por Leonor Buescu; o ms. 9442 e o ms. 25, da Livraria Pombalina; o melhor é, no entanto, o ms. 382 da Torre do Tombo, segundo van den Besselaar, que o utiliza na sua edição crítica de 1976.
13Oliveira Martins, História de Portugal, Imprensa Nacional, Lisboa, tomo II.
14Ver José Blanco, Fernando Pessoa, Esboço de uma Biblio-grafia. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1893.
15Fernando Pessoa, Sobre Portugal (ed. Joel Serrão) Ática, Lis-boa, 1987, p. 179.
16Ibid., p.245.
17Ibid., pp. 248-249.
18Ibid., p.242.
19Ibid., p.178.
20Ibid., P.146.
21Ibid., pp. 82-83.
22Ver Y. K. Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, Ed. Presença, Lisboa 1985, p.82
23Cito da tradução francesa, Oswald Wirth, Le SymbolismeOcculte de la Franc-Maçonnerie, Levy-Livres, Paris, 1979, p.77.
24Para a Terceira Ordem ver Y. K. Centeno, Fernando Pessoa: Os Trezentos..., Ed. Presença, Lisboa, 1988.
*Licenciada em Filologia Germânica e Doutorada em Literatura Germânica (1978). Professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Autora com vasta obra nos campos da poesia, da ficção e do teatro. Tem-se distinguido com teses e ensaios de interpretação esotérica e simbólica, de temas da literatura portuguesa e germânica. Membro de diversas instituições internacionais, foi condecorada pelo Primeiro Ministro Francês (Ordem das Palmas Académicas, 1987).