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EDIÇÕES NO TRIMESTRE

Além de uma obra de Roderich Ptak editada no estrangeiro, "Ásia Portuguesa", considerada de fundamental importância para a História de Portugal no Oriente pelo Pe. Manuel Teixeira, e de quem publicamos a respectiva recensão crítica, a produção do Sector Editorial do ICM registou alguns títulos de muito interesse e mérito:

"Macau, jardim abençoado" de José dos Santos Ferreira (em "patois" e português).

Servindo-nos de uma imagem de Dante: como as águas se alvoroçam e apressam à proximidade da queda, assim "Macau acordou poeta", na observação de Adé. Nunca se publicou tanto. Macau convoca a poesia. Anseia, inconsciente e desesperadamente, pelo seu poder profético? Ao menos, verte a sua memória em livros, vaza a sua alma em versos. Como nesta "antologia" de José dos Santos Ferreira, livrinho que comove pela simplicidade do estilo e ingénua pureza dos temas e quadros, livro de curtos capítulos estremecidos de uma emotividade saudosista, que é mais aguda quando o autor adensa em próximos horizontes as tintas doridas de um crepúsculo.

Mas o que fica, apesar de tudo, dentro desta moldura, é a memória de um pequeno universo paradisíaco (que o título, "Macau, jardim abençoado", sugere) um esboço de mitificação da pequena pátria macaense, que ganha intensidade e cume dramático quando, na sua subjectividade mais funda, o autor estabelece paralelo com a relação de Camões (sempre presente) com a Pátria, em vésperas da sua morte.

"Macau entre dois tratados com a China - 1862-1867", de Lourenço Maria da Conceição.

Um ensaio histórico de grande oportunidade e de fundamental importância para o conhecimento de um período histórico envolvido em polémica, e em disputa entre algumas interpretações ocidentais e a perspectiva histórica oficial da China.

No que toca à situação portuguesa nesse contexto, o autor aduz, com muita clareza, economia e sistematização, os factos suficientes ao esclarecimento das condições e preparativos da negociação do célebre Tratado de Comércio com a China, celebrado em 1887.

Justificando os motivos que o levaram a este estudo, o autor resume o enquadramento e as conclusões num prefácio que, cabalmente esclarecedor, aqui transcrevemos na parte interessante: «O segundo, que nos levou a fixar os contornos do nosso trabalho sobre o tema dos tratados com a China, consiste numa tentativa de responder a uma questão inscrita de há muito na agenda dos actuais governantes da China. Estes têm se proposto levar a cabo uma revisão daquilo que consideram os «unequal Treaties», tratados negociados numa base de desigualdade entre as potências celebrantes, sendo a China a nação desfavorecida nestes acordos, como consequência da sua sujeição à lei do mais forte. Ora a questão que se nos levantou foi a de saber em que medida poderiam estar os nossos tratados respeitantes a Macau abrangidos na definição de «unequal Treaties».

E cremos, sem que tal envolva qualquer lisonja para o nosso trabalho, ter encontrado a resposta certa. Resposta essa que não foi fruto de ilações, de fundamentação dedutiva, ou sequer de qualquer esforço daqueles que se empregam para pleitear causas de conteúdo ambíguo. Não, a resposta encontrámo-la na própria história dos tratados, na documentação da época que os arquivos nos forneceram. Foi aí que pudemos comprovar, sem margem para dúvidas, que os tratados com a China foram, antes de mais, a redacção de algo que já muito antes tinha existência no campo das realidades e, em segundo lugar, que o tratado definitivo de 1887 foi apressado pelas conveniências da própria China. Assim, por mais que se alargue o conceito de «desigualdade», não é possível - ao invés do que se passa com outras potências - aplicar aos nossos tratados com a China outra coisa que não seja a paridade de situações, a liberdade de estipulação e uma infra-estrutura histórica inalienável (referimo-nos aqui à posse secular de Macau, não resultante de conquista mas de doação, que o tratado final de 1887 veio sancionar».

Foram ainda editadas duas carteiras de postais ilustrados com reproduções de pinturas de artistas de Macau - e intituladas "Pintores de Macau". Inserindo-se numa estratégia de divulgação local e internacional dos artistas de Macau pretendida pelo ICM, a colecção é composta por um lote de postais de pintura de expressão ocidental (24 reproduções de 12 artistas) e outro de pintura de expressão tradicional chinesa (com 16 reproduções de obras de 8 artistas).

Marcou ainda o período o lançamento, em reedição, da obra de Benjamim Videira Pires "A embaixada mártir", a cujo propósito publicamos uma apreciação crítica de autoria de Celina Veiga de Oliveira.

"Morra o corpo e viva a alma!" Celina Veiga de Oliveira

Vem este título a propósito do livro "A embaixada mártir" de Benjamim Videira Pires, S. J., monografia histórica que relata as circunstâncias em que decorreu a morte de 61 católicos que faziam parte da Embaixada de Macau ao Japão, em 1640.

Editado pela 1ª vez em 1965, e em poucos anos esgotado, o livro é agora de novo trazido ao público, beneficiando, segundo o próprio autor, de "uma profunda revisão e leves reajustamentos".

Importa focar, pois, para além do interesse do seu conteúdo - de que nos ocuparemos a seguir — a oportunidade desta 2ª edição, numa altura em que Portugal reequaciona as suas ligações com países da área do pacífico, zona fulcral, sob o ponto de vista estratégico e económico, neste o caso do séc. XX. Sendo assim, a busca de raízes históricas que, em tempos recuados, aproximaram povos tão distantes e tão diferentes, como o foram os povos português e japonês, o testemunho dos laços que alicerçaram a implantação portuguesa, no Oriente, adquirem particular importância que não pode, de modo nenhum, deixar de ser referenciada.

Ora o livro "A embaixada mártir" tem o mérito de fazer ressuscitar um momento pouco conhecido da História de Portugal e de nos dar informação sobre ele, enquadrando, no espaço e no tempo, a razão de ser de uma embaixada portuguesa no Japão, um ano depois do fecho dos seus portos aos barcos de Macau.

No entanto, e quanto a nós, esse enquadramento não esgota a complexidade das relações entre Portugal e o Japão nos séculos XVI e XVII. Não era esse, aliás, o principal objectivo do livro que está circunscrito ao seu próprio título: trazer para o conhecimento geral um facto histórico que tem a ver com a dilatação da fé, elemento componente da presença portuguesa no mundo.

Não nos podemos esquecer que o autor de a "A embaixada mártir", sendo um historiador, é acima de tudo um homem empenhado na sua obra missionária. Natural, portanto, que tenha procurado fazer realçar os aspectos da fé e o valor da resistência à renegação da própria fé, mostrando como os "mártires" do Japão reúnem, numa perspectiva católica, as "chamadas condições para a canonização e beatificação". De resto, a história é, "ao mesmo tempo, objectiva e subjectiva - dado que é passado, autenticamente apreendido, mas visto pelo historiador". (1)

Não obstante isso, o livro reflecte uma preocupação de objectividade e rigor, não distorcendo a realidade em nome de uma defesa acrítica e pouco científica da presença portuguesa nestas paragens; dá, sim, uma perspectiva positiva dessa presença, sem quaisquer intenções de falsos elogios ou panegíricos redundantemente fáceis.

Detenhamo-nos, em seguida, e de uma forma resumida, no conteúdo do livro, onde dois temas fundamentais cobrem a abordagem do autor:

O problema da fé e do proselitismo religioso e as relações comerciais entre Macau e o Japão. Queremos, no entanto, deixar claro que estes dois aspectos, embora diferentes, estão interligados, como se verá.

Começando pelo primeiro, Videira Pires revela o nascimento de Nagasáqui, "cidade irmã" de Macau e o papel desempenhado pelos missionários, na sua maioria jesuítas, nessa obra de fixação portuguesa. As conversões ao Cristianismo começam a verificar-se e, como consequência, iniciam-se as primeiras perseguições. Destas, destacam-se pela violência na repressão, as dos Xoguns Hideioxi, de leia-su, o "daifuçama" dos missionários, que publica o édito de extermínio da Igreja Católica e de lemitsu. Sucedem-se os "martírios" e a tenacidade de muitos cristãos japoneses, entre eles os "heimins-camponeses, artífices e comerciantes" e os "dójicos", filhos de samurais, oligarquia dominante que controlava o aparelho político, económico e financeiro do império nipónico.

É precisamente este, segundo a nossa óptica, o principal obstáculo à propagação da mensagem cristã no Japão; isto é, o Cristianismo começou a implantar-se e a ter a adesão, não só de camadas populares, mas igualmente de estratos superiores da hierarquia política, pondo em causa relações de poder existentes no império. Tudo isto se joga num momento de instabilidade social e de lutas internas, e a mensagem desta religião do Ocidente vem a ser mais um motivo de desestabilização; assim, o xogunato, sentindo-se ameaçado, tem consciência de que era preciso eliminá-la, gerando a partir de determinado momento, uma reacção anti-cristã que acaba por se converter numa reacção anti-portuguesa.

No entanto, e apesar disto, constata-se a permanência, até aos nossos dias, de uma comunidade cristã no Japão, "que nem os séculos conseguiram aniquilar".

Quanto ao 2° aspecto - relações comerciais entre Macau e o Japão - é claro no livro que a troca da seda da China, transportada nos barcos de Macau, pela prata japonesa, interessava às duas partes, pois a ambas proporcionava "lucros fabulosos".

Numa 1a fase, e como consequência decorrente deste facto, os mercadores portugueses e os seus missionários são bem aceites. Lançam-se, então, os alicerces da sua implantação. Mas o ambiente começa a ensombrar-se, devido não só às razões já apontadas, mas também ao "contrabando de padres nos barcos que cruzavam de Manila a Nagasáqui", que originou o "primeiro édito de expulsão de todos os varões portugueses, residentes no Japão, cujas filhas e mulheres são obrigadas a permanecer no País do Sol Nascente".

Paralelamente, há um nítido auxílio oficial aos comerciantes holandeses. Porquê esta aceitação dos Holandeses? Segundo a nossa perspectiva, porque o holandês, o "inimigo da Europa", embora profundamente arreigado à sua crença calvinista, tem uma actuação, nesta configuração geográfica, exclusivamente mercantilista: negócio é negócio, religião é religião, razão pela qual não foi objecto de uma rejeição do aparelho de estado nipónico. Aqui reside a principal diferença de actuação entre Portugueses e Holandeses. Os nossos mercadores dos séculos XVI e XVII eram intrinsecamente religiosos e incapazes de dissociar os seus interesses materiais da sua convicção católica.

A implementação e crescimento do cristianismo parecem ter determinado uma maior mobilização de padres missionários para o Japão que, naturalmente, eram transportados nos navios mercantes portugueses. Esta circunstância, reconhecida como causa do fortalecimento das convicções católicas na população local, foi determinante da decisão de fechar os portos do Japão aos Portugueses, o que aconteceu no ano de 1639.

Não serão estranhas ao descontrolo da situação outras circunstâncias que, indirectamente embora, contribuíram para a degradação das relações luso-nipónicas, como por exemplo o mau funcionamento relacional entre as ordens religiosas que se opunham aos Jesuítas. Com efeito, a Ordem de Jesus, por ter sido a primeira a sediar-se no Oriente, detinha um conhecimento bastante profundo da realidade japonesa e actuava de acordo com ele.

O Senado de Macau, cujos membros eram importantes mercadores, estava convicto de que a sobrevivência da Cidade exigia a continuidade das relações económicas com o arquipélago nipónico. Daí o empenho no envio de uma embaixada com o objectivo de, pela via diplomática, apelar "contra o édito de exclusão" do ano anterior, o que se veio a verificar aos vinte e dois de Julho de 1640.

O testemunho vivo - de que mais abaixo se dá conta - transmite à história as circunstâncias trágicas que remataram aquela missão: sessenta e uma pessoas foram executadas, sendo poupada a vida a treze para que, de regresso a Macau, servissem "de aviso que nenhum cristão se atreva ao diante a tornar ao Japão, enquanto o Sol alumiar o mundo, nem como embaixador nem como negociante".

O curioso é que os "martirizados" podiam não o ter sido. Para tanto, bastava que tivessem querido "arrenegar a fé de Cristo", tal como lhes foi proposto em conjunto e individualmente pelos "comissários do Xogum". Mas a resposta de "um bom e vacilante preto" - "Morra o corpo e viva a alma!" - sintetiza a coragem e disposição de fé dos que vieram a ser os "mártires do Japão".

Na sequência deste incidente, na verdade diplomático, com fortes motivações mercantis, a componente religião sobre-elevou-se às restantes vertentes da embaixada, mais por causa da conduta japonesa que por intenção dos Portugueses. Foram os "comissários do Xogum" quem converteu uma questão económica num acto de profunda religiosidade mística.

Esta perspectiva aparece-nos bastante bem evidenciada no livro.

Conhecidos os factos pelo relato das treze testemunhas presenciais, logo as autoridades eclesiásticas de Macau promoveram as necessárias diligências com vista à canonização e beatificação dos quatro embaixadores e seus 57 companheiros.

Com o processo praticamente concluído, um outro acontecimento, de particular significado para Portugal, vem impedir esse intento:

A Restauração da Independência a 1 de Dezembro de 1640.

A intriga madrilena encarregou-se de deixar este processo no esquecimento...

Em conclusão: um livro a não perder!

Como afirmou Henri Marrou na sua obra "Comment comprendre le métier de l'historien", "não se improvisa um historiador, como não se improvisa um físico ou um botânico", exigindo a dignidade de fazer história que esta não seja feita por amadores.

A uma profunda cultura geral é necessário, é imprescindível aliar uma autêntica cultura histórica. Benjamim Videira Pires reúne as duas. O livro "A embaixada mártir" é um valioso contributo para a História das Relações entre Portugal e o Japão e os Portugueses de Seiscentos. A temática religiosa, corpo fundamental da obra, dinamiza o estudo de outras vertentes, o que dá riqueza ao seu conteúdo.

Muito há a explorar ainda neste campo, nomeadamente o papel dos Holandeses e das autoridades de Manila e a sua interacção dialéctica com a Cidade Mercantil nos primeiros séculos de existência.

Esperamos que o Autor, porque possui vastos conhecimentos neste campo, não se furte a publicar mais obras que ajudem a compreender o complexo jogo de relações entre os Homens e a reconstruir o passado histórico dos Portugueses no Oriente, numa perspectiva de compreensão e não de julgamento.

ÁSIA PORTUGUESA por M. Manuel Teixeira

Com uma amável dedicatória, recebemos um livro interessantíssimo sobre a Ásia Portuguesa com estudos em inglês e alemão de vários especialistas na matéria.

O livro tem dois títulos, um em alemão e outro em inglês.

Título alemão: Beitrage zur Sudasienforschung ("Contribuições para os Estudos da Ásia do Sul").

Título inglês: Portuguesia Ásis: Aspects in History and Economic History (Sixteen and Seventeen Centuries).

É seu editor o Dr. Roderich Ptak, doutorado em literatura chinesa, casado com uma chinesa e nosso íntimo amigo.

É o vol. 117 do "Südasien-Institut, Universität Heidelberg" ("Instituto da Ásia do Sul, da Universidade de Heidelberg"); e é publicado pela Steiner Verlaz Wiesbaden GMBH, Stuttgart, 1987).

Conspecto Geral do livro

Depois duma breve "Nota do Editor", Dr. Roderich Ptak, segue-se uma "Introdução" de Dietmar Rother-mund, intitulada: "The Fate of the Portuguese in Asis ", em que ele dá a relação de cada trabalho que aparece no livro e uma indicação do seu conteúdo.

O campo é vastíssimo e os estudos bem apresentados, tratados por especialistas. Alguns deles trazem até novas contribuições para a História da Ásia Portuguesa.

Vamos percorrê-los apenas sucintamente, pois eles se estendem ao longo de 220 páginas.

Malcom Dunn escreve em alemão sobre "A Pimenta, o Lucro e os Direitos de Propriedade: Sobre o Desenvolvimento Lógico do Estado da Índia no Espaço Sul-asiático".

O autor, que é um economista, faz uma análise dos direitos do monopólio na Índia e chega à conclusão de que este sistema contribuiu para a queda do império português. Faz também ressaltar a falta da acumulação de capital burguês em contraste com o vigoroso capitalismo burguês dos holandeses.

John Villiers fala da "Malaca Portuguesa e Manila Espanhola: Dois conceitos de Império".

Tanto os portugueses como os espanhóis vieram ao Oriente com os mesmos objectivos: a busca de riquezas e a conversão dos gentios: almas e pimenta. Mas, ao chegar cá, adoptaram métodos diferentes para a realização destes objectivos. Tendo dois conceitos diferentes de império, aplicaram dois tipos diferentes de colonização.

Malaca era um posto estratégico, onde faltavam grandes comerciantes; Manila, pelo contrário, albergava uma classe próspera de comerciantes tornando-se um centro comercial de acumulação de capital.

Em Malaca os portugueses respeitaram as tradições locais, mantendo o governo, a administração, a estrutura social e económica e até a aparência física. Por seu turno, os espanhóis fizeram de Manila uma nova cidade, a capital duma nova província do império espanhol, foco de poder militar e naval, centro de cultura e influência religiosa, dominadora das ilhas circundantes e enterposto comercial trans-Pacífico.

Sanjay Subralmanyan trata de "Cochim no Declínio, 1600-1650. Mito e Manipulação no Estado da Índia".

O autor começa por citar uns versos de Jorge Luís Borges, "Los Borges" (1960): ... "Complida Ia faena,

Son Portugal, son Ia famosa gente

Que forzó las muralhas del

Oriente

Y se dio al mar y al otro mar de arena.

Son el rey que en mistico desierto

Se perdió y el que jura que no ha muerto".

Neste trabalho, Subrahmanyan dá um apanhado geral da história dos portugueses em Cochim e depois pergunta qual a época em que começou o seu declínio comercial.

Segundo a documentação portuguesa, esse opulento centro comercial começou a declinar na primeira metade do séc. XVII (1600-1650). Mas o historiador inglês A. R. Disney afirma que, ainda em 1630, Cochim era um importante centro comercial, citando um documento português que diz: "E assy não ha oje na Índia homens Ricos senão em Cochim". Esse comércio era mantido pelos "casados", classe burguesa que obteve até o privilégio de despachar um navio a Portugal.

Isto parece confirmar a tese defendida pelo economista Malcom Dunn de que foi a falta duma classe burguesa, como a dos holandeses, que levou à queda do nosso Império.

Foram esses "casados" que fizeram reflorescer Cochim quando os outros portos portugueses se afundaram. "No período de 1600 a 1650, diz Subrahamany, Cochim não foi o único porto na Índia Portuguesa a sofrer um declínio. Pode dizer-se o mesmo de Diu, Chaúl e até da capital do Estado, Goa. Mas, em contraste com estes portos, que nunca realmente recuperaram da "crise do séc. XVII (...) Cochim era no início do séc. XVII o único centro de comércio privado que floresceu de novo".

Roderich Ptak, editor deste livro, publica nele dois magníficos trabalhos; um em inglês: The Transportation of Sandalwood from Timor to China and Macao c. 1350-1600*; e outro em alemão: China, Portugal and der Maiadiven Handel vom frühen 15, bis zum frühen 16, Jahrhundert: Einige Bemer-hungen zur Wirtschaftsgeschieshte Südasiens ("A China, Portugal e o comércio das Maldivas desde os princípios do séc. XV até aos princípios do séc. XVI: Algumas observações sobre a História Económica da Ásia do Sul").

Ptak apresenta um trabalho magistral sobre o comércio do sândalo entre Timor, a China e Macau. Eis os pontos que ele foca.

1) O comércio do sândalo antes de 1400; 2) A era de Cheng Hó e depois de Cheng Hó; 3) O período português antes da Fundação de Macau e do Forte de Solor; 4) Após a Fundação de Macau (1550 a 1600); 5) Desde a aparição dos Holandeses até ao fim da Dinastia Ming, 1600-1644. Diz ele que Timor era quase desconhecido, tornando-se conhecido por este comércio, que lhe deu o nome de "Ilha do Sândalo" e termina citando Os Lusíadas:

"Ali também Timor, que o lendo manda/Sândalo salutífero e cheiroso" (Canto X, 134).

No outro estudo em alemão, Ptak fala do comércio português em geral; em ambos os trabalhos demonstra que os portugueses vieram substituir os chineses; diz que os chineses haviam precedido os portugueses nas várias partes onde estes adregaram de chegar. Esse comércio veio a ser interrompido pelos portugueses, tendo-se estes apropriado dos mercados mais lucrativos do comércio asiático como, por ex., o sândaIo.

Depois dos dois trabalhos magistrais de Ptak, aparece o estudo de K.C. Fah, que nos apresenta a horrível impressão causada pelos portugueses entre os chineses na dinastia Ming; mas esta má impressão foi-se desvanecendo nos anos posteriores.

Segue-se um trabalho de César Guillén-Nuñez, intitulado "Thomas Pereira, S. J., and the Eclipse of the Portuguese Padroado".

Os elogios que dá a Tomás Pereira são bem merecidos; contudo o Padroado não se eclipsou com a sua morte em Pequim, mas continuou até nossos dias, sendo eu ainda hoje membro do Padroado Português no Extremo Oriente.

O maior golpe no Padroado não foi desferido pelo Patriarca de Alexandria, Charles Maillard de Tournon, como pretende Nuñez, mas pelo nosso Marquês de Pombal com a extinção da Companhia de Jesus em Portugal e nas colónias.

Nuñez parece ignorar o local do nascimento de Tomás Pereira, dizendo que nasceu perto de Barcelos, sem mesmo dar a data do seu nascimento. Ora ele nasceu a 1 de Novembro de 1645 em S. Martinho do Vale, concelho e comarca de Vila Nova de Famalicão.

Quando cita as "Fonti Ricciane", Nuñez dá como seu autor P.M. D'Eliade, S. J.; ora, o seu nome correcto é Pe. Pasquale M. D'Elia e não Eliade, como ele repete várias vezes.

Cita como músico o italiano "Caetano"; ora não houve na China nenhum italiano "Caetano"; houve, sim, o P. Lazzaro Cattaneo, S. J. (1560-1640), mas não temos conhecimento das suas habilidades musicais.

Isto são apenas pequenos senões, que não deslustram o exaustivo estudo de Nuñez sobre o grande matemático e músico português, P. Tomás Pereira. Sobre este jesuíta, o maestro Joel Canhão proferiu na Academia de Música uma conferência, focando a sua arte musical e tocando vários trechos relacionados com ele**.

Sabemos que este maestro pretende escrever uma tese sobre o P. Pereira, como músico; sugerimos que Nuñez faça outra focando o aspecto missionário.

Finalmente, Johannes Pogl apresenta um trabalho em alemão intitulado: Beispiele Zu einer kritischen Dokumentation das Schiffsverkehrs auf der Ostindienroute in portugiesischen Schriftum des 16. und 17. Jahrunderts. ("Exemplos sobre uma documentação crítica da rota da Índia Oriental nos escritos portugueses dos séculos XVI e XVII").

Baseando-se nas fontes portugueses o autor aduz muitos exemplos dos azares da navegação para a Ásia. A navegação tornava-se difícil devido às monções e a outros problemas.

Acresce que muitos navios iam superlotados no seu regresso à Pátria. Daqui inúmeras perdas de vidas.

Felicitamos vivamente o Dr. Roderich Ptak que tão bem soube coordenar os esforços de muitos peritos sobre a história económica da Ásia Portuguesa, dando-nos uma obra séria e bem documentada.

MEDALHA DO ICM À DISPOSLÇÃO DOS COLECCIONADORES

A medalha do Instituto Cultural de Macau, cujo tema é a convivência secular entre as culturas chinesa e portuguesa, está já à disposição dos coleccionadores, na Livraria Portuguesa.

Mandada cunhar em Portugal - um dos países com maiores tradições no domínio da medalhística - a medalha é da autoria de António Conceição Júnior, vencedor do concurso lançado em Julho do ano passado pelo Instituto Cultural e aberto a todos os artistas de Macau ou aqui radicados.

O projecto vencedor recorreu a uma linguagem simbólica e contemporânea e mantem a tradicional forma circular da medalhística que, como acentua o autor, "é, na cultura chinesa, sinónimo de Céu e Universo".

A mensagem de convivência entre culturas foi dada pela utilização, na mesma medalha, de duas ligas metálicas diferentes: a prateada no anel exterior e a de bronze no círculo interior e numa lâmina recortada, vincada e destacada do plano da medalha, que sublinha a ascensão da cultura ao nível da convivência.

Para a letragem da medalha o artista utilizou diferentes relevos e um baixo-relevo para incorporação do Iogotipo do ICM.

A medalha, com uma tiragem limitada a quinhentos exemplares, é vendida a 80 patacas.

(l) José Amado Mendes - "A História como Ciência".

* Cremos tratar-se, pelo menos na abordagem geral, do estudo do Prof. Roderich Ptak publicado na RC n° 1.

** Estudo publicado neste mesmo número de RC.

desde a p. 119
até a p.