O Comércio

A PRIMAVERA DAS ARTES EM MACAU

Choi San*

Apesar das diferenças entre o abstracto e o real.

Ardentes são os corações que procuram a perfeição.

A flor revela a sua formosura adornada pela folha.

Assiste e participa também tu neste espectáculo.

Infinita é a procura da beleza E uma nova página surgirá nas artes.

Unidos participamos todos Neste Festival que é meu e teu.

Unidos participamos todos No Festival de Artes de Macau.

Com o belo hino do Festival, deu-se início à cerimónia de inauguração, no velho Teatro D. Pedro V, a 19 de Março de 1988, do Festival de Artes de Macau, iniciativa inédita em mais de quatrocentos anos.

Carlos Melancia, Governador de Macau, e Zhou Ding, director da Agência Nova China em Macau, cortaram a fita inaugural e pintaram os olhos dos " Leões do Sul e do Norte". Depois, os dois leões acordaram, ganharam força e vivacidade e começaram a mover-se, dançando ao som dos gongos e dos tambores, acrescentando à cerimónia um ambiente jubiloso.

Após a inauguração, teve lugar um "cocktail" de gala a que estiveram presentes mais de trezentos e cinquenta convidados, entre os quais se encontravam o Governador Carlos Melancia, Zhou Ding, membros do Governo e personalidades de todos os quadrantes sociais.

No mesmo dia, às cinco horas da tarde, Jorge Morbey, presidente do Conselho Directivo do Instituto Cultural de Macau, cortou a fita inaugural da Exposição de Fotografia dando, assim, início às actividades inscritas no programa do Festival que durou quinze dias e incluiu espectáculos de música, dança, ópera, teatro, exposições de fotografia, de pintura e caligrafia e de artesanato organizados por trinta e oito associações artísticas do Território com o apoio do Instituto Cultural de Macau.

Desde 1987, ano em que a China e Portugal assinaram a Declaração Conjunta sobre Macau, as relações entre os dois países têm sido amistosas e Macau tem-se mantido estável e próspero, não só no domínio económico e social mas também nâ cultura e nas artes. Sendo uma cidade internacional, Macau encontra-se em condições cada vez melhores de realizar festivais que incluam espectáculos de vária ordem. E foi precisamente neste contexto histórico que se realizou o l Festival de Macau.

Com o apoio do Governo de Macau e da Agência Nova China em Macau (órgão representativo do Governo chinês neste Território) e com a participação e colaboração de todos, a população local concretizou finalmente o desejo de ter um Festival coroado de êxito e que acrescentou novas cores a esta antiga cidade, famosa por ser "ponto convergente das culturas oriental e ocidental".

MÚSICA

A Música é uma arte com amplas repercussões sociais. Cada povo tem a sua música de características próprias que os ouvintes interpretam à sua. maneira. A Música pode conjugar-se com outras formas artísticas, tais como a poesia, o teatro e a dança, resultando dessa fusão a ópera e o bailado, formas de artes de conteúdo diversificado.

As actividades musicais têm em Macau profundas raízes populares e uma história longa. A música ocidental entrou na China através de Macau e o Teatro D. Pedro V foi um dos teatros da Ásia pioneiros na apresentação de peças de compositores ocidentais, muito contribuindo para que tanto a Música oriental como a ocidental progredissem livremente em Macau.

A Escola de Música de Macau organizou, especialmente para o Festival, um coro infantil que interpretou num Concerto de Canto as peças O Mundo É Pequeno, O Burrico e A Marcha Internacional das Crianças. A voz clara e diáfana das crianças sensibiblizou os corações dos ouvintes como se fosse uma brisa primaveril.

Chen Si Xiang executou a peça famosa de Beethoven Para Elisa, num estilo fresco e fluido, lembrando uma fonte de água transparente. O soprano Liang Wen Fang cantou "Um belo dia", ária da ópera Madame Butterfly. Acompanhado pelo pianista Shen Yong Bao, o soprano conseguiu expressar satisfatoriamente o conteúdo dessa ária.

No Concerto de Música Sinfónica e Música Chinesa, a Orquestra Filarmónica de Macau, dirigida pelo maestro Li Hong Can, executou a A Marcha dos Antigos Amigos, a Valsa das Ondas do Danúbio, A Marcha do Comandante, The Butterfly Lovers e A Sinfonia n. 41 em Db 1/0 andamento de Mozart, além de outras peças famosas. Esta orquestra é fundamentalmente composta por jovens e o nível de execução atingido demonstrou a necessidade de um grande esforço de trabalho para o seu aperfeiçoamento. Li Shi Yu, cantor do Grupo Musical Cheong Hong, comportou-se muito bem no concerto. Cantou a Avé Maria em latim e a Noite da Estepe em chinês (mandarim) revelando grande talento. Interpretou também a Serenata, que encantou os ouvintes. O trio formado por Li Shi Yu, Gao Xiang Rong e Huang Bao Xiang também foi bem acolhido pelo público. A peça A Primavera na Montanha Celestial, representada pelo Grupo Musical Cheong Hong, deu a conhecer ao público todo o sabor da vida do povo Uigur, como se de um quadro de cores vivas se tratasse, patenteando os costumes e hábitos das zonas do sul e do norte da Montanha Celestial.

No Concerto de Música Portuguesa e Música Popular que se realizou no Forum II, actuou a Tuna Macaense. Grupo musical de alto nível artístico, a Tuna Macaense já se apresentou não só no Território como também em Hong Kong, Singapura, Málasia, Portugal, Havai, Estados Unidos da América e República Popular da China. Com grande experiência artística, a Tuna é famosa em Hong Kong e Macau. Com o objectivo de homenagear Macau, este grupo canta em "patuá", traduzindo nas suas canções a cor local e o forte gosto pela vida e contribuindo, deste modo, para a divulgação de um dialecto, que é uma preciosa herança cultural com significado profundo e longínquo. A Tuna inclui guitarra-baixo, instrumentos de percussão e bandolim. A actuação deste grupo musical foi muito apreciada neste Festival. Muitos apreciadores afirmaram que, se a Tuna tivesse actuado num lugar maior, o resultado teria sido melhor.

Os jovens gostam de música popular e o Concerto de Música Popular, realizado na praça do Bairro Fai Chi Kei, foi muito vivo e alegre. Os dois apresentadores, Chen Jia Bao e Chen Guo Wei, esforçaram-se por criar um ambiente animado. Mais de dez amadores cantaram mais de trinta canções chinesas e estrangeiras, todas agradáveis e acompanhadas por danças, o que arrancou à plateia entusiásticos aplausoso. Três membros da Orquestra do Grupo Desportivo e Recreativo Hac Yeng, muito activo na vida musical macaense, actuaram no concerto como acompanhantes instrumentais, tendo a sua execução sido um bom complemento. Já perto do final, o público foi convidado a subir ao palco para cantar e dançar com os músicos, ao som da Luz da Amizade, tendo o concerto, nesse momento, atingido o auge da alegria.

CANTO E ÓPERA DE CANTÃO

Qu yi, uma forma de narração e canto folclóricos, está intimamente relacionada com a música folclórica e os dialectos. Remonta esta arte às dinastias Tang (618-907) e Song (960-1279), altura em que surgiram as formas de shuo hua (narração), gu zi ci (canto e narração ao ritmo de tambores), zu gong diao (canto e narração de histórias longas) e chang zuan (canto acompanhado do som das tabuínhas de percussão chinesas).

Durante as dinastias de Yuan (1206-1368), Ming (1368-1644) e Qing (1616-1911) surgiram muitas outras formas ou variedades de canto folclórico que, segundo as opiniões, totalizam mais de trezentos entre todos os grupos étnicos e em todas as zonas da China, com uma história de mais de mil anos.

O canto e a ópera de Cantão têm hoje grande divulgação nas províncias chinesas de Guangdong (Cantão) e Guangxi, no Sudeste Asiático e nas zonas da América habitadas por chineses. Segundo a tradição, chegaram à província de Cantão, durante a dinastia Ming, o canto de Yiyang, da província de Jiangxi, e o canto de Kunshan, da província de Jiangsu, e, no início da dinastia Qiang, a ópera de Angui e a de Hunan. Depois da sua introdução em Cantão, estes cantos e óperas começaram a influenciar-se mutuamente e a serem enriquecidos pelos cantos e músicas de Cantão, tais como o nan yin (canto do sul), o yue yu (melodia de Cantão), o long zhou e o mu yu. O long zhou é um solo cantado na travessia de barco; o cantor segura com a mão um pequeno barco do dragão (long zhou) e pendura ao peito um gongo e um tambor pequenos para acompanhar o seu canto de ritmos livres. O mu yu é o nome dado a um canto interpretado originariamente pelos budistas e depois alargado a todos os cantos de recitação. Foi assim que surgiu a ópera de Cantão, por volta do reinado do Imperador Yongzhen (1723-1735).

Na noite de inauguração do Festival, teve lugar um espectáculo de canto e ópera de Cantão, no Largo do Leal Senado, ao lado da fonte artificial. A Associação dos Empregados e Assalariados da STDM interpretou várias canções, das quais destacamos A Felicidade da Fénix Vermelha, A Pérola e a Solidão e Eternos São o Amor e o Ódio no Pavilhão da Fénix. A Associação de Ópera Chinesa de Macau apresentou um excerto de uma peça da Ópera de Cantão, Encontro em Sonho no Lago Tai, no qual Wu Shao Xian e Zhu Hua Fang interpretaram com êxito os papéis de Xi Shi e Fan Li - duas personagens de um conto de amor que dura há mais de dois mil anos. O público apreciou entusiasmado o espectáculo e, apesar do chuvisco, não arredou pé, o que é muito significativo.

No segundo dia do Festival de Artes, a Associação de Música de Canto Hou Kiang e a Associação Juvenil de Música e Canto interpretaram no Largo do Leal Senado alguns cantos famosos de Cantão: Sozinha no Pavilhão Wangjiang, Palavras do Cantor, O General Zhou Yu Faz Testamento, etc. Devido a um treino intenso, os intérpretes cantaram com boa voz, boa expressão e boa técnica.

Merece menção especial o famoso intérprete septuagenário Li Rui Zu, que cantou com grande técnica e sentimento O General Zhou Yu Faz Testamento, canto de difícil melodia antiga. Li Rui Zu conseguiu expressar, com grande arte, a dor sentida por Zhou Yu (175-210), letrado cortês e general audacioso do reino Wu, ao escrever, desesperado, o seu testamento, depois de ter sido alvo da troça de Zhu Ge Liang (181-234), o primeiro-ministro do reino Shu. Segundo o desenrolar da história, o intérprete abria de vez em quando um leque de papel que tinha na mão, fazendo-o estremecer levemente, para expressar a dor profunda que lhe ia no coração, técnica que foi altamente apreciada pelo público.

Yang Hai Cheng e Xie Pei Shan, da Associação Desportiva e Recreativa Kin Va, representaram a conhecida peça A Agressão à Filha do Imperador, que relata a história de uma princesa caprichosa que, aproveitando a sua posição social, se comporta de maneira arrogante, de tal forma que o marido, sem poder aguentar mais esta atitude, acaba por agredi-la. Os dois artistas tiveram uma interpretação muito harmoniosa, transformando a peça num momento alto do espectáculo.

O Grupo de Canto da Associação Geral dos Operários de Macau interpretou A Tina da Farinha, peça em dois actos que relata como Zhou La Mei e o seu genro Zhang Cai usaram de estratagemas engenhosos para ridicularizar o mandarim distrital, o seu conselheiro e o oficial, todos funcionários corruptos. Os artistas interpretaram tão bem os seus papéis que provocaram grandes gargalhadas na assistência.

O Grupo Desportivo e Recreativo Hac Yeng e a Associação de Música e Ópera de Macau foram os principais responsáveis pelos números artísticos do sarau de Canto e Opera de Cantão, realizado na praça do Bairro Fai Chi Kei.

Li Bi Lian interpretou o famoso canto A Partida de Zhao Jun, com bela voz e gestos graciosos (Zhao Jun era uma bela moça que se casou com o rei dos hunos a fim de promover a paz entre os hunos e o seu povo, o Han). Luo Yan Hong interpretou Guan Yun Chang, recriando a figura deste general com voz forte e sonora. Os outros números foram Mu Gui Ying Assume o Comando (sendo Mu Gui Ying uma mulher da dinastia Song que assumiu o cargo de comandante-chefe das tropas), O Vento e a Chuva Choram por Ji Ping, O Letrado Pei Critica o Traidor, e O Som do Sino no Templo, todos representados com certo nível artístico. Xie Tian Xiong e Li Hui Jun interpretaram juntos, de forma harmoniosa e muito expressiva, o excerto de uma ópera intitulada Hu Bu Gui Consola a Mulher, que muito agradou a todos os espectadores dos mais diversos níveis culturais.

O canto e a ópera de Cantão têm em Macau longa tradição e grande apoio popular, o que ficou suficientemente provado neste Festival de Artes.

TEATRO

No Ocidente, o termo "teatro" significa fundamentalmente o drama, mas, na China, esta palavra é uma designação que engloba a ópera chinesa, o drama e a ópera (ocidental).

Tendo origem no canto e na dança antiga e depois de sofrer grande evolução, o teatro é hoje uma arte que combina várias formas, desde a criação da peça até à sua encenação, direcção artística, representação, música, etc. O teatro surgiu na China em 1907, influenciado directamente pelo novo teatro japonês, denominado na altura "teatro novo" ou "teatro de civilização". Após o movimento de 4 de Maio de 1919, o teatro europeu foi introduzido na China, fazendo evoluir de forma impressionante o teatro chinês, que foi denominado na altura "teatro novo" ou "teatro chinês moderno" (bai hua ju). Em 1928, por sugestão do famoso dramaturgo e director Hong Shen (1), passou a chamar-se, em chinês, huaju (drama).

Em Macau, apesar de recente, a actividade dramática tem registado, nestes últimos anos, um interesse crescente.

No I Festival de Artes, a Associação de Arte Dramática de Macau representou O Casamenteiro, comédia do grande dramaturgo Oscar Wilde. Quando da sua estreia, em 1980, a peça foi muito aplaudida pelo público. Desta vez, ao levá-la novamente ao palco, o director, os actores e os técnicos procuraram aperfeiçoá-la, interpretando de maneira muito natural e viva os vários pares de namorados que buscam amores diferentes. De registar, a melhoria de cenário e guarda-roupa.

A Associação de Teatro Hoi In representou outra peça famosa de Oscar Wilde, A Importância de Ser Ernesto, que descreve uma história ridícula de dois jovens que se divertem com um jogo de amor, provocando comentários por toda a cidade. Mas tudo termina em bem e os namorados acabam por se casar. Toda a Associação se entregou, de corpo e alma, à representação da peça, descrevendo, com bom nível artístico, o desenrolar ziguezagueante, cheio de humor e de graça.

Equus (cavalos), peça famosa representada pela Associação de Representação Teatral Hiu Koc, é da autoria do conhecido dramaturgo Peter Shaeffer. A peça inclui cenas de conflitos religiosos e sexuais, incluindo-se no seu diálogo alguns palavrões, motivo porque é muito discutida em Hong Kong e Macau - elogiada por alguns e criticada por outros.

Equus é uma provocação constante ao público. A peça inicia-se com o caso de um jovem que vaza os olhos de seis cavalos. O psicólogo, ao tratá-lo, desvenda os problemas familiares, ficando também, inconscientemente, perturbado. A história desenrola-se aos saltos, usando os métodos das montagens cinematográficas. Ao voltar a apresentar no Festival a peça Equus, a Associação introduziu algumas inovações no cenário, na iluminação, nos diálogos e nos actores. Prescindiu-se do intervalo e aproveitaram-se os efeitos de luz para mudar de cena. Em algumas cenas, o director serviu-se da dança para expressar a perturbação psicológica dos personagens, o que constituiu uma inovação altamente criativa.

A Sociedade Dramática da Universidade da Ásia Oriental representou duas peças: O Segundo Dia do Ano Novo Lunar e Maluco por Maluco..., ambas mostrando o problema social dos jovens e adolescentes. O Segundo Dia do Ano Novo Lunar descreve um grupo de adolescentes ociosos e a sua origem social. A forma de apresentação desta peça é inovadora, recorrendo-se ao monólogo para a explicação do seu estado de alma e da difícil situação das personagens.

Maluco por Maluco... baseia-se em notícias sobre vários casos registados em Hong Kong e Macau: um universitário cometeu um roubo numa loja e, uma vez preso, acaba por enlouquecer; a mãe mata então o filho idiota e enlouquece em seguida. Nesta peça, o director utilizou um método novo: os actores saíam da plateia e subiam ao palco, a fim de encurtar a distância entre a sua representação e os espectadores. É de registar e louvar esta inovação corajosa, sobretudo se tivermos em consideração o fraco progresso que o teatro tem registado em Macau. A representação da Sociedade Dramática da Universidade da Ásia Oriental reflectiu a vivacidade do pensamento artístico e a coragem dos estudantes universitários em mostrar a vida real.

BAILADO

Todas as nações e países do mundo têm as suas danças próprias. Registando um enorme avanço, os diversos tipos de dança de Macau, como o ballet, a dança chinesa, a dança folclórica portuguesa e a dança moderna, apresentam já um nível relativamente elevado.

O primeiro espectáculo de dança neste Festival de Artes foi apresentado pela Escola de Dança Chu Un Wa, seguido da Escola de Bailado Hong Peng Wa; Escola de Bailado Choi lo Meng, Grupo de Dança da Escola Secundária Hou Kong, Grupo de Dança da Escola Secundária Kau Ip e da Associação de Dança de Macau. Muitos professores destas escolas e grupos estudaram na China, onde adquiriram sólidas bases de técnica e de teoria de dança, tendo os seus rígidos métodos de ensino surtido bons efeitos na preparação e formação dos bailarinos. Entre os dezasseis números apresentados, metade foram de ballet e os restantes de dança chinesa, espanhola, nepalesa e infantil, cada um com o seu estilo e tema próprios.

O Grupo Folclórico Van Long goza de grande reputação em Macau e, no Festival, apresentou dez danças, recentes, da sua autoria, a maioria das quais danças modernas e com temas folclóricos: O Dragão, Dança ao Compasso da Música, Miragem, No Meio, Folhas Amarelas Dançam ao Vento do Outono, Wen Tian Xiang (herói chinês da dinastia Song), A Caligrafia, Som de Sinos da Montanha, Expressão, Tribunal e Convenção. O público reagiu muito bem, tendo sido opinião generalizada que, de entre todos os espectáculos de dança, o do Grupo Folclórico Van Long pode ser considerado como o de melhor nível e criatividade.

A Caligrafia, dançada por este grupo, foi altamente apreciada no Festival. A "caligrafia" é uma forma de cultura tradicional chinesa que tem a ver com o modo de escrever com o pincel, principalmente, coma maneira de lhe pegar e de o usar e, também, com a estrutura e disposição dos caracteres. Não foi, por isso, nada fácil de expressar a arte caligráfica em linguagem de dança. Mas o autor, longe de imitar simplesmente o movimento de escrever, procurou nos gestos uma forma de expressar o carácter livre e desenvolto, próprio da caligrafia chinesa. Nesta dança há muito mais movimentos sinuosos e leves (torções do corpo, piruetas e saltos) do que movimentos rectilíneos e pesados. No palco surgem as pinceladas de brilho negro, que correm volteando junto do tinteiro chinês, também preto, fazendo lembrar um calígrafo na sua actividade, a escrever e a molhar o pincel no tinteiro. A dança, bem executada, satisfez o público.

O Grupo Folclórico Português de Macau, fundado em 1980, é composto actualmente por jovens de nacionalidade portuguesa e chinesa, sendo, alguns, alunos nas várias escolas de Macau e, outros, trabalhadores. O grupo tem por finalidade unica divulgar as danças e cantares do folclore português. Além das actuações em Macau, o grupo já esteve em Hong Kong e na República Popular da China, contribuindo para o intercâmbio da cultura e da arte sino-portuguesas.

No Festival, o grupo revelou, uma vez mais, a sua alta qualidade interpretativa. Sendo uma flor fresca e bela no jardim artístico de Macau, fruto da cooperação estreita entre bailarinos portugueses e chineses, o grupo faz parte integrante da cultura singular deste Território.

FOTOGRAFIA

A actividade fotográfica de Macau tem cento e quarenta e três anos de existência. Em 1844, o francês Yulerlger (2) tirou uma foto ao templo de A-Ma de Macau, a qual se encontra no Museu Fotográfico de Paris (França) e é considerada a mais antiga foto tirada na China, motivo pelo qual se pode dizer que a fotografia foi introduzida na China através de Macau. Hoje em dia, a arte fotográfica de Macau atingiu um nível internacional, ocupando um lugar de destaque a nível mundial. Como prova evidente desta afirmação, podemos citar os seguintes factos: entre os "Dez Melhores Fotógrafos do Mundo" (1986 e 1987), dois são de Macau, e, entre os "Dez Melhores Fotógrafos da China" (1988), três são de Macau.

Na Exposíção de Fotografia do I Festival de Artes de Macau participaram activamente três grupos: a Associação Fotográfica de Macau, a Associação do Salão Fotográfico de Macau e o Clube de Arte Fotográfica de Macau. Entre os participantes estavam os fotógrafos mundialmente famosos do Salão Fotográfico, além de gente nova, talentosa e diligente.

Entre as cento e cinquenta e três fotografias expostas nota-se a diversificação de cores e temas, apresentando, algumas delas, a paisagem de Macau e, outras, a paisagem e hábitos de outros lugares do mundo. Todas as obras, a preto e branco ou a cores, com pessoas ou animais, naturezas mortas ou paisagens, revelam a criatividade e a singularidade e representam, de modo geral, o nível artístico da arte fotográfica de Macau.

As fotografias Noite de Festa, de Ou Ping, Regresso, de Li Tong, Verdade e Falsidade, de Feng Zhi Feng, Paisagem em Portugal, de Li Gong Jian, Neve, de Zheng Hua Fu, Paisagem Nocturna de Macau, de Luo Qiu Shen, e Vivenda, de Guo Xiang Xing, fascinaram os visitantes pela sua beleza natural. As obras Oração, de Yang Su, Felicidade, de Li Ping Sen, Poente num Quarto Parco, de Liang Yan Wei, Menina, de Xue Li Qin, Alegria Geral, de Lia Chao Hong, e Noiva Chinesa, de You Fu, retratam, com grande vivacidade, chineses e estrangeiros.

Os trabalhos Sabor do Sucesso, de Li Rong Zhao, Lótus, de Ye Yong Hua, e Rede, de Lin Li Fang, assemelham-se à pintura tradicional chinesa. Todas as fotografias mencionadas revelam, não só a boa técnica dos seus autores, como um alto nível artístico em muitos aspectos.

Foi pena que o álbum fotográfico do Festival fosse impresso a preto e branco, o que retira o brilho a muitas excelentes fotos coloridas. Só por isso não se pode afirmar que o álbum é perfeito.

EXPOSlÇÃO DE PINTURA E CALIGRAFIA

Em Macau, podemos dividir a pintura em duas categorias. Uma é a pintura tradicional chinesa, cujo motivo e técnica herdaram a tradição e os métodos antigos da China. Neste caso, a pintura e a caligrafia têm a mesma origem e estão estreitamente ligadas às pinceladas que expressam ideias e sentimentos, pelo que revelam, de forma clara, a semelhança de caracteres. Nesta Exposição, pertencem ao domínio da pintura tradicional chinesa as obras Bambu, de Cui De Qi, Farol, de Yu Hui Jun, Imaginário Poético de Su Dong Pó, de Luo Bai An, A Paisagem de Ling Nan, de Zhan Wen Feng, Dançarina, de Lu Chang, Paisagem, de Chen Zhi Wei, Mestre e Discípulo, de Huang Chan Kun, e Harmonia da Primavera, de Gan Heng.

Outro tipo de pintura é a pintura ocidental, que dá primazia aos objectos e imagens visíveis, quer com perspectiva, quer sem ela. São fundamentalmente ocidentais as experiências relacionadas com a plástica, o conceito estético, os métodos de expressão e os instrumentos utilizados na pintura. Nesta Exposição estão patentes diversas escolas de pintura ocidental, das quais são exemplo as obras Horizonte Vermelho, de Guo Shi, Solidariedade, de Shao Yan Liang, Saudade da Terra Natal, de Yu Guo Hong, O Companheiro, de Liao Wen Chang, Rapariga, de Li Rui Xiang, e Templo de Ne Zha, de Tan Zhi Sheng.

Na Exposição também pudemos ver em algumas pinturas a combinação das duas técnicas, com uso de material chinês, formando um novo estilo peculiar. Estas obras são classificadas de "pintura de vanguarda" ou "nova pintura chinesa", atraindo sobre si grande atenção. Mio Pang Fei, com Cultura Oriental, Yuan Zhi Qin, com Rapariga, e Chang Zhao Quan, com Paisagem, são cultores e exemplos desta nova forma de pintura.

Quanto à caligrafia, os calígrafos macaenses Lin Jin, Lu Kang, Chen Qing Lin, Lian Jia Sheng, entre outros, enviaram para a Exposição as suas obras mais recentes, pertença de duas correntes artísticas: a do sul e a do norte. Algumas delas são de traços escarpados e inesperados; outras, de traços fluidos e delicados, fazendo com que os caracteres se assemelhem ao dragão e à fénix, que dançam com energia e vivacidade.

A Exposição de Pintura e Caligrafia do Festival foi organizada pela Associação de Belas Artes de Macau, pela Associação de Pintura e Caligrafia Yu Un e pela Associação de Pintura e Caligrafia Han lang. As três associações, com diferente número de membros, apresentam níveis artísticos diferentes. Mas, segundo o critério de distribuição equitativa, cada associação teve de se limitar a seleccionar vinte e cinco obras para a Exposição, o que prejudicou, sem dúvida, a qualidade desta. Aconteceu também que outros pintores, por não pertencerem a nenhuma destas associações, perderam a oportunidade de participar na Exposição. Portanto, é de considerar a elaboração de critérios mais razoáveis para o próximo Festival, a fim de se promover a valorização das artes da pintura e caligrafia.

ARTESANATO

O artesanato pode ser classificado em dois tipos: um é o artesanato de uso diário (textêis, louça, móveis, etc.); o outro é o artesanato decorativo, cuja finalidade única é estética ou de embelezamento (esculturas de marfim, de jade e de madeira, flores de seda, jóias de ouro e prata, todas elas intimamente ligadas à vida material e espiritual do ser humano). Em estreita relação com a História, a posição geográfica, o ambiente, a economia, o nível cultural, as condições técnicas, os hábitos e costumes e os conceitos estéticos, o artesanato revela sempre estilos diversos e concepções diferentes de vida.

O artesanato chinês tem uma história remota e é internacionalmente famoso. Prolongando e desenvolvendo esta tradição, o artesanato de Macau tem logrado êxitos consideráveis e apresenta-se hoje ao público com uma imagem nova e invulgar.

Na Exposição de Artesanato deste Festival foram apresentados objectos artesanais diversos: de porcelana e cerâmica; esculturas em madeira; esculturas em marfim; estatuetas em imitação de cobre; trabalhos em material sintético; flores de seda; obras premiadas no Concurso Infantil de Artesanato de Macau.

Liu Gui Bing é o artesão mais conceituado de Macau no que se refere ao artesanato de porcelana e cerâmica. Herdeiro do estilo de seu pai, Liu Chuan, as suas obras reflectem, com vigor, as características próprias de Shi Wan, local famoso na China pela sua porcelana e cerâmica. Um provérbio chinês diz que "o azul extrai-se do índigo, mas é ainda mais azul do que ele". Fazendo jus ao provérbio, os discípulos de Liu Gui Bing conseguiram superar o mestre, apresentando obras dos estilos mais diversos. Espiritual e ideologicamente, os jovens procuram libertar-se dos antigos métodos de criação e combinam a tradição da representação real com os conceitos abstractos da escola moderna ocidental, fazendo com que as peças chinesas multicoloridas sejam impregnadas de ocidentalismo. Trata-se, sem dúvida, de uma inovação cheia de êxito.

As esculturas de madeira patentes na Exposição agradaram de modo muito especial ao público. A madeira para a escultura é muito fina e compacta, de textura forte e flexível e de cor brilhante. Wen Zhou e Le Qing, na província de Zhejiang, e Chao Zhou, na província de Cantão, são locais onde se produz esta madeira e onde este tipo de artesanato se tem desenvolvido de modo muito peculiar. As peças apresentadas nesta Exposição, inspiradas, na sua maior parte, nas lendas e mitos da Antiguidade Chinesa, são testemunhas do grande progresso verificado no artesanato de Macau. São exemplos as peças O Rei dos Macacos Perturba o Palácio Celestial, Oito Deuses, O Robin dos Bosques da Montanha Liang Shan, Avalokitesvara Com Mil Mãos, etc. Com as suas figuras vivas e trabalhos requintados, estas peças são provas mais do que suficientes da técnica excelente e invulgar dos artesãos macaenses, constituindo peças valiosas de colecção.

Dantes, as cidades de Pequim, Cantão e Xangai eram os principais centros de arte escultórica de marfim, sendo Pequim famosa pelas suas peças com figuras de mulher, flores e pássaros, Cantão, pelas esferas delicadas com várias camadas sobrepostas e móveis, e, Xangai, pelas suas peças diminutas, com figuras.

Hoje, os trabalhos de marfim de Macau revelam grande mestria e reflectem todas as características primordiais das diversas escolas neste domínio. Pela diversidade de temas, elegância plástica, delicadeza do trabalho e criatividade, esta arte em Macau tem tido enorme sucesso e grande acolhimento nos mercados interno e externo.

Para se fazer uma estátua de imitação de cobre, é preciso misturar a resina com o pó de cobre, o estanho e outras matérias para o molde e, uma vez moldada, a peça passa por um processo de polimento minucioso. Neste Festival estavam expostas estatuetas de águias, de Jesus, de Buda, de mulheres e raparigas ocidentais e bustos de homens famosos. Trata-se de um novo tipo de artesanato destinado a coleccionadores.

As peças em material sintético constituem outra novidade em artesanato. Possuindo múltiplas variações resultantes dos diversos graus de transferência de material e sendo leves e difíceis de quebrar, estas peças gozam hoje da preferência do público.

Neste Festival, as peças expostas eram da autoria dos alunos do Amateur Continuing Study Centre e, na exposição, os artesãos apresentaram, para informação do público, todas as etapas deste processo: moldagem inicial, moldagem definitiva, peça semi-elaborada e peça já feita. Esta forma de apresentação do artesanato reveste-se de grande significado, pois é um meio didáctico extremamente vivo e explícito.

Na Exposição de Artesanato estiveram patentes cinquenta arranjos de flores de seda, feitos pela Associação de Arte Dramática de Macau, Nestes arranjos graciosos as flores ganham ainda mais beleza, traduzindo a expressão dos autores do arranjo.

Uma menção especial para as obras premiadas no Concurso Infantil de Artesanato de Macau, muito admiradas e elogiadas pelo público pela sua minuciosidade. Estas obras caracterizam-se por uma ingenuidade infantil. Cita-se, como exemplo, uma obra intitulada Expressão. Com uma inspiração muito própria, o autor aproveita uma base para colocação de ovos para desenhar vinte e cinco expressões humanas diferentes: a alegria, a ira, a tristeza, etc.

Além disso, as obras infantis são feitas geralmente com materiais não aproveitáveis, por exemplo, caixinhas de filmes que, utilizadas, se transformam num belo comboio. Todas estas peças expostas, não só revelaram a destreza das crianças de Macau, como também abrem grandes perspectivas ao artesanato de Macau.

Neste Festival, a Exposição de Artesanato foi considerada como a de "melhor nível artístico e de maior criatividade", comentário muito justo e merecido.

SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO FESTIVAL

Após quinze dias repletos de representações e exposições, o I Festival de Artes de Macau terminou, com grande êxito, no dia 2 de Abril e pode-se dizer, pelo comportamento das trinta e oito associações participantes, que o Festival atingiu os seus três objectivos previamente anunciados e que passamos a relatar:

1. O Instituto Cultural de Macau deseja fortalecer a sua cooperação com as associações culturais e artísticas, em prol do desenvolvimento da cultura e da arte neste Território.

2. Aprofundar o conhecimento mútuo entre os vários grupos culturais e artísticos e promover, assim, o seu intercâmbio.

3. Oferecer à população de Macau a oportunidade de conhecer de modo geral o statu quo e o nível da cultura macaense, para que nela participe com maior interesse.

Neste Festival, a Comissão Organizadora deu contribuições meritórias, mobilizando trinta e oito associações com mais de duas mil pessoas e dispondo todas as actividades ordenadamente, o que é digno de louvor tendo em consideração a dificuldade do trabalho. Enio José de Souza, presidente da Comissão Organizadora do Festival, e John Lai, o director executivo da Comissão, deram o seu melhor contributo e grande exemplo pelo modo amável, modesto e eficaz com que trabalharam.

Além disso, todos foram unânimes em considerar um êxito o Festival que, apesar da sua envergadura, só dispendeu cerca de setecentas mil patacas - nas quais estão incluídas todas as despesas de aluguer dos locais, subsídios aos intérpretes, despesas de administração e publicidade - o que constitui um exemplo raro de economia e eficiência.

De momento, as receitas obtidas com a publicidade e a venda de bilhetes reverteram para um Fundo dos Futuros Festivais de Artes. Entretanto, é necessário angariar mais meios para próximos festivais - projecto a longo prazo, que ganhará, sem dúvida, o apoio de todos os círculos macaenses.

Jorge Morbey, Presidente do Instituto Cultural de Macau, assinalou, no final do Festival, que se efectou "um fecundo trabalho conjunto, tendo por meta a realização de um grande certame demonstrativo das (...) capacidades e realizações" das associações culturais.

Hu Hou Cheng, vice-director da Agência Nova China em Macau, também disse aos jornalistas: "Foi a primeira vez na História que se realizou um Festival das Artes em Macau. Com a chegada da Primavera ao Sul da China, chegou igualmente um Festival de carácter cultural e artístico de grande alcance. Macau encontra-se num período de transição e faço votos de que os festivais deste tipo continuem a ser realizados em prol da maior prosperidade do Território".

Macau possui, desde há muito tempo, um carácter cultural muito particular. Desde que, há mais de quatrocentos anos, se tornou um porto aberto, Macau ganhou a fama de ser um "ponto convergente das culturas ocidental e chinesa". Agora, com a colaboração mais estreita entre o Instituto Cultural de Macau e as associações culturais e artísticas, o Festival das Artes de Macau será cada vez melhor.

"A Primavera traz o vento leste que faz desabrochar as flores" - foi com este verso que há mil e duzentos anos o grande poeta chinês Li Bai celebrou, com entusiasmo, esta estação. Também agora chegou a Macau a Primavera das Artes. E, banhada pela brisa primaveril, a flor do Festival das Artes, em que "unidos participamos todos", desabrochará com maior brilho e formosura.

NOTAS

(1) Hong Shen (1894-1955), também chamado Qian Zai, natural de Chang Zhou, província de Jiangsu. Estudou nos Estados Unidos da América e, em 1922, voltou à China para se dedicar às actividades dramáticas, em Xangai. Na década de 30, dirigiu a Associação Dramática Fu Dan e a Associação de Teatro e participou na Associação Nanguo. Contribuiu muito para o desenvolvimento do "drama" na China.

(2) Yuler Iger, fiscal-geral da alfândega francesa, esteve, em 1844, na cidade de Cantão, passando por Macau, onde participou nas negociações sino-francesas sobre o Acordo de Huang-pu.

*Jornalista

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