Atrium

RC - Um ano de publicação

Lugar de reunião e diálogo - entre culturas várias e autores divergentes - RC quis aproveitar o seu 1° Aniversário para se rever na opinião de alguns dos seus principais colaboradores ou mais assíduos leitores.

Assim, juntámos alguns "recortes" de imprensa com depoimentos por nós solicitados, com a exortação de distanciamento crítico, aos autores de princípio inibidos pela estreita ligação à nossa publicação.

Aqui os deixamos.

E nem a bondosa apreciação que deles resulte será moderador à severidade com que pensamos continuar a reflectir-nos, em aproximação do modelo que idealizámos.

A "Revista de Cultura" tem, a nosso ver, um pecado: a cada número que recebemos aumentam dentro de nós as saudades pela gente e pela terra da Cidade do Santo Nome de Deus de Macau.

Faz-nos evocar um passado de séculos, a gente admirável dos que mantiveram Português um pequeno Território encravado nas costas da China, o esforço de um povo que soube manter uma identidade e preservar as raízes e o sincretismo forjados no encontro de duas civilizações. Leva-nos ao estuário do Rio das Pérolas, ao Forte da Guia, à Taipa ou a Coloane, mostra-nos a fachada da Igreja de S. Paulo, as fortificações do alto, o seminário do Padre Teixeira.

E acima de tudo revela-nos em suas policromáticas a alma de um povo, a sua cultura, a sua arte, a sua literatura, a sua estética, a sua maneira de falar, de sentir e de rezar. À distância, só podemos fazer votos de que a RC continue a ser um traço de união entre o Oriente, cheio de fascínio e de mistério, e o Brasil - de onde escrevemos - também ele milagre e projecção do génio lusíada.

Cumprimentos.

Rio de Janeiro, 30 de Março de 1988.

A. Gomes da Costa

Presidente da Federação das

Associações Portuguesas

e Luso-Brasileiras.

A "Revista da Cultura" completa agora um ano de existência. Em boa hora encetada, marcou auspiciosamente a presença da cultura portuguesa nesta área geográfica e veio preencher uma lacuna que se fazia sentir e não fora colmatada desde que a revista "Mosaico" cessara a sua publicação, há muitos anos.

Conhecendo como conhecemos Macau, onde as mais belas iniciativas têm morrido pela base, por falta de apoio, de coragem e persistência, a R. C. que se publica em três línguas deve ser acarinhada por todos aqueles que se sentem responsáveis pela difusão da cultura. Principalmente, porque imprime a sua ênfase nas "coisas de Macau", naquilo que a tornou ímpar e tem sido o fascínio eterno para tantos e não são poucos.

Na hora crucial que passa a sua história multissecular, Macau precisa de vozes para testemunhar aquilo que foi e é, com vista ao futuro dramático que a espera.

Trilingue como é e de excelente apresentação gráfica, a R. C. possui um vasto papel a cumprir neste sentido. Faço votos que, sem esmorecimento, sempre insuflada por um espírito de missão, alcance o desiderato que inspirou a sua criação.

Macau, 25 de Março de 1988.

Henrique de Senna Fernandes

Advogado e Escritor de Macau

Foi uma ideia brilhante a de iniciar um projecto como a "R. C.", empreendimento que serve a cultura, em geral, e a cultura portuguesa, em particular. A cobertura de R. C. é extensiva e fico-lhe devedor pelas informações que me dá, por exemplo, sobre o progresso cultural que se tem verificado na China nos últimos tempos.

Um artigo como o de Giberto Freire é extremamente importante e sui generis.

Com os meus cumprimentos.

Bombaim, 28 de Março de 1988.

George Moraes

Director do Instituto de

Investigação Histórica, Bombaim.

(...) "Revista de Cultura" é bem o espelho do Território - uma obra de cultura luso-chinesa. Como se lê numa das páginas da revista, "publicar é dar mais alma ao futuro", porque, "nos livros Macau perdura". E assim se justifica o aparecimento da "Revista de Cultura" que inclui textos do maior interesse, porque todos eles se situam a nível da investigação, da informação cultural ou da divulgação, com toda a magia e sedução de tudo quanto vem das terras do Sol Nascente - que não são apenas as do Japão mas também estas da China.

Não é possível, numa pequena nota informativa, incluir uma palavra síntese de apreço pela maioria dos textos. Em todo o caso, não deixarei de assinalar para novas leituras o artigo de Graciete Batalha, muito largamente fudamentado ao escrever "Este nome de Macau" e a evocação, escrita e belamente ilustrada por Carlos Marreiros, sobre Luís Gonzaga Gomes, um eminente sinólogo que poucos conhecerão em Portugal. (...)

Poderemos então pensar que esta "Revista de Cultura" é uma espécie de guarda avançada do papel que virá a desempenhar a muito falada Fundação do Oriente? (...)

A presença de Ai Qing "o maior poeta da China", ao lado das magníficas páginas consagradas ao conde de Ficalho, bastariam para identificar a revista com os propósitos enunciados. Mas há ainda outros temas correlativos da coabitação cultural dos dois povos que convém ler e meditar. Finalizo, chamando a atenção para a magnífica apresentação da "Revista de Cultura". O papel, a impressão, a paginação viva e as ilustrações de sinais tão vincadamente luso-chinesas, são exemplares.

Lisboa, 18 de Agosto de 1987.

"Uma leitura", in Diário de Notícias

(Lisboa)

Manuela de Azevedo

Ensaísta e Crítica

A Revista de Cultura qualifica o nosso quotidiano.

Alguns temas ou pontos de vista suscitam o desejo de encontros numa tertúlia imaginária (talvez possível?), onde autores e leitores formalizem com abertura o diálogo cultural que tanto apetece e falta no dia-a-dia de Macau.

O espaço que veio preencher encontrava-se deserto, a meu ver, desde o último número do Boletim do Instituto Luís de Camões (1981). Toda a produção congénere que o antecedeu e que foi preciosa - lembremos o Semanário Macau (1918-19), as Revistas Oriente (1915), Renascimento (1943-45), Mosaico (1950-57), a Colectânea Ta-Ssi-Yang-Kuo (1899-1904), para só falar dos principais em língua portuguesa - toda essa produção numa linha de eclectismo cultural viveu sob o impulso dos seus entusiastas criadores e com eles diria que "morreu", se não fossem as informações palpitantes de vida que nos proporcionam sobre o passado recente.

Em plena pujança temos agora a Revista de Cultura. Cada número é recebido com ansiedade, passa de mão-em-mão, é comentado com animação. Da sua excelência dirá, mais do que nós, o futuro.

Ela viverá não só enquanto for editada, mas enquanto os utilizadores a procurarem como fonte de informação. E ajudando a concretizar a sua irradiação, dispõe o I.C.M., no Sector Editorial, de meios humanos e técnicos que têm provado a sua elevada competência e recursos ao longo do primeiro ano de vida da Revista, pelo que está de parabéns.

Há concerteza aspectos que poderão melhorar: talvez, sem prejuízo da abertura que se quer imprimir, seja possível encontrar uma articulação de textos mais equilibrada, sem prejuízo do velho aforismo Varietas delectat, mas no sentido de uma maior exigência na oposição do contraste de qualidade; será interessante, por outro lado, criar secções de Ensaio e Crítica (Literária/Musical/Cinematográfica...).

De resto, e tendo estado com a Revista de Cultura desde a 1ª. hora, sinto que é bom que viva em nós a sensação incómoda, mas por isso mesmo dinamizadora, de que o Projecto e a Realização aguardam sempre novos números para se sobreporem.

Macau, 21 de Março de 1988.

Beatriz Basto da Silva

Investigadora e Historiadora

Uma revista de natureza cultural, rica ou sóbria na sua qualidade gráfica, qualquer que seja a entidade responsável pelo seu envio ao prelo, é sempre uma publicação desejada e bem acolhida em Macau. Nesta terra de sonhos, onde a cultura é acarinhada e se distingue como uma das maiores riquezas das suas gentes, há muitos cultores das letras que se comprazem em escrever, e sabem fazê-lo com pena admirável, assim como há incontáveis estudiosos que derivam da boa leitura enorme prazer espiritual.

Da Revista de Cultura, que o Instituto Cultural de Macau com tanta solicitude vem editando, algo mais há a dizer.

Trata-se duma publicação de indiscutível utilidade, aliciante, condigna e até arrojada. Atraente em todo o seu aspecto gráfico, profusamente ilustrada, a revista integra trabalhos literários de alta qualidade, abordando temas variados e de real interesse. Obra de divulgação das mais raras no Território, a RC atinge em cheio os seus objectivos. É uma publicação que prestigia o nome de Macau em qualquer parte do Mundo.

No entanto, a revista peca, algumas vezes, por sair com gralhas impertinentes, destoantes de todo o excelente conjunto da obra; é uma "arrelia" que tem de ser combatida com persistência, embora se saiba quanto isso custa.

Editada em três línguas - português, chinês e inglês - a publicação deve estar a ocasionar dispêndios elevados, tanto em dinheiro, como em esforços. Sendo, como é, uma revista de divulgação, criada essencialmente para difundir o que se passa ou aconteceu outrora em Macau, afigura-se-me louvável a ideia de ela se editar nas três línguas, mas o que não vejo é necessidade de todos os trabalhos mandados em português para publicação serem sistematicamente vertidos em chinês e em inglês. Na minha modesta opinião, há escritos que, honrando embora a pena dos seus autores, não têm de, necessariamente, ser traduzidos. Penso que devia haver um critério de selecção que fizesse seguir para a mesa dos tradutores apenas trabalhos cujo conteúdo se revele, de facto, merecedor de ser vertido em chinês e/ou inglês. Assim, já as edições chinesa e inglesa poderiam aparecer menos volumosas, a ponto de se permitir que as duas se reunissem num só volume, com bastante economia de dinheiro e tempo, ambos sempre preciosos. O que se disse não passa de uma mera opinião pessoal, que pode estar errada.

Não se pretende, de modo algum, diminuir o mérito da Revista de Cultura, publicação prestigiante de que Macau e a entidade editora bem se podem orgulhar. O certo é que a RC, se não existisse, haveria de ser inventada, porque uma publicação do seu género é das poucas coisas boas que ainda existem na nossa Macau de hoje.

José dos Santos Ferreira

Escritor de Macau

Uma publicação que queira colocar-se honestamente ao serviço da identidade colectiva de qualquer sociedade só merece o meu respeito, todo o respeito, e avenidas abertas para prosseguir o caminho.

É precisamente isto que penso quando penso, por exemplo, na RC. Com maiúsculas. Porque se trata de uma Revista de Cultura onde se detecta que quem a executa bebe de Macau aquilo que imagino deverão ter sido, por gerações, muitas das ambiências que deram corpo à cultura desta terra.

Mas não sõ. Da leitura da RC ressoa o grito a avisar-me da obra cultural construída por homens e mulheres que já partiram e por homens e mulheres que ainda estão.

Ao responder à solicitação para este depoimento sobre a RC, quero nele significar a minha apreciação pelos cuidados e magnífico gosto postos na globalidade da sua mancha gráfica.

Considero também que esta publicação do ICM tem vindo a intensificar aquilo que é a sua grande característica: a atenção e a análise sobre o contexto histórico de Macau, enquanto factor essencial que nos ajuda a compreender os grandes momentos que marcaram e marcam, de forma tão peculiar, o seu tecido social.

Para o homem dos primeiros estágios culturais não terá sido fácil arquivar na memória o somatório de experiências e estímulos recebidos. Mas progressivamente foram-se desenvolvendo técnicas, aproveitando instrumentos formalizadores de ideias - o barro, a pedra, as tintas, o pincel, a palavra dita e escrita, o estilo. Porque guardar, preservando, é comportamento indissociável do ser. Porque o acervo cultural de qualquer colectivo só alcança a posteridade, só se transfere a outros seres, só comunica uma época a outra quando é recolhido, organizado, acarinhado, preservado. E, depois disso, exemplarmente divulgado. É isto que me transmite a RC, Revista de Cultura.

Simultaneamente testemunho, estafeta e guardiã de grande parte do património cultural de Macau.

Hora de efusivos parabéns, portanto.

Macau, 29 de Março de 1988.

Helder Fernando

Jornalista, director-executivo da

Revista "MACAU".

A Revista Cultural de Macau desempenha um papel fundamental na expansão da Cultura de Língua Portuguesa na Ásia.

Entre os ensaios publicados saliento os dedicados à cultura da China, a Cesário Verde e à "Femme Assise" de Manet.

Espero que no futuro a Revista possa expandir o âmbito das suas perspectivas, incluindo artigos sobre a presença portuguesa na Tailândia, na Índia, na Arábia e em lugares remotos da Ásia Central. Teria interesse uma série de artigos sobre os grandes viajantes portugueses da Ásia. A Revista distingue-se pelo magnífico aspecto gráfico. Espero que a Revista continue a transmitir a sua mensagem de tolerância e compreensão a todas as culturas da Ásia. Por isso, de Kyoto, a "metrópole da nação japoa" segundo Fernão Mendes Pinto, e "Florença da Ásia", segundo Teixeira-Gomes, envio uma saudação calorosa, no momento em que se celebra o I Aniversário da Revista de Cultura de Macau.

Com os melhores cumprimentos.

Kyoto, 25 de Março de 1988.

Jorge Dias

Leitor de português na

Universidade de Kyoto.

"A recente visita do escritor português Miguel Torga a Macau e o seu encontro com o poeta Ai Qing, um dos mais populares e festejados escritores chineses, proposto, por grupos de intelectuais, ao Prémio Nobel da Literatura, representa sem dúvida, um passo adiante nas relações culturais sino-portuguesas.

Uma efectiva política editorial foi traçada pelo Instituto Cultural de Macau, através da publicação da Revista de Cultura, de circulação trimestral. Apresentada em magnífico papel e com esmerada produção gráfica, a RC inclui ensaios, artigos, entrevistas e reportagens fotográficas".

Carlos d'Alge

"Macau: política e cultura"

Editorial in "O Povo" (Fortaleza,

Ceará-Brasil).

Não é fácil, nem talvez necessário, que um colaborador se pronuncie sobre uma revista em que colabora. Parte-se do pressuposto, creio eu, de que, se alguém não acredita numa publicação, não estará disposto a inscrever o seu nome nas páginas da mesma.

No entanto, uma vez que me foi solicitado um pequeno depoimento sobre a Revista de Cultura, não responderei com um silêncio que poderia também ser mal interpretado.

Penso que a RC veio preencher uma lacuna que muito se fazia sentir na vida macaense e dar continuidade a uma longa tradição, intermitente mas sempre renovada, de publicações de cultura em Macau - desde o semanário Ta-ssi-Yang-Kuo, fundado em 1863, até ao não há muito tempo extinto Boletim do Instituto Luís de Camões e ao felizmente ainda activo Boletim da Diocese de Macau, e passando por revistas também de real valor mas vida efémera como foram Oriente, Renascimento ou Mosaico.

Sem dúvida que a presente Revista, orgão do Instituto que não tem, mercê de circunstâncias mais favoráveis, as limitações de que sofreram outros, como o "Instituto de Macau", o "Círculo Cultural de Macau" ou o "Instituto Luís de Camões", suplanta de longe as publicações congéneres que a precederam, quer pela variedade de temas que explora e maior número e disponibilidade de colaboradores, quer por um primoroso aspecto gráfico que faz dela um prazer não só para o espírito como também para os olhos.

Contudo, pergunto-me se essa apresentação, que diria mesmo luxuosa, convém inteiramente aos fins que uma revista deste género se propõe. Porque, inevitavelmente dispendiosa, não estará tão acessível à bolsa comum quanto seria para desejar numa verdadeira missão de divulgação cultural.

Seja, porém, como for, estou certa (e julgo que posso escorar a imodéstia no facto de ser apenas uma esporádica colaboradora) de que a RC suscita nos seus leitores um voto uníssono: que uma vida longa e fecunda lhe permita continuar a marcar, de modo tão digno, a presença da cultura em Macau.

Macau, 21 de Março de 1988.

Graciete Batalha

Linguista e escritora de Macau

A questão da "Cultura" em Macau não é pacífica.

Debatem-se à sua volta conflitos de apropriação vários, cada um com os seus protagonistas, embora nem sempre homogéneos (seja no discurso, seja no projecto), nem sempre fiéis: a cultura é portuguesa/mediterrânica/ocidental (e cristã?) afirmam agora uns; é chinesa/pacífica/oriental (e budista?) dizem logo outros; é macaense/local/mestiça (e católica?) clamam ainda alguns mais.

Mas para todos é, mais ou menos, para pendurar nas paredes do(s) museu(s), nas prateleiras das Bibliotecas, em suma, onde não faça perca nem dano, ao Progresso (de Macau).

Este "Progresso", ao contrário daquela "Cultura", não divide no entanto ninguém, tem a cor do dinheiro fácil e expedito e o sentido apurado do (pouco) tempo e do (mau) modo.

Nietzche disse (cito de cor) que um tempo virá em que a história só se saberá justificar enquanto fenómeno estético.

Até lá muito sabor se irá perdendo, desde o nosso queijo de Azeitão, à bebinca Goesa ou ao diabo de Macau, saber elaborado, de organizar o mundo das coisas à medida do desejo, segundo o gosto de viver, fazendo, mais do que acumulando:

"... Estes estrangeiros são, porém, de natureza, pródigos, com o que ganham, a pouco e pouco, vivem em casas, vestem-se e comem com luxo e extravagância, procurando excederem-se uns aos outros".*

"... A leste navega uma solitária jangada.

Nós andamos sempre a flutuar no Universo, como seres estranhos".**

P. S. - Houve, no meu tempo de estudante, uma revista de Arquitectura italiana, leitura obrigatória de geração, chamada "Architettura, chronaca e storia".

Crónica e história, subtítulo programático que a "Revista de Cultura", embora não ostentando, tem afinal cumprido!

Desejo-vos um segundo ano com maior proeminência, ainda, para a "crónica", também como protagonistas.

Macau, 16 de Março de 1988.

Manuel Vicente

Arquitecto

*OU-MUN KEI-LEOK (pág 184).

Monografia de Macau por Tcheong-U-Lâm e Ian-Kuong-Iâm (1751).

Traduzida do Chinês por Luís G. Gomes, Editada pela Secção de Publicidade e Turismo da Repartição Central dos Serviços Económicos;

Impresso em Macau no Ano de 1950 pela Imprensa Nacional.

**Ibidem (pág 121)

Poder-se-ia abrir - é quase uma tentação-por um comentário à apresentação gráfica da RC, sem dúvida a par das melhores. As artes gráficas podem contribuir para que uma publicação aparente mais do que aquilo que é. Mas não é o caso! É também o conteúdo gráfico que imprime qualidade à RC, como uma manifestação de mensagem cultural preocupada.

Na diversidade de temas, surge a convergência sistemática, consubstanciada pelo reconhecimento das culturas que se encontram definitivamente em Macau: a secular cultura portuguesa e a milenar cultura chinesa.

É, assim, numa perspectiva dualista que deveremos abordar o que oferece ao leitor interessado uma publicação como a RC.

Por um lado, a profundidade temática, com rigor histórico saído de aturada pesquisa e estudo, aliada a uma expressiva objectividade dos textos; por outro, a cuidada e selectiva apresentação - sendo visível a criteriosa revisão - que completa o texto, complementando-o, animando-o, virtuando-lhe a mensagem.

Na conjuntura actual, o lugar ocupado pela RC não pode ficar vazio, sob pena de se reduzir, gravemente, o espaço cultural da Cidade do Nome de Deus.

A responsabilização dos colaboradores é, por conseguinte, sempre activa, assumindo o poder-dever de não frustar as expectativas que a RC alimentou.

Que avance numa linha de análise e reflexão do passado colectivo de Macau - sempre marcada por uma atitude crítica e científica ajustada, mas independente - para que, em inteligente alquimia, enlace o passado com um futuro que importa construir com serenidade. Para servir bem "este" presente.

Macau, 12 de Março de 1988.

Celina Veiga de Oliveira

Investigadora de temas da História

de Macau

Sem necessidade de defrontarmos complexos tantas vezes injustificados, temos de concordar que, apesar de tudo, também existe o positivo, neste capítulo do conhecimento e recolha cultural. Nesta fase, porque é da actualidade que falamos, não ficará mal reconhecer e sublinhar o que se tem tentado conseguir com êxito. A título de exemplo, assinalamos aqui a "Revista de Cultura" editada pelo Instituto Cultural de Macau. Da terceira edição, que igualmente veio a lume na última semana, desde logo destacamos o seu conteúdo. Dizem-nos tantas experiências semelhantes, quer no espaço nacional, quer no que se vai vendo por outras bandas, que este tipo de coisas começa por levantar voo do alto da montanha e, depois, a continuidade rapidamente fica comprometida, porque há sempre dificuldade em manter os padrões elevados que a Cultura merece. A "RC", bem pelo contrário, nasceu com os pés assentes e parece ter começado a bater as asas com saber. O terceiro número em língua portuguesa julgamos que demonstra a capacidade para atrair colaboradores e alargar o seu alcance.

Isto, só por si, merecia-nos a menção, que vem a propósito. Mas ainda acrescentamos que a qualidade de acabamento com que a "RC" aparece revela outro pequeno pormenor: o baixo custo do bom papel, da separação de cores e de tudo isso está também a ser aproveitado por quem quer fazer um trabalho sério. E o ICM consegue-o neste caso, permitindo que a "RC" não envergonhe uma qualquer estante, onde ela tem cabimento até para consulta, deixando-a aparecer, mesmo assim, a um preço de capa perfeitamente aceitável em Macau e definitivamente tentador em Portugal. Chama-se a isto ter metido mãos à obra com um objectivo definido, que nem sequer inibe colaboradores - atente-se no número de páginas que foi agora conseguido - e que promete ter vindo para ficar e perdurar.

E, faça-se justiça, que perdure.

(In "Anticultura portuguesa chegou

a Macau? - Quando há formas

diversas de cultivar a cultura",

C. C., "O Clarim", 25-3-88).

(...) Esta versão da "RC" em chinês constitui um acontecimento marcante na história cultural de Macau e nas relações seculares luso-chinesas.

Por um lado, porque é a primeira vez que uma publicação periódica desta envergadura é editada integralmente em Língua chinesa, e por outro, porque se lhe destina um papel importante de exploração e aprofundamento na relação e intercâmbio entre as Culturas portuguesa e chinesa, num quadro optimista aberto pela recente assinatura do Acordo político entre os dois países. (...)

Macau, 29 de Maio de 1987.

in "O Clarim" (Macau)

(...) Este "Boletim Cultural", trimestral, tem excelente apresentação gráfica nas suas 124 págs. em papel "couché", profusamente ilustrado a cores, e no seu sumário destaca-se a problemática ligada às relações Portugal-China e "Homem português - Homem chinês" e a matéria dedicada a Ai Qing, considerado o maior poeta vivo da China, para quem é pedido o Prémio Nobel, de que se traduz uma pequena (espécie) autobiografia e alguns poemas.

Lisboa, 10 de Agosto de 1987.

in "Jornal de Letras" (Lisboa).

A propósito de uma carta de

D. Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim (1782-1808)

Na "Revista de Cultura" n° 2, págs. 35-39, a Dra. Beatriz Basto da Silva publicou um interessante artigo intitulado: Várias epístolas - um perfil: Dom Frei Alexandre de Gouveia - Bispo de Pequim.

Aí aparece a Carta do Excellentissimo e Reverendíssimo Sr. Bispo de Pekim ao Illustríssimo Bispo de Calandro.

Essa longa carta foi por nós copiada no Arquivo da Academia das Ciências de Lisboa. É uma versão portuguesa duma carta que D. Alexandre escreveu em latim.

Infelizmente, o tradutor português trocou o nome: em vez de "Caradrense, ou de Caradro", escreveu "Calandro" (1).

O historiador da Igreja Católica da Coreia, Pe. Andreas Choi, nosso amigo, publicou na Suíça em 1961, essa carta latina na íntegra no seu bem documentado trabalho, intitulado L'election du premier Vicariat Apostolique et les origines du Catholicisme en Corée.

Aí aparece o nome correcto do Bispo "Caradrense" e não Caladrense ou de "Calandro". O Pe. Benjamim Videira Pires publicou um extracto incompleto da mesma carta na revista "Religião e Pátria", de 14.01.62, com o título:

Extractum Epistolae D. Pekinensis ad D.

Episcopum Caradrensem.

Aqui temos o nome correcto: "Caradrense", este extracto foi por nós publicado em A Missão da Coreia, pág. 185.

Caradro

Temos, pois, que o Bispo, a quem Dom Alexandre escreve essa longa carta latina, datada de 15.08.1797, era o Bispo Caradrense ou Bispo titular de Caradro.

Os prelados que não eram Ordinarii loci (Ordinários do Lugar) ou bispos efectivos duma diocese delimitada, recebiam o título duma diocese antiga, já extinta, das outrora florescentes dioceses da Ásia Menor ou Médio Oriente. Assim todos os Vigários Apostólicos eram nomeados para um território duma Missão ou vicariato e recebiam o título de uma antiga diocese, sendo, não bispos diocesanos, mas apenas titulares.

D. Alexandre de Gouveia era bispo diocesano de Pequim ou Ordinarius loci; e não era titular. A sua carta foi endereçada ao bispo de Caradro.

Onde ficava a antiga diocese de Caradro? Em Isáuria, que era um pequeno distrito da Ásia Menor, na região do Taurus. O nome vinha-lhe da cidade de Isaura, situada na margem E. do lago Caralis, e era atribuída quer à Frígia, quer à Licaónia ou à Pisídia.

Mais tarde, a Isáuria estendeu-se para E. e S. E., compreendendo toda a Traqueótida: ela formou uma província da diocese do Oriente, a da Cilícia; a capital desta província era Selêucia Traqueia. Ficou célebre na história o Imperador do Oriente Leão, o Isáurio ou Isauriano, que reinou em Constantinopla de 717 até 741, ano em que morreu.

O Bispo Caradrense

Quem era este bispo que se interessava pela Missão da Coreia e a quem Dom Alexandre escreveu em latim para satisfazer a sua curiosidade?

Era Mons. Jean Didier de St. Martin, M. E. P., que nasceu em Paris a 18 de Janeiro de 1743. Doutorou-se na Sorbonne; partiu para a China em Dezembro de 1772; missionário no Sutchuan em 1774; sagrado com o título de bispo de Caradro, na Isáuria, em 13 de Junho de 1784, por Mons. François Potier, bispo titular de Agatópolis, vigário apostólico do Sutchuan.

Desde então Didier ficou coadjutor de Potier, vigário apostólico do Sutchuan, e sucedeu-lhe quando este faleceu em 28 de Setembro de 1792.

Didier foi preso a 8 de Fevereiro de 1785 e depois exilado; reentrou no Sutchuan a 11 de Janeiro de 1789. Tinha o título de vigário apostólico do Sutchuan e administrador do Yun-nan e do Koi-Tcheu.

Sobre este bispo escreve Launay: "No ano de 1808, a 15 de Novembro, morreu em Tchen-tu, no Sutchuan, Jean Didier de St. Martin, de Paris, doutor da Sorbonne, antigo director do seminário de S. Luís, bispo de Caradro e vigário apostólico do Sutchuan.

Sendo ainda coadjutor, foi preso, posto a ferros e enviado a Pequim, onde foi condenado a prisão perpétua. Na prisão e no pretório anunciou o Evangelho aos juízes, aos oficiais, e a todos aqueles que se aproximavam dele e conquistou a sua admiração e o seu respeito.

Indultado pelo imperador Kien-Long após seis meses de cativeiro, procurou regressar quanto antes à sua missão e conseguiu-o, apesar de todos os obstáculos.

Durante 27 anos trabalhou sem descanso, e no seu leito de enfermo compôs ainda e traduziu livros em chinês. Como insistiam com ele para que repousasse, respondeu: "Farei eu um crime ao comparar-me com muitos santos bispos ou padres, que morreram prematuramente por se haverem consumido ao serviço de Deus e do próximo?"

Uma das suas últimas recomendações ao seu sucessor, o mártir Gabriel-Taurin Dupresse, foi esta: "Trabalhai com grande cordialidade, deferência e benignidade para com os colegas".

Em 1822, publicou-se um volume das suas cartas. (2)

Manuel Teixeira

(1) Chamou-nos a atenção para este erro o Pe, Carlo Socol, SDB, da "Salesian House of Studies" de Hong Kong, professor de História Eclesiástica, que nos advertiu de que "Calandro" é um território situado na Itália do Sul, mas que nunca foi diocese; e que o Bispo devia ser Caradrense e não Caladrense ou de Calandro.

(2) Launay, Memorial de la Societé des Missions Etrangères (Hong Kong 1888), pág. 401.

Nota da Redacção

De Beatriz B. da Silva, autora do artigo Várias Epístolas - um perfil: Dom Frei Alexandre de Gouveia - Bispo de Pequim, inserido no n° 2 da Revista de Cultura (edição em português), pp. 35 a 39, recebemos com pedido de publicação:

Nas Notas (1) e (8), onde se lê Macau e a sua Diocese, 1940, deve ler-se Arquivos da Diocese de Macau, 1970.

A A. avança ainda no artigo a hipótese de uma tentativa de tratado, que aliás nunca se consumou, com base no pedido expresso por carta de um cristão da Coreia ao Bispo de Pequim e que o Prelado cita ao escrever ao Bispo de Calandro:

"Ora entre os meios, que o dito Missionário e mais Christaos apontão para conservar e augmentar o Christianismo na Corea, hum que lhes pareceo o melhor, e perferivel a todos os mais, he o de pedir com toda a instancia a Rainha Fidelissima queira mandar hum Embaixador ao Rey da Corea, acompanhado de missionarios instruidos nas Sciencias Mathematicas, e na Medicina, para vir a Capital comprimentar o Rey em nome da Rainha Fidelissima, e contrahir com elle amizade reciproca. Deste modo acontecerá (dizem os Coreanos) que o Rey actual do (sic) Corea, tendo hum bom natural, sendo apaixonadissimo da Mathematica e da Mediciana (sic), não tendo aversão a Religião Christã; e por outra vendose obrigado pelos obsequios de hum Embaixador Europeu, tanto auctorizado... etc.".

(Arquivos da Diocese de Macau, 1970, p. 59.)

Infelizmente este optimismo não tinha o menor fundamento, como confirmaram as constantes perseguições ulteriores.

Beatriz Basto da Silva

desde a p. 3
até a p.