Artes

RESTAURO DE TRÊS ESTÁTUAS DO MUSEU DO SEMINÁRIO DE S. JOSÉ

M. Manuel Teixeira*

Marie-Pièrre Astier, conservadora de objectos de arte, passou todo o mês de Agosto de 1987 a trabalhar no Museu de Arte Sacra do Seminário de S. José.

Em Novembro, escreveu-nos do seu Estúdio de Nova York a contar-nos as suas impressões: "Desejo voltar a Macau e persuadir as autoridades daí a organizar um belo Museu de Arte Sacra. As janelas devem proteger os objectos contra o Sol. Como eles estão agora, o máximo que podem durar são 20 a 30 anos.

«Que lástima!... Não há peças de arte como essas, no Oriente. Aquela mulher com as mãos unidas em oração é um dos mais preciosos objectos que Macau possui: - um raro ícone colonial. A sua descoberta foi para mim tão excitante que eu desejaria transmitir esta sensação ao governo para o decidir a olhar por ela".

Vejamos agora a sua obra de restauro, segundo o relatório descritivo que apresentou.

JESUS COM DOIS PREGOS NO PEITO

É uma estátua de madeira de 142cm. de altura, dos fins do séc. XIX ou princípios do séc. XX.

Esta estátua foi esculpida numa só peça: o tronco duma árvore.

As mãos, unidas em oração, foram esculpidas ligadas ao peito pelo antebraço.

"S. José com o Menino Jesus" — Duas estátuas de madeira (72cm altura), princípio do séc. XVI.

A cisão na madeira percorre todo o lado direito do corpo. A cisão foi preenchida com plástico numa anterior restauração dos fins do séc. XIX ou princípios do séc. XX. O mesmo se deu com as junturas entre as mãos, os antebraços e os braços.

A excessiva pintura da última restauração secou e está muito fraca e em lascas, expondo outra policromia e o gesso da própria madeira.

A estátua foi pintada duas vezes pelo menos; por exemplo, a veste de Jesus foi pintada primeiro de azul da Prússia pálido, depois de castanho com alguns traços de oiro e, finalmente, agora tem um revestimento branco.

Marie Astier, no seu tratamento, respeitou, quanto possível, a policromia; retocou e preencheu as lacunas; limpou as lascas e rachas da última restauração e preencheu tudo, incluindo uma grande cavidade do ombro direito. O calcanhar esquerdo foi ligado ao pé.

A estátua careceu de seis esmaltes de cores para assegurar a sua passagem harmónica do séc. XIX para o séc. XX.

O escultor dos fins do séc. XIX ou princípios do séc. XX era impregnado de fé. As mãos em prece foram esculpidas no peito de Jesus num estado todo espiritual de êxtase religioso.

S. JOSÉ COM O MENINO JESUS

São duas estátuas de madeira do princípio do séc. XVI, de 72cm. de altura.

Cada uma foi esculpida num só bloco. As expressões são serenas. A mão direita de S. José está completamente livre, segurando a mão do Menino Jesus. Estas estátuas foram grosseira e excessivamente pintadas nos fins do séc. XIX ou princípios do séc. XX com cores opacas.

Em resultado da dessecação, toda a superfície da pintura aparecia seca e árdua. Haviam desaparecido os dois últimos dedos da mão de S. José, provavelmente devido à tensão sobre a mão de Jesus. Ambas as estátuas haviam perdido os seus atributos (um cajado?). Ambas instáveis na peanha. Essa peanha não deve ser a primitiva. Finalmente, o dedo mínimo da mão esquerda e o pé de Jesus estavam frouxos e pouco firmes.

Na restauração, Marie Astier tratou as duas estátuas, não como objectos de culto, mas como objectos de arte.

Raspou a pintura carregada, o que deu lugar a aparecer a policromia dourada duma restauração anterior.

A linda cisão na madeira que corria ao longo da textura de toda a estátua de S. José foi aberta e depois recoberta e ligada por revestimentos fibrosos prontos para a doiradura. Deram-se mais ocorrências desta natureza no grupo. Ambas as estátuas foram totalmente doiradas. Podem ver-se ainda no colar alguns traços dum motivo branco na doiradura. Possivelmente, o vestido original (do séc. XVI?) de S. José mostrava-se no fundo que restava desse vestido.

Marie-Pièrre apôs folhas de oiro aqui e ali para manter a unidade visual das esculturas.

As estátuas eram classificadas como sendo do séc. XVI. Sob as espessas camadas de pintura através de séculos de restauro, apareceu uma escultura lavrada com amor e devoção. As orelhas foram profundamente lavradas, dando a impressão de escutar, e também o nariz, dando a impressão de respirar. Este grupo é um objecto de arte sedutor.

S. FRANCISCO DE BORJA

É uma estátua do séc. XIX, que mede 63cm. de altura. É feita de madeira levemente colorida. As mãos foram lavradas separadamente e poder-se-iam adaptar a qualquer estátua desse período. A mão esquerda segura uma caveira de madeira. O gesto da mão direita sugere que alguma coisa desapareceu, talvez um cajado.

A estátua foi esculpida e depois pintada com doiraduras nas extremidades da capa e batina.

A expressão é de adoração, com olhos de vidro a contemplar o céu.

A única camada de pintura tinha secado, frouxa e frágil, deixando ver o "plaster" ou a própria madeira. A madeira está em bom estado. Uma cavilha de madeira que foi inserida no antebraço ressaltava para fora.

"S. Francisco de Borja" - Estátua de madeira (63cm altura), séc. XIX.

Marie-Pièrre Astier no Seminário de S. José; restauro da Estátua de S. José.

A mão esquerda foi grosseiramente grudada ao antebraço. Haviam desaparecido todos os dedos da mão direita e da esquerda, excepto o dedo mínimo esquerdo, que teve de ser ligado à palma da mão.

Deve preservar-se a aparência do séc. XIX desta estátua. Aplicou-se adesivo dissolvido para consolidar as rasuras e clivagens. Também foram preenchidas as lacunas da surperfície pintada, bem como as aberturas e rachas.

Foram remodelados todos os dedos e ligados à palma da mão.

"Jesus com dois pregos no peito" - Estátua de madeira (142cm altura), fins do séc. XIX ou princípios do séc. XX.

Foram necessários três lustres de cor para assegurar a intensidade cromática do séc. XIX.

Esta estátua é o último descendente de peças de madeira lavrada por gerações de fino artesanato e obras de arte. Esgotou-se a mestria da escultura ligada à fé, dando lugar a estátuas moldadas em "plaster".

* Laureado historiador, de reputação internacional, da História de Macau, da presença portuguesa e da Igreja no Oriente, com mais de 115 livros publicados. Membro da Academia Portuguesa de História e de várias associações e instituições internacionais, v. g. a Associação Internacional dos Historiadores da Ásia.

desde a p. 59
até a p.