Artes

DA NATURA A MIO PANG FEI

Carlos Marreiros

“Caligrafia" - Acrílico sobre tela (146x114cm) - Mio Pang Fei.

Os textos de seguida apresentados são algumas das principais referências críticas dos catálogos de duas exposições acontecidas em Macau durante o mês de Fevereiro: a exposição individual de Mio Pang Fei e a colectiva de Kwok Woon e Guilherme Ung Vai Meng.

"E deixemos as cores e as suas misclas, como coisa mui larga aos que delas mais entendem, posto que muitos, que têm olhos não podem julgar delas muito, pois não há letras que cheguem a poder dizer os milagres que podem as cores e a grande força sua". Francisco d'Ollanda

"Da Pintura Antiga".

Capítulo 37°, século XVI.

"Meditação" - técnica mista (146cm x 114cm) - Mio Pang Fei.

Tenho acompanhado de perto a pesquisa pictórica de Mio Pang Fei, nos últimos cinco anos.

Espanta-me o seu grande sentido geográfico das cores e mineralógico dos materiais que emprega na construção dos seus suportes. As manchas, as texturas, os sulcos, as crateras, os relevos surgem como que fenómenos naturais - o curso de água esculpe a rocha mãe; a chuva apodrece uma folha caída tecendo-lhe uma renda quase filigranada; o sol argenta os minérios em cachos de joalharia; o orvalho sensualiza as folhas verdes enfeitando-as com mamilos de pérolas; a erosão modela figurações fulgurantes; o calor húmido aguarela a pigmentação terrosa, a lua veste de prata o mar para o "reveillon" de uma noite de todas as noites de mil estrelas; em suma, esta parte do mundo parece entregue à Natureza. Uma Natureza parecida à nossa mas que não é nossa nem a nossa. E não é habitada por homens e mulheres. Mio Pang Fei cultiva as cores nos locais certos (viveiros naturais?) aparentemente de forma acidental, natural. Na realidade ele tudo controla, depois de prolongada premeditação, antes da decisão. É a sua lógica geográfica, numa natureza abundante cuja lei é por ele ditada. A lei de não haver lei.

Nem visivelmente há habitantes. Foram decerto quimeras de uma existência pré-parmenidesiana, envolta em líquidos hiperurânicos, antes da ruptura das águas para o parto brutal no vulcão uterino da condição humana. Neste estágio, se transformam em puras abstracções de exaltação matérica.

É uma obsessão quase glutónica da fisicidade das coisas, das cores e suas alianças. É o pincel que num gesto aparentemente temerário percorre toda a planície, desmazelando a ordem da desordem, para de imediato se apaziguar em êxtase no espelho de água do delta que a sua mão acaba de derramar. A composição termina às vezes com a inscrição de alguns pictogramas sínicos, tão abstratizados quanto ilegíveis, Às vezes trans (es) creve poemas sobre as suas pinturas para no dia seguinte enterrá-las em tinta cor de lava. Mio Pang Fei promove uma arqueologia cromática e textural que ele desenterra das poeiras dos Han e parece preferir, muitas vezes, as pictografias dinásticas e estelizações requintadas dos Tang. Mio Pang Fei é um pintor profundamente coerente e íntegro. Não segue modas e o seu objectivo está definido há quase trinta anos: desenvolver um discurso expressivo e dramático, abstraccionista e muitas vezes gestualista, onde traços da cultura chinesa, que lhe são patrimoniais e caros, se corporizam numa pintura que tipologicamente é ocidental, Não só por isso, mas por isso também, a minha total adesão e admiração profunda.

Mio Pang Fei

"Nos Tempos Passados" - técnica mista 1540cm x 200cm) - Mio Pang Fei.

1936: Nasce em Xangai

1958: Conclui o curso superior de Pintura na Faculdade de Belas Artes do Instituto Normal da Província de Fu Jian.

1960: Responsável pelo planeamento geral da Exposição Agrícola da Província de Fu Jian.

1961: Fundou em Xangai um "atelier", aberto ao ensino de desenho e de pintura de expressão ocidental.

1964: Inicia-se como artista gráfico e torna-se membro da Associação de Artistas Técnicos de Xangai.

1965: Primeira época de criação (a maior parte das suas obras foram destruídas).

1975: Professor da Escola de Artes Aplicadas de Xangai.

Particularmente dá aulas de decoração de interiores, pintura e "design".

1977: Publica o livro "Estudos de Design de Embalagem de Brinquedos", em chinês (com sessenta mil caracteres).

1979: Apresenta uma dissertação sobre a teoria da arte ocidental - "Do Renascimento italiano ao Impressionismo, Cubismo e Abstraccionismo".

1980: Termina a sua tese "O Cubismo e Picasso".

Início do seu período de puro abstraccionismo.

Participa na redacção de inúmeros textos no domínio das Artes Plásticas.

1982: Exposição de Pintura da Rádio Britânica.

Exposição de Artes de Xangai.

Exposição de Pintura de Professores e Alunos do Departamento de Artes Plásticas do Politécnico de Xangai.

1984: Exposição colectiva da "Associação de Pintores e Calígrafos Chineses de Macau/Yü Yun".

1985: Exposição colectiva da Associação de Belas-Artes de Macau.

Exposição colectiva da "Associação dos Pintores e Calígrafos Chineses de Macau/Yü Yun".

II Exposição dos Artistas de Macau, M.L.C., Galeria do Leal Senado, tendo-lhe sido atribuída a "Menção Especial-Composição".

Exposição na Galeria do Museu Luís de Camões com a sua mulher Um Chi Iam.

1986: Estuda pintura e serigrafia na Escola Superior de Belas Artes do Porto, como bolseiro do Instituto Cultural de Macau.

Exposição na Galeria E.G. do Porto.

É-lhe atribuído o "Prémio-Turismo de Macau" no VII Salão de Outono da Galeria de Arte do Casino Estoril.

1987: Membro Fundador do núcleo de Pintura Contemporânea do Círculo dos Amigos da Cultura.

Participou na 1ª Exposição organizada pelo N.P.C. - C.A.C: "9 Artistas".

Inicia a sua actividade de "designer" gráfico no Sector Editorial do I.C.M.

Colaborador e ilustrador da R.C., Revista de Cultura.

desde a p. 63
até a p.