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MACAU E A CHINA NO APÓS GUERRA

Moisés S. Fernandes*

Escrito num estilo memo-rialista, este excelente trabalho do insigne embaixador José Calvet de Magalhães, autor de diversas obras sobre a história diplomática portuguesa e a prática diplomática e consular, cônsul-geral de Portugal em Cantão [Guangzhou], entre Outubro de 1946 e Setembro de 1950, revela-nos quão difíceis foram para Macau os últimos anos da guerra civil chinesa e os primeiros meses do regime comunista da China continental e os problemas político-diplomáticos confrontados por Portugal no seio do COCOM e CHINCOM, essencialmente devido às violações, que tinham lugar em Macau, do embargo comercial e económico internacional contra a China continental.

Com uma distinta divisão de assuntos por capítulos, observações muitos perspicazes e persuasivas sobre a China, Macau e o contexto político regional e internacional e o pensamento prevalecente entre as cúpulas dirigentes portuguesas - nomeadamente de Salazar e dos altos dirigentes do ministério português dos Negócios Estrangeiros, é um livro obrigatório para quem pretenda estudar a política externa portuguesa em relação à China e o impacto em Macau da transição de regime nacionalista, em declínio, para o regime comunista, em ascensão, na China continental.

Magalhães, José Calvet de, Macau e a China no após guerra, Macau, Instituto Português do Oriente, 1992.

Este valiosíssimo trabalho revela como a missão consular em Cantão [Guangzhou] encentou uma política de cooperação com as autoridades nacionalistas de Guandong, província contígua a Macau, e levou a cabo uma campanha de relações públicas junto da comunicação social da capital da província para mudarem de opinião sobre Macau, tido já na altura como o "Monte Carlo do Oriente". Na opinião do embaixador Magalhães, o governo português deveria ter adoptado uma política independente da Grã-Bretanha, em vez do tradicional alinhamento com Londres, para evitar muitas das ambiguidades e vicissitudes porque passou a política esterna portuguesa. Quanto ao reconhecimento do governo da República Popular da China, o autor deixa bem clara a sua opinião: "[A] posição do governo português nesta matéria foi, a meu ver, demasiado hesitante. Em virtude da posição de Macau e da sua dependência económica da China continental, o reconhecimento de jure do governo de Pequim apresentava-se como uma necessidade imperiosa. Os argumentos por mim aduzidos nesse sentido em diversas comunicações para Lisboa, tidos em devida conta, e, num Conselho de Ministros em que o assunto foi discutido, aceitou-se, em princípio, proceder ao reconhecimento. Decidiu-se, no entanto, fazê-lo de forma concertada com os outros países da Europa ocidental e os domínios britânicos, aguardando-se o resultado da próxima conferência da comunidade britânica para pôr em execução a política adoptada" (pág. 69). Esta estagnação no campo da política externa demonstra claramente a simpatia que o governo português nutria pelo regime nacionalista da China, dado que é amplamente comprovado pelo facto que, só depois de 25 de Abril de 1974, os dirigentes portugueses da altura viriam, a 6 de Janeiro de 1975, a cortar unilate-ralmente as relações diplomáticas com o governo da Formosa [Taiwan] e a reconhecer o governo da República Popular da China como "o único e legítimo representante do povo chinês" e que "a Formosa [Taiwan] é parte integrante da República Popular da China".

Após ter regressado à Europa, os controversos assuntos sínicos e macaenses continuaram a ser a sua preocupação e responsabilidade, pois foi nomeado representante português, entre 1951 e 1956, junto do CHINCOM, a comissão responsável pela gestão políti-co-administrativa do bloqueio ocidental contra a China continental. Como confessa: "Durante cinco anos, tive de me desempenhar de uma das missões diplomáticas mais difíceis que me foram confiadas. As infracções cometidas em Macau ao embargo eram objecto de repetidas queixas apresentadas no COCOM pelos representantes americanos e algumas vezes outros representantes, especialmente pelos representantes britânicos, que eram geralmente os mais insistentes e os mais duros" (pág. 78). E não deixa de observar "o carácter geralmente absurdo das respostas vindas de Macau" e o apoio que a administração portuguesa do território dis-frutava em Lisboa, no ministério do Ultramar. Lamenta o facto de que, por razões meramente pessoais, durante os distúrbios causados pelos maoístas no decorrer da revolução cultural chinesa em Macau, em 1966 e 1967, não foi convidado a integrar a comissão enviada de Lisboa para acompanhar as negociações com as autoridades chinesas, nem sequer consultado. Outra importantíssima contribuição para os estudos das relações luso-chinesas é que revela, quanto julgamos saber, pela primeira vez em língua portuguesa, a correspondência expedida por Henrique de Barros Gomes, ministro dos Negócios Estrangeiros, entre 1886 e 1890, que negociou o acordo luso-chinês de 1887, e que foi omitida no Livro branco sobre as negociações com a China, apresentado às Cortes, em 1888.

Este livro está repleto de importantíssimos dados e imbuído de profundas, minuciosas e perspicazes análises, o que contribui, sem margens para dúvidas, para uma melhor compreensão das relações luso-chinesas, durante a guerra civil chinesa e a ascensão dos comunistas ao poder na China continental e, particurlamente, na província de Guangdong. Por esta razão, é imperativo a sua consulta por investigadores que pretendam estudar a situação político-diplomática de Macau e a política externa portuguesa em relação aos dois regimes chineses (nacionalista e comunista). Resta-nos exortar outros diplomatas portugueses que trabalharam na China, Hong-Kong, ou Macau a publicarem as suas memórias para que os estudiosos possam conhecer mais de perto a complexa e intrigante realidade das relações luso-chinesas.

*Universidade de Manitoba, Canadá.

desde a p. 208
até a p.