Cinema

MACAU: EM BUSCA DO RETRATO PERDIDO

Luís de Pina*

Nos idos de trinta, o feitiço do Império só chegava aos mares da China na câmara de algum viajante cinéfilo ou de algum profissional da reportagem. Faltam ao cinema português imagens de Macau desses anos distantes em que a Europa se lançava na aventura exótica.

Uma simples consulta ao Atlas mostra que da Cidade do Santo Nome de Deus à fronteira da Indochina não vão mais de 1 000 quilómetros, assim como de Lisboa a Barcelona. E a França, nesse final dos anos 30, cultivava o exotismo do Oriente, fosse na misteriosa colónia, fosse nas terras próximas, de Malaca ao Japão.

Em 1937, Christian-Jacque reúne Eric von Stronh-eim, Dalio, Simone Renant e Inkiinoff em Os Piratas do Rail (Les Pirates du Rail), passado numa Indochina de estúdio construída por Pierre Schild, o cenógrafo russo que será mais tarde o responsável pela direcção artística de Inês de Castro; Max Ophüls filma Honra Japonesa (Yoshiwara), com o grande Sessue Hayakawa; Marc Allegret leva à tela A Dama de Malaca (La Dame de Malacca), essa Malaca que ainda hoje evoca o velho império de Albuquerque.

Um ano depois, Richard Oswald retoma Tempestade na Ásia, agora com o inevitável Sessue Hayakawa, ao lado de Conrad Veidt e Madeleine Robinson, enquanto outro alemão, Georg Wilhelm Pabst, filma A Dama de Xangai, com Inkiinoff, Louis Jouvet e décors de Andreieff. Mas o mais surpreendente, desde o título ao local, é a obra do jovem Jean Delannoy, que filma uma história ambientada na nossa São Tomé - e ninguém sabia... - com o título de Le Paradis de Satan. Os planos de São Tomé pertencem a um documentário de René Ginet e não passam de inserts exóticos.

Satanás, profundezas, chamas eternas... E o fogo infernal parece ter agradado a Jean Delannoy, um fogo português, se assim pode dizer-se. E assim, logo em 1939, realiza Macao, l'enfer du jeu, que entre nós se chamou precisamente Labaredas. De Macau pouco ficou durante a semana em que estreou no Odeon e Palácio, a 23 de Julho de 1947: o anúncio da distribuidora fala nos méritos do filme mas nada refere quanto à cidade, a crítica também não. Lendo os jornais da época, parece tratar-se de uma obra passada num qualquer lugar exótico do Oriente, sem nada que a ligue a Macau e aos portugueses. Falando com Alberto Armando Pereira, cuja distribuidora, Aliança Filmes, lançou Labaredas, disse-me que poderá ter havido cortes de censura que tiraram ao filme a sua ambientação portuguesa...

De resto, já tinha havido problemas com as auto-ridades alemãs, quando o filme estava pronto para a distribuição, em 1940. Isto porque o seu protagonista, Eric von Stroheim, personagem à sua medida numa Macau de estúdio construída pelo russo Serge Pimenoff, não era pessoa grata às autoridades alemãs. Todos os seus planos foram refilmados com Pierre Renoir e só depois da guerra voltou a versão original com von Stroheim.

Contando ainda com as fortes presenças de Sessue Hayakawa, Mireille Balin e Roland Toutain - um cast de vedetas - esta versão do romance de Maurice Dekobra não era muito lisonjeira para Macau, chamando-lhe "inferno do jogo" e mostrando o território como um lugar onde se encontram todos os vícios e todos os traficantes da terra. Vale a pena ler a crónica de António Lourenço, escrita com a sua retórica habitual.

"Um vigoroso filme francês", começa o texto de "O Século" (24-7-1947), "em cujo elenco há a assinalar a reaparição do veterano japonês Sessue Hayakawa, de braço dado com a galante vedeta Mireille Balin e o sóbrio Eric von Stroheim numa história baseada num conhecido romance de Maurice Dekobra. Trata-se, como acentua uma legenda inicial, de um filme de ficção. Mas, embora o ambiente constitua uma afirmação do capricho dos técnicos, que subordinaram todos os elementos de fantasia a um estilo de crónica viva, é nele, contudo, que reside um dos factos de maior interesse da realização de Jean Delan-noy, sobre o desenrolar de um conflito em que se entrechocam as mais violentas paixões e interesses repulsivos. (...)"

De facto, uma Macau tão negativa, não poderia ser passada aos nossos brandos espectadores sem uma operação geral de cosmética...

Treze anos depois, uma outra Macau de estúdio, mítica e negativa também, volta ao cinema, com o título de Macao, desta vez fabricada por Hollywood e com um destino desagradável: não só suportou os maiores problemas de produção, como foi proibida pela nossa Censura, vindo a ser vista pela primeira vez em Portugal no ciclo Filmes e Censura, organizado pela Cinemateca Portuguesa, a 14 de Junho de 1982, no cinema Quarteto.

Pergunto como João Bénard da Costa na folha da Cinemateca para o ciclo Nicholas Ray, a 17 de Julho de 1985: "Que é finalmente de Sternberg e de Ray em Macao?" A resposta parece favorecer a autoria de Sternberg e recordando The Shanghai Gesture, a atmosfera é idêntica, o Oriente está mais nos olhares, nos gestos, nas coisas, nos pormenores, do que no cenário. E esta Macau de estúdio, onde evoluem, um pouco perdidos, Robert Mitchum, Jane Russel e Gloria Grahame, exibe de novo o retrato negativo vindo das imagens de Delannoy, mesmo que as referências a uma presença portuguesa sejam evidentes. Mas todo esse lado frágil, dividido, artificial, completa também o seu encanto, a sua atmosfera. "Dentro desses parâmetros", conclui João Bénard da Costa, "e como filme de estúdio, é uma obra fascinante, até pelos fantasmas que sobre ele pairam e nele se cruzam Sternberg, Ray, Mitchum, Gloria Grahame".

Digamos, pois, que a Macau real - ou "realista" - não existe nestas duas obras. E continua a não existir nas seguintes. Caminhos Longos (1955), do português Eurico Ferreira, não existe mesmo materialmente. Estreado no território, foi retirado da circulação, voltou ao laboratório de Hong Kong para acertos vários e sumiu: é um dos "missing films" de que nos fala a FIAF e que a Cinemateca Portuguesa tem procurado encontrar em vão.

O seu enredo, singelo e romântico, era tocado pelos acontecimentos da China moderna: a fuga da Revolução, a chegada a Macau-refúgio, o amor de dois jovens, a paz possível. Com dois actores chineses de certo prestígio - Chung Ching, no papel de Teresa, e Wong Hou, no papel de Tam - o filme garantia a produção portuguesa de 1955, quando o Lumiar calou a voz durante um ano.

Elke Sommer em "Die Hölle von Macao" (1967), filme de Frank Winterstein.

Apesar de tudo, Caminhos Longos é um filme "de época", de tentação realista. Nele se insinuam a fuga, a miséria, a prostituição, o contrabando, uma imagem negativa, mesmo que atenuada, correspondente à ideia secreta da cidade, sempre exótica, sempre marcada pelo estigma de uma China misteriosa e inacessível.

E passados onze anos, em 1966, uma nova "Fren-ch connection" aparece, agora pela mão do produtor Felipe de Solms, responsável por diversos filmes em Portugal, como Fado Corrido ou A Ribeira da Saudade. Em regime de co-produção com a França, Solms chama o jovem realizador Jean Leduc para filmar uma história de aventuras intitulada Via Macau.

Nela vemos Roger Hanin — o "Tigre" dos trabalhos menores de Chabrol — ao lado de Françoise Prévost e diversos portugueses, como Varela Silva e Paiva Raposo. Nela vemos algumas imagens documentais de Macau mas inseridas no mesmo clima exótico, misterioso, da lenda macaense, onde voltam a confluir os traficantes, os agentes, as mulheres fatais e os olhos amendoados dos orientais, anjos e demónios. Nada de novo portanto. Mas atente-se noutra das coincidências desta paixão francesa: Jean Leduc tinha rodado, antes deste Via Macau, um banal Trânsito em Saigão (Transit à Sai-gon, 1963), agora em co-produção com o Vietname. Sugiro uma regra de três: Trânsito em Saigão, está para Via Macau como Les Pi-rates du Rail estava para Macao, l'enfer du jeu.

E CHEGA ORSON WELLES

Sempre acreditei! — hei-de perguntar a Barbara Leaming — que existia uma forte atracção do mestre de Citizen Kane pelo mundo luso-brasileiro.

A parte conhecida de It'sAll True filmada no Brasil, quando Orson Wells, em 1941-42, foi um embaixador de boa vontade junto de Getúlio Vargas e dos estúdios brasileiros, é das mais belas que filmou, demonstrando um talento total, que o aproximam, no documentário, de um Flaherty, de um Murnau ou do Eisensteins de Que Viva México! A corrida dos jangadeiros de Fortaleza até ao Rio, pelo Atlântico abaixo, é cinematograficamente empolgante e as escolas de samba que filmou na bela capital traduziam, em termos bem cariocas, toda a sua singularidade. Aliás, uma parte do diálogo de A Dama de Xangai sobre os tubarões que se devoram, evoca a sua passagem pelas praias cearenses.

Em 1952 fez boa parte do seu Otelo nas velhas fortalezas lusitanas de Marrocos, filmadas pela câmara de George Fanto, que já o acompanhara em It's All True. Pas-seando por Lisboa algum tempo antes, Welles mostrava conhecer bem Portugal e os portugueses.

E daqui a Macau vai um passo. Primeiro pela mão de um inglês, Lewis Gilbert, no filme Passagem para Hong-Kong (Ferry to Hong-Kong, 1959), em que interpreta um velho marinheiro britânico, ao leme do decrépito ferry-boat da carreira Hong Kong-Macau. A história não deixa de ter um certo simbolismo, com as personagens principais desempenhando papéis construídos nessa linha. De novo a luta entre a Ordem e o Crime, piratas do mar da China perturbando a paz e os clássicos aventureiros redimindo passados pouco recomendáveis.

Macau volta assim ao celulóide, embora de modo fugidio e fragmentado, transportando um clima, um ambiente de certo modo conhecido, um "lugar de aventura", mas com nítido conhecimento da presença portuguesa em certos lugares, em certos nomes, em certas personagens, como a do imediato Senhor Henriques. Não se trata de uma pura Macau de estúdio, mas de uma Macau visitada, cenário de imaginação, uma Macau real e capaz, nessa realidade embora ténue, de continuar o mito.

Em 1969 Orson Welles dirige para a O. R. T. F. um teledramático intitulado História Imortal (Histoire Im-mortelle), baseado no conto de Karin Blixen, a autora de Out of Africa. Tudo se passa numa Macau do século pas-sado, caracterizada mais como porto de mar, como local de paixões, do que como local de aventura. Cidade reconstituída de novo nos estúdios franceses, aparece apenas em relances de cenário, que nunca prejudicam a economia dramática da narrativa. Não se tratava, aliás, de mostrar Macau, mas de sugerir uma cidade algo perdida do mundo, certamente real mas não "realista". Jan Dawson resumiu bem a ideia de Welles: "Trata-se de uma tragédia mítica na qual as ruas vazias da cidade parecem os cenários de um palco".

Depois de Mireille Baliin e de Françoise Prévost, Jeanne Moreau percorre de novo esta ligação francesa a uma Macau histórica, literária, interior, como faria Paulo Rocha no episódio macaense da sua Ilha dos Amores.

A visão portuguesa

Se os registos da produção nacional indicam diversos documentários sobre Macau antes dos anos 60 - como Macau, cidade do Santo Nome de Deus, rodado em 1952 por Ricardo Malheiro - não há dúvida que o nosso cineasta que mais filmou o território foi Miguel Spiguel, quase sempre acompanhado por Aquilino Mendes e pela sua câmara. Macau, jóia do Oriente (1957), Pescadores de Amagau (1958), Macau (1960) são alguns dos títulos por ele filmados, destacando-se a colaboração musical de Pedro Lobo nas partituras originais dos filmes. Outros filmes de Spiguel são Reportagem - Oriente (1958), Macau de Hoje (1971), Macau Industrial (1974), Uma Pérola Chamada Macau (1974) e Macau (1977), apresentado já depois da sua morte.

Entrevistado para "Filme" (n° 14, Maio de 1960) a propósito do último documentário citado, o realizador diria: "Quis mostrar como a obra civilizadora dos portugueses tem um sentido particular, cristão, tolerante. Notou nas imagens do arrear da bandeira como é composta a escola? Notou a profusão de raças entre a juventude escolar? Notou essa mesma tolerância na multidão que povoa as ruas?

"Depois quis captar uma cidade com imagens de uma cor intensa. Macau a preto e branco não se justifica. O enterro chinês, os barcos à vela, a profusão dos cartazes coloridos, tudo isso pede cor. Devo dizer que a câmara do Aquilino foi particularmente feliz".

Era o tempo em que a Agência-Central do Ultramar e os organismos oficiais patrocinavam um cinema que documentasse as nossas terras espalhadas pelo mundo. E Macau, que as câmaras portuguesas haviam praticamente ignorado, surgia agora no celulóide como um dos mais longínquos feitiços do Império, perdida nos mares da China, mas portuguesa, como as imagens sempre procuravam demonstrar.

Mas Macau continuava a inspirar aventuras. E Miguel Spiguel decidiu filmar uma aventura real, do lado da Lei e da Ordem, dirigindo uma quase longa-metragem intitulada Operação Estupefacientes (1967), reportagem sobre a luta da Polícia Judiciária de Macau contra os traficantes de droga no território. Constituída por três episódios ("O Importador de Ópio", "Na doca de Patana" e "May-ana"), a fita é interpretada por personagens autênticas, ao jeito de docudrama. A única profissional de cinema é a jovem actriz Mayana Martin, refugiada de Xangai e com prática dos estúdios de Hong-Kong. O mito tornou-se realidade: é a própria comunidade que vem apresentar os seus problemas, com personagens que figuram da ficção e se refugiaram num quotidiano que ninguém ignora. Talvez Miguel Spiguel não tenha dado por isso, mas Operação Estupefacientes liga uma tradição negativa a uma realidade que quer ultrapassá-la. O inferno existe, com os seus demónios, os anjos procuram salvá-lo: a verdade vem ao de cima.

Não faltaram depois mais alguns documentários sobre Macau, quer o de António Lopes Ribeiro, rodado em 1973 (completando assim um Feitiço do Império que se tinha quedada em Moçambique), quer os de José Carlos Oliveira, o jovem realizador que da cidade nos traz um retrato moderno, económico, de transformação: Macau e Macau - uma força industrial da Ásia (1981).

E nova viagem a Macau para o cinema português surge com o filme de Paulo Rocha, A Ilha dos Amores: o episódio evocativo da passagem de Venceslau de Morais pelo território e o seu encontro com Camilo Pessanha, que o próprio Paulo Rocha quis interpretar.

Tal como em Histoire Immortelle, a Macau deste filme é uma Macau evocada no seu passado, mas não reconstituída em estúdio. É uma Macau acima de tudo portuguesa, mostrando a beleza de um convívio de civilizações, visível num espaço e num ambiente de gosto simultaneamente lusitanos e orientais. Paulo Rocha explica (em Os descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento, ed. Cinemateca Portuguesa, 1983): "Macau é um lugar cheio da memória do Século XVI, para os portugueses. Luís de Camões viveu lá, escreveu ali o poema Os Lusíadas, cuja parte mais bela é, precisamente A Ilha dos Amores, uma espécie de utopia erótica, cujo tema é mais ou menos a descoberta do Oriente, da Ásia: nela encontramos, por exemplo, uma Ilha das Ninfas mítica, que perseguiam os navegantes. A visita dos portugueses ao Japão vem de Camões. E, no filme, Isabel, a amante portuguesa de Morais é também Vénus, e uma alegoria da Europa. Macau é também o lugar do reencontro entre Morais e Camilo Pessanha, escritores de igual valia literária".

Vale a pena saber como Paulo Rocha filmou esta Macau do século passado. Sobretudo as cenas do restaurante chinês. "Imaginei um lugar tradicional no Extremo Oriente: os grandes restaurantes eram ali centros de jogo, de vida social, de vida política e artística e também de 'má vida'. Havia lá ópio mas não eram 'antros de vício'. É também uma longa tradição do Extremo Oriente; muitas das gra-vuras e peças de teatro japonesas, muitos romances tradicionais chineses, passam-se nesses mundos hoje perdidos.

"Em Macau, até aos anos 50 subsistiam casas destas, que as pessoas mais velhas ainda recordam com saudade. Mas a minha reconstituição é discutível: não é certo que tenham existido restaurantes desse tipo, tão grandes e luxuosos, em edifícios de estilo português. Isso acontecia muito mais em casa de famílias chinesas abastadas, que compravam palacetes macaistas, de traço lusitano mas com ligeiras inflexões locais de cor e matéria, e fachadas cobertas de varandas.

"Os interiores eram invadidos por ornamentos e motivos chineses - flores, pássaros, etc. - com divisórias semitransparentes de sala para sala.

"Destas casas espantosas, híbridas, ainda subsistem hoje algumas em Macau, mas os bairros galantes eram puramente chineses, suspeito. Escolhi este local, porque o espaço era deslumbrante. O edifício era inicialmente um liceu onde o Pessanha ensinou (e talvez mesmo Morais). Hoje é um hospital. O jardim interior era ideal para mostrar uma certa domesticidade das casas chinesas, que são viradas para dentro. Do exterior nada se vê, mas há jardim, há pássaros, há vários andares, um rés-do-chão, para o jardineiro, a criadagem, etc. Este espaço era fácil e pouco oneroso de decorar e tomar mais misterioso e oriental. Espreitando apenas através das janelas era possível dar uma impressão de uma vida efervescente, onde aconteciam mil histórias paralelas, todas elas chinesas, e quase só por sugestão: através das frestas, de grades, pelos risos e canções que se ouviam de fugida.

"Foi assim possível fazer uma sequência ambiciosa num décor enorme e fiel ao ambiente da época (as pes--soas de Hong-Kong e Macau que viram o filme ficaram impressionadas) apenas com alguns móveis chineses emprestados" ("Semanário", 31 de Março de 1988).

Os portugueses, pouco a pouco, voltam a Macau, depois das alusões de alguns cineastas como Macao - oder die Ruckseite des Meeres (1988), do suíço Clemens Klopfens-tein ou o mais antigo Shangri-La (1984), de Jean-Claude Aubert, sem esquecer o breve passeio a Macau de A Colina da Saudade (Love is a Many Splendored Thing, 1955) de Henry King.

Refiro-me desde já ao filme Regresso (1989), de Manuel Faria de Almeida, um teledramático apresentado na RTP, com Rui de Carvalho e Luís Filipe Rocha, obra de hoje, vivendo problemas concretos, num estilo que se aproxima também da reportagem.

De Luís Filipe Rocha é precisamente a realização do projecto mais ambicioso para levar Macau ao cinema: a adaptação do romance clássico Amor e Dedinhos de Pé, do escritor macaense Senna Fernandes. As primeiras imagens, vistas, no programa Cine-Magazine, permitem ajuizar da qualidade artística e técnica desta produção.

Paradoxalmente, é no momento em que vai verificar-se a transferência de soberania do território, que o cinema se apressa a fixar no celulóide a história dessa cidade que nunca poderá deixar de exibir um passado referido a Portugal e ao Extremo Oriente. Já Fonseca e Costa se apresta para iniciar a rodagem de O Senhor Ventura, segundo Miguel Torga, outro episódio dessa vivência, e não sabemos ainda que novos projectos se preparam.**

Gostaria de recordar, no termo deste roteiro de 52 anos pelos filmes sobre Macau, uma imagem comovente surgida na primeira vez que visitei a cidade. Depois de uma hora de trajecto do barco da carreira sobre uma bóia solitária na imensidão do mar, uma bandeira portuguesa tremulava ao vento e, no horizonte próximo, a linha clara dos arranha-céus definiu o perfil da Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, história e lenda, passado e futuro, quase cinco séculos de Portugal na China.

Publicado originalmente em: MACAU. Hong-Kong: catálogo, Lisboa, Cinemateca Portuguesa, 1991.

NOTAS

** Mais algumas presenças cinematográficas de Macau, resultantes de pesquisa efectuada por José de Matos-Cruz, permitem recordar longas-metragens como Out of the Tiger's Mouth (1962), de Tim Whelam, ou The Corrupt Ones (1967), de James Hill, em que o território surge identificado no celulóide. Outros filmes, pelo contrário, tiveram apenas rodagem em Macau, citando-se A Night in Hong Kong (1961), de Yasuki Chiba, 007, o Homem da Pistola Dourada (The Man with the Golden Gun, 1974), de Guy Hamilton, Cleopatra Jones e o Casino de Ouro (Cleopatra Jones and the Casino of Gold, 1975), de Chuck Bail, Indiana Jones e o Templo Perdido (Indiana Jones and the Temple of Doom, 1984), Xangai (Shanghai Surprise, 1986), de Jim Goddard, ou Zegen (1987), de Shohei Imamura.

Dentre as produções portuguesas, destacam-se as passagens por Macau de Viagem Ministerial às Províncias do Oriente - Macau (1953), de Ricardo Malheiro, Portugueses no Mundo (1954), de João Mendes, A "Sagres" no Japão, Hong-Kong, Macau e Malaca (1980), Travessia - Viagem à Roda do Tempo (1982), de António Escudeiro, Os Descobrimentos Portugueses (I-IV) (1983), de Bento Pinto de França, sem esquecer, naturalmente, A Ilha de Moraes (1984), de Paulo Rocha, que de algum modo completa o episódio macaense já referido em A Ilha os Amores.

* Investigador e historiador do cinema. Escreveu uma História do Cinema. Director da Cinemateca Portuguesa até 1991.

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até a p.