Atrium

EDITORIAL

Luís Sá Cunha

Esta "Revista de Cultura", ao longo dos seus nove anos de vida, foi sendo aquilo que foi possível. Número a número, fomos rendibilizando ao máximo a variável matéria-prima disponível na circunstância. Cada edição foi vencida como uma guerra, quase como empresa em si mesma esgotada. Tornearam-se escolhos, contornaram-se limitações, operaram-se as reconversões permanentemente exigidas por aleatórios factores de produção. Os habituais obstáculos que sempre se antepõem à bondade dos projectos.

Favorecida no juízo crítico pela amabilidade e cordialidade de leitores, sempre dando passos em frente, a RC apenas se foi gradualmente aproximando do ideal desenho de sua concepção original. Está, já agora, este horizonte ao nosso alcance.

Esta introdução não se pretende defesa, ou justificação, ou esmoler invocação de benevolência. Perante ninguém. Vedamos este discurso à insinuação de qualquer sombra de amargura ou de insatisfação, por recusa a qualquer assomo confessionalista ou pulsão de subjectivismo. Temos, da acção, uma concepção transpersonalista, resolvidos os transes subjectivos na superior arquitectura das obras. Assim, sempre o nosso trabalho fluiu da ancilar vocação de humilde serviço a agentes, autores e destinatários de Cultura.

Legítima e oportunamente, queremos apenas deixar registo, e confirmar, os termos do nosso estatuto editorial e as intenções de uma prática futura, pensando sempre na viabilidade de um projecto a que vaticinámos desde o início vocação de eternidade.

Sereno e passivo lugar ao sopro do Espírito, e daí à liberdade, verdadeira ou opiniosa, não resvalámos nem resvalaremos nunca para a arena do polémikos.

Queremos, porém, deixar claro que, de propósito e desde o início, recusámos mover-nos por aquilo a que denominaríamos "cultura burguesa". Refractários a sensitividades individualistas, ao fogo de artifício de eruditismos estéreis, ao brilhantismo falacioso de grandes construções racionais e abstractas, a pendores do utopismo sem preg-nância com as reais condições humanas e naturais — inscrevemos a Cultura na categoria de Espaço. Situámo-nos numa Cultura situada.

No Oriente, e do Oriente, somos portugueses a viver, a trabalhar e a sonhar em "terra China". O nosso compromisso com o Futuro pressupõe o nosso compromisso radical com a Terra e com o Passado.

Temos um compromisso com o Velho Portugal, do que ele nos herdou de aventurosa vivência por mares, e terras e gentes do Extremo Oriente. Temos um compromisso irrecusável com uma concepção finalista do seu movimento histórico.

Como em Alcácer Quibir, e ante as penumbras crepusculares, proclamamos: "morrer, mas devagar". Porque em Macau, assistem-nos reforçadas razões para sabermos que somos portugueses porque universais e universais porque portugueses.

Temos um compromisso com a grande Pátria Lusíada, espaço da Língua, sagrado jardim de potências vivas.

Temos um compromisso com a latinidade, ancestral alma mater de portugalidade, cuja herança transitou ao mundo moderno pelo esforço lusitano.

E, para começar, com Macau — pequena entidade pátrida em reforço de identidade, condição de diferença, autonomia e projecção no corpo da grande China. A sua vocação e utilidade à China serão directamente proporcionais à sua identidade.

E com a China, com quem firmámos no trânsito dos séculos um pacto de sangue, de espírito e de solidariedade.

Por tudo isto, e a título de exemplo, deixámos a deslado aqueles debates de erudição vaga, que verbalizam a tão decantada "relação Oriente-Ocidente", mas onde não se define nem se sabe o que são um e outro termos da relação.

Assim também, e no mais concreto serviço ao encontro de Culturas, nos empenharemos na RC em fazer entroncar um ramo da Sinologia ao movimento da cultura portuguesa deste fim de Século XX, e, por via portuguesa, ao espaço da lusitanidade e de latinidade.

Macau, naquilo em que conseguiu afirmar-se como ponte cultural, será tanto mais prestável e justificada, histórica e vocacionalmente, quanto mais dimensionar internacionalmente o seu serviço cultural.

Estaremos, assim, cada vez mais empenhados em dar vocação específica a cada uma das edições desta RC, publicada em Português, Chinês e Inglês. Já agora, e em termos de percepção informativa e de expansão e distribuição, iremos agigantar a nossa internacionalização através da Internet.

Por tudo isto, neste Verão de 1995, estamos confiante nas virtualidades deste projecto cultural iniciado pelo ICM há nove anos, e na sua continuidade pelos tempos futuros.

O Director da RC

Luís Sá Cunha

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