Antropologia

IDENTIDADES MISCIGENADAS, ESTATUTOS BICULTURAIS: DUAS ÓRFÃS CHINESAS CRIADAS PELAS IRMÃS CANOSSIANAS EM MACAU

Ian E. Watts *

INTRODUÇÃO

Foi num dia igual a todos os outros, em 1901, que a mãe de Deolinda da Conceição Rosário da Silva a abandonou nos degraus de um orfanato português, o Asilo de Santa Infância e Inválidas. O seu destino não foi diferente do de muitas outras raparigas chinesas que nasciam em circunstâncias menos favorecidas em Macau. Frequentemente, estas crianças indesejadas eram vendidas, afogadas, deixadas na rua ou abandonadas à nascença. A menina chinesa em causa cresceu e foi educada num orfanato, que também funcionava como escola, dirigido por uma ordem de freiras católicas -- as Irmãs Canossianas. Tal como muitas outras órfãs, foi mais tarde adoptada por uma família macaense, casou e foi integrada na sociedade portuguesa local.

Com a viragem do século em Macau, as escolas da Igreja tornaram-se sólidas instituições familiares no contexto social do Território. As crianças macaenses e os órfãos eram educados num conjunto de conventos e seminários na esperança de se tornarem bons portugueses. Dentro das paredes do convento, a-más, as criadas chinesas, funcionavam como um suplemento à educação formal destas raparigas. Apesar de as órfãs serem adoptadas por famílias macaenses locais, eram frequentemente integradas na sociedade pelas a-más que trabalhavam para estas famílias de classe média. As raparigas órfãs chinesas que passavam integralmente por este ciclo de educação casavam directamente no seio das famílias cristãs locais ou então com imigrantes portugueses recém-chegados.

Este trabalho concentra-se, em primeiro lugar, no papel da educação formal dada pela Igreja Católica Romana e da socialização informal adquirida fora da Igreja na construção da identidade destas raparigas órfãs. A experiência de duas órfãs que viveram em Macau ilustra este processo. O objectivo deste estudo é apresentar um quadro coerente dos métodos para a inclusão de "outros" na sociedade macaense e a mediação individual desta inclusão.1 Os mecanismos que permitiam o acesso das órfãs chinesas à comunidade local ilustram a aculturação e assimilação de um grupo: o estatuto liminar das raparigas órfãs em Macau passou simultaneamente por mudanças radicais provocadas por novas influências e experiências que se processaram na dinâmica social da comunidade crioula portuguesa durante as primeiras décadas deste século (1900-1940). Em primeiro lugar irei falar da história da comunidade portuguesa e do tratamento das órfãs e, seguidamente, debruçar-me-ei sobre as vidas de duas mulheres que frequentaram a Escola Canossiana. Por fim farei um comentário à formação da identidade destas mulheres e à dinâmica social de Macau.

1. a PARTE: O ESTABELECIMENTO DOS PORTUGUESES EM MACAU E A POLÍTICA DOS CASAMENTOS

Enquadramento Histórico

Em 1547, Portugal fundou uma colónia na península conhecida como Hoi Keang na foz do Rio das Pérolas. O estatuto político desta pequena colónia era vago, contudo, e tendo em conta que o comércio com o Japão estava proibido, os comerciantes chineses acolhiam os navios portugueses, carregados de prata, que regularmente navegavam as águas do Japão.2 A península que hoje dá pelo nome de Macau foi cedida aos portugueses, mediante uma renda pela terra, talvez devido à sua crescente importância comercial ou ao papel que os portugueses desempenharam na eliminação dos piratas no Mar do Sul da China. Em 1552, muitos anos depois do início do estabelecimento dos portugueses, Macau foi proclamada cidade. Mais tarde as autoridades chinesas introduziram, em Macau, um sistema de taxas e impostos que foram aceites pelos portugueses. Pina Cabral escreve:

"Desta forma foi instituído em Macau o que o historiador chinês K. C. Fok chamou a 'Fórmula de Macau'-- uma situação ambígua em que aos portugueses era permitido que se governassem a si próprios de uma forma independente, sem que, no entanto, tivessem soberania total sobre o Território ou sobre os assuntos chineses dentro do Território. Estes assuntos permaneciam sobre a autoridade dos magistrados imperiais que viviam em Macau, onde também havia um serviço alfandegário imperial."3

Esta situação política em Macau durou até à Guerra do Ópio em meados do século XIX. Daí em diante, Macau foi rápida e activamente integrado no império português. O Governador português Ferreira do Amaral expulsou os magistrados chineses e fechou a alfândega em 1846, estabelecendo desta maneira uma ligeira soberania portuguesa sobre o Território.4

A mudança caracterizou desde sempre o panorama político em Macau; por esta razão a comunidade macaense crioulizada, que se manteve perpetuamente pequena, desempenhou sempre um papel de intermediária entre os portugueses e os chineses e a sua voz tem sido influente na mediação dos conflitos entre os portugueses e os chineses.

A "Política dos Casamentos"

No início da expansão marítima dos portugueses, no século xv, tanto as autoridades seculares como as autoridades imperiais lamentavam o facto de os soldados e comerciantes portugueses casarem ou tomarem como concubinas raparigas que não eram cristãs. O estigma aliado a tal relacionamento com "pagãs" encontrava-se estendido a todas as colónias portuguesas. Estes relacionamentos eram considerados como "o produto de uma atitude moral pobre".5 A melhor forma de preservar a coesão e a lealdade dos portugueses ultramarinos para com o império era encorajar estes homens jovens a casar com mulheres cristãs.

No entanto, como havia poucas cristãs ou mulheres portuguesas na Ásia durante o século XVI, os portugueses casavam com mulheres locais não cristãs ou então tomavam-nas como concubinas.6 Tal comportamento era considerado intolerável aos olhos das autoridades administrativas portuguesas. Estes homens desafiavam as ordens administrativas ao casarem com mulheres locais não cristãs e tais desafios eram severamente punidos.7

Portugal continental confrontava-se com uma grande falta de pessoas com força necessária para manterem os seus vários entrepostos na Ásia. Em 1511, o Vice-rei de Goa, Afonso de Albuquerque, tentou remediar a situação com a sua jurisdição (África Oriental ao Japão), advogando a "política de casamentos".8 A administração portuguesa oferecia aos soldados e comerciantes portugueses que se encontravam no ultramar um dote modesto e o comando de um forte ou a administração de uma feitoria como estímulo para casarem com raparigas locais de "boas condições sociais".9 O governo prometeu também, a título de persuasão, privilégios financeiros e mercantis.10O governo pensava que a "política de casamentos" iria fazer com que a população portuguesa aumentasse nestes entrepostos. No entanto, não havia grande resposta por parte dos homens portugueses pelas seguintes razões: em primeiro lugar, o governo administrava avaramente os dotes e não os pagava logo; em segundo lugar, a colocação numa fortaleza ou feitoria distante não era suficientemente aliciante para atrair os portugueses para longe das suas amantes locais.11

Aliado a isto, o Clero Católico Romano opunha-se à política de casamentos pelo facto de a maioria das raparigas não serem cristãs. Em Macau, os negócios desenfreados dos portugueses eram alvo de severas críticas por parte dos círculos eclesiásticos, e foi feita uma sugestão para que se importassem mulheres cristãs da Malaca portuguesa.12 Os visitantes que chegavam a Macau reparavam que eles "viviam em haréns tal como os chineses (polígamos) à sua volta".13

Em 1563, o P.e Francisco de Sousa, um dos primeiros jesuítas a chegar a Macau, mostrou desagrado relativamente às relações "pouco santas" que se estabeleciam à sua volta e ordenou que cada lar português fosse como um convento e que cada homem casasse com uma única mulher apenas.14 Os Jesuítas enviaram uma petição à coroa para que fossem enviadas imediatamente raparigas para casarem com os colonizadores.15 Como consequência disto, foram trazidas entre 200 a 450 raparigas cristãs, respectivamente de Malaca e de Goa, com o objectivo específico de casarem com homens portugueses.16 O número de mulheres recém-chegadas não era significativo para estabelecr uma diferença. Muitas das que casaram morreram pouco depois de terem dado à luz ou devido a doenças tropicais ou diferenças ambientais. Mais tarde, quando os cristãos foram expulsos do Japão e fugiram para Macau, em meados do século XVII, muitos portugueses casaram com japonesas.17 No entanto, em Macau propriamente dito, "as mulheres chinesas estiveram sempre presentes, quer como escravas ou concubinas, quer como órfãs (/noivas), criadas pelas diferentes instituições de caridade".18 Uma das instituições principais que se encarregavam de criar órfãs era a Santa Casa da Misericórdia, popularmente conhecida como a Santa Casa.

A Santa Casa criou algumas raparigas órfãs até à idade de casarem. Investia nestas raparigas para que elas viessem a ser as potenciais noivas cristãs dos portugueses e dos macaenses. Através desta atitude a Igreja garantia uma comunidade portuguesa cristã onde poderia funcionar. O interesse espiritual e educacional na salvação e casamento destas órfãs reflectia a dupla realidade da elevada taxa de mortalidade infantil e da necessidade de esposas. Através do casamento destas mulheres com homens portugueses, a Igreja tinha como objectivo preservar a nação portuguesa no Extremo Oriente. Na atribuição de dotes era dada prioridade a jovens que viviam permantemente no orfanato. Frequentemente, o último acto de caridade por parte da Santa Casa era o pagamento do dote do casamento a essas raparigas. O pagamento de tais dotes e as despesas com o tratamento das órfãs causaram um enorme buraco financeiro na Santa Casa provocando o encerramento do orfanato em 1737. Apesar da perda financeira, a Santa Casa continuou a prestar outros serviços de caridade à cidade de Macau. Durante o século seguinte o cuidado das órfãs foi entregue a vários organismos e organizações de caridade, e em 1876 as Irmãs Canossianas tomaram conta do Orfanato da Santa Casa, onde é actualmente o Complexo de Santa Clara.

2.a PARTE: DUAS ÓRFÃS CRIADAS PELAS IRMÃS CANOSSIANAS

Senhora Dona Deolinda da Conceição Rosário da Silva

Quando estive em Macau, no Verão de 1995, fui apresentado a Maria Yu por um amigo comum. Encontrámo-nos pela primeira vez num pequeno café no sopé da colina da Guia. A zona da Guia foi o local onde Maria e a sua mãe cresceram. Depois de me ter encontrado com ela em três ocasiões diferentes, em encontros que duravam mais de quatro horas, Maria falou-me longamente da avó, que tinha sido educada pelas Irmãs Canossianas e também da mãe que tinha crescido no seio de uma família portuguesa. Falou ainda de si própria e da dinâmica astuciosa da comunidade macaense durante os últimos sessenta anos. Ajudou-me inclusivamente a identificar as mudanças históricas e sociais que afectaram três gerações de mulheres. Apesar do comprometimento de Maria na apresentação destas mulheres, tomei a decisão de falar da história da sua avó, Deolinda, desde o nascimento até ao casamento.

A avó materna de Maria era uma órfã chinesa que foi criada na escola da Missão e que mais tarde veio a casar no seio de uma respeitável família macaense. Como mulher de firme educação católica, costumava ir à missa regularmente e mostrava-se atenta aos ensinamentos da Igreja. Também fazia parte de um grupo de mulheres missionárias. Via-se a si própria como uma mulher portuguesa educada que, tal como os seus compatriotas recentemente chegados do continente, ambicionava "civilizar" aqueles chineses de Macau que continuavam a praticar hábitos sociais e religiosos milenares. Identificando-se também como europeia, considerava que com princípios católicos adequados e com uma educação portuguesa "qualquer chinês se poderia transformar num português responsável".

Deolinda Conceição Rosário da Silva nasceu em 1901. A mãe dela era uma pobre mulher chinesa que vivia em Mong-Há, a zona chinesa da cidade. Desconhece-se a data exacta do seu nascimento; no entanto, Deolinda contou a Maria que tinha sido encontrada na Primavera. De acordo com os arquivos das Irmãs Canossianas ela teria quatro meses quando foi encontrada. Foi levada para o orfanato e isolaram-na durante um curto período de tempo devido a problemas de saúde, tendo sido mais tarde levada para a camarata. Isabel, uma jovem viúva recentemente convertida ao catolicismo, foi contratada para ser a ama de Deolinda.19 Foi ela que se encarregou de catequizar Deolinda (Lin-Lin) nos princípios cristãos. Isabel também ensinou Lin-Lin a tratar dos assuntos domésticos e a falar cantonense. Tratou-a como se fosse sua própria filha até aos quatro anos de idade. As Irmãs Canossianas readmitiram-na mais tarde na Santa Infância no Complexo de Santa Clara.20

De volta ao orfanato, Lin-Lin recebia frequentemente as visitas de Isabel que lhe trazia pequenos presentes, normalmente roupa ou comida. Isabel não era obrigada a visitar Lin-Lin, mas fazia-o porque se sentia muito ligada a ela. Na Escola Canossiana, Lin-Lin fez rapidamente amigas entre as Irmãs e mostrava-se muito empenhada nos estudos. Acerca da vida da avó "entre os muros", Maria conta-nos o seguinte:

"Várias foram as órfãs chinesas a serem admitidas no Colégio, mas apenas algumas se mostravam prometedoras. (...) A minha avó falava frequentemente sobre os seus dias no Colégio. Ela tinha orgulho de si própria...

"Ao amanhecer, com o toque do sino, todas as raparigas se tinham que levantar. A primeira coisa que elas costumavam fazer depois de se lavarem era dirigirem-se à residência paroquial para as orações da manhã. Era um grupo pequeno de raparigas muito ligadas umas às outras. Estavam sempre juntas. Depois das orações da manhã, iam ajudar as irmãs e as a-más (criadas) a tomarem conta das crianças mais novas. Nessa altura as freiras eram severas relativamente a tudo. Gostavam muito das crianças, mas também se mostravam muito exigentes.

"Exigiam muito das raparigas e por isso estas amadureciam rapidamente. Aprendiam a ser rápidas em tudo e a ser autoconfiantes. Criava-se uma ligação especial entre as órfãs e as freiras e muitas delas optavam pela vida religiosa. Várias amigas da minha avó ficaram no convento e juntaram-se à irmandade.

"De manhã, o dia começava com coros e com as aulas. As órfãs ou estavam na escola juntamente com as raparigas portuguesas e macaenses ou estavam a trabalhar. As irmãs tentavam ensinar as crianças a serem auto-suficientes de forma a poderem ganhar o seu sustento quando saíssem do orfanato.

"Todas aprendiam a bordar. Era muito importante que qualquer rapariga portuguesa soubesse bordar. Normalmente bordavam as vestes dos padres e os panos do altar. Em conjunto com as raparigas portuguesas formavam uma pequena fábrica. Cerca de quinze raparigas trabalhavam nesta 'oficina de bordados'. Juntas cresciam trabalhadoras. Era lindo... aprendiam lado a lado: as crianças portuguesas e as raparigas do convento... faziam um bom grupo!"

Na sociedade macaense tradicional o saber bordar era uma técnica que precisava de ser aperfeiçoada antes do casamento. Havia um ditado que ridicularizava as jovens mulheres que pensavam em casar sem dominarem a arte de bordar: "Inda nunca sabi dá d魋 ponto de costura benfêto, já sai com cazamento!"21 As órfãs eram treinadas para bordar, o que na cultura portuguesa era considerado uma técnica dominada pelas boas esposas. As Irmãs Canossianas conduziam as raparigas para o papel específico de virem a ser esposas de portugueses. Edith Martini, uma escritora macaense, diz-nos o seguinte sobre a educação nos conventos:

"Com a educação que tinham nos conventos as mulheres tornavam-se muito prendadas nos trabalhos manuais e cedo eram ensinadas a não serem inúteis: 'fazer tricô, fazer renda, bordar, representar pequenas comédias e tocar piano eram, entre outros, os dotes que os pais mais apreciavam nas suas filhas'."22

É importante notar o tipo de coisas que eram ensinadas no convento a estas raparigas (órfãs). Não eram educadas para serem freiras, criadas ou para terem qualquer outro papel. Isto porque bordar, fazer tricô e tocar piano eram qualidades muito apreciadas pelos homens portugueses e pela sociedade portuguesa.

As Irmãs Canossianas davam uma importância extrema à necessidade das raparigas aprenderem estas habilidades. As órfãs eram enviadas para a comunidade com um objectivo duplo: primeiro, para conseguirem um trabalho válido e para adquirirem experiência social na comunidade macaense e, segundo, para arranjarem marido. A destreza nestas actividades apenas levou a que as órfãs chinesas, anteriormente sem possibilidades de casar, se tornassem em tradicionais e refinadas noivas portuguesas que iriam preencher a falta de noivas no Território.

As órfãs também aprendiam com as mulheres que vinham da comunidade para se aperfeiçoarem nestes ofícios. As famílias macaenses pretendiam igualmente que as suas filhas se tornassem raparigas casadoiras.

"Também era possível encontrar lá algumas mulheres da alta sociedade. Mas estas pagavam para aprender a coser e a fazer outras tarefas domésticas. O objectivo da escola era ensinar para que elas se integrassem na sociedade e para se tornarem boas esposas.

"As freiras eram cuidadosas com o ensino. Apoiavam tanto as raparigas pobres como aquelas que tinham dinheiro. Ninguém era favorecido. Presumo que o faziam para que não surgissem rivalidades entre as raparigas."

Éimportante notar que todas as dádivas que as Irmãs recebiam iam para a educação ou para a comunidade, não ficavam com absolutamente nada para elas.

"Davam tudo para obras de caridade. Daí as raparigas do convento precisarem dos seus próprios meios para se sustentarem. Estas jovens cosiam ou executavam outros serviços na comunidade. Depois das aulas no convento, elas saíam e iam para os seus empregos."

Até aos doze anos, as raparigas não estavam autorizadas a sair do convento. Muitas delas tinham inclusivamente medo de sair. No entanto, as Irmãs incitavam-nas a sair. Por vezes, contrariamente à sua vontade, muitas órfãs eram colocadas pela Madre Superiora como criadas em casas respeitáveis. Isto aconteceu com Deolinda.

As raparigas que ficavam na Escola Canossiana estabeleciam um forte relacionamento entre elas. Construíram uma pequena comunidade auto-suficiente dentro das paredes do convento. Dependiam umas das outras no que diz respeito ao apoio moral e espiritual. De acordo com as palavras de Maria, as raparigas "vinham todas do mesmo lugar" e passavam pelas mesmas experiências dentro do convento.

Todas as raparigas tiveram uma educação profundamente católica. "A sua piedade santa era respeitada pela comunidade e eram elogiadas por toda a gente devido às suas grandes virtudes." Era frequente as famílias solicitarem junto da Madre Superiora que estas raparigas fossem para suas casas trabalhar como jovens criadas ou como ajudantes das a-más. Os pais da autora macaense, Edith Martini, trouxeram para casa uma destas raparigas:

"Eu tinha uma companheira, uma jovem rapariga que vivia com os meus pais. Ela era uma versão mais velha de mim própria. Ficou órfã muito nova e pensava que poderia ter uma vida sem problemas tornando-se freira num convento. Contudo, infelizmente não tinha uma saúde suficientemente forte para poder suportar a austeridade da vida conventual e, como tal, a minha mãe trouxe-a para casa. Encontrou um lar na nossa casa e cosia para a minha mãe. Era uma artista com as mãos. Bordava divinamente e fazia bonecas de trapos. (...) Tinha uma paciência infinita comigo, e transmitia-me uma sensação de segurança, paz, tal como um canto onde eu pudesse esconder-me. Não exigia nada de mim; aceitava-me e compreendia a minha maneira de ser. Chamava-se Celeste, mas como eu tinha dificuldade em pronunciar o seu nome, chamei-lhe 'Cessie'."23

Daquilo que Maria se lembra de Deolinda, esta teria sérias parecenças com a "Cessie" de Edith Martini. Por ser uma pessoa calma e ter um bom carácter, Lin-Lin (nome chinês em criança), ou Deolinda (nome aportuguesado durante a sua adolescência), foi rapidamente adoptada por uma família macaense local quando tinha onze anos. Numa pequena cerimónia, Deolinda tornou-se afilhada de Rebeca do Rosário. Na cerimónia, Deolinda ficou ainda com os nomes "Conceição", por causa da Sagrada Concepção de Jesus Cristo, e "Rosário", que era o apelido da sua madrinha.

Deolinda aprendeu muito sobre a vida e sobre a família adoptiva através da criada cantonense mais velha. A velha a-má ensinou-a tudo sobre a vida fora das paredes do convento. Depressa ficaram amigas. Como Deolinda tinha aprendido cantonense em criança, rapidamente ultrapassaram a barreira da língua. Deolinda costumava tagarelar com a velha a-má enquanto aprendia a cozinhar e a preparar refeições. Durante a estada em casa dos Rosários, Deolinda tornou-se versada na dinâmica social das tarefas domésticas macaenses. A tagarelice forneceu-lhe a possibilidade de, através de uma maneira informal, conhecer aquilo que se passava à sua volta. Não era suposto que Deolinda estivesse muito próxima da madrinha ou que tivesse grande familiaridade com o senhor da casa. Mantinha uma certa distância dos senhores, mas podia criar amizade com as crianças e com a a-má. Como estava proibida de tomar as refeições com a família, Deolinda e a a-má costumavam descansar juntas. Nestas alturas, elas costumavam falar das suas vidas e das suas preocupações. A a-má ajudou-a a identificar-se com a sua origem chinesa. Além disso também desempenhou um papel maternal e de educadora junto de Deolinda. Em primeiro lugar, o dever das duas mulheres era tratar da casa. Deolinda tinha a responsabilidade de tomar conta das crianças e de fazer todos os trabalhos domésticos em geral. A a-m? tinha tarefas mais especializadas, que depressa passaram para as mãos de Deolinda. Como tinha sido estudante na Escola Canossiana, Deolinda era também tutora particular das crianças.

"A vida da minha avó dividia-se da seguinte maneira: a casa, o mercado e a igreja. Em casa, ela era totalmente responsável pelas duas meninas. Alimentava-as, brincava com elas e ensinava-as. As outras tarefas eram cozinhar, limpar e remendar. Passava muito tempo com a outra a-má que lhe ensinava cantonense e a cozinhar bem comida chinesa. Aprendeu a falar cantonense e português fluentemente. Isto era-lhe útil porque tinha de ir ao mercado chinês, todas as manhãs, para comprar as mercearias para a família. Saía diariamente de casa e dirigia-se rapidamente ao mercado onde tinha que regatear o preço de tudo; se não falasse cantonense, os comerciantes teriam tentado enganá-la nos preços. Para a sua sobrevivência nas ruas era importante o facto de falar cantonense!

"Em casa a senhora falava patoá (crioulo macaense) com ela e como tal foi também obrigada a aprender este dialecto para poder comunicar. Num período de dois anos, aprendeu outras duas línguas.

"Esta capacidade para aprender coisas bem e depressa tinha sido adquirida enquanto vivia no convento. As raparigas eram normalmente treinadas para tal."

Ao longo dos anos, Deolinda foi crescendo no seio da família e foi sempre tratada como uma filha, no entanto, com um estatuto inferior ao das outras. Participava nos encontros entre famílias e era apresentada às afilhadas das outras famílias, mas não às criadas. Maria contou-me que ela era apresentada desta maneira porque "se lhe chamassem apenas 'criada' isso significava que o seu estatuto como afilhada não era reconhecido. A família tratava-a como se ela fosse da própria família." Apesar de Maria tentar defender a extensão destes laços fictícios de parentesco, o facto é que ela tinha que cumprir as tarefas de uma criada -- tarefas que as outras crianças não tinham que fazer. Contudo, através desta extensão, ela foi aceite como membro da comunidade macaense. Apesar de Maria afirmar que Deolinda pertencia à família, o facto é que isso não acontecia. Tinha o estatuto de afilhada, no entanto, era a criada da família. Paradoxalmente, Maria refere que Deolinda não tratava a madrinha por tal, mas sim por Senhora Rebeca — havia uma falta de familiaridade entre as duas ao contrário do que existia entre Deolinda e Isabel, a sua ama. Este estatuto e a sua aceitação na comunidade macaense estavam relacionados com a sua etnia. A etnia era o ponto de divisão para a aceitação de Deolinda na comunidade. A família precisava de mostrar que Deolinda era uma afilhada para que os outros reconhecessem esta jovem não apenas como uma simples criada chinesa, mas sim como uma protomacaense. O que a família tentava fazer, através do trabalho doméstico que lhe dava, era condicioná-la à sociedade macaense e tentar dar um exemplo de comportamento propriamente adequado naquela comunidade. O facto de não pertencer à família era duro em termos emocionais para Deolinda, mas era necessário do ponto de vista da família Rosário. A Senhora Rebeca precisava de se distanciar desta jovem rapariga para o caso de ela "falhar".

Com o tempo, Deolinda tornava-se cada vez mais querida para a família. Por ser totalmente obediente e por ter uma personalidade "encantadora", Deolinda fez amigos entre as crianças que tinha a seu cargo. medida que as filhas da família se tornavam jovens e respeitáveis mulheres, crescia também, na comunidade, a reputação de Deolinda como rapariga virtuosa e de confiança. Através da sua boa reputação ela conseguiu respeito e reconhecimento.

"Por vezes funcionava como intermediária entre as raparigas da casa e os seus assuntos amorosos. Ela oferecia grande confiança. As raparigas só podiam sair de casa para irem à missa, como tal as excursões a casa de rapazes eram simplesmente intoleráveis. Assim, o que elas faziam era entregar um bilhete escrito à minha avó e quando ela ia ao mercado entregava o bilhete ao rapaz e vice-versa. Ocasionalmente as raparigas pediam à mãe para irem à igreja participar numa novena. Mas de facto elas iam à igreja apenas para captar os olhares dos rapazes em quem estavam interessadas. Foi assim que a minha avó conheceu aquele que veio a ser o seu marido.

"Numa das vezes que foi entregar um bilhete, o irmão de um dos rapazes observou-a. Como ela ia frequentemente a essa casa, o rapaz pôde observá-la várias vezes. Falavam de vez em quando; ela era criada e como tal podia falar com rapazes. A relação entre eles foi crescendo e depressa ela se tornou tão ansiosa como as filhas da sua patroa. Passado algum tempo a mãe do rapaz começou a interrogar a Senhora Rebeca do Rosário sobre a minha avó. Começou por dizer coisas do género: 'Vejo a sua afilhada frequentemente na igreja...' ou 'Ouvi dizer que ela cozinha muito bem...' e outras coisas como estas. Nessa altura a Senhora Rosário convidou os pais do rapaz para jantar e foi a minha avó que cozinhou. Ela nem sequer suspeitava, mas eles estavam ali para ver que tipo de rapariga era ela. Depois do jantar foram todos para a sala conversar. Começaram, aí, a tratar do casamento. No dia seguinte os pais do rapaz foram ter com a Madre Superiora para lhe perguntarem se a minha avó podia casar. É claro que a Madre Superiora lhes garantiu que sim e a minha avó ficou noiva para casar dali a seis meses.

"Seis meses depois ela tornou-se a Senhora Deolinda da Conceição Rosário da Silva. Foi aceite de coração aberto por toda a comunidade porque todos a conheciam como uma boa mulher. Julgo que a partir dessa data ela passou a ser considerada como uma verdadeira macaense, uma vez que todos gostavam dela."

Deolinda casou com o filho mais novo de uma próspera família macaense. Aparentemente não havia qualquer problema relativamente ao casamento, no entanto, com a aquisição de Deolinda na família, alguns membros da mesma consideravam, em segredo, que ela tinha tornado a família "menos portuguesa". A maior parte destes comentários foi abafada porque Deolinda se mostrava uma excelente mãe e dona de casa. Apesar de algumas críticas, ela continuou a manter um relacionamento benevolente com a sua ama chinesa, Isabel. Deolinda nunca esqueceu as suas origens apesar de nem sempre se orgulhar disso. A sociedade fez com que ela esquecesse a sua ascendência chinesa e que adoptasse uma identidade portuguesa. Deolinda estava demasiado absorvida no seu dia a dia para se lembrar de questionar quem ou o que é que era; e além disso parecia resignada ao seu destino. Aceitou a nova situação social e sentia que isso lhe tinha trazido um estatuto relativamente privilegiado, o qual ela apreciava.

Depressa se tornou mãe de um rapaz e de duas raparigas; que cresceram no período imediatamente anterior e durante a Segunda Guerra Mundial. Nesta altura, a cultura macaense tradicional começou a fragmentar-se e tomou uma nova forma, mais perto da cultura chinesa, semelhante à cultura actual de Macau: uma cultura com mais ligações aos chineses locais e com uma ênfase menor na herança portuguesa. Durante a sua juventude, ter uma educação portuguesa e ligações com os portugueses era algo de que se poderia orgulhar; com a mudança do regime político em 1926, os "reinóis", ou portugueses vindos de Portugal, começaram a ter uma imagem denegrida. Segundo alguns, nos anos 30, o estado português tornara-se ultranacionalista, quase-fascista. Os macaenses, apesar de prosperarem sob o novo sistema, depressa descobriram que a sua herança cultural e costumes eram proscritos pelos portugueses. Especialmente no que dizia respeito aos cargos administrativos onde era exigido o domínio total da língua portuguesa, o patoá era tido como um dialecto de baixo nível e a partir daí começou a morrer. Deolinda testemunhou todas estas alterações que se processavam à sua volta, mas tal como Maria afirma: "Ela estava resignada a tudo. Não questionava nada, aceitava apenas. Isto ela aprendeu quando era criança."

A-Mei Alves

"A minha mãe era prostituta." Foram as primeiras palavras que Lara Alves me disse acerca da mãe, Mei, depois de me ter sido apresentada por Maria Yu. Estas duas mulheres conheceram-se quando estavam a estudar na Universidade Nova de Lisboa nos anos 70. As minhas discussões sobre a afiliação étnica macaense e a condição feminina em Macau ficaram por resolver depois de eu ter saído de Macau.

Ela deu-me uma outra perspectiva interessante sobre o papel da Igreja e das a-más na aculturação das órfãs chinesas. Lara era dura nas suas observações e breve nas suas críticas e descrições da sociedade macaense.

"Eu não considero a minha mãe macaense. Apesar de ela ter crescido no 'Orfanatório Chinês' (a secção chinesa do orfanato do Complexo de Santa Clara) não a considero macaense e explico porquê: um macaense é uma pessoa que nasceu e cresceu em Macau. Eram chamados os 'Filhos da Terra'. São em parte portugueses, quer pelo facto de terem sangue português, quer por aculturação, e são normalmente católicos. A minha mãe não era nem uma coisa nem outra. Era chinesa e não era religiosa. Não queria ser macaense... Por vezes sinto que ela mais tarde se terá arrependido disso.

"Apesar de se ter casado com um homem macaense, não foi inicialmente aceite pela comunidade macaense. Chamo-lhe comunidade porque funcionava como uma grande família. As razões pelas quais ela não era aceite são as seguintes: primeiro, porque quase não falava português e, em segundo lugar, porque nunca se converteu ao catolicismo. No entanto, penso que ela terá resistido a todas estas marcas étnicas macaenses porque as outras mulheres da comunidade a viam como uma desgraça, uma vergonha. Não tanto por ter sido abandonada, uma vez que muitas das mulheres macaenses eram órfãs, mas sim porque ela tinha sido prostituta."

Em 1918, Mei entrou num orfanato de uma outra instituição canossiana, o Asilo para os Surdos e Inválidos em Mong-Há. Foi encontrada gravemente doente, às portas da morte. Felizmente foi levada por alguém para a enfermaria das Canossianas e mais tarde entrou no orfanato chinês (Orfanatório Chinês) no Complexo de Santa Clara. No espaço de uma semana as Irmãs Canossianas puseram-na numa casa onde foi criada por uma mulher chinesa.

"A minha mãe tinha uma recordação ténue do tempo em que era jovem... Ela falava-nos pouco do seu passado porque considerava que ser órfã -- ou melhor, abandonada pelos pais -- era uma vergonha. Se havia alguma coisa de que ela se envergonhava esta era uma delas, assim como o facto de ter sido muichai (escrava).

"Julgo que a mãe a costumava visitar no orfanato, porque às vezes falava de uma mulher que vinha e dava às irmãs dinheiro para ela. Não tenho a certeza disto, de qualquer forma estas práticas eram frequentes. Não duvido que esta mulher fosse sua mãe. No entanto, ela foi inicialmente criada por uma mulher chinesa até aos quatro ou cinco anos e depois novamente levada para junto das freiras canossianas. Soube isto porque a mulher que tomou conta dela no-lo disse no funeral da minha mãe... A minha mãe nunca soube quando ou como foi encontrada. Apenas sabia que crescia de uma forma diferente das outras raparigas chinesas.

"Na Escola Canossiana aprendeu a ler, a escrever e a contar de uma forma rudimentar. Também aprendeu muitas canções. No orfanato chinês, as Irmãs Canossianas contratavam criadas chinesas para tomarem conta das crianças. Estas mulheres eram duras com as órfãs e a minha mãe contava que muitas vezes lhe batiam por coisas de que era acusada mas que de facto não tinha cometido. À parte disto, as suas recordações da vida no orfanato eram calmas e agradáveis.

"O orfanato tinha, por vezes, mais de 500 crianças de ambos os sexos e de todas as idades até aos 10 ou 12 anos. Por isso, as criadas eram muito impacientes com as crianças. Isto justifica as palmadas frequentes que a minha mãe levava nas mãos.

"Por volta dos oito anos foi entregue a uma casa chinesa para executar pequenas tarefas. noite voltava para o convento e recebia educação religiosa. Ou qualquer espécie de educação. Ela repetia este ciclo dia após dia... Não estou certa do tipo de escolarização que ela recebia na escola, mas teria tido certamente alguns ensinamentos cristãos rudimentares por parte das criadas porque lhes era exigido que fossem cristãs.

"Fora disso, também aprendeu basicamente a ler, a escrever e a contar. As Canossianas estavam essencialmente preocupadas com a sua aptidão para trabalhar e não propriamente com a sua alma.

"Aos onze anos a minha mãe fugiu da Escola Canossiana para nunca mais voltar. Voltaria do seu trabalho, supostamente, mas nunca o fez. Disse-me apenas que na altura não lhe tinha simplesmente apetecido voltar e como tal não voltou. Já tinha ouvido falar de outras raparigas que não regressavam e resolveu fazer o mesmo. Possuía contactos com a comunidade chinesa... voltou para a sua ama (que também era traficante de raparigas novas). Esta disse que lhe iria arranjar trabalho. Sem que a minha mãe soubesse, a mulher em quem ela julgava poder confiar vendeu-a como muichai."

Quando estava no orfanato chinês, Mei era enviada para trabalhar na comunidade. Incumbiam-na de trabalhos domésticos duros e outras tarefas físicas tais como transportar pedras e madeira. Voltava para o orfanato exausta. Não lhe foi permitida a entrada na Santa Infância, como a Deolinda, por várias razões. Apenas os alunos bem-comportados e que não eram rebeldes eram aceites. Mei desde os primeiros momentos que não gostava de "autoridade" e não gostava de ser disciplinada. Além disso Mei era vista como uma criança pouco atraente. Era muito chinesa — não tinha feições finas, característica muito apreciada nas raparigas que se iriam tornar esposas portuguesas. Como ela não era nem bonita nem bem-comportada aos olhos das Irmãs Canossianas, ficou no orfanato chinês encarregada de tarefas duras e não de trabalhos leves tal como bordar. Lara Alves comenta que estas eram as memórias mais tristes da infância de sua mãe. Isto talvez tenha contribuído para que Mei fugisse do orfanato.

Depois de ter fugido do orfanato, Mei foi directamente ter com a sua velha ama. Em troca de a "esconder", a ama pô-la a trabalhar em sua casa. A rapariga a quem tinha sido dado o nome de Maria pelas Irmãs Canossianas, era agora conhecida como A-Mei, e tornou-se uma muichai, escrava. A sua amiga de confiança decidiu vendê-la para ganhar dinheiro. Assim, durante cerca de um mês, foi observada por vários potenciais compradores. Sem grandes formalidades, à excepção da assinatura de um contrato, a rapariga passou para as mãos do proprietário de uma casa de ópio apenas por 60 patacas. O trabalho dela era servir cachimbos de ópio e divertir os clientes. Sem querer, Mei entrou na vida de escrava. Contudo, e apesar de ter fugido da Escola Canossiana, não tinha qualquer intenção de voltar nem mesmo de fugir da casa de ópio. Percebia que a sua era uma situação contratual e obrigatória.

O trabalho na casa de ópio era relativamente leve comparado com o que fazia anteriormente. Entre outras coisas tinha a função de divertir; aprendia com as outras raparigas a cantar, a dançar e a fazer massagens. Ela era boa a divertir e a incentivar os homens a fumarem mais ópio ou a contraírem dívidas de jogo cada vez maiores. Guardava todo o dinheiro que eles lhe davam. Estas gorjetas ela gastava-as em roupas ou então poupava. Tinha a esperança de poder comprar a sua liberdade — se ali tivesse ficado mais um ano, teria podido comprar a sua liberdade. Infelizmente o seu patrão não teve sorte e precisou de vender todos os seus bens para pagar dívidas de jogo. "Aos 14 anos, a minha mãe foi revendida pelo preço de 160 patacas (por ser muito bonita) a um bordel que ficava na Rua da Felicidade.

"Depois de ter trabalhado três anos na casa de ópio, a minha mãe foi vendida para a prostituição. No contrato figurava como 'meretriz' (prostituta comum), e não como muichai. Não sei porque é que foi feita esta alteração. A minha mãe explicava que tinha sido pelo facto de ela ter sido entertainer na casa de ópio. Enquanto muichai prestava serviços sexuais, mas não podia ter o título de prostituta por ser uma escrava doméstica."

Com este estatuto híbrido, ela prestava serviços sexuais ao seu patrão medida dos desejos deste. Aceitou esta situação com resignação na esperança de que poderia vir a comprar a sua liberdade. A transição para o estatuto de prostituta comum, ou meretriz, não foi difícil. Relativamente a isto, disse-me Lara, "se ela tivesse sido logo prostituta quando saiu do orfanato chinês, teria tido problemas..." Isto devia-se ao facto de, para ser prostituta de sucesso, ter que começar de início. Já tinha sido muichai, como tal tinha começado do início. Mais tarde foi vendida e promovida a prostituta. Teve assim a possibilidade de tirar vantagens da sua aprendizagem passada e usá-la no seu actual papel. As afirmações de Lara pressupõem que a transição da mãe para prostituta foi mais fácil pelo facto de ter sido muichai. A experiência como muichai facilitou a sua entrada na prostituição, não tendo sido, como tal, atirada de uma forma desprevenida para esta profissão.

"A minha mãe não se envergonhava de ter sido prostituta. Nem eu. Ela orgulhava-se de ser perita e mestre nas artes sexuais perante nós, os seus filhos, quando já éramos adolescentes. Foi depois da minha primeira comunhão que ela nos começou a falar do seu passado. No início isto incomodou-me bastante, mas mais tarde percebi e aceitei o passado da minha mãe porque isso fazia parte daquilo que ela era. sempre um choque saber estas coisas. A capacidade de usar o seu corpo e de agradar era algo em que ela tinha muito orgulho. Não lhe posso descrever a forma como ela nos falava sobre isso... era quase impróprio para uma mulher chinesa falar daquela forma. No entanto, ela fazia-o. Ao mesmo tempo desejava que as filhas tivessem um futuro diferente. Queria que fôssemos portuguesas, católicas e boas esposas e mães. No entanto, esforçou-se para nos ensinar aquilo que tinha aprendido quando era jovem. Acho que nem eu nem as minhas irmãs a ouvimos até que se tomou demasiado tarde."

A vida no bordel não foi difícil para Mei. A madame (senhora) instruiu-a nas artes da prostituição. Rapidamente passou do estatuto de vulgar meretriz, o tipo de prostituta escolhida pelos marinheiros, a mulher solicitada por homens ricos e poderosos. Ela chegou a esta situação através do aperfeiçoamento cuidado das artes da prostituição e pela manipulação cautelosa da senhora. Lara contou-me o seguinte: "A minha mãe depressa se tornou conhecida nos casinos e nos bordéis como uma mulher bonita e o grupo dos seus clientes aumentou. Ela trouxe muito dinheiro para aquela casa."

Esta afirmação acaba por ser irónica se se pensar que Mei tinha sido rotulada pelas Irmãs Canossianas como um bebé feio.

Mais tarde, Lara explicou-me como era a vida de uma prostituta em Macau durante os anos 30 e levou-me à Rua da Felicidade, e para me mostrar o lugar onde a mãe tinha trabalhado em tempos. A Rua da Felicidade é uma rua paralela à Avenida Almeida Ribeiro e era um lugar conhecido pelos seus muitos restaurantes e bordéis. Funcionavam mais ou menos simultaneamente, nunca fechando, e os clientes movimentavam-se de uma casa para outra a todas as horas. Na Rua da Felicidade havia também as Lui Kông Kuang (as casas de ópio) e os casinos. O casino mais próspero e auspicioso de todos, na altura, era o Hotel Grande Central. O pai de Lara, Fernando Alves, conheceu Mei depois de uma longa noite a jogar no Grande Central.

"Em poucos anos a minha mãe começou a trabalhar na zona próxima do Hotel Central (Hotel Grande Central). Nessa altura este hotel era conhecido como um local de encontro de gangsterse de artistas. Era famoso pelo seu cabaret, cinema e casa de jogo. O Hotel Central representava o grande luxo... Era absolutamente natural para a minha mãe trabalhar ali."

Lara reproduziu-me as palavras do pai sobre a forma como conheceu sua mãe:

"O meu pai era um malandro quando era novo. Jogava e tinha muitas mulheres. Nessa altura coisas deste tipo num rapaz jovem não constituíam admiração. Quando lhe perguntavam como tinha conhecido a minha mãe, ficava sempre com um brilho nos olhos e esboçava um grande sorriso. Era mais ou menos isto o que ele costumava dizer:

'Fui à Rua da Felicidade para conhecer uma mulher de quem se dizia conhecer bem a arte de fazer amor... Não o tipo de mulher que habitualmente se prostitui com qualquer homem... que dá pelo prazer de dar e que não se oferece como um produto que está para venda.'

"Penso que o meu pai começava a romantizar as coisas. Cada vez que ele nos dizia isto a Mãe costumava sorrir.

'Queria conhecer uma artista... que não fosse nem doce nem subserviente... Digo o mesmo do amor. Um tipo de mulher diferente das portuguesas, alguém que pudesse ser cativada e surprendida. Conheci uma mulher chinesa.'"

Uma noite, à saída do Hotel Central, depois de ter perdido várias centenas de patacas nos jogos do fantan e glu-glu, Fernando Alves contratou um "piloto" para lhe apresentar hou tai muichai (raparigas bonitas). Este guia levou-o por várias ruas traseiras e deixou-o à porta do hotel onde Mei trabalhava.

"Depois de ter subido três ou quatro degraus do hotel e de ter olhado para várias 'hospedeiras' que jogavam majong, deu por si, de repente, 'fixado numa figura isolada que fumava um cigarro. Era uma mulher que não tinha mais de vinte anos. Usava meias cor-de-rosa...'24.

"E foi assim que o meu pai conheceu a minha mãe. Contou-nos essa história tantas vezes, embelezando-a com outros factos e descrições da minha mãe. Ela era uma beldade na sua época. Encontrou-a pelo menos mais três vezes e apaixonaram-se. Um dia ele aproximou-se da patroa dela e ofereceu-lhe trezentas patacas pela rapariga. Casaram mais tarde numa cerimónia civil."

O facto de o pai de Lara ter casado com uma prostituta foi um escândalo para a família. A partir do momento em que ele a trouxe para casa, ninguém a aceitou nem a ela nem ao casamento como sendo "legítimo aos olhos de Deus". Frequentemente se referiam a Mei como "essa mulher". Só quando o irmão mais velho de Lara nasceu é que, de má vontade, a aceitaram.

A comunidade macaense nessa altura era muito pequena e muito fechada, contudo começou a sofrer alterações. Os casamentos com mulheres chinesas (não católicas) começaram a aumentar. No entanto, o casamento de Fernando com Mei foi um dos primeiros de tais casamentos e, apesar de tudo, teve repercussões a nível social. A família Alves orgulhava-se da sua "portugalidade" e o facto de Mei ser chinesa e de ter uma reputação menos boa manchava a família. A única forma do grupo maior da família defender a sua identidade portuguesa e a sua reputação era votar ao ostracismo a nova esposa. Não era convidada para as reuniões da família, nem era bem-vinda na casa da família Alves. Ela e Fernando mudaram-se para lá com um dos irmãos mais velhos dele.

"Mesmo depois do nascimento do primeiro filho, o casamento não continuou a ser totalmente aceite pela família. Era a minha avó que se opunha à minha mãe. Acho que ela nunca gostou da minha mãe... Apesar de ter casado com um macaense a minha mãe nunca foi aceite como macaense. Acho que no início ela se esforçou bastante para assimilar a cultura deles, mas, depois de deparar com desaprovações constantes, rejeitou tudo. Projectou todas as suas aspirações sociais nos seus filhos. No final, voltou-se para todos os seus amigos chineses e permaneceu alheia à sociedade macaense."

A diferença entre a entrada de Deolinda e a de Mei na sociedade macaense prendia-se a questões de reputação e de respeitabilidade. Deolinda tinha crescido na Escola Canossiana e estava treinada especificamente para ser esposa de um português. Possuía todas as credenciais para entrar na sociedade macaense; era católica, falava português, e tinha todas as outras características necessárias para ser considerada uma boa esposa. Deolinda era também uma mulher atraente devido às "feições finas", além de cozinhar divinamente.

Mei, pelo contrário, era muito chinesa e tinha sido prostituta. Não entrou, por isso, com as credenciais adequadas, nem com boa reputação. Lara referiu, ainda, que a mãe tinha tentado ser inicialmente uma boa nora e esposa. No entanto, encontrou uma constante resistência por parte da família Alves. Se Deolinda manchou a família Silva com o seu sangue chinês, então Mei envergonhou indubitavelmente "todas as anteriores gerações da família Alves". A história destas duas mulheres representa os diferentes caminhos que podiam tomar as vidas das órfãs em Macau e ainda a reacção da comunidade macaense relativamente à assimilação destas criaturas estranhas à comunidade.

3.a PARTE: A ESCOLA CANOSSIANA E A DINÂMICA SOCIAL

O Colégio de Santa Rosa de Lima (A Casa de Santa Clara)

As Irmãs Canossianas tinham três orfanatos-escola em Macau na viragem do século. A mais importante destas escolas era o Colégio de Santa Rosa de Lima, cujo anterior nome era Convento/Colégio de Santa Clara. Em 1910, havia três orfanatos em Macau com cento e noventa e cinco residentes.25 Todavia, o nome de "orfanato" dado a estas instituições era uma designação de certa forma incorrecta uma vez que as crianças eram acima de tudo abandonadas e não órfãs; normalmente os pais estavam vivos e às vezes revelavam a sua identidade. Em 1874, o Bispo de Macau decidiu que havia necessidade de criar, no Território, orfanatos dirigidos pela Igreja e consequentemente traçou o regulamento para tal. Estes regulamentos foram aprovados por uma lei governamental publicada a 19 de Fevereiro de 1875. Em 1876, o Bispo João Paulino de Castro convidou as Missionárias Franciscanas de Maria (Irmãs Canossianas) para tomarem conta do convento e também para dirigirem a escola.26

Alguns anos mais tarde, em 1883, o espólio que tinha sido do Convento de Santa Clara foi finalmente entregue à comissão que dirigia o Colégio de Santa Rosa de Lima. Até 1886, as Irmãs Canossianas dedicaram-se quase exclusivamente ao cuidado das raparigas chinesas pobres e às crianças abandonadas. Ao contrário da Santa Casa, as Irmãs Canossianas davam às raparigas chinesas e portuguesas uma educação cultural, social e religiosa. Estas raparigas estudavam na "Casa da Beneficência" nos terrenos de Santa Clara.27 Ali, as freiras ensinavam inglês, francês e piano assim como os cursos tradicionais em trabalhos de agulha e bordados. Em 1889, foi aberto um curso de Noviças para jovens aspirantes a uma vida religiosa.28 A escola tornou-se uma instituição familiar no Território.

Apesar de ter sofrido muitas alterações ao longo dos anos, o programa básico para a educação e aculturação de órfãos permaneceu o mesmo; todas as órfãs na Casa da Beneficência estudavam português e aprendiam trabalhos domésticos.29

Asilo de Santa Infância e Inválidas

No sopé da colina da Guia, com vista sobre o jardim de S. Francisco, ficava o Convento de Santa Clara e o Colégio de Santa Rosa de Lima, o qual ainda hoje existe. Dentro do complexo do convento havia uma secção que se dedicava exclusivamente ao cuidado de órfãos e de inválidos. Esta secção era vulgarmente chamada "Asilo de Santa Clara" apesar de ter o nome oficial de Asilo de Santa Infância. Aí, as Irmãs Canossianas, no orfanato chinês (Orfanatório Chinês), também tomavam conta de bebés chineses abandonados e criavam-nos quando eles sobreviviam.

As Órfãs

Em Macau, não era invulgar que em circunstâncias extremas os pais chineses abandonassem nas ruas os bebés do sexo feminino. Os bebés socialmente marcados, tal como os filhos ilegítimos ou miscigenados, e ainda os deficientes eram normalmente abandonados. A frequência com que estes abandonos se verificavam reflecte bem o sistema social de Macau. As famílias com uma situação financeira menos estável não podiam sustentar estes filhos e, por isso, davam-nos a instituições mais bem equipadas, porque consideravam que estas instituições podiam tomar conta e suprir as necessidades dos seus filhos.30Os pais tinham muitas escolhas e uma delas eram as várias instituições de caridade cristãs. Assim, alguns dos pais deixavam os seus filhos indesejados à porta da paróquia local cristã ou à porta do orfanato. Muitos bebés eram encontrados nestes locais tanto pela polícia como por missionários; frequentemente as crianças eram levadas para o orfanato.31

A razão pela qual muitos bebés do sexo feminino eram abandonados encontrava-se ligada a questões que diziam respeito ao casamento e a superstições. Pensava-se vulgarmente que uma criança do sexo feminino tinha de ser criada pela família natural e, mais tarde, esta não vinha a ter qualquer lucro com isso; depois de se casarem, estas crianças iriam deixar os seus pais para irem viver com a família do marido, privando os pais, desta forma, de usufruírem da sua produtividade enquanto adultas. Em Macau, os pais casavam as filhas o mais depressa possível, entre os doze e os quinze anos, para poderem reduzir os custos de criar uma rapariga.32 Os rapazes, pelo contrário, permaneciam em casa mesmo depois do casamento e contribuíam para o melhoramento da situação da família.33

Muitos chineses em Macau também acreditavam que as raparigas nascidas em determinados meses ou que, durante certos festivais, eram mantidas em casa, traziam doenças ou até mesmo a morte para o pai ou para o irmão mais velho.34 As superstições tomavam diferentes formas, mas todas protegiam os rapazes. Algumas pessoas acreditavam que se se matasse uma rapariga a próxima criança seria um rapaz; outras acrescentavam que se uma mãe desse à luz quatro raparigas seguidas isso significava que ela estava possessa por espíritos maus e que a única forma de expulsar os invasores de dentro da mãe era verem-se livres da última criança a nascer.35 As crianças destinadas a serem abandonadas eram normalmente separadas da mãe à nascença para aliviar a agonia da genetriz. Uma freira católica conta-nos o seguinte sobre a primeira criança que ela levou para o orfanato:

"Lembro-me perfeitamente da primeira vez que uma criança foi deixada nos nossos degraus. Era a minha primeira semana em Macau... Uma mãe, seguida por outra mulher (que vim a saber era sua sogra) chegou chorando silenciosamente com uma criança nos braços. A criança não tinha mais do que uma semana. A outra mulher apoderou-se da criança, colocou-a à porta e tocou a campainha. Vi tudo isto de longe e fiquei chocada. A mãe tentou apanhar a criança, mas a outra mulher começou a bater-lhe apesar das suas súplicas. A crianca foi lá deixada, nas nossas escadas, a chorar. Eu não podia acreditar e apressei-me em direcção à porta, agarrei na criança e tentei alcançar as duas mulheres. Uma outra irmã fez-me parar e disse-me que aquilo era comum. Já dentro de casa, demos-lhe o nome de Maria, Mãe de Jesus, e na manhã seguinte a criança morreu."36

Outras raparigas trazidas pelas Irmãs Canossianas eram filhos indesejados de prostitutas. Algumas das crianças eram filhas de marinheiros portugueses ou de outros estrangeiros que estavam de visita na cidade. Estas crianças não eram facilmente aceites na comunidade chinesa.37 As Irmãs Canossianas discriminavam entre crianças miscigenadas e órfãos chineses. Comissões de macaenses deslocavam-se aos distritos chineses e perguntavam se havia alguma criança miscigenada.38 Depois de encontrarem estas crianças entregavam-nas à Santa Infância. É importante notar que este orfanato era também aquele em que as raparigas eram educadas como portuguesas e casavam dentro da sociedade macaense. As órfãs chinesas eram mantidas no orfanato chinês e eram educadas como chinesas. Mais tarde eram libertadas. Não casavam na comunidade macaense e não eram catequizadas. No entanto, havia algumas crianças não miscigenadas que eram educadas na Santa Infância. Estas crianças eram consideradas casos excepcionais, tal como Deolinda por exemplo.

Também havia o caso de outras pobres crianças que, por outras razões, eram acolhidas pelas irmãs. Muitas eram violentamente espancadas pelos pais ou eram muichai que fugiam. Eram normalmnte perseguidas, quer pelos pais, quer pelos patrões, e procuravam refúgio no orfanato-asilo.

Muitos dos bebés que entravam no orfanato morriam passado algum tempo.39 Contudo, a principal causa para a mortalidade infantil era a falta de cuidados sanitários depois do nascimento. Normalmente, quanto mais velha era a criança no momento em que era encontrada mais hipóteses tinha de sobreviver. No entanto, as irmãs admitiam muitas vezes crianças recém-nascidas; muitas destas crianças eram filhos ilegítimos. As raparigas solteiras sofriam horrores para esconderem a gravidez da família, ou então martirizavam-se para tentar interromper a gravidez. A vergonha de carregar uma criança ilegítima levou muitas mulheres a tomarem atitudes desesperadas, chegando mesmo a ferir o feto quando tentavam em vão abortar. Muitas das crianças consideradas deformadas pelas Irmãs Canossianas tinham sido vítimas de azares ocorridos durante tentativas de aborto, como por exemplo o uso de produtos abortivos, compressas ou outros meios que a mãe utilizava na esperança de esconder a sua vergonha. Por vezes as mães tentavam, indiferentemente, fazer mal à criança depois do nascimento. Em algumas circunstâncias, as crianças eram encontradas com o cordão umbilical atado com uma palha de arroz ou com um pedaço de linho, e depois cortado com um caco de um prato partido e coberto com as cinzas de trapos velhos. Muitas das crianças que eram recebidas pelas Irmãs Canossianas já estavam a morrer de trismo provocado por tétano.40

As Irmãs Canossianas tinham uma grande preocupação em baptizar estas crianças moribundas.41 Se as crianças morressem depois de serem baptizadas, o baptismo assegurava-lhes uma vida eterna; se sobrevivessem, o orfanato oferecia-lhes a oportunidade de uma vida produtiva; o lema das Irmãs Canossianas era "salvar a juventude para salvar a sociedade".42

As Irmãs Canossianas contratavam amas de leite para tomarem conta das crianças saudáveis. O primeiro grupo de mães adoptivas criava as crianças durante os primeiros três ou quatro anos. Elas recebiam uma quantia mensal de 25 patacas para tomarem conta das raparigas nas suas próprias casas. Todas as semanas ou de dez em dez dias, traziam-nas ao orfanato para serem observadas. Antes de entregarem os bebés, as Irmãs Canossianas picavam a parte de trás da orelha ou o espaço entre o dedo maior do pé e o dedo seguinte com uma agulha mergulhada em tinta indelével. Esta pequena tatuagem identificava as crianças cada vez que elas vinham para serem observadas. As Irmãs Canossianas consideraram este sistema necessário depois de terem descoberto que alguns dos bebés tinham sido depositados no orfanato chinês ou que as mães adoptivas tinham sido subornadas para trocarem crianças doentes ou moribundas por um bebé saudável das Irmãs Canossianas.

No Complexo de Santa Clara, quando uma rapariga atingia a idade dos dois ou três anos, tornava-se residente permanente do orfanato e frequentava a escola dirigida pelas Irmãs Canossianas. Durante este período, a criança poderia ser adoptada independentemente da parte do orfanato a que pertencia. Normalmente as crianças que eram bonitas e saudáveis eram adoptadas. Entre os doze e os dezasseis anos, as raparigas saíam do orfanato para procurarem trabalho. As órfãs chinesas deixavam o orfanato definitivamente, enquanto as raparigas que estavam na secção portuguesa permaneciam mais ou menos até ao fim da escolaridade. As crianças deficientes ficavam geralmente no orfanato. Recebiam uma educação elementar, cristã, e viviam nos asilos até morrerem.

As raparigas da secção chinesa, que não eram adoptadas no início da adolescência, eram levadas para casas católicas onde trabalhavam como criadas. Pouco antes da contratação/adopção, era hábito untarem as raparigas com óleos santos, numa cerimónia formal, em que a dona da casa se tornava a madrinha. Depois recebiam nomes cristãos e outras formas de identificação, escolhidos por elas ou pela madrinha. Aos dezoito ou vinte anos casavam e deixavam o convento ou a casa onde trabalhavam. Muitas arranjavam trabalho na cidade e viviam fora do convento. Algumas voltavam para o convento por se sentirem perseguidas pelas pessoas da comunidade e permaneciam aí como freiras.

Por vezes, e apesar dos muitos anos de preparação junto das Irmãs Canossianas, algumas das raparigas não se adaptavam à vida fora do convento. Eram infelizes nos seus casamentos e separavam-se. Outras fugiam do convento ou da casa para onde tinham ido trabalhar e desapareciam para sempre. Apesar disso, perdoada pela comunidade macaense e pelo Governo, a Igreja continuava a sua missão de caridade.

4.a PARTE: IDENTIDADESMISCIGENADAS E ESTATUTOSBICULTURAIS

Reputação e Respeitabilidade

Seguindo a tese de Wilson, o que traçava a matriz social da comunidade macaense não eram predominantemente as ideias de classe e raça, mas sim a noção de respeitabilidade.43 A respeitabilidade estava intrinsecamente ligada à reputação dos antecedentes da família; as famílias mais respeitáveis e com maior sucesso eram avaliadas segundo os seguintes critérios: 1. ° —predominância da herança de "sangue português" e 2. ° — adesão à fé católica. Uma família macaense elitista podia sempre remeter as suas raízes para um único português ou para um Cristão Novo e apontar para a sua devoção à fé católica.44 A respeitabilidade nos seus diferentes graus também dependia da constante "manutenção" destes valores; isto era perpetuado através do casamento com a "pessoa correcta", do mesmo nível social. Quanto mais portuguesa e mais católica fosse a família, mais respeitável era. Isto era o cerne e a especificidade social das ideias macaenses sobre respeitabilidade.

Tal especificidade é adquirida pela posição vantajosa que tinham na sociedade. Os macaenses justificavam a sua posição social em Macau através de características culturais. Preservavam igualmente o grupo, mantendo-se à parte. Era a própria comunidade macaense que traçava as suas próprias fronteiras e que incluía e excluía estranhos. Aos indivíduos excluídos não se exigia que adoptassem as especificidades dos macaenses a menos que quisessem ser admitidos na comunidade.

Para as órfãs, o convento-escola das Irmãs Canossianas representava o primeiro "teste" que lhes garantia ou que lhes negava o acesso à comunidade macaense. Ao colocar as órfãs em secções diferentes, as Irmãs Canossianas estavam, à partida, a tomar decisões sobre o futuro das raparigas, isto é, se tinham condições para entrarem na sua instituição, para terem uma educação católica e portuguesa, e para virem a casar na sociedade macaense. Simultaneamente, decidiam quais asraparigas que iriam seguir a vida no seio dos chineses.

Faziam juízos baseados na aparência física. As crianças que tinham ou pareciam ter mistura de raças eram consideradas mais "atraentes" do que as órfãs com traços totalmente chineses. Mei foi imediatamente classificada como "chinesa" pelo convento e foi separada das outras órfãs "portuguesas". Esta segregação inicial e a sua própria identificação com a raça chinesa alienou-a da comunidade macaense. Dado que lhe foi negada a aprendizagem religiosa e social e a educação no convento-escola, teve que se dedicar a aprender outras habilidades a fim de construir uma reputação e a respeitabilidade de que precisava para restabelecer o seu lugar na sociedade.

As irmãs não se mostravam preocupadas com a edificação das crianças órfãs do Orfanato Chinês, mas sim em ensinar-lhes a trabalhar arduamente. Davam poucas oportunidades às raparigas de se desenvolverem e estas deixavam o orfanato muito cedo. Em comparação, as crianças que frequentavam a escola portuguesa recebiam noções de natureza sexual e aprendiam a tratar dignamente dos serviços domésticos. A Igreja defendia ideais de castidade e de diligência para as raparigas — o que lhes possibilitava um grau elevado de respeito e de reconhecimento por parte da comunidade. Ao mesmo tempo, para conseguir os seus objectivos, a Igreja fechava as raparigas física e psicologicamente dentro das paredes do convento. As órfãs aprendiam como era a sociedade exterior dentro dos muros do convento. As raparigas que eram educadas desta forma tinham mais facilidade em casar.

Apenas as raparigas que eram seleccionadas pelas irmãs tinham papéis representativos em termos sociais. Dado o facto de Mei ter uma aparência muito chinesa foram-lhe negados os recursos possíveis, isto é, a vida no convento ou a solução para o seu estigma social de ser órfã, um legítimo casamento cristão. Enquanto adulta, teve uma vida que se opunha tanto às tradições da Igreja como aos valores macaenses.

Depois de deixar o convento, Mei usou os seus atractivos e o seu corpo para restabelecer a sua posição na sociedade. Rejeitou o papel feminino tradicional para o qual o convento a tinha inicialmente moldado.

Como não obedeceu silenciosamente e não aceitou um destino que a iria oprimir, Mei assegurou para si um pequeno espaço de controlo e de liberdade através da vida como prostituta. Mei usou o corpo à sua maneira. Pelo facto de ter evoluído de muichai para o estatuto mais independente de meretriz, Mei exibiu e ganhou o respeito da sua própria comunidade e das pessoas com quem se relacionava.

Contudo, quando mais tarde vem a casar no seio de uma família portuguesa, Mei lutou para redefinir a sua vida numa estrutura em que o poder masculino tinha mais peso. O respeito e o sucesso que ela tinha alcançado no contexto da prostituição foram, em termos morais, negativamente valorizados pela nova família. Quando foi inicialmente confrontada com a perspectiva de entrar para uma família macaense, Mei tentou modificar-se. Tentou inclusivamente ser leal ao ideal macaense. Mas ela era considerada demasiadamente estranha à comunidade e nada podia apagar o seu passado. Estava presa à sua reputação. A família Alves orgulhava-se das suas origens portuguesas e determinou que apenas aqueles que tivessem fortes raízes portuguesas podiam casar dentro da família, e de modo nenhum uma prostituta chinesa. Uma família com fortes raízes portuguesas tinha acesso a cargos políticos e administrativos dos quais os chineses estavam à partida excluídos. O casamento com uma pessoa de sangue português aumentava o grau de "portugalidade" da família macaense, ao passo que o casamento com um indivíduo mais chinês reduzia esse estatuto. Este era o cerne das preocupações de muitas famílias elitistas incluindo a de Fernando Alves, que casou com Mei.

Nas famílias com menos prestígio em risco, a aceitação na família de uma órfã educada pela Igreja não constituía propriamente um problema; além disso, frequentemente as famílias que aceitavam essas jovens raparigas tinham mais "sangue chinês" ou então eram Cristãos Novos. Isto explica porque é que os parentes da família Silva resmungaram com a entrada de Deolinda — ela nãovinha acrescentar qualquer sangue português à família.

No entanto, e porque a família estava a tentar melhorar socialmente, Deolinda acabou por provar ser uma aquisição lucrativa. Apesar de ser chinesa por nascimento, a sua educação projectou-a para o estatuto de portuguesa católica. A família, pelo facto de ocupar um lugar inferior na hierarquia social da comunidade macaense, recebeu bem o prestígio adicional que lhes trouxe o facto de aceitarem uma jovem completamente católica.

Comparativamente com Mei, Deolinda representava o modelo perfeito de uma noiva órfã. Na inspecção inicial, as Irmãs Canossianas consideraram que as suas características de criança miscigenada eram atraentes e entregaram-na a uma ama. Desde o início que ela estava indiscutivelmente destinada para ser educada na Casa da Beneficência, o que de facto veio a acontecer. Quer como estudante, quer como criada, ela trabalhou arduamente para ser aceite e assimilada pela comunidade macaense. Para além das suas características físicas lhe terem aberto multas portas à partida, a sua reputação e a sua respeitabilidade permitiram-lhe a aceitação na sociedade macaense. Não obstante no começo estar marcada pelo estatuto de ser uma órfã chinesa, a respeitabilidade instituída de Deolinda não causou multas repercussões familiares quando entrou na família Silva.

A exploração e o constante exame à reputação de Deolinda e de Mei eram a forma de controlar a entrada delas na comunidade macaense. Através do casamento, eram aceites mulheres estranhas à comunidade com base nas credenciais que possuíam. Para estar apta a casar, uma mulher precisava de exibir valores cristãos e ser prendada. As qualidades da raça eram quase completamente minimizadas se possuíam as qualidades atrás mencionadas. Mei, por outro lado, tinha funcionado sempre fora das barreiras morais da comunidade. Como órfã e mais tarde como prostituta, ela violou o código sexual de castidade da sociedade. A sua respeitabilidade já estava totalmente manchada pela sua reputação quando ela fez uma tentativa de assimilação ao casar no seio de uma "boa" família portuguesa. O isolamento social que Mei experimentou funcionava como uma espécie de dispositivo estrutural impossível de ser mudado ou ultrapassado. A sociedade nunca lhe permitiria livrar-se da sua anterior reputação.

CONCLUSÃO

Na primeira parte deste trabalho ilustrei a ambiguidade de Macau relativamente ao seu estatuto histórico e social. Esta posição ambígua permitiu que esse estatuto fosse preservado até aos nossos dias. Desta história emerge a comunidade macaense, espartilhada entre dois grupos dominantes: os portugueses que tinham a hegemonia política e os chineses que possuíam o domínio económico e demográfico. Esta situação particular resultava das forças históricas que uniram Portugal à China.

A comunidade macaense foi preservada devido à necessidade de existência de coesão social e de um sentido de identidade social. Os macaenses consideravam-se um grupo minoritário relativamente ao resto da população chinesa. Sentiam-se igualmente isolados, quer psicológica, quer geograficamente, dos portugueses. Apesar de tanto os portugueses como os macaenses partilharem da mesma identidade nacional, as duas comunidades permaneciam grandemente separadas devido à estmtura rígida do poder e à política cultural dentro da Colónia. Em termos da estrutura política, os portugueses da península, ou "reinóis", ocupavam os cargos de topo, quer administrativos, quer militares, do Governo. Controlavam, ainda, as instituições dominantes tal como a Igreja e as escolas. Os macaenses ocupavam apenas os níveis mais baixos da hierarquia administrativa.

No que diz respeito à política cultural, a cultura macaense penetrava vários níveis de interacção social que excluía os "reinóis": gastronomia especial, tradições populares (canções, adivinhas, medicina popular, etc.) e organização de acontecimentos sociais (casamentos, festas religiosas).

Herdaram também a memória de uma língua crioula, o patoá. Apesar de não ser a língua-mãe no início do século xx, era ainda usada como marca de uma identidade social; uma forma de identificar o grupo dos intrusos ou "os outros".

Não obstante as diferenças psicológicas entre os macaenses e os portugueses, a comunidade macaense continuava a defender a sua"portugalidade". Isto advém do facto de eles considerarem que a sua posição era vantajosa enquanto meio para conduzir os negócios entre a comunidade chinesa e a comunidade portuguesa.

"Para os portugueses, a incapacidade dos chineses de 'os deixarem entrar' é um sinal de distanciamento ou de animosidade. Os portugueses não se cansam de repetir que os chineses são incapazes de se afeiçoarem, de sentirem verdadeira amizade. Os chineses, por seu lado, consideram que os portugueses são demasiados metèdiços e pouco corteses. Na minha opinião trata-se de um problema de cultura, daquilo que é passível de ser aceite. É por essa razão que os macaenses são tão diferentes: eles percebem as duas culturas, estão conscientes daquilo que é próprio de cada uma, e têm a capacidade de adequar o seu comportamento."45

Os portugueses mantinham não só laços económicos com Macau mas também laços sociais. Na época inicial da expansão portuguesa, os administradores do império estavam preocupados com as rotas marítimas altamente produtivas e por isso foram construindo vários entrepostos comerciais fortificados na costa de África e da Ásia. Macau era apenas um desses portos fortificados. Dado que Portugal tinha uma densidade populacional baixa, era apenas enviado um número mínimo de pessoas para se encarregarem da administração do enclave. Tendo ainda em consideração o rigor e os perigos em geral da viagem marítima, poucas eram as mulheres que se aventuravam para estas bandas.

Em Macau, os marinheiros portugueses e os colonizadores casavam ou tinham relações com as mulheres chinesas locais, não católicas, ou com mulheres de Malaca, o que era uma humilhação para as autoridades administrativas. No início, tais ligações não eram perdoadas pela coroa ou pela Igreja e foram tomadas algumas medidas para que os homens portugueses casassem com mulheres vindas de Portugal. Esta solução provou ser difícil e dispendiosa. O casamento com mulheres chinesas recentemente cristianizadas depressa se tornou a política para a criação de uma população em Macau que fosse leal a Portugal.

A instituição creditada para fornecer noivas aos portugueses era a Santa Casa. Funcionava como um posto provisório de noivas para os portugueses que viviam no Extremo Oriente. A Santa Casa recolhia um pequeno número de órfãs e criava-as com o objectivo específico de as casar com portugueses. Devido a problemas de origem financeira, o Orfanato de Santa Clara fechou e foi, mais tarde, recuperado pelas Irmãs Canossianas.

As Irmãs Canossianas administravam um grupo de escolas e asilos para combaterem a pobreza na Colónia. A instituição de maior renome em Macau era o Colégio de Santa Clara. Aí, as raparigas órfãs eram educadas em duas secções separadas de acordo com a sua etnicidade. As crianças chinesas eram criadas para serem auto-suficientes e autoconfiantes na comunidade chinesa. Algumas órfãs chinesas eram seleccionadas com base na sua aparência física e no seu comportamento para receberem uma educação portuguesa. Estas raparigas eram depois treinadas para se tornarem esposas de portugueses e eram automaticamente casadas ou adoptadas pela sociedade macaense local.

As ideias de vida quotidiana da comunidade macaense eram severamente orientadas pelas noções de respeitabilidade impostas pela Igreja. Se uma mulher tinha uma reputação imoral, deveria então ser socialmente banida e permanecer solteira. O seu passado deveria ser sistematicamente utilizado para lhe negar a reputação de pessoa honesta, válida e respeitável. Estas regras, não pronunciadas mas vulgarmente conhecidas, sobre "o tipo de mulheres que eram consideradas respeitáveis" governavam o acesso das mesmas à sociedade macaense.

Tradução do original inglês por Ana Paula Cleto.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, António de, "Os Povos Actuais do Oriente Português", in JUNTA DE INVESTIGAÇÕES DO

ULTRAMAR, Colóquios sobre as Províncias do Oriente, Lisboa, Centro de Estudos Políticos e Sociais, 1968, vol. 1.

AMARO, Ana Maria, Filhos da Terra, Macau, Instituto Cultural, 1988.

AMARO, Ana Maria, "Macau: Terra de Contrastes", in Um Olhar sobre Macau, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical, Fundação Oriente, 1991.

ANDERSON, Benedict, lmagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism, London, Verso, 1991.

BARTH, Frederik, "Introduction", in Ethnic Groups and Boundaries: The Social Organization of Cultural Difference, Boston, Little, Brown, 1969.

BATALHA, Graciete Nogueira, Estado Actual do Dialecto Macaense, "Revista Portuguesa de Filologia", 9(1-2)1958-1959.

BATALHA, Graciete Nogueira, Glossário do Dialecto Macaense: Notas Linguísticas, Etnográficas e Folclóricas, Macau, Instituto Cultural, 1988.

BENCK, Henrique, Imagem Suja, Rio de Janeiro, H. B.,1966.

BERGE, Pierre L. van den, Race and Racism: A Comparative Perspective, New York, John Wiley, 1978.

BOXER, Charles Ralph, Fidalgos in the Far East, 1550-1770: Fact and Fantasy in the History of Macao, The Hague, Martinus Nijhoff, 1948.

CABRAL, João de Pina, Personal Identity and Ethnic Ambiguity: Naming Practices among the Eurasians of Macao, "Social Anthropology", 2(2) 1994.

CABRAL, João de Pina, LOURENÇO, Nelson, Em Terra de Tufões: Dinâmicas da Etnicidade Macaense, Macau, Instituto Cultural, 1993.

CHANDRA, Ricardo de Silva, "Beyond the Cape: The Portuguese Encounter with the Peoples of South Asia", in SCHWARTZ, Stuart B., ed., lmplicit Understandings, Cambridge, University Press, 1994.

FIGUEIREDO, Olívia, As Velhas Amas de Macau, manuscrito, s. d.

FREYRE, Gilberto, The Masters and the Slaves: A Studyin the Development of Brazilian Civilization, NewYork, Alfred A. Knopf, 1956.

GANITT, Philip, Charity and Children in RenaissanceFlorence: The 'Ospedale degli Innocenti', 1410-1536, Ann Arbor, University of Michigan, 1990.

JASCHOK, Maria, Concubines and Bond Servants: ASocial History, London, Zed Books, 1988.

JORGE, Cecília, Ser-se Bela, em Chinês, manuscrito, s. d.

LESSA, Almerindo, A População de Macau: Génese e Evolução de uma Sociedade Mestiça, "Revista de Cultura", Macau, 2 (20) Jul.-Set.1994, pp. 97-125.

LIEBKIND, Karmela, Minority ldentity and IdentificationProcesses: A Social Psychological Study, Helsinki, Finnish Society of Sciences and Letters, 1984.

LISBOA, Henrique R., A China e os Chins: Recordaçõesde Viagem, Montevideo, Tipografia a Vapor de A. Godel Cerrito, 1888.

LJUNDSTEDT, Andrew, An Historical Sketch of thePortuguese Settlements in China; and of the RomanCatholic Church and Missions in China, Boston, James Munroe, 1836.

MARTINI, Edith Jorge de, The Wind amongst the Ruins: A Childhood in Macau, New York, Vantage, 1993.

MESGRAVIS, Laima, A Santa Casa da Misericórdia deSão Paulo, 1599?-1884: Contribuição ao Estudo daAssistência Social no Brasil, São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1976.

MORBEY, Jorge, Macau 1999: O Desafio daTransição, Lisboa, J. M., 1990.

MOSSEN, George L., Toward the Final Solution: AHistory of European Racista, Madison, University ofWisconsin, 1985.

PATAI, Daphne, Brazilian Women Speak, NewBrunswick, Rutgers University, 1988.

PEARSON, M. N., The New Cambridge History of lndia: The Portuguese in lndia, New York, CambridgeUniversity, 1987.

RAVEAU, François, et al., Aging and Socio-CulturalRepresentation on Macau, "Cahiers d'Anthropologieet Biométrie Humaine", 4 (3-4) 1986.

ROOSEN, Eugene, "The Primordial Nature of Origins inImmigrant Ethnicity", in VERMUEULEN, GVERS, eds., The Anthropology of Ethnicity: Beyond 'Ethnic Groupsand Boundaries', Amesterdam, Het Spinhaus, 1994.

RUSSEL-WOOD, A. J. R., Fidalgos and Philanthropists: The 'Santa Casa da Misericórdia' of Bahia, 1550-1755, Berkeley, University of California, 1968.

SABOYA, Salvador, Os Portugueses na China, Lisboa, Editorial Labor, 1938.

SUBRAHMANYAM, Sanjay, The Portuguese Empirein Asia, 1500-1700: A Political and Economic History, London, Longman, 1993.

TAMAGNINI, Ana Maria Acciaioli, Lin Tchi Fá: Florde Lótus, Macau, Instituto Cultural, 1991.

TEIXEIRA, Manuel, As Canossianas na Diocese deMacau: Cem Anos de Apostolado, 1874-1974, Macau, Tipografia da Missão do Padroado, 1974.

TEIXEIRA, Manuel, Os Macaenses, "Revista deCultura", Macau, 2 (20) Jul.-Set. 1994, pp. 61-96.

TEIXEIRA, Manuel, Macau Através dos Séculos, Macau, Imprensa Nacional, 1977.

TEIXEIRA, Manuel, Origem dos Macaenses, "Revistade Cultura", Macau, 2 (20) Jul.-Set. 1994, pp. 151-5.

TURNER, Victor, "Betwixt and Between: The LiminalPeriod in Rites of Passage", in The Forest of Symbols: Aspects of Ndembu Ritual, Ithaca, Comell University, 1989.

VASCONCELOS, Ernesto de C. E., As ColóniasPortuguesas: Geografia, Física, Economia e Política, Lisboa, Livraria Clássica, 1921.

WILSON, PeterJ., CrabAntics: The Social Anthropologyof English-Speaking Negro Societies of the Caribbean, New Haven, London, Yale University, 1973.

WOLF, Margery, Women and the Family in Rural Taiwan, Stanford, University Press, 1972.

ENTREVISTAS E CORRESPONDÊNCIA MAIO/JUNHO DE 1995

* Dr.a Lara Alves, macaense.

Dr. a Beatriz Basto da Silva, portuguesa, historiadora de Macau.

Dr. Rui Simões, professor do Instituto de Estudos Portugueses da Universidade de Macau.

* Irmã Maria, freira.

Monsenhor Manuel Teixeira, padre e historiador de Macau.

* Dr.a Maria Yu, macaense.

* Dr. J. Coelho, macaense.

Obs.: As entradas assinaladas com "*" indicam pseudónimos dos entrevistados.

NOTAS

1 O termo "Macaense" refere-se aos portugueses crioulos de Macau. Este termo é usado em português para indicar que um indivíduo tem ascendência portuguesa ou que foi submetido ao fenómeno de aculturação em Macau. Convencionalmente, as pessoas com ascendência portuguesa identificavam-se como Macaenses ou, de uma forma mais genérica, como "Filhos da Terra". Os chineses residentes em Macauintitulam-se "Chineses de Macau" ou através da palavra inglesa Macanese. Macanese (em português macaense) também é usado como um adjectivo para denotar qualquer coisa ou alguém de Macau. O termo Macaense é usado aqui para falantes de português em Macau ou para indivíduos que foram aculturados. O termo "Chineses de Macau" será usado para os chineses locais. Há muitos autores que não fazem esta distinção na tradução.

2 BOXER, Charles Ralph, Fidalgos in the Far East, 1550-1770.

3 CABRAL, João de Pina, Personal Identity and Ethnic Ambiguity, p. 116.

4 MORBEY, Jorge, Macau 1999.

5 Entrevista dada por Mons. Teixeira, 1995.

6 Esta situação manteve-se até ao século XIX. Duranteeste século, com o aperfeiçoamento da navegação, oshomens já podiam trazer as suas mulheres de Portugal.

7 Em Goa, o Vice-rei Afonso de Albuquerque tentoupôr termo a estas práticas e para dar o exemplo mandou enforcar um nobre jovem que mantinha uma relação com uma rapariga moura. RUSSEL-WOOD, A. J. R., Fidalgos and Philanthropists, p. 174.

8 SUBRAHMANYAM, Sanjay, The Portuguese Empire in Asia,1500-1700, p. 220.

9 Id., ibid.

10 Id., ibid.

11 RUSSEL-WOOD, A. J. R., ob. cit.

12 Cf. nota 5.

13 Id., ibid.

14 Id., ibid.

15 O motivo que justificava a importação de esposas vindas de além-mar e o impedimento de casarem com mulheres locais devia-se a barreiras de ordem "física, económica e social"; cf. LESSA, Almerindo, A População de Macau, p. 100. Durante as três primeiras décadas da sua presença em Macau, os portugueses estavam proibidos pelo mandarim responsável por esta zona de casar com chinesas locais. Mais tarde, e em data não especificada, esta proibição foi levantada. Através dos registos da população julga-se que terá sido por volta de 1580.

16 TEIXEIRA, Manuel, Os Macaenses, p. 65.

17 Cf. nota 5.

18 CABRAL, João de Pina, ob. cit., p. 116.

19 As duas mulheres identificavam esta ama chinesa como a mãe de Deolinda. Deolinda chamava-lhe "Mamã", em cantonense, e Maria chamava-lhe "Bisavó", em português. Compare-se isto posteriormente com a Senhora Rebeca, a madrinha de Deolinda.

20 O Complexo ou Casa de Santa Clara consistia em duas secções: a Santa Casa de Beneficência, onde as raparigas eram educadas como portuguesas, e o Orfanatório Chinês, onde crianças de ambos os sexos eram educadas como chinesas. A discussão sobre os critérios de admissão é apresentada na parte seguinte.

21 Literalmente, "Ela nem sequer sabe coser convenientemente e já fala de casamento".

22 MARTINI, Edith Jorge de, The Wind Amongst theRuins, p. 15.

23 Id., p. 26.

24 Nesta parte Lara reproduzia a conversa em chinês dos seus pais. Através desta cena, mostrou-me que, como pessoa de duas culturas, se identificava grandemente com a mãe.

25 TEIXEIRA, Manuel, As Canossianas na Diocese deMacau.

26 Cf. nota 5.

27 Cf. nota 25.

28 Id., ibid.

29 Correspondência de Mons. Teixeira, 1995.

30 GANITT, Philip, Charity and Children in Renaissance FIorence.

31 CABRAL, João de Pina, LOURENÇO, Nelson, Em Terra de Tufões.

32 Entrevista com Dr." Maria Yu, 1995.

33 WOLF, Margery, Women and the Family in RuralTaiwan.

34 Cf. nota 32.

35 Id., ibid.

36 Entrevista com Irmã Maria.

37 Id., ibid.

38 Cf. nota 5.

39 TEIXEIRA, Manuel, As Canossianas na Diocese deMacau.

40 Id., ibid.

41 Também é importante notar que, imediatamente a seguir a receberem uma criança no orfanato, as lrmãs Canossianas registavam-na normalmente com o nome de um santo ou a partir das letras do nome da Madre Superiora.

42 TEIXEIRA, Manuel, As Canossianas na Diocese deMacau, p.2.

43 WILSON, Peter J., Crab Antics.

44 Um Cristão Novo era uma pessoa recentemente convertida ao catolicismo.

45 Entrevista com Dr. J. Coelho.

* Professor na Universidade da Virgínia.

desde a p. 127
até a p.