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OS PORTUGUESESNA LITERATURA BIRMANESA

Maria Ana Marques Guedes *

Há cerca de vinte anos, Pierre Laffont apontava uma série de lacunas nos estudos sobre as literaturas da Ásia do Sueste.1Na década de 1980, Victor Lieberman lamentava o subaproveitamento das numerosas fontes históricas birmanesas.2 No início dos anos noventa, Sanjay Subramanyan assinalava o atraso das investigações no tocante à procura de vestígios da presença portuguesa em testemunhos asiáticos.3

Hoje continuamos a deparar com falhas idênticas, emperrando uma engrenagem onde se deveriam encadear estudos cuidados sobre a presença portuguesa em determinadas zonas com conhecimento de línguas e de literaturas locais, incluindo e relevando historiografia e fontes históricas.

Quanto às fontes birmanesas, é verdade que existem traduções anotadas, sobretudo em inglês, mas também bilingues em birmanês-inglês, e ainda em francês, de crónicas ou de excertos de crónicas e de colectâneas documentais.4 Apesar de poucas, são ignoradas por quantos se debruçaram sobre a presença portuguesa naquele país.

Quanto às fontes portuguesas, quando identificadas em relatos impressos ou manuscritos (identificação restrita por desconhecimento de aspectos histórico-culturais, nomes, e topónimos —se esses aspectos, quando birmaneses, não são conhecidos dos investigadores lusófonos, o inverso é também frequente, isto é, os Portugueses são amiúde desconhecidos dos investigadores não lusófonos), depara-se, invariável e essencialmente, com duas situações:1) se os documentos se encontram nos arquivos de Lisboa e de outras partes do país, são divulgados sem cotejo com fontes asiáticas e repetidos em insolúvel circuito fechado até à degradação; 2) caso pertençam a bibliotecas ou arquivos não portugueses, permanecem geralmente em lista de espera por falta de quem leia o português.5

Como contrapartida da segunda das situações apontadas acima, em Portugal os manuscritos orientais esperam há séculos por investigadores que os saibam ler.6

Assim enquadrado o estado actual da investigação sobre a presença portuguesa na Birmânia na época da expansão lusa por terras do Sueste Asiático, impossível seria assumir-me como mais do que mera principiante e modesto elo de ligação entre os estudiosos da dispersão portuguesa na Ásia e os especialistas da Cultura, História, Língua e Literatura Birmanesas. É com essa consciência que abordarei aqui alguns dos registos escritos birmaneses acerca dos contactos, oficiais ou não, de portugueses com a Birmânia nos séculos XVI e XVII. Tal abordagem processar-se-á através de uma aproximação aos géneros literários em que o tema é tratado.

AS CRÓNICAS

A crónica ocupou posição de relevo entre os géneros literários birmaneses. Deixando de lado a análise das diferenças (sem contudo as esquecer) entre Europeus e Asiáticos quanto ao uso de conceitos culturais necessariamente ligados a sistemas de pensamento e, logo, do modo de escrever história, abordarei de seguida o valor histórico das crónicas do meu conhecimento que versam a presença portuguesa. Sublinho, desde já, a concordância generalizada dos historiadores — mesmo tendo presente a coexistência de narrativas lendárias e de passagens mais precisas, ditas históricas — quanto à relativa exactidão das crónicas birmanesas que tratam do período aqui estudado.7

I. A Slapat Rajawan Datow Smin Ron, mencionada por Phayre na sua História da Birmânia, como uma crónica de Pegu escrita em mon pelo bonzo Hsaya Daw Athwa, foi traduzida em alemão e publicada por P. W. Schmidt (Viena, 1906), com a colaboração de C. O. Bladgen que posteriormente elaborou uma versão ern inglês sem nunca a publicar. A edição inglesa, com introdução e notas de R. Halliday, também de colaboração com Bladgen, foi dada à estampa em 1923 no "Journal ofBurma Research Society", sob o título de A History of Kings.

A crónica refere brevemente Filipe de Brito de Nicote, o aventureiro que erigiu a fortaleza pormguesa de Sirião e estendeu o seu poder por toda a região de Pegu. É designado como Kapitan Jera, curiosa adaptação da expressão portuguesa "capitão geral" —título que Nicote recebeu depois de ter feito oferta, meramente nominal, da "conquista de Pegu" à coroa de Portugal. O Kapitam Jera é apresentado como "o comandante de navios", o "estrangeiro que foi rei em Sirião, durante doze anos",8 apesar de a sua religião "herética" lhe ter impedido o acesso às prerrogativas da realeza budista birmanesa gozadas pelo rei supremo, Anauk-hpet-lun. Neste aspecto, a crónica é mais precisa que as fontes portuguesas, geralmente ambíguas quanto ao estatuto de Nicote na Birmânia, certamente por desconhecimento das instituições locais.

Quanto aos múltiplos eventos desta conturbada época, a narrativa é manifestamente breve: em 1612 o rei de Ava (Anauk-hpet-lun) cercou Sirião, apoderando-se da cidade e do governo de Pegu no ano seguinte. Contudo, o contraste entre os estatutos de Nicote e de Anauk-hpet-lun é reacentuado: o rei de Ava era "Senhor do Guarda-sol Branco",9 uma das insígnias de poder dos reis budistas.

II. A Syriam Yazawinfoi estudada e traduzida mais tarde, apesar de publicada na mesma revista oito anos antes da edição inglesa da crónica mon, acabada de mencionar. Traduziu-a, sob o título de History ofSyriam, J. S. Furnivall, mediante o cotejo de duas versões, uma pertencente a um mosteiro de Sirião, outra à hoje extinta "Bernard Free Library" de Rangum. Para a anotação, o editor utilizou a tradução alemã da Slapat Rajawan Datow Smin Ron (publicada em 1906).

A História de Sirião é mais pormenorizada, mas menos clara que a História de Reis. Antes do mais é confusa por incluir duas narrativas diferentes, sem qualquer advertência, como se de uma só se tratasse: a história recomeça, após terminar, numa versão independente e, aqui e ali, contraditória da primeira que se inicia como a outra, com a fundação de Sirião. Assinalando esta duplicidade, Furnivall dá ao leitor uma explicação plausível: o autor — melhor parece chamar-lhe compilador — possuía provavelmente uma crónica birmanesa e reescreveu-a imediatamente após a crónica local de Sirião; este tipo de adição, embora pareça tosca, era frequente por vontade de combinar versões e impossibilidade prática de o fazer.10

Tal como a Slapat, esta crónica menciona os Portugueses em função da sua actuação em Sirião. Nicote aparece com o nome de Nga Zinga, um kalaferinghi (estrangeiro europeu).11 Émostrado como "umcormptor da religião", que além do mais se preparava para fundir em canhões o grande sino doado por Dhammazedi12 ao pagode Shwe San Daw. O providencialismo divino aparece tão presente como o era nas crónicas portuguesas contemporâneas. Por intervenção de Buda, o barco que transportava o sino naufragou.

O recontro entre Nicote e Anauk-hpet-lun teve lugar quando o primeiro marchou sobre Prome. O Nga Zinga teria obtido, de Anauk-hpet-lun, autorização para se estabelecer, com os seus homens, em Sirião, autorização essa em consequência de pedidos acompanhados de presentes, em armamento, ao rei.13

Esta última passagem da crónica merece que nela nos detenhamos antes de prosseguir.

É que existe acintosa discordância com as outras fontes conhecidas suas contemporâneas, as quais não referem nem as negociações com Anauk-hpet-lun nem a autorização dele. Diferentemente, narra-se, e os historiadores aceitam, que Nicote chegou a Sirião ao serviço do rei arracanês Min Razagri — incorporado, com destacada posição, nas tropas que desceram à Baixa Birmânia para conquistar território a Nandabayin (último imperador da primeira dinastia Tangu, sediada na cidade de Pegu), logrando tomar posse da capital. e da costa meridional do país. De resto, a própria crónica de Sirião regista a chegada de Nicote vindo de Arracão — muito embora o faça na segunda parte, lá onde a narrativa recomeça em nova versão que amiúde contradiz, tal como nesta passagem, a versão primeira.

A divergência não passou despercebida a Fumivall, que aventa ser a passagem provavelmente incorrecta na primeira dessas versões, e, a segunda, certamente conforme ao que em verdade aconteceu. Ciente da consentaneidade entre a última versão e a maioria das fontes portuguesas e birmanesas, penso que a informação preliminar da crónica deve ser tomada em conta pelas quatro razões que se seguem:

1. Apesar da versão carecer ainda de corroboração, a falta de confirmação por si só não obsta a veracidade das ocorrências narradas em novas fontes.

2. Depois de instalado em Sirião, Nicote alargou os seus poderes por meio de guerras e também de diplomacia: com o objectivo de obter o reconhecimento da autonomia do estabelecimento português, manteve contactos e alianças pelo menos com Goa, Mrauk-U, Tangu, Martabão, e Prome.14 É provável, portanto, que as negociações com Anauk-hpet-lun tenham rido lugar com o mesmo objectivo.

3. Outras fontes registam o recontro em Prome entre o rei de Ava e o capitão português, por volta de 1608-9.15Ora, se bem que não haja ainda prova documental segura,16o termo do confronto poderia ter sido selado por pazes em que fossem acordadas delimitações das áreas de actuação.

4. Mesmo que tenha havido concessão de Anauk-hpet-lun tal não significa reconhecimento da soberania portuguesa; pelo contrário, as duas versões da crónica contam que os Portugueses, furtando-se à lealdade devida ao rei, alargaram os seus poderes "para norte, sul, este e oeste". Foi de facto esse o procedimento dos aventureiros de Sirião, em relação a Min Razagri e ao vice-rei português de Goa: sem qualquer autorização, construíram uma fortaleza e estenderam a sua autoridade às regiões circundantes. Nem Min Razagri — que, após a conquista, se intitulou "Senhor de Pegu"e "Imperador de Arracão e de Pegu"17 — nem o Estado Português da Índia e o rei de Portugal — que aceitaram de Nicote uma pseudodelegação de soberania sobre Pegu, designando-o como seu representante com o título de capitão-geral — foram obedecidos ou receberam qualquer receita proveniente do comércio marítimo do litoral sul da Birmânia, apesar deste ter passado a ser indiscutivelmente controlado por Sirião.18

Voltando à narrativa: no tocante aos Portugueses, a Syriam Yazawin presta outras informações, estas corroboradas:

— Anauk-hpet-lun transferiu a capital de Pegu paraAva.19

— Foi aproveitando a ausência de Anauk-hpet-lun

— ocupado, depois da tomada de Tangu, com rebeliões nos Estados Shans — que Nga Zinga alargou o estabelecimento de Sirião e se revoltou (aspecto registado nas duas versões da crónica).

— A ascensão do rei Natshinnaung ao trono de Tangu e a sua aliança com Nicote.

— A aliança entre Tangu e os aventureiros portugueses teve lugar por iniciativa de Natshinnaung, mediante o envio de um embaixador a Sirião e a recusa de sujeição em relação a Ava.20

— À chegada de Nicote aTangu, teve lugar uma batalha.21 No decurso dela morreu o general de Anauk-hpet-lun, e Nicote apoderou-se de Tangu.

— Anauk-hpet-lun cercou Sirião. Vitorioso, matou Nicote e Natshinnaung de modo apropriado à posição de cada um deles. Quanto aos demais portugueses ou seus companheiros de armas, levou-os como cativos para o interior do país22 (para as localidades de Kyaukyit, Panet, Yindaw e Myedu, segundo a primeira versão; ou para Myedu, e Tabayin, de acordo com a segunda23).

— O rei de Arracão teria apoiado Nicote, enviando-lhe material de guerra (de acordo com a primeira versão).24

Informação não corroborada:

— A importância dada ao facto de Nicote ter um genro, Potta Pinyada, que teria sido capturado (de acordo com a segunda versão).

Incompreensível, é, por outro lado:

— Anauk-hpet-lun ter tomado conhecimento da associação entre Nicote e Natshinnaung em 1539, ano que já teria decorrido depois da tomada de Sirião (segundo a primeira versão).

III. AMaha Yazawin Gyi, "A Grande Crónica", de U Kala, cuja narração termina em 1711 (com um post-scriptum de 1724), foi editada em Rangum, em três volumes, entre 1926 e 1961.

Estudando a crónica, autores como U Hla Pe e Lieberman demonstraram a disparidade do valor histórico da informação respeitante aos períodos anterior e posterior ao século XIV. Para o segundo desses períodos a narrativa é bastante mais exacta e os relatos lendários são raros.

Como forma de testar a veracidade dos registos correspondentes ao período entre 1580 e 1608, Lieberman cotejou-os com escritos jesuítas, sobretudo de Pierre du Jarric e de Nicolau Pimenta— considerando tratar-se das três fontes principais para a História da Birmânia naquele período. Concluiu que Pimenta e U Kala, apesar de diferenças evidentes, acordam no essencial e até na cronologia de eventos políticos da época em questão, que abrange os conturbados acontecimentos da primeira fragmentação do chamado império Tangu e da reunificação da Birmânia sob Anauk-hpet-lun.

Elaborou um útil quadro comparativo25 da informação contida nas três crónicas, registando mesmo o número de páginas dedicadas a cada assunto. Fê-lo a partir da ideia que U Kala não poderia ter utilizado livros como o de Pimenta, publicado em Roma em 1601, e que os Jesuítas não teriam tido acesso aos registos oficiais birmaneses.

As matérias tratadas são as seguintes: a morte de Bayinnaung e as revoltas durante o reinado de Nandabayin; as guerras de Bayinnaung e de Nandabayin com o Sião; o levantamento dos reis vassalos (Prome, Chiengmai e Tangu); a aliança ofensiva entre os reis de Tangu e de Arracão, contra Nandabayin; e a tomada de Pegu pelos Arracaneses, com a ajuda de mercenários portugueses.

Entre os mercenários portugueses figura Nicote, designado nesta crónica Kala Bayingyi, designação semelhante à usada nas histórias de Pegu e de Sirião.26

Quanto à comparação de Lieberman entre a Maha Yazawin Gyi e os relatos dos Jesuítas:

— Numa apreciação geral, a crónica birmanesa é mais longa e mais rica e denota maior familiaridade com as biografias reais.

— A análise de pormenores parece demonstrar serem mais fiáveis, na maioria, os dessa mesma crónica, já que outras fontes (tanto siamesas como europeias) os confirmam.

— Excepcionalmente os Jesuítas dedicam maior atenção que U Kala a determinados acontecimentos, como a captura do príncipe arracanês pelos Portugueses ou os apontamentos biográficos sobre Nicote.

— Em conclusão, Pimenta, du Jarric e U Kala, apesar de diferenças evidentes, concordam no essencial e até na cronologia de eventos políticos da época.

Ciente do rigor e da importância do trabalho de Lieberman, ao evidenciar de forma pioneira as semelhanças entre os relatos estudados, permito-me fazer os três reparos que se seguem:

1. A asserção de que os Jesuítas não tiveram acesso às fontes birmanesas é desmentida pelos próprios Jesuítas, que em vários escritos afirmam, explicitamente, ter utilizado tais fontes. É o caso da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, onde, em conformidade com o que diz o Autor, se verifica esse uso nas descrições histórico-geográficas e nas respeitantes às guerras de unificação.

2. A preferência dada à versão jesuíta (em detrimento de U Kala) sobre a captura do príncipe arracanês baseia-se no facto de Faria e Sousa, "historiador ibérico independente", corroborar du Jarric. Ora, por um lado, Manuel de Faria e Sousa dependia da realeza, à qual dedicou a sua Ásia Portuguesa, considerada por ele próprio como merecida apologia dos feitos lusos;27 e, por outro lado, a sua obra não passou de uma assumida compilação de crónicas e de outras fontes dispersas, "sobretudo [da autoria] dos padres jesuítas".28 A concordância de antigos relatos jesuítas com Faria e Sousa não parece, pois, ter o significado atribuído por Lieberman.

3. A alegada discordância entre U Kala e os Jesuítas quanto à forma (pacífica, segundo o primeiro, ou não, de acordo com o segundo) como o rei arracanês, Min Razagri, obteve do rei de Tangu a mão da princesa (filha de Nandabayin), uma parte do tesouro de Pegu (após a destruição dessa cidade) e o elefante branco (importante insígnia de realeza), não é tão evidente como Lieberman pretende. Em verdade, certas passagens, quer das Cartas de Pimenta, quer da Maha Yazawin Gyi, concordam que as aquisições de Min Razagri não foram pacíficas. É o caso das narrativas constantes da crónica de U Kala e da correspondência do jesuíta Andrea Boves quanto à reacção do rei arracanês ao saber que o rei de Tangu se desligara da aliança, feita entre ambos, e regressara aos seus domínios com o produto do saque de Pegu; Min Razagri convocou os portugueses que o serviam em Arracão para atacar, em Tangu,29 o seu traiçoeiro aliado. Há, pois, concordância entre os dois relatos.

Considerando as três observações acima, parece lícito minimizar as diferenças entre as fontes em questão e até aventar a hipótese de utilização pelos Jesuítas de registos birmaneses — provavelmente os mesmos usados mais tarde por U Kala.

Quanto a outros aspectos da presença portuguesa na Birmânia, focados na Maha Yazawin Gyi, são de salientar os que se ligam com as guerras contra o Sião. Aí ressalta uma coincidência factual só ambígua em pormenores pouco significativos. No essencial, U Kala é corroborado não só pelas versões portuguesas das guerras — versões em si mesmas prolixas visto ter havido mercenários portugueses combatendo, quer do lado birmanês, quer do lado do Sião, — mas também pelas siamesas.30

IV. A Hmannam Yazawin Daw Gyi, "Crónica do Palácio de Vidro", é uma compilação oficial, escrita em 1829 por uma comissão de especialistas nomeada pelo soberano birmanês Bagyidaw, na tentativa de fundir, resumir e seleccionar fontes dispersas de modo a apresentar uma obra acessível e "objectiva".

A crónica acabou por incorporar primacialmente a Maha Yazawin Gyie nela se basear maioritária e quase exclusivamente, não introduzindo mais do que alterações pontuais. Tornou-se, em resultado disto, "uma edição alargada e crítica da crónica de U Kala", apesar de ter prolongado a narração até 1829.

A Hmannam Yazawin Gyi foi o mais divulgado de todos os escritos históricos birmaneses. Ainda no século XIX certas passagens da crónica, como as guerras birmano-siamesas, tornaram-se conhecidas na Europa graças à apresentação e aos resumos de A. Phayre na sua History of Burma. O estudo dessas mesmas guerras — também com base na crónica (que por sua vez, lembramos, se baseia na Maha Yazawin Gyi) — foi retomado por Phra Phraison Salarak (U Aung Thein) no começo do século xx.31 Este último historiador levou a cabo uma interessante comparação entre a sua própria interpretação e a de Phayre; e, cerca de trinta anos mais tarde, apresentou uma outra face da história daqueles confrontos militares, assente em fontes siamesas que coteja com a versão em birmanês.32

Muito embora a Hmannam Yazawin Gyi nunca tenha sido traduzida na íntegra, Pe Maung Tin e G. H. Luce verteram em inglês a primeira parte da crónica. Esta tradução foi publicada em 1923, sob os auspícios da "Burma Research Society", com o título de Glass Palace Chronicle ("Crónica do Palácio de Vidro").

Os Portugueses são referidos pela Hmannam Yazawin Gyi, retomando a narrativa de U Kala, não havendo portanto inovações de maior em termos informativos. De notar que — ao contrário da tradução de Pe Maung Tine de Luce, que se reporta a época anterior à chegada dos Portugueses à Birmânia — os capítulos apresentados em inglês por Phayre versam eventos em que os Portugueses estiveram implicados. É o caso dos mercenários envolvidos nas já referidas guerras da Birmânia e do Sião.

V. A Pawtugui Yazawin Gyiou Potugui Yazawin, a mais extensa crónica sobre a presença portuguesa na Birmânia, é também a menos conhecida. Apesar de nunca ter sido traduzida em língua ocidental, é mencionada entre as crónicas birmaneses listadas por U Tet Htoot em 1961,33 e figura entre as obras impressas birmanesas num catálogo da "British Office Library".34

Tomei conhecimento da sua existência ao ler as listas já citadas e um artigo de Furnivall, escrito em 1912 sob o título de A Forgotten Chronicle. O manuscrito em que o artigo se baseia pertencia a U Tin, um magistrado de Bagan; parece que, na época, havia uma outra versão manuscrita entre o espólio da antiga "Bernard Free Library", em Rangum.

Infelizmente não consegui ainda encontrar qualquer das versões manuscritas;35 possuo um exemplar, também em língua birmanesa, impresso e publicado em Rangum em 1918, livro de 236 páginas de texto e 8 de assuntos preliminares, contendo uma breve introdução e uma pormenorizada tábua das matérias.

A introdução, não datada mas certamente escrita no começo do nosso século por altura da publicação, reporta-se explicitamente ao interesse da edição de um manuscrito em folhas de palmeira "de modo a ser conhecida de todos, do homem vulgar ao mais sábio monge" visto que se encontrava "guardado e encerrado [...] enquanto o tempo fluía sem que a crónica, assim desaparecida e desviada do mundo, tivesse oportunidade de se divulgar e distinguir".36 Segundo o autor anónimo dessa introdução, a crónica foi traduzida do português para o birmanês; e, de acordo com o colofão, os tradutores foram um oficial régio birmanês, Thiri-zei-dayat-kyaw, e um padre europeu chamado Daung Bhinashu, nome que parece ser corrupção de D. Inácio. Não são dadas quaisquer explicações suplementares a esta seca informação. Apesar de encaminhadas várias pesquisas, não estou ainda segura da identificação dos dois co-autores. Certo é que a crónica pouco tem em comum com as narrativas portuguesas conhecidas, sendo difícil aceitar que se trate da tradução de obra impressa ou manuscrita em Portugal.

Quanto à publicação da Potugui Yazawin, o pouco que se segue é quanto por ora posso acrescentar:

1. Não tenho conhecimento de qualquer tradução, editada ou não.

2. A edição birmanesa, de 1918, não parece ter sido empreendida pela activa "Burma Research Society", que, na altura, se envolveu seriamente na impressão de crónicas birmanesas tais como a Maha Yazawin Gyi e a versão inglesa da Hmannan Yazawin.

3. Não consegui ainda confirmar a minha suposição de que o artigo de Furnivall tenha influenciado os editores.

4. Contudo, a sociedade acima citada adquiriu um exemplar da crónica, após a sua impressão, entre Dezembro de 1920 e o final do primeiro semestre de 1921. Essa aquisição é ambígua e laconicamente assinalada na revista da sociedade do seguinte modo: "presented by Ko Toke Kyi".37

A Potugui Yazawin foi escrita em data incerta, que Furnivall situa na segunda metade do século XVII. A narrativa começa com uma breve descrição da situação geográfica de Portugal; passa depois a uma longa e pormenorizada história da expansão portuguesa, desde os seus primórdios até meados de Seiscentos. A actuação portuguesa na Birmânia merece particular atenção, sendo-lhe dedicados vinte e um capítulos no total dos cento e vinte e dois em que a obra se divide. Eis os títulos desses capítulos, pela ordem da sua entrada na Potugui Yazawin:

"Chegada da Armada Portuguesa de Goa a Arracão."

"Segundo Ataque dos Portugueses a Arracão."

"Vitória dos Portugueses em Arracão."

"Regresso dos Portugueses aos seus Próprios Países [sic] com a Ajuda dos Ingleses."

"Chegada dos Portugueses a Sirião, em Pegu ou Hanthawadi, Devido ã sua Ligação com Arracão."

"Modo como os Portugueses da Cidade de Sirião se Tornaram Traidores."

"Derrota dos Arracaneses no Combate entre Sirião e Arracão."

"Tipo de Relações dos Portugueses com os Reinos de Pegu e Tangu."

"Pedido de Ajuda do Governante de Tangu, Natshinnaung, aos Portugueses."

"Ocupação de Sirião por Natshinnaung, Governante de Tangu."

"Ataque e Cerco da Cidade de Sirião pelas Tropas Birmanesas Vindas de Ava."

"Primeira Batalha entre Sirião e Ava."

"Disparo sobre o General Português."

"Pedido do Rei de Ava a Natshinnaung, Governante de Tangu, para que lhe Fosse Entregue o General Português."

"Combate Naval entre Birmaneses e Portugueses."

"Novo Pedido do Exército Birmanês ao Governante de Tangu."

"Derrota Sofrida pelos Portugueses Aquando da Investida sobre Arracão."

"Entrada na Cidade de Sirião dos Exércitos Birmaneses, Combatendo com Todas as suas Forças."

"Aprisionamento, pelos Birmaneses, do General Português João Gago e do Governante de Tangu, Natshinnaung."

"Execução do General Português e do Governante de Tangu, em Conformidade com as suas Posições."

"Fim das Relações Amigáveis dos Portugueses com Sirião."38

Crendo tratar-se da obra de um português, mesmo notando não ter ela o estilo imperialista dos relatos portugueses, Furnivall considerou "the whole relation singularly impartial".39 Na verdade,fora de todas as expectativas — para quem esteja habituado ao tipo de aproximação característico, quer das crónicas portuguesas, quer das birmanesas — se revela o facto de o relato pôr em cena, paralelamente e com conhecimento de causa, as histórias político-administrativas dos dois países.

Em certas passagens os Portugueses são referidos como duros e impiedosos, e mesmo perigosos ou criminosos40— o que afasta a crónica do estilo próprio aos escritos dos missionários católicos, e torna difícil a atribuição da sua autoria a um português. Porém, parece ter havido, na sua elaboração, ao menos ajuda de um português. Julgamo-lo sobretudo por dois motivos:

1. O período abarcado inicia-se antes da presença portuguesa na Birmânia, o que parece pressupor conhecimento da História de Portugal e intenção de a divulgar.

2. Os portugueses que se encontravam na Birmânia, em particular Nicote, não aparecem já como corruptores da religião.

O facto de Filipe de Brito de Nicote não ser designado pelo nome, como seria de esperar se o autor fosse português, indicia autoria birmanesa. Inesperadamente, é sublinhada a actuação de um capitão cujo nome, Zuin Cago, aparentemente João Gago, não é mencionado nos relatos portugueses.

O testemunho da Potugui Yazawin merece ser estudado conciliando a análise histórica e a análise dos vocábulos birmaneses e portugueses (frequentemente nomes e termos portugueses aparecem transcritos, foneticamente, em birmanês). Iniciei já esse estudo, por considerar a crónica como um precioso e surpreendente exemplo da difusão da cultura portuguesa na Birmânia. O texto trará, seguramente, material novo não só para o conhecimento da presença portuguesa naquele país mas também para o conhecimento da história birmanesa.

VI. As Crónicas Arracanesas. Para reconstituir a História dos Portugueses em Dianga, Chatigão e Mrauk-U, Maurice Collis fez uso de fontes portuguesas, sobretudo do relato do padre agostiniano Sebastião Manrique, e também de crónicas arracanesas das quais não dá referências.

Collis fala das fontes que lhe permitiram comparar as informações arracanesas e portuguesas no que diz respeito à história de D. Martim, um príncipe arracanês, neto de Min Razagri, trazido de Arracão pelos Agostinhos e educado nos seus mosteiros.41

O príncipe visitou Lisboa durante a década de 1640, após uma carreira militar ao serviço do Estado da Índia. A suposição de se tratar de um príncipe herdeiro constituiu motivo para projectar a invasão de Mrauk-U. O propósito era o de o tomar rei legítimo de Arracão, mas dependendo da coroa portuguesa, à qual ele chegou a fazer doação escrita dos seus domínios. A investida sobre Arracão para colocar D. Martim no trono, apoiada pelos Agostinhos, mereceu a atenção de Lisboa e de Goa durante anos; mas nunca teve lugar por falta de concordância de Lisboa, de onde se argumentava a sua impraticabilidade com fundamento nas anteriores derrotas sofridas pelos Portugueses em Arracão. Sem que qualquer plano fosse concretizado, D. Martim regressou a Goa e aí ocupou o posto de Capitão de Pangim, sem nunca voltar à Birmânia.42

Mais preciso que Collis, que nunca fundamenta as suas asserções, é U Tet Htoot. Estudou em particular as crónicas intituladas Danyawadi Ayedawbon e Danyawadi Yazawin — escritas, respectivamente, por Danyawadi Sayadaw em 1787 e por Min Kyaung Sayadaw U Pandi em 1910.

Uma e outra crónicas têm por base relatos que lhes são anteriores, e fazem referência a Filipe de Brito de Nicote como sendo um dos filhos de Minba, o avô de Min Razagri.43 Se a ascendência de Nicote não está ainda estabelecida (há hipóteses infundadas que tentam demonstrar a sua ligação a uma família nobre portuguesa), muito menos está provado que descenda de pai arracanês.

Uma outra crónica arracanesa, da qual eu só conheço uma cópia manuscrita, feita em 1967 em Chatigão, é a Rakhuin Yazawin, um longo relato que ainda não estudei.

OUTROS ESCRITOS HISTÓRICOS

Ayedawbon

Antes de mais, parece necessário precisar o significado da designação birmanesa Ayedawbon ou simplesmente Ayebon — como se pode ler, por exemplo, na versão que conheço da Danyawadi Ayedawbon, copiada por Maung Yeik em 140 páginas. Com o sentido de "memórias" ou "acontecimentos históricos", "gesta", é uma forma de literatura histórica em prosa, semelhante à Yazawin, "crónica dos reis".

Para além da Danyawadi Ayedawbon, outro texto histórico que menciona os Portugueses é a Tanyn-myo Akyaung, "História de Sirião". Trata-se de um relato birmanês de quinze páginas que é omisso quanto ao nome do autor. A versão que conheço é uma cópia manuscrita datada de 1860.

Éditos Reais

Os portugueses de Sirião são mencionados nos Royal Orders of Burma. Trata-se de decretos dispersos emanados durante a dinastia Nyaungyan, a segunda dinastia Tangu sediada em Ava. Foram coligidos por Than Tun e publicados em versão bilingue birmanesa e inglesa, em 1983.

Pode-se nelas encontrar instruções militares relativas ao assalto a Tangu, cujo rei se tinha confederado com Nicote; e também instruções quanto ao cerco posto à fortaleza portuguesa de Sirião por Anauk-hpet-lun; e, ainda, variadas referências aos portugueses alistados nos exércitos birmaneses.44

Inscrições

Menos rigorosas são as alusões aos Portugueses nas inscrições líticas birmanesas: em 1915a revista "Oriente Português" noticiava a descoberta (conhecida através de um artigo do "Times of India", cuja referência não é dada) duma lápide que testemunha a construção, em Henzada, dum pagode, por Nandabaya e Supabhadevi, filho e filha do Kala Nga Zinga de Sirião.

Parece que nessa lápide estava também escrito que Nga Zinga governou Sirião durante doze anos, até ser preso e morto por Anauk-hpet-lun na era budista de 2152.45 O ano, a construção e a descendência não são corroborados por outras fontes.

Romance Histórico

Se o século XVIII é considerado a época das grandes crónicas e o século XIX a das crónicas oficiais, o século XX pode ser considerado como a época do desenvolvimento da imprensa e da literatura. Esse desenvolvimento fez-se acompanhar de novos gostos literários, onde tomou lugar de destaque o romance histórico de cunho nacionalista.

A ocupação inglesa aparece estreitamente ligada a esse gosto, visto ter constituído factor relevante no desabrochar do nacionalismo birmanês, associado ao qual apareceram obras históricas com fins autonomistas.

Tin Ohn nota que na época, e neste contexto, fazer história era encarado como um "acto de dever patriótico".46 Com este propósito foram escritas, até 1920, novas versões das crónicas (por U Tin, U Bi e U Lun — este último conhecido como Thakin Kodaw Hmaing), duas obras sobre o Tratado de Yandabo (de U Khin Nyunt e U Shwe respectivamente), as quais costumam ser apontadas como marcas do início de uma nova história. Por volta de 1926, apareceu uma história baseada na tradição oral, francamente afastada do modelo das crónicas clássicas.47

Associado a este crescente interesse pela história nacional e com a criação da "Burma Research Society", surgiu uma nova geração de escritos históricos. É o caso de manuais escolares e de biografias de heróis birmaneses como as de Tabin-shwei-hti, Bayinnaung e Alaungpay, editadas em 1933. Em substituição da Yazawin passa a ser usada a designação de Thamaing, que segundo U Tin foi escolhida como forma de mostrar que a história cobre também aspectos sociais, económicos e culturais.48

Num artigo sobre literatura e nacionalismo na Birmânia, Aung San Suu Kyi põe em evidência que os romances históricos da década de 1930 denotam mais a vontade de fazer reviver tradições populares do que espírito de investigação. É o caso de Natshinnaunge de Tabin-shwe-hti, os dois primeiros romances de Lepandita U Maung Gyi. De registar que esta última obra atribui a degradação do final do reinado e da vida de Tabin-shwe-hti à sua associação a aventureiros portugueses.49

Mais explícitas ainda são as referências aos Portugueses nos livros Nahkan-daw, da autoria de U So Myint, e Thabon-gyi, de Maha Hswe.50 O rei de Tangu é aí retratado como um traidor, devido à sua aliança com Filipe de Brito de Nicote e os portugueses de Sirião. O romance de Maha Hswe põe mesmo em questão a ameaça ao budismo, constituída pela presença portuguesa. Tal ameaça é habilmente transposta contra a ocupação inglesa.

A presença seiscentista e setecentista portuguesa é, neste género literário, usada para fins diversos do mero registo histórico. Trata-se de uma expressão literária corrente em países subjugados, onde é frequente os ideais nacionalistas tomarem voz em defesa de um povo dominado. O facto de a revolta ser dirigida contra um opressor longínquo é evidentemente um artifício, fruto da necessidade de evitar retaliações consequentes do ataque ao opressor directo. Se, no caso da Birmânia, essa expressão literária permitiu o retomo à época do mal conseguido domínio português, foi certamente por integração da presença portuguesa na cultura e na história do país.

CONCLUSÃO

Apesar de a literatura birmanesa ser multifacetada, quaisquer que sejam os géneros literários, desde que o período tratado abranja os séculos XVI e XVIII depara-se, sempre, com passagens sobre a presença portuguesa.

Neste artigo tentou-se fazer um trabalho de aproximação relativamente a alguns desses géneros.

Começou-se pelas crónicas em prosa, chamadas Yazawin, baseadas no modelo da Rajawan (do pali raj, "rei", e vamsa, "raça" ou "linhagem"). O modelo encontra-se entre os Mons, os Arracaneses e os Birmaneses propriamente ditos.

Seguiram-se-lhes as Ayedawbon ("memórias", de reinados ou de localidades), género também em prosa. Essas memórias, retenha-se, encontram-se, tal como as crónicas, um pouco por toda a Birmânia. É disso exemplo, entre outros, a Yazadhirit Ayebon, narrativa da autoria de Bhinnyadala respeitante ao reinado de Razadirit.

Finalmente, foram focados escritos talvez menos "históricos" — caso dos romances históricos (que se apresentam como histórias eivadas de romantismo nacionalista) ou escritos menos "literários" —caso das inscrições líticas e decretos reais. Podemos arrumar uns e outros dentro de classificações não abrangidas pela literatura. Não obstante o seu valor menor, a escolha desses escritos pareceu apropriada ao tema tratado por duas razões:

1. Se os primeiros são "menos históricos", é certo que mesmo assim fazem parte da literatura — uma literatura que se ocupa dos Portugueses de modo subjectivo e sugestivo, mas trata a sua presença como um acontecimento histórico.

2. Se os segundos são "menos literários", não há dúvida que são também históricos. Para mais não dizer, basta notar que constituíram fonte utilizada pelos cronistas.

Não se fez, evidentemente, um estudo completo. Não só por não ser exaustivo quanto ao estudo dos géneros abordados, como por ter deixado de lado géneros históricos importantes. Entre estes últimos citem-se as histórias religiosas e as crónicas em verso, como as ei-gyin, poemas históricos; os maw-gun, poemas comemorativos (de fundação de pagodes, templos, cidades, etc.); e as yazawin than-bauk (literalmente "epigramas históricos"), crónicas em verso.

A historicidade de todos estes géneros é desvalorizada pelos especialistas, em razão dos exageros poéticos que neles são característicos. Julgo, porém, que a constatação desses exageros não exclui uma outra verdade: a existência da informação histórica sob expressões diversas. Infelizmente não tive ainda a oportunidade de as estudar a fundo.

Parece legítimo concluir, desta primeira e verde aproximação, que não há razão para lamentar a falta de referências sobre a presença portuguesa na literatura e escritos históricos birmaneses. É, aliás, tema bastante desenvolvido em relação ao que em termos opostos se passa com Portugal, isto é, no que toca aos Birmaneses. Os Portugueses nunca tentaram escrever uma história da Birmânia semelhante à Potugui Yazawin. O que é de igual modo verdadeiro relativamente a outros países da Ásia do Sueste, mesmo aqueles onde a presença portuguesa foi menos sólida e durável que na Birmânia — por exemplo no respeitante à Malásia, como testemunham as mais recentes investigações,51 há falhas e omissões nas fontes e outros escritos históricos, não obstante o carácter da presença portuguesa, em Malaca, ter sido efectivo e estável.

Trabalho apresentado no decurso de uma bolsa de investigãcão subsidiada pelo Instituto Cultural de Macau, Divisão de Estudos, Investigação e Publicações. Revisão de texto por Luís Rebelo; revisão final de Júlio Nogueira.

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NOTAS

1 LAFFONT, Pierre, "Avant-Propos", in BERNOT, Denise, Littératures Contemporaines de l'Asie du Sud-Est, pp. IX-X.

2 LIEBERMAN, Victor, Secular Trends in Burmese Economic History, c. 1350-1839, and Their lmplications for State Formation.

3 SUBRAHMANYAN, Sanjay, "Troughout the Looking Glass: Some Coments on Asian View of Portuguese in Asia", pp. 377-81.

4 Casos de sucessivas iniciativas da "Burma Research Society", nos dois primeiros decénios deste século, e mais recentemente dos trabalhos de Than Tun e de Bénédicte Brac de la Perrière.

5 Caso dos "Archives des Missions Etrangéres de Paris", onde, em anos passados e no presente ano de 1996, o empenhado arquivista chefe, P.e Gérard Moussay, tem apelado para a ajuda de historiadores portugueses de modo a poderem ser catalogados variados documentos adormecidos há séculos, por falta de colaboradores conhecedores de português.

6 "Manuscritos Orientais" é o nome de um dos núcleos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo; existem, porém, documentos orientais noutros núcleos desse e de outros arquivos.

7 A presença da lenda, sobretudo nas descrições que se reportam a épocas anteriores ao século XIV, é bem visível nas crónicas birmanesas. É o caso da crónica de U Kala, entre outros exemplos, na descrição da subida ao trono do rei Ngataba, a qual teria por base um galo falante que, quando cantava, declarava a sua própria sentença de morte e prognosticava que quem comesse a sua cabeça seria rei, coisa que o futuro soberano fez sem hesitar.

8 Veja-se HALLIDAY, R., ed., Slapat Rajawn Datow Smin Ron = A History of Kings, p. 59.

9 Na tradução inglesa "jewelled umbrella". O guarda-sol branco, por vezes ornado de pedrarias, assim como o elefante branco (mencionado mais abaixo no texto) eram dois dos signos de realeza; o rei era ainda considerado o possessor das "sete gemas".

10 FURNIVALL, J. S., The History of Syriam = SyriamYazawin, p. 150.

11 Kala, termo de origem controversa, significa tanto "indiano" como, parece que por generalização, "estrangeiro". Trata-se da apelação birmanesa para os indianos e para os ocidentais vindos da Índia. Feringhi é termo designativo de "Europeus" ou, por analogia, "Portugueses". Do persa Faringi, Firingi, isto é, "Francos"; o termo era usado, nessa época, na Ásia, para designar os Europeus e especialmente os Portugueses. Por exemplo, o singalês Parangi significa exclusivamente "Português" (HOBSON-JOBSON, pp. 352-3,495). Feringhi teria dado, em birmanês, Bayingi (veja-se, por exemplo, MAUNG Kaung, Beginnings of Christian..., p. 62) significando "Português" (o historiador birmanês Vivian Ba considera que o termo designa Portugueses, mas não aceita que se trate de corrupção deferinghi; afirmou-me, pessoalmente, crer tratar-se de tradução literal de "amigo dos reis", o que julga enraizar-se no papel dos aventureiros e missionários portugueses junto dos reis birmaneses).

12 Rei de Pegu, entre 1472 e 1492. Célebre pelos seus pacíficos esforços unificadores da Birmânia visíveis numa hábil administração, na criação de um corpo legislativo geral e no reforço religioso dado ao budismo Theravada, o qual éainda hoje religião principal — e oficial — do país.

13 Cf. FURNIVALL, J. S., ob. cit., p. 53.

14 Cf. as fontes citadas em Interferência, pp. 132-4.

15 BOCARRO, António, Década 13 da História da Índia, vol.1, cap.o36; LIEBERMAN, Victor, Burmese Administrative Cycles, pp. 52-3.

16 Um extenso manuscrito italiano fornece informação em alguns pontos semelhante a esta; contudo, certas passagens são pouco claras e carecem de um estudo aturado, que ainda não encontrei ocasião de levar a bom termo. Cf. B. A., Relatione delle Guerre..., fls. 13-22v.

17 De acordo com as fontes portuguesas: cf. PIMENTA, Nicolau, Cartas da Índia, p. 91; MANRIQUE, Sebastião, Itinerário, vol. 2, p. 11. Para os títulos registados pelas fontes arracanesas, ver COLLIS, Maurice, Arakan's Place in the Civilization of the Bay, pp. 34-52.

18 No que respeita a represálias do rei arracanês, conta-se o envio de sucessivas armadas sobre Sirião entre 1601 e 1603 (MOUZINHO, Discurso..., cap.os8-9), em 1605 e em 1607 (REGO, António da Silva, Documentação..., vol. 2, pp. 233-41; e Arquivo Nacional da Torre do Tombo, "Miscelâneas do Convento da Graça", T. C. 1, cx. 2: Relação da Armada que o Mogo...,9 fls.), todas elas desbaratadas pelos homens de Nicote. Quanto a Goa, mercê de sucessivas cartas de queixa do vice-rei enviadas para Lisboa e de acordo com as respectivas respostas, acabou por ser retirado parte do apoio prestado à fortaleza de Sirião (ver Interferência, p. 139).

19 Sobre o assunto veja-se o excelente e solidamente documentado artigo de Lieberman, The Transfer of the Burmese Capital from Pegu to Ava, passim; e, para documentação mais recentemente publicada, THAN Tun, ed., The Royal Orders of Burma, vol. 1, pp. 6, 8,10 e 14 (éditos de 09.04.1597, 17.08.1597,25.08.1598,30.08.1598e08.08.1604).

20 Sobre os episódios veja-se BOCARRO, António, ob. cit.; e Interferência, p. 141.

21 Veja-se B. A., Relatione delle Guerre..., fl. 21.

22 Sobre outras descrições destes acontecimentos veja-se Interferência, pp. 146-8.

23 FURNIVALL, J. S., ob. cit., pp. 53 e 143 respectivamente.

24 Tal como afirma BOCARRO, António, ob. cit., cap.o37.

25 Cf. LIEBERMAN, Victor, How Reliable is U'Kala's Burmese Chronicle? Some Comparisons, p.241.

26 Ver supra, no 8.

27 Cf. SOUSA, Manuel de Faria e, Ásia Portuguesa, vol. 1, p.50.

28 Loc. cit.

29 Interferência, p. 104. Ver também "Carta de A. Boves", escrita em Sirião a 28.03.1600, in PIMENTA, Nicolau, ob. cit., p. 100.

30 U Hla Pe, "Burmese Historiography: The Source, Nature and Development of Burmese Chronicles", p. 56, assim como A. Phayre e U Aung Thein verificaram essa concordância. Sobre os trabalhos destes dois últimos historiadores, ver explicação e nota que se seguem, a propósito da HmannamYazawin Gyi.

31 U Aung Thein, Burmese Invasions of Siam, Translated From the 'Hmannan Yazawin Daw Gyi'.

32 U Aung Thein, Intercourse Between Siam and Burma as Recorded in 'The Royal Autograph Edition's of the History of Siam'; U Aung Thein, Review 2.

33 U Tet Htoot, "The nature of Burmese Chronicles", p. 59.

34 WHITBREAD, Burmese Printed, p. 59.

35 Agradeço os esforços envidados por Vivian Ba, historiador birmanês hoje pertencente aos quadros da Embaixada de Mianamar em Paris, e por U Aung Thaw Kaung, da actual Biblioteca Universitária de Rangum, em busca do precioso manuscrito.

36 THIRI-ZEI-DAYAT-KYAW, DAUNG Bhinashu, eds., Pàw-tú-gi Yazawin, parágrafo 4. A traduçãoé minha.

37 "Journal ofBurma Research Society", 11 (2) 1921, p. 112.

38 A tradução é minha.

39 FURNIVALL, J. S., ed., A Forgoten Chronicle, p. 164.

40 Cf. cap. os 29 e 30.

41 D. Martim, PP.12-20.

42 Ver o meu artigo D. Martim.

43 U Tet Htoot, ob. cit., p. 57.

44 Decretos datados de: 18.11.1607;?.11.1610; 30.05.1635; e 24.06.1638 (THAN Tun, ed., ob. cit., pp.25,62 e 103).

45 Inscrição Portuguesa na Birmânia, "Oriente Português", (12) 1915, pp. 302-3. É de estranhar que seja referida a era budista e não a birmanesa, já então em uso.

46 TIN Ohn, "Modern Historical Writing in Burmese,1724-1942", p.91.

47 HMAWBI Saya Thein, Pazat Yasawin, 1926, citada por TIN Ohn, loc. cit.

48 Ob. cit., p. 93.

49 Libertar-se, pp. 110-1.

50 Os livros foram editados em Rangum, respectivamente em 1932 e 1936. Sobre Maha Hswe e a sua obra, ver BERNOT, Denise, ob. cit., p. 10.

51 Como, por exemplo, as de THOMAZ, Luís Filipe, "Os Frangues na Terra de Malaca", passim.

* Doutoranda em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e bolseira do Instituto Cultural de Macau, Divisão de Estudos, Investigação e Publicações.

desde a p. 35
até a p.