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MACAU E O SIÃO RELAÇÕES NOS SÉCULOS XVII E XVIII

Leonor Seabra*

Reconstituir as motivações primeiras de um percurso de investigação não é tarefa fácil, sobretudo se se procura confrontá-las coerentemente com o seu produto final.

No início, nenhum projecto parece impossível. As problemáticas tendem a ser equacionadas de forma tão global que a elaboração de planos de trabalho — muitas vezes impraticáveis — surge como um imperativo. Gradualmente, porém, no decurso da investigação, transforma--se o ideal no possível.

Neste contexto, não parecerá despropositado que os objectivos iniciais deste trabalho tenham sido, de certa forma, alterados.

Assim, faremos uma breve abordagem aos principais aspectos conjunturais e civilizacionais, quer do Sião quer de Macau, desde o século XVI até ao século XVIII inclusivé. Depois, centrar-nos-emos nas relações de Portugal e de Macau — umas não se podem separar das outras — com o Sião, nos séculos XVII e XVIII essencialmente.

I. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

1. SIÃO

1.1 — Aspectos gerais

Sudeste Asiático ou Ásia do Sueste são expressões geralmente utilizadas para designar os países compreendidos entre a Índia, a Oeste, e a China, a Leste.

Rios mais importantes:

-- Irawadi (o "coração" de Burma);

-- Menam Chao Phya (centro do Sião);

-- Mekong (Camboja e Laos);

-- Mekong (no delta — Sul do Vietname);

--Rio Vermelho (Tonquim — Norte do Vietname)

Ora, as áreas entre os grandes vales (que são as bacias destes rios) são, normalmente, montanhosas e com florestas. Por isso, o movimento da população de um vale para outro não é tão fácil, como o é o movimento da(s) mesma(s) ao longo dos vales. Além disso, os vales são mais férteis do que as zonas montanhosas, pelo que houve sempre uma movimentação de população em direcção a Sul, o que provocava muitas vezes, falta de mão-de-obra. Por outro lado, um dos principais problemas da Ásia do Sueste foi sempre, até ao século passado, a falta de gente, ou seja, a pouca ocupação demográfica. Este foi, aliás, o principal motor de guerras constantes entre os Estados da península Indochinesa (ex.: Sião-Khmers), pois, no século XV, toda a Ásia de Sueste tinha apenas 15 milhões de habitantes.

Como tal, para suprir a falta de mão-de-obra, os reinos vizinhos guerreavam-se uns aos outros, fazendo cativos (mão-de-obra). As cidades agrárias necessitavam de muita mão-de-obra e também de um poder central forte. Estas cidades agrárias baseiam-se na cosmologia budista — são microcosmos, de plano geométrico, com o palácio ao centro — em que o soberano é o eixo do mundo (deve assegurar a harmonia do Absoluto com os homens). É assistido por um corpo de funcionários, cujos principais encargos são a organização dos trabalhos agrários e da colecta dos impostos, assim como por sacerdotes budistas ou hinduístas, que são bem gratificados, mas em troca legitimam o seu poder espiritual e participam no esforço agrário que ele preconiza1.

O poder político, no reino siamês, tal como noutros desta região, era partilhado por diferentes famílias reais, cada qual controlando centros estratégicos da região, onde o mais forte tentava colocar omais fraco sob o seu controlo, muitas vezes nominalmente, através de rituais, casamentos e outras ligações pessoais2.

1.2 — População: suas origens

Os descendentes do tipo físico designado por Austronésio, que iniciou um movimento migratório para sul desde os tempos pré-históricos, provavelmente entre 2500 e 1500 a. C., formam hodiernamente a base da população da Malásia e Ásia do Sueste em geral, essencialmente da mesma raça humana da restante população da península Indochinesa e do Sul da China.

Do Sudoeste da China, vieram para a Ásia do Sueste, em duas migrações: primeiramente os protomalaios, depois, os deutero-malaios — que com eles trouxeram a metalurgia.

Da China Ocidental vieram os vietnamitas para o delta do rio Vermelho; os Khmer, para o vale e delta do Mekong; os Mons (aparentados com os Khmer), chegaram ao Menam Chao Phya; e, no vale do Irawady, apareceu um povo conhecido como Phya.

Mais tarde, os Birmaneses vieram do norte para o vale do Irawady. Os Thai, de quem os habitantes da Tailândia, Laos e área dos Shan (em Burma) descendem, vieram do Yunnan, um pouco mais tardiamente3.

1.3 — Pré-História: alguns dados

Várias descobertas arqueológicas, na província de Kkanchanaburi, a oeste de Banguecoque, em Chiang Rai no Norte, revelaram vestígios do período Paleolítico, de cerca de 500 000 anos atrás. Durante o período do Mesolítico e no Neolítico a raça humana deve ter-se espalhado por todo o Sião.

Todavia, a mais importante descoberta realizada no Sião ocorreu no planalto de Khorat, no Nordeste da actual Tailândia, a 500 kms de Banguecoque, chamada região de Ban Chiang. Comunidades primitivas de agricultores parecem ter começado a fixar-se nesta área, por volta de 4 000 a. C.. A cultura tradicional de Ban Chiang foi criada por uma sociedade agrária tão avançada, que lhe possibilitou a produção de artefactos de bronze muitas centúrias antes de qualquer outra no mundo e também a mistura do bronze com o ferro para fins utilitários e ornamentais.

As origens do povo da região de Ban Chiang tem originado inúmeras especulações. Para uns, são gente originária do Norte do Vietname, para outros, baseados nas escavações efectuadas naquela região (em que foi descoberta uma civilização Neolítica, produtora de bronze, por volta de 2 000 a. C.), seriam provavelmente, tribos protomalaias4.

1.4 — História: principais etapas

Como já foi dito, os Thais parecem ser originários do Sudoeste da China, onde eram particularmente numerosos, especialmente na província hoje denominada o Yunnan. No século VII d. C. ali estabeleceram o reino de Nanchao. Outros, continuaram a mover-se para sul, infiltrando-se em pequenos grupos, no Laos, na parte Norte do Sião, e no planalto Shan, de Burma, misturando-se com as populações locais.

Em 1253, os Mongóis conquistam Nanchao,que viria a transformar-se em província chinesa mais para sul, o Yunnan. Portanto, os Thais foram forçados a movimentar-se cada vez mais para sul, para assim escaparem ao controlo chinês5.

De acordo com a generalidade dos estudiosos, a história do Sião pode dividir-se em quatro períodos: a) Período Dvaravati (entre os séculos VII e XI); b) Período Sukhothai (nos séculos XIII e XIV); c) Período de Ayuthia (séculos XIV a XVIII); d) Período de Banguecoque (do século XVIII à actualidade).

a) Período Dvaravati

Parece ter tido o seu centro em Nakhon Pathon, durando até ao século XI ou XII. Artisticamente pujante, produziu grande número de imagens de Buda (de influência marcadamente indiana), relevos em estuque (em templos e cavernas), arquitectura (grandes monumentos em tijolo, por exemplo), cabeças em terracota (de Buda e outras divindades), estelas votivas budistas e outras esculturas ( repre sentando o próprio Buda, várias divindades, anões, demónios, animais e outros motivos). Um certo número de antigas imagens hindus também aí foram achadas, representando esculturas do estilo indiano pós-Gupta, ou seja, aquele da dinastia Pallava no Sul da Índia (datado de cerca do século VII). Estas estátuas de pedra hindus representam, geralmente, Vishnu6.

A origem da população de Dvaravati é controversa. Para uns, tratava-se de gente Mon ou Mon--Khmer, havendo quem considere, diversamente, que os Mons são, eles próprios, descendentes de um grupo de emigrantes indianos de Kalinga (uma área nos limites dos estados de Orissa e Andhra Pradesh, na costa Oriental da Índia).

Assim, os Mons Dvaravati parecem ser uma mistura étnica desta população estrangeira com populações indígenas da região, o que podemos considerar os Thais originais.

Ruínas da muralha portuguesa, Ayuthia.

A cultura Dvaravati declinou rapidamente no século XI, com o domínio político dos invasores Khmers, que se estabeleceram em Lopburi. Ora, a conquista Khmer trouxe consigo a sua influência cultural na arte, linguagem e religião. Alguns dos termos de origem sânscrita do vocabulário Mon-Thai, entraram até na linguagem corrente durante o período Khmer (ou de Lopburi), entre os séculos XI e XII7.

b) Período Sukhothai

Em 1238, surge o que é considerado como o primeiro verdadeiro reino thai, o de Sukhotai, que perdurou até 1376, altura em que foi anexado por Ayuthia.

O rei Rama Khameng (1283-1317), estendeu as fronteiras do seu reino até à bacia do rio Chao Phya (Menam), empurrando os Khmer do território que aí ocupavam. Estendeu a sua suserania a Nakon Si Thamarat, no sul, para Vientiane e Luang Prabang no Laos, para o Pegú no Sul de Burma. Alguns territórios da península Malaia, pagavam-lhe igualmente tributo.

Como resultado destas conquistas, os Thai absorveram fortes influências culturais dos Khmer e dos Mon.

A agricultura das culturas rizícolas era a base da vida económica, nomeadamente através das frutas e das madeiras de construção.

Os reis de Sukhotai abraçaram o ideal budista de poder real, paternal e acessível, que influenciou todos os monarcas do Sudeste Asiático, por influência do modelo indiano, depois de o imperador indiano Asoka (267 - 227 a. C.) ter enviado missionários budistas para esta região, no século III a. C. Todos os reis do período Sukhotai tomaram o título de Thammaracha, divinamente ligado ao conceito budista de monarca iluminado, que governa de acordo com os preceitos da justiça, honestidade e caridade (misericórdia) e do senso comum dos seus súbditos8.

Ruínas do "campo português", Ayuthia.

c) Período de Ayuthia

A cidade de Ayuthia foi fundada pelo rei Uthong (Rama Thibodi I), em 1351, que se celebrizou por tentar conquistar os reinos vizinhos que lhe permitiriam dominar a bacia do Menam (rio Chao Phraya).

Esta política externa, agressiva e expansionista, levou ao desaparecimento do reino de Sukhothai como reino independente e à sua integração nos domínios de Ayuthia. Durante o século XV, o Sião esteve constantemente em guerra com o Camboja, até à destruição da sua capital, Angkor (em 1431). Tais guerras eram comuns entre reinos vizinhos na Ásia do Sueste, que disputavam recursos vitais ou a supremacia regional9.

Ayuthia dominou a bacia do rio Menam (Chao Phya), incluindo os reinos estabelecidos na parte Norte, ou seja, Sukothai e Chiang Mai, o reino Khmer (Angkor incluído), e muitos principados, a Sul e Ocidente. Atingiu, pois, um momento alto de expansão durante os séculos XIV e XV.

Em inícios do século XVI, o Sião esteve várias vezes em guerra com os príncipes de Chiang Mai. Após um período de tréguas, entre 1516 e 1538, as guerras com Burma estenderam-se até ao fim do sé-culo. Entre 1564 e 1583, o Sião chegou mesmo a estado vassalo de Burma.

Durante o reinado do rei Trailok (1448 -1491), Ayuthia estava firmemente estabelecida no centro do mundo thai. Os seus monarcas adquiriram cada vaz mais poder absoluto, abraçando o conceito bramânico do rei-deus (divino).

Durante este período (de 1351 a 1767) os reis foram influenciados pela prática da realeza divina, cuja coroação se processava segundo os rituais bramânicos, tomando titulaturas hindus. Por exemplo, o fundador de Ayuthia, Rama Thibodi I, derivou o seu nome de Rama uma reencarnação do deus Vishnu e herói do poema épico hindu Ramayana10.

Depois da derrota do Camboja, a influência siamesa estendeu-se por toda a península Malaia. Os reinos de Tenasserim e Ligor encontravam-se submetidos ao domínio siamês; Pahang, Padang, Trengganu, Kelantan, Keddah e Selangor, eram seus tributários, tal como Malaca. À época, o mais próspero porto siamês era Mergui, perto de Tenasserim, na baía de Bengala. Daqui, as mercadorias da China e do Sião eram transportadas para os portos indianos e, mais tarde, para a Europa (sendo as principais as sedas e porcelanas da China, madeira, estanho, marfim, elefantes e búfalos do Sião). No regresso, os produtos da Índia chegavam a Tenasserim, sendo o algodão o principal artigo. Daqui, subiam o rio até Ayuthia.

A prosperidade da cidade de Ayuthia, como entreposto comercial, teve origem num longo desenvolvimento económico no triângulo da bacia do baixo Menam. Enquanto as maiores cidades desde os tempos do período Dvaravati se desintegravam, novas cidades nasceram no seu lugar e continuaram a sua actividade económica11.

Ayuthia foi fruto da prosperidade económica das comunidades originais, tais como Uthong-Nakhon, Pathom-khoo Bua durante o período Dvaravati, Suwannaphum-Lavo durante a expansão Khmer, ou Suphanburi-Lop Buri-Ayothaya (estas contemporâneas de Ayuthia).

A localização de Ayuthia abria-a ao contacto exterior e proporcionava uma rota de exportação para as cidades vizinhas da região. Localizada na confluência de três dos maiores rios (nomeadamente o Chao Phraya, Pasak e Lopburi), Ayuthia estabeleceu relações com as maiores cidades provinciais nas regiões do norte e nordeste, assim como com os maiores reinos do interior, tais como Lanna, Lanchang, Cambodja e Pagan. O aproveitamento comercial dos recursos naturais destes reinos permitiu a expansão da rede de contactos comerciais siameses para o Leste e Sudeste Asiático, até aos portos da costa do Coromandel na Índia, Pérsia e até à Europa12.

Como monarquia agrária e potentado comercial marítimo, a política externa era vital para os seus interesses.

Em 1491, aquando da subida ao trono de Rama Thibodi II, Ayuthia encetou relações diplomáticas e comerciais com potências estrangeiras, embora se presuma que mercadores persas tenham visitado a cidade logo após a sua fundação.

Os primeiros estados a terem relações com Ayuthia terão sido os seus vizinhos mais próximos, como por exemplo, Sukhothai ou o reino Khmer do Camboja.

Os Chineses, os Léquios, os Japoneses, etc., contavam-se entre os mercadores estabelecidos ou com contactos comerciais com Ayuthia.

Em 1512, chegaram os primeiros europeus, os Portugueses (que tinham conquistado Malaca em 1511, sobre a qual os reis do Sião reclamavam suserania). Duarte Fernandes foi o primeiro europeu a tocar no Sião, mandado por Afonso de Albuquerque.

Em 1538 dá-se a primeira guerra com Burma, sucedendo-se outras em 1549,1563,1568. Por esta última, Ayuthia tornou-se um reino vassalo de Burma durante 15 anos.

Em 1584, o príncipe Naresuan expulsou os Burmeses e proclamou novamente a independência. Quando, em 1590, o rei Thammarach morreu, sucedeu-lhe o seu filho Naresuan, que levou a civilização de Ayuthia até ao seu mais alto esplendor e, após várias campanhas contra Burma, consolidou a independência do seu reino por cerca de 160 anos. Foi neste reinado, que o Sião emergiu realmente como um dos mais poderosos reinos no Sudeste Asiático, com uma política institucionalizada, sustentada por um poder económico e militar forte.

As relações comerciais com o exterior não cessaram de se desenvolver. Vejamos alguns exemplos mais significativos.

Em 1608, é mandada a primeira embaixada thai aos Países Baixos (são os primeiros thai na Europa).

Em 1621, assina-se o primeiro tratado comercial com o Japão. A veniaga assentava na troca de prata e cobre japoneses por produtos locais (estanho, açúcar, óleo de coco, madeira de sândalo, etc.).

Em 1681, o rei Narai despachou embaixadores a França, repetindo o gesto em 1684.0 rei Luís XIV (de França) respondeu à iniciativa do rei thai, enviando a primeira embaixada francesa, em que iam missionários franceses (1685).

Em 1688, com a doença do rei Narai, emergiu uma conspiração palaciana que expulsou os Franceses. A sua morte culminou com a abertura do Sião ao exterior, fechando-se o país ao comércio estrangeiro europeu.

Após a queda do rei Phra Narai e do seu ministro, em 1688, sobe ao trono um usurpador, o rei Petracha, dando início a uma nova dinastia (Ban Plu Luang). Em 1709, sucede-lhe o seu filho mais velho, o rei Thai Sa, cujo reinado é marcado por um incremento de comércio com a China, principalmente a exportação de arroz. Muito do comércio siamês com a China e Japão, que tinha sido conduzido pelos Holandeses, agora passa para as mãos de mercadores chineses privados. Com a morte deste rei, em 1733, mais uma vez se sucedem as disputas pelo trono, acabando por lhe suceder o rei Borommakot, cujo reinado é uma espécie de "idade de ouro", com um rei que foi um dos melhores de Ayuthia e amante da paz. Com a morte deste rei, as disputas entre os seus dois filhos acabam por levar o príncipe Ekatàt ao poder, com o nome de rei Borommaracha (1758 -1767).

Em 1765, Burma invadiu novamente Ayuthia, arrasando a cidade, após dois anos de cerco (em 1767)13.

d) Período de Banguecoque

Em 1767, o general thai, Phya Taksin, (siamês, mas de origem chinesa) fundou uma nova capital em Thonburi, na margem oeste do rio Menam (oposta a Banguecoque). O rei Taksin passou os 15 anos seguintes a tentar pacificar a região, mas, em 1782, outro general, Chao Phraya Chakri, tomou o poder com o título de Rama Thibodi I (1782 -1803). Mudou a capital para Banguecoque, na outra margem do rio, por motivos defensivos, e inaugurou a dinastia Chakri, que perdura até aos nossos dias.

As relações entre o Sião e os países Ocidentais recomeçaram durante o reinado do rei Rama Thibodi II, que subiu ao trono em 1809. Na altura, o comércio entre o Sião e a China era feito quase exclusivamente por juncos chineses, alguns ali construídos. Quando os Europeus reataram o comércio com Banguecoque, os seus navios eram tão superiores aos juncos chineses que os Siameses quiseram adoptá-los. Terão sido, assim, os Portugueses e os Ingleses a ensinarem-lhes as técnicas da construção naval.

1.5 — Religião: principais características

Os viajantes indianos trouxeram com eles a doutrina e os rituais do hinduísmo e do budismo,assim como outros aspectos culturais e modelos políticos (a concepção de monarquia, códigos de leis e métodos de administração).

No período Dvaravati ou pré-Dvaravati, as formas de budismo não são as mesmas que aquelas que existiram, nos territórios siameses, desde o século XIII. Desde o período do Sukhotai, o Sião mante-ve-se budista segundo o cânone mais tradicional, nas suas formas mais primitivas (o budismo Theravada, também chamado Hinayana ou do "Pequeno Veículo"), mais ortodoxo do que o budismo Mahayana ou do "Grande Veículo".

O Islão, por seu lado, deve ter sido introduzido pela península Malaia, por comerciantes e aventureiros árabes durante o século XIII. Os muçulmanos thai, na sua maioria, são descendentes de Malaios, reflectindo a herança cultural comum às províncias mais a sul, na fronteira com a Malásia14.

O Cristianismo foi introduzido no Sião, nos séculos XVI e XVII, pelos missionários dominicanos, franciscanos e jesuítas, portugueses e espanhóis. Mais tarde, chegaram os Protestantes. Eles converteram, principalmente, elementos das minorias étnicas, tais como emigrantes chineses. Apesar disso, os Cristãos deram uma grande contribuição nos campos da saúde e da educação15.

1.6 — Conclusão

O Sião, bem situado no centro da Ásia do Sudeste, tendo a Malásia a sul, Burma a oeste, Laos no norte e Kampuchea no leste, desde cedo atraiu vários povos graças à sua situação (estrategicamente intermédia entre a Índia e a China) e às suas riquezas (por exemplo: fluorite, volfrâmio e tungsténio, no norte; fluorite e pedras preciosas, no Oeste; esplêndidas safiras, nas montanhas do Sudeste; estanho, no Sul; no Nordeste, a potassa é abundante).

De notar, no entanto, que o Sião foi o único país no Sudeste Asiático, que nunca foi colonizado por nenhuma potência ocidental.

Sofreu invasões periódicas da parte dos Khmers e dos Burmeses e foi ocupado pelos Japoneses na II Guerra Mundial, mas, o Reino nunca foi externamente controlado por tanto tempo que pudesse afectar o individualismo Thai.

Possui seis milénios de evolução cultural, so cial e económica, através de relações medievais com países tão longínquos como a China e a Arábia, e subsequente comércio com as potências europeias.

Trata-se de um reino predominantemente budista com uma monarquia una, que manteve sempre, uniformemente, um alto nível de desenvolvimento ao longo da sua História.

O Sião possui a sua própria cultura (drama, literatura, música, arquitectura, escultura e pintura, cerâmica, joalharia, etc.), a sua própria língua e alfabeto, a sua cozinha, artes marciais, as suas próprias crenças e atitudes, e, embora tenha recebido influências exteriores, nunca perdeu a sua individualidade própria e marcadamente vincada.

2. MACAU

2.1 — Primeiros contactos entre Portugueses e Chineses

Antes da chegada dos navegadores portugueses a terras do Oriente, alguns viajantes ocidentais tinham já estabelecido contactos com a China, desde meados do século XIII, como é o caso de João de Piano del Carpine (1245 - 1247), do franciscano João de Montecorvino (1291 - 1292), no ano seguinte Marco Polo e, já no século XIV, o Beato Odorico de Pordenone e João de Marignoli. A partir daqui e até à chegada dos Portugueses, ao que se sabe, os contactos entre a Europa e a Ásia rarificamse, devido a uma série de factos, tais como a queda dos últimos redutos francos na Terra Santa (1291), a islamização do Irão (1295) e do Turquestão (1342), o advento da dinastia nacionalista Ming na China (1367); e, por sua vez, no Ocidente, pela mesma época, dá-se a Peste Negra (1348) e o início do Grande Cisma (1377).

Em 1508, D. Manuel envia Diogo Lopes de Sequeira a Malaca, para aí obter informações sobre os Chineses e o seu comércio. Em 1509, aquele alcança Malaca onde estabelece contactos com alguns juncos chineses, aí ancorados no porto, mas a hostilidade dos Malaios obriga-o a regressar a Lisboa, sem ter cumprido a missão de que fora incumbido e deixando mesmo alguns Portugueses prisioneiros naquela cidade.

Em 1511, Afonso de Albuquerque, vice-rei da Índia, após baldados esforços para que lhe fossem entregues os portugueses aprisionados em Malaca, conquista a cidade que se irá manter nas mãos dos Portugueses até 1641 (quando foi conquistada pelos Holandeses). A partir daí, os Portugueses irão penetrar nos mares da China. Assim, em 1513, Jorge Álvares, capitão de Afonso de Albuquerque, embarca num junco chinês, aportando no ancoradouro de Tamão ou Tamau — posteriormente a ilha de Veniaga, que quer dizer comércio16 — onde levantou um padrão com as armas de Portugal.

Outros portugueses se seguiram nestes primeiros contactos com a China, com intuitos meramente mercantis.

2.2 — Estabelecimento dos Portugueses: fixação e permanência

Macau foi, nos seus começos, um pequeno porto, ninho de piratas e abrigo de pescadores. As datas dos primeiros contactos dos Portugueses com a região de Macau e a da fundação da Cidade são controversas, tanto nas fontes históricas chinesas como nas portuguesas.

Segundo algumas fontes chinesas, em 1553 os Portugueses obtiveram licença para secar, nas praias de Macau, os artigos molhados durante uma tempestade. Ora, como aqueles estavam desejosos de obter um porto mais abrigado do que os anteriores, que servisse de entreposto para o seu comércio com o Japão, Macau (ou Amagao), na extremidade Sudoeste da ilha de Heung-Shan onde só havia praias e estéreis rochedos, tinha contudo um porto extremamente abrigado, óptimo para reparar os navios e esperar a monção, como desejavam; é o porto, hoje chamado pelos Portugueses Porto Interior e, naquele tempo, designado pelos Chineses por Hao King.

Entretanto, Leonel de Sousa encontrava-se na Índia desde 1548, tendo sido nomeado de Lisboa, por D. João III, a fim de capitanear duas viagens para a China. Tendo efectuado a primeira viagem de 1552 a 1554, Leonel de Sousa depara com a reserva dos Chineses, em virtude da actuação de Simão de Andrade em 1518, e os portos fechados ao comércio, pelo que obtém «pouco comércio e proveito». Após porfiados esforços consegue, no entanto, estabelecer um convénio com Wan-Pé (ou Van-Pó), Haitao (haitão) de Cantão — 2. ō inspector das costas, sob cuja jurisdição directa estavam os portos — podendo, a partir daí, comerciar-se sem sanção oficial, a troco do pagamento de direitos (uma taxa de 10 por cento sobre as mercadorias). Data de 1554 o assentamento de Leonel de Sousa com as autoridades chinesas, o que, para alguns historiadores, representa a data da fundação da cidade, isto é, Macau torna-se numa feitoria permanente17.

O que parece certo, é que terá sido por essa época que, de facto, os Portugueses terão começado a estabelecer-se em Macau com um carácter semi-ofici-al. Primeiro, construindo palhotas para abrigo das suas mercadorias e dos que em terra ficavam de guarda às mesmas e, a pouco e pouco, com a complacência dos Chineses construíram casas de madeira, tijolo e pedra — embora o seu estado fosse ainda muito precário.

Para outros historiadores, o ano de 1557 assinala o início oficial da povoação, quando «os mandarins de Cantão a requerimento dos mercadores da terra nos deram este porto de Macao»18.

A partir de 1555, no entanto, o porto de Cantão abre-se novamente aos Portugueses, uma vez porano (feira anual).

A feitoria de Macau estabeleceu-se, deste modo, num ponto fundamental para o acesso a Cantão.

2.3 — Influência da Igreja: poder espiritual e temporal

A estrutura comercial determinou a primeira forma organizativa de tipo civil, mas logo também a Igreja Católica se estabeleceu como sistema de poder e factor aglutinante da sociedade e do espaço urbano, tendo a nível internacional contribuído para a identificação e legalização do território. Desde o período da formação da feitoria que os missionários católicos acompanhavam os portugueses, radicando-se no próprio local.

O poder episcopal e o das ordens religiosas abrangia não só o domínio espiritual, mas também o temporal. A Igreja era detentora de grande número de propriedades e bens, entre elas a ilha Verde — dos Jesuítas; e a ilha da Lapa ou dos Padres — dos Jesuítas e Agostinhos; e era, sobretudo, a condutora das populações.

Nem sempre, porém, foi pacífica a partilha do poder e a definição do campo de acção entre o bispado e as estruturas civis.

O poder da Igreja ultrapassava muitas vezes o domínio religioso, ingerindo-se na própria governação, sendo essa interferência na esfera civil perfeitamente legal, visto que o bispo era designado, pelos estatutos da Cidade, como possível presidente do Senado. O Senado e a Igreja interferiam no Governo local e, muitas vezes, aquele orgão ficou na dependência económica da Diocese ou das Ordens Religiosas, a quem se via obrigado a solicitar empréstimos.

Apesar do século XVII ter sido em Macau, no âmbito português, um período de crise de autoridade, a Igreja continuou a ser a estrutura mais estável e o Senado aquele que teve aceitação prática perante as hierarquias chinesas, as quais inversamente viram os seus poderes reforçados.

2.4 — Administração e governo da cidade: sua evolução O Senado respondia, em última instância, perante a hierarquia portuguesa, desde o capitão-mor da Viagem do Japão ao vice-rei da Índia e ao Governo Central da Coroa. Na primeira metade do século XVII, deu-se a criação de uma estrutura governativa representativa do poder central — o governador, como representante do Governo Central. No entanto, apesar de definitiva, esta estrutura transformou-se num orgão de poder extremamente frágil, devido às sucessivas tensões entre o Governador e o Senado e, sobretudo, aos numerosos titulares que ocuparam o cargo durante períodos muito curtos19. Nem sempre, porém, as ordens e determinações de Lisboa e Goa — ou seja, o Governo Central e o Estado da Índia20 foram bem aceites e executadas pelo Senado que, realisticamente, se ajustou à realidade prática do Território, ocupado simultaneamente por Portugueses e Chineses. A comunidade chinesa que, a pouco e pouco,tinha ido crescendo, deu lugar, por isso, a que fosse colocada em Macau uma autoridade chinesa para lhe administrar justiça (o Tso-Tang ou mandarim, em 1736); autoridade que constitui o princípio da longa série de mandarins nesta Cidade, numa clara demonstração da existência, em Macau, de uma jurisdição mista. As incompatibilidades entre os governadores e o Senado assumiram, com o tempo, aspectos mais graves, tendo-se agravado a situação com as dissidências abertas entre as varias Ordens Religiosas, devido à célebre Questão dos Ritos21. Ao longo da História, o Senado foi, sem dúvida, a estrutura fundamental nesta complexidade e confluência de estruturas, adaptando a legislação portuguesa à dinâmica das relações locais com a comunidade chinesa e o Império, numa tentativa constante de conciliação de poderes. 2.5 — Relações comerciais, diplomáticas e/ou de dependência O comércio português no Extremo-Oriente baseava-se, principalmente, na troca de seda da China por prata em barra do Japão. Além destes dois produtos principais, vários outros eram negociados: damasco, almíscar, ouro, porcelanas, etc., adquiridos na China; e cobre, armas (espadas e lanças), objectos lacados, etc., adquiridos no Japão. As relações entre a China e o Japão estavam completamente cortadas, mas o comércio entre os dois países mantinha-se, indirectamente, através dos portugueses. Por um lado, Macau tinha uma função de apoio e abastecimento à rota portuguesa da carreira do Japão; por outro, desempenhava um papel importante no contexto local, sobretudo no âmbito das ligações comerciais entre o Japão e a China. Cantão era, na altura, o único porto por onde se fazia o comércio externo do Sul da China e, entre os estrangeiros, só os Portugueses estavam autorizados a frequentá-lo. Mas, mais do que um porto de saída, Macau era também o centro abastecedor da China, num contexto em que o comércio ilegal ou semi-oficial se tornara actividade rentável. Além disso, as ligações não se faziam só com os portos do mar da China e com a Ásia e a Europa, pois também se alargavam a outras zonas do Pacífico, onde se destacava o comércio regular com as Filipinas, desde o século XVI. Manila, por sua vez, no âmbito do Império Espanhol, ligava-se às Índias Ocidentais (América Central) através de uma longa rota — a carreira de Acapulco — por onde circulavam a prata e o ouro do México e do Perú. De Manila, os barcos traziam a Macau o arroz, os escravos indonésios e a prata do México e levavam, no regresso, artilharia de ferro e bronze, sedas, chá, pérolas, especiarias, sândalo, etc. Estes produtos eram obtidos nos diversos mercados abastecedores a que conduziam as rotas, a partir de Macau: o sândalo era adquirido em Solor e Timor, as pérolas na Indonésia e Ceilão, as especiarias em Malaca e o chá na China. Estabeleceram-se ainda outras carreiras, como as da Indochina, Timor, Malaca, Goa e até, por vezes, carreiras directas com Lisboa e com o Brasil.

Desta constante imposição de exigências (normativas e pecuniárias) por parte da China, decorrerão novos encargos tributários para a população de Macau, bem como o desenvolvimento de conflitos de vária ordem (políticos, religiosos, económicos, etc.). A fim de tentar ultrapassar tais situações, Portugal enviará três embaixadas a Pequim: uma em 1667, cujo embaixador era Manuel de Saldanha, outra em 1726, dirigida por Alexandre Mettelo de Sousa e Menezes e a terceira, em 1752, chefiada por Fr. Assis Pacheco de Sampaio, as quais também serão infrutíferas.

Esta situação irá manter-se até à afirmação de uma dominação colonial efectiva, o que acontecerá somente com o governador Ferreira do Amaral (1846 - 1849), o qual beneficiou de uma conjuntura internacional favorável e da dependência externa — principalmente em relação à Inglaterra — originada pela derrota militar da China, na Guerra do Ópio22.

A partir dos finais do século XVIII, por seu turno, a cidade começara a crescer, não só através de constantes assoreamentos, que, natural ou artificial mente, lhe deram uma maior extensão territorial, como do incontrolável afluxo de gentes — oriundas da China, na sua maioria tornando-se cada vez mais populosa e modificando-se completamente.

2.6 — Conclusão

Macau foi o primeiro entreposto permanente entre o Ocidente e o Oriente: a princípio quase só comercial e, no decurso dos anos, cultural e religioso.

Macau permaneceu como único porto do litoral da China franqueado à navegação internacional até ao fim da Guerra do Ópio (1839 — 1842), quando foram abertos às potências estrangeiras os cinco portos do tratado23 — Cantão, Amói, Fuchau, Ningpó e Xangai — e cedido o de Hong Kong aos ingleses, em 29 de Agosto de 1842. Em 1858, pelos Tratados de Tientsin24 — confirmados somente em 1860, pela Convenção de Pequim25 — a China foi obrigada, pode dizer-se, a entrar no concerto europeu das nações, ou seja, a integrar-se em termos de igualdade na comunidade das nações.

Macau podia, enfim, fazer-se ouvir directamente em Pequim, sem a mediação deformadora das autoridades de Cantão. A Coroa portuguesa procurou, então, conseguir a definição de um estatuto jurídico-político para o território de Macau, através da assinatura de um Tratado com a China. É assim que, em 1862, é assinado um Tratado de Amizade e Comércio entre Portugal e a China, mas que nunca chegou a ser ratificado. Continuava, assim, a fazer-se sentir a necessidade da definição de um estatuto definitivo para Macau e, finalmente, em 1887 é assinado um segundo Tratado com a China, esse sim ratificado em 1888; tratado esse no qual é reconhecido, pela China, o nosso domínio em Macau, isto é, foi garantida a Portugal a posse definitiva do território de Macau.

Doação, pagamento do foro do chão ou usurpação territorial, o que é certo é que a situação de Macau se perpetuou por mais de quatro séculos e os Portugueses — que se fixaram em Macau desde o século XVI — aqui desenvolveram formas de admi nistração e de soberania claramente portuguesas, que vão desde a organização do poder municipal — o Senado da Câmara, posteriormente designado por Leal Senado — ao judicial (1587) e poder central (inicialmente, com o capitão-geral e, depois, o governador).

Ora, terá sido precisamente a existência de legitimidades jurídico--institucionais paralelas, em Macau, que permitiu a manutenção desta situação, assim como a coexistência e convivência seculares entre Portugueses e Chineses, decorrentes do entendimento, ora tácito ora explícito, entre os dois povos.

Macau foi, pois, durante muito tempo, o ponto de encontro entre duas civilizações distintas; mais ainda, entre dois mundos diversos.

28. Numa carta de Rui de Brito Patalim a Afonso de Albuquerque, lê-se que "chegaram os embaixadores del-rey de Sião com António de Miranda", confirmando assim o envio daquele embaixador. É curioso que, depois de se referir ao bom acolhimento por ele dado a esta embaixada, o dito capitão de Malaca refere-se a uma carta escrita por Afonso de Albuquerque ao rei do Sião, em que aquele lhe prometia a "governança de Malaca". A isto ele terá respondido que "aquilo seria, se sua ajuda viera antes da tomada de Malaca"29. Ora, parece poder concluir-se que Afonso de Albuquerque terá procurado obter o apoio do rei do Sião, o qual reclamava suserania sobre Malaca. A ocupação de Malaca não terá sido contestada pelo rei do Sião, provavelmente pelo facto de este rei andar em guerras constantes com Chiangmai, defendendo a fronteira norte, não lhe interessando, portanto, uma outra guerra com os Portugueses30. Também Gaspar Correia relata o envio de mensageiros do "rei de Siam" (em 1514), vindos a Goa por terra, "pedindo ao Governador confirmação de amizade e seguro para suas navegações irem tratar a Malaca e por todas partes". Estes embaixadores trouxeram-lhe uma carta de um certo Manuel Fragoso que, nesta altura, se encontrava no Sião "tratando cousas do feitor de Malaca". Aquele fora incumbido de ficar no Sião para preparar um relatório sobre o seu comércio, os seus usos e costumes e as condições dos seus portos31. Por seu lado, Albuquerque refere o envio deste mesmo Manuel Fragoso com António de Miranda ao rei do Sião, para lhe fazer um livro de todas "as cousas, mercadorias... da terra". Segundo alguns autores, o livro foi trazido e entregue a Afonso de Albuquerque na cidade de Goa, em Janeiro de 1514, onde encontrou também embaixadores dos reis de Pegú e Sião; juntamente, Manuel Fragoso trazia uma carta de Rui de Brito, capitão da fortaleza de Malaca, "em que lhe dava conta do estado dela"32. Numa outra carta ao rei D. Manuel, de Agosto de 1518, o capitão de Malaca, Afonso Lopes da Costa, dá-nos a indicação de que será enviado, ao Sião, Duarte Coelho, da qual "hida se espera muyto proveito, e todo boom conçerto, porquanto estava descontente desta cidade". Segundo a mesma carta, este descontentamento dera-se pelo facto de Jorge de Brito — anterior capitão de Malaca — ter mandado queimar Quedá, que pertencia àquele rei33. Conta, depois, que o rei do Sião fora senhor de Malaca e "é o mayor que nestas partes ha", possuindo muitas riquezas e "muito grande abastança de mantimentos, que agora he a principal mercadoria para esta cidade"34. Por aqui se vê o quanto conviria aos Portugueses investir nas boas relações com este Reino. A dita embaixada parece ter resultado, pois João de Barros refere precisamente que, em 1518, D. Aleixo de Meneses enviou Duarte Coelho ao Sião — que já lá fora com António de Miranda — sendo os Portugueses, mais uma vez, muito bem recebidos35. Ora, alguns estudiosos concluem que terá sido, por esta altura, efectuado o primeiro tratado luso-siamês, talvez baseados no bom acolhimento e no espírito de tolerância religiosa demonstrados pelo rei siamês Rama Thibodi II36. O próprio cônsul de Portugal no Sião, António Feliciano Marques Pereira, no seu "Relatório de 1881" diz, explicitamente, que, com a embaixada de Duarte Coelho, em 1518, é assinado o primeiro Tratado de Amizade e Comércio entre Portugal e o Sião37. Por seu lado, Hutchinson diz também que, em 1516, foi assinado o 1. ō tratado entre "o Sião e um estado ocidental", tendo Portugal obtido permissão para "comerciar em Ayudhya e outros portos no Sião"38. Ao mesmo se refere Wood, dizendo que por este tratado era permitido aos Portugueses não só residirem como negociarem em "Ayutia, Tenasserim, Mergui, Patani, Nakȯn on Sritàmmarat(Ligor)"39. Vemos, pois, que a política iniciada por Afonso de Albuquerque procurando estabelecer boas relações com os reinos vizinhos de Malaca, tivera por objectivo conseguir que os Portugueses pudessem comerciar em paz, naquela região. O Sião, país agrícola, necessitava de comércio; por outro lado, tinha muitas riquezas que atraíam a cobiça dos outros povos. A isso se referem as crónicas e documentos da época. Duarte Barbosa, ao descrever o reino do Sião, diz que é "um mui grande reino que chamam de Anseão" e cujo rei é "mui grande senhor". Indica as principais riquezas desse Reino e faz referência aos bons portos de mar que detém, que vão "desta costa até à outra que de Malaca vai contra a China". Chama especialmente a atenção para as cidades de Tenasserim e Quedá, cuja pimenta levam para Malaca e China40. Tomé Pires começa por dizer que o mesmo tem muitos e bons portos e muitos mercadores estrangeiros. Enuncia as suas riquezas, nomeadamente os mantimentos que dantes iam para Malaca em "mais de 30 juncos por ano". No entanto, os Siameses não comerciavam directamente com Malaca, há mais de 22 anos, por causa da revolta do seu rei contra a sua sujeição (o qual era vassalo do rei do Sião)41. Numa carta de Rui de Brito Patalim — capitão de Malaca — aquele anuncia o bom acolhimento que dera aos embaixadores do Rei do Sião enviados a Malaca e chama a atenção para as riquezas do dito Reino, referindo-se, também ele, ao facto de que há muitos anos os Siameses não navegavam para Malaca42. João de Barros considera o rei do Sião como o segundo mais importante destas partes da Ásia, logo a seguir ao da China43. Fernão Lopes de Castanheda, depois de se referir à extensão de tal Reino e aos seus bons portos, enumera as suas riquezas, tais como: ouro, prata, benjoim, lacre, estanho, almíscar, e muitos mantimentos44. Fernão Mendes Pinto, descreve a "grandeza, abastança, riqueza e fertilidade... do reyno de Sião e imperio Sornau"45. Aquele também fala do Sião como um lugar onde os comerciantes portugueses procuravam refúgio e passavam o Inverno, por causa da monção de nordeste, que tornava a navegação difícil e perigosa no mar da China46. De notar que a política de boa vizinhança que os Portugueses desenvolveram com o Sião, teve várias motivações: a dependência de Malaca do arroz e víveres que lhe vinham do Sião; o desconhecimento geral do poderio militar e naval dos Siameses; e, mesmo, procurar não arranjar mais um adversário militar na região. 2 — Fixação dos Portugueses no Sião De todas as nações europeias, os Portugueses foram os primeiros a chegar ao Sião. Os Portugueses trouxeram para o Sião, fundamentalmente, três coisas: avanços na tecnologia e técnica militar, arte e técnica da guerra moderna e a edificação de fortificações defensivas47. Desde os primeiros contactos entre Portugueses e Siameses, a perspectiva de ajuda militar terá desempenhado, assim, um papel muito importante nas relações entre o Sião e as autoridades portuguesas no Oriente, que, em troca desta ajuda, procuraram garantir a disposição favorável deste importante reino da Ásia do Sueste em relação à sua permanência na região. Os Portugueses comprometiam-se a fornecer armas e munições; o rei do Sião, por seu lado, deveria dar aos Portugueses facilidades para se estabelecerem e comerciarem no Sião e concederlhes liberdade religiosa48. Nesta época, o rei do Sião, Rama Thibodi II, andava em guerra com Chiangmai, pelo que o pacto com os Portugueses foi vantajoso para aquele, pois o rei, com um número considerável de armas de fogo e um corpo auxiliar português, tomou a ofensiva contra Chiangmai e derrotou tão completamente as suas forças, em Lampang, que Chiangmai ficou quieto por alguns anos49. Terá sido, pois, na sequência da ajuda militar contra os Birmaneses, por várias vezes prestada pelos Portugueses aos Siameses, que lhes foi doado um terreno para nele se estabelecerem50. Nascia, assim, o Campo Português, no Sião. 2.1 — Mercenários e aventureiros Entre 1516 e 1538, muitos Portugueses se estabeleceram no Sião. Em 1516, por exemplo, Manuel Falcão estabeleceu uma feitoria em Patane, um reino malaio, na costa Leste da península, o qual estava debaixo do domínio siamês51. O rei Borommaracha IV, governou o Sião entre 1529 e 1533, foi deposto por seu tio, rei Pràjaio (1534 - 1546), que assim ascendeu ao trono. No tempo deste rei, o número de portugueses no Sião aumentou consideravelmente e, em 1538,120 deles formavam a guarda pessoal do rei e instruíam os Siameses no uso de armas de fogo europeias. Os artilheiros eram incorporados na hierarquia militar como "especialistas em artilharia" com títulos oficiais relevantes52. Este rei terá sido convertido ao Cristianismo, em 1544, por um mercador português, António de Paiva, que o baptizou (com o nome de D. João) e à sua família53. Fernão Mendes Pinto também se refere a uma embaixada enviada pelo capitão de Malaca, Pero de Faria, em 1540, que tinha por fim libertar um tal Domingos de Seixas, que estava cativo no Sião há 23 anos, tendo sido enviado por embaixador Francisco de Castro, que foi muito bem recebido pelo rei do Sião e atendeu o pedido do rei de Portugal, D. João III, entregando-lhe Domingos de Seixas e mais dezasseis portugueses que lá estavam cativos54. Este Domingos de Seixas encontrava-se em Tenasserim, em 1523, para comprar víveres para a fortaleza portuguesa de Pacém, onde foi aprisionado com mais 16 portugueses que também aí se encon-travam. Segundo Barros, foram levados ao rei do Sião que os terá colocado na armada siamesa, em virtude dos seus conhecimentos de artilharia, tendo participado nas guerras deste rei com os seus vizinhos. Domingos de Seixas terá sido mesmo nomeado capitão das tropas reais, transformando-se assim, pela força das circunstâncias, num verdadeiro "soldado da fortuna"55. Em 1545 e 1546, o rei siamês Phrachai (ou Pràjaio), envolveu-se novamente em sérias hostilidades com Chiang Mai, utilizando os serviços de mercenários portugueses na campanha contra Chiangmai. Os Portugueses combateram como mercenários contra Burma com tão bons resultados que o rei lhes deu privilégios comerciais e de habitação56. É de notar que pelo lado do rei de Burma também havia Portugueses a combater. Naqueles tempos os Portugueses, como verdadeiros "soldados da fortuna", combatiam quer por uns quer por outros. Após o assassinato do usurpador, o rei Chairacha (ou Prachai), sobrevém um período de grande instabilidade interna, no Sião, e, em 1548, sobe ao trono um meio-irmão daquele rei, com o nome de Chakkraphat. Em 1549, o rei da Birmânia invadiu o Sião e cercou Ayuthia. A capital foi defendida por Portugueses, sendo estes perto de 50, cujo capitão era Diogo Pereira, um mercador que, na altura, se encontrava em Ayuthya com uma nau sua para aí comerciar57. Vemos, pois, que os Portugueses foram muitas vezes forçados a pegar em armas, mesmo sendo simples mercadores, não só para serem agradáveis aos reis, mas até para defenderem os seus bens e as suas vidas. Em 1569, o rei da Birmânia voltou ao ataque e conquistou o Sião e Chiangmai, colocando no trono Maha Tammaracha, como rei de Ayuthia, que se tornou um estado vassalo daquele. Os Cambojanos aproveitaram-se desta situação e invadiram o Sião, por várias vezes. Estas espoliações que os Siameses sofreram às mãos dos Khmers, levaram os Birmaneses a permitir o reforço da sua armada e fortificações. Em 1580, as muralhas de Ayuthia — que só em 1550 tinham sido substituídas por tijolos, com a ajuda dos Portugueses — foram desmanteladas e reconstruídas ainda mais fortes do que dantes58. Em 1584, o príncipe Naressuan (o Príncipe Negro, como era chamado) sacudiu o jugo da Birmânia e repeliu os invasores, resistindo aos ataques efectuados pelos Birmaneses a Ayuthia, em 1586 - 87 que iriam culminar na batalha de Nong Sarai, em 1593, que consolidou a independência do Sião face a Burma59. O rei Thammaracha (1569 - 1590) continuara a utilizar a compra de canhões aos estrangeiros. Deste modo, quando o rei Naresuan (1590 - 1605) iniciou as suas campanhas para a consolidação política do reino do seu pai, após a bem sucedida restauração da independência do domínio de Burma, a real armada siamesa já estava bem treinada no uso das armas de fogo nas suas operações militares60. O rei Naresuan invadiu o Camboja, em 1594, fazendo vários prisioneiros espanhóis e portugueses, em Lowek, que estavam ao serviço deste rei, entre eles Diogo Veloso. No Sião, para onde os prisioneiros foram conduzidos, este Diogo Veloso consegue obter a confiança do rei Naresuan e, em fins de 1594, parte para Manila com um embaixador siamês, com o pretexto daí adquirir armas, tendo conseguido desembaraçar-se do referido embaixador, em Malaca, retomando o seu serviço ao rei do Camboja61. De notar a grande confiança que muitos governantes depositavam nestes mercenários, o que lhes permitia, nalguns casos, uma rápida ascensão na hierarquia militar e política destes Estados; noutros, a aquisição de benefícios comerciais para aqueles mercadores que, eventualmente, pegaram em armas pelos reis siameses (e outros). Ora, vejamos o que diz a "Carta de Martim Afonso de Melo de Castro a El-Rei" (Goa,12 de Dez. de 1565): "Sabera V. A. que na China e em Pegu e em Bemgalla e em Orixa e no Sião, que amdão fora de serviço de V. A. estes todos perdidos mais de dous mil homens, por não terem na India nenhum remedio de vida, e houtros muitos que se botão com os mouros e se fazem mouros"62. É sabido que, nesta época, muitos portugueses que tinham ido para "as partes da Índia" à procura de fortuna, não achando aí o que lhes conviesse, espalharam-se por todo o Oriente, em busca das riquezas sonhadas. Eram aventureiros, comerciantes, mercenários, ao sabor das circunstâncias e das exigências dos locais por onde iam passando. Cremos que foi o que sucedeu no Sião. 2.2 — Missionários Durante o século XVII surgiram vários atritos a turvar o ambiente local e, entre eles, os de ordem religiosa. Exemplifiquemos alguns desses casos. Os dominicanos portugueses frei Jerónimo da Cruz e Frei Sebastião do Canto, foram os primeiros religiosos no Sião, mandados pelo vigário de Malaca, P. Fr. Fernando de St.ḁ Maria, em 156663. Os mouros do Sião mataram o P. Fr. Jerónimo e feriram o seu companheiro, que foi socorrido pelos portugueses que aí residiam. O rei do Sião, quando soube do sucedido, mandou castigar os culpados, tendo o P. Sebastião intercedido por eles, junto do Barcalão. Ficou, pois, no Sião, o P. Sebastião do Canto, tendo sido favorecido pelo rei Chakkraphat após estes acontecimentos, levando de Malaca mais dois religiosos desta Congregação, para o ajudarem. Também aqueles três religiosos foram mortos, em 1569, pelos birmaneses, quando do cerco de Ayuthia por estes. A pedido do vigário de Malaca, Fr. Fernando, o vigário-geral dos Dominicanos em Goa, Fr. Francisco de Abreu, enviou outros religiosos ao Sião, entre 1569 e 1573, durante a guerra que levou o Sião à dependência da Birmânia (1569 - 1590), obrigando-os, por este motivo, a regressar64. O sucessor do rei Tammaraja, Phra Naret Suem (1590 - 1605), revoltou-se contra o jugo birmanês. Quando o rei Naresuan (ou Phra Naret Suen) invadiu o Camboja, tomando Lowek, em 1594, levou prisioneiros, para Ayuthia, entre eles os dominicanos portugueses, P. Fr. Silvestre, que já estava no Camboja, e, ainda, os padres Fr. Jorge da Mota e Fr. Luís da Fonseca, que tinham chegado há pouco tempo para a Missão do Camboja. Aquele padre, Fr. Jorge da Mota, caiu nas boas graças do rei do Sião, que a seu pedido, libertou os portugueses, ficando os religiosos no Sião, donde escreveram, em 1599, ao vigário-geral da Congregação, P. Fr. Jerónimo de S. Domingos, expressando-lhe a vontade que este rei mostrava de os ter em sua companhia65. Com estes prisioneiros seguiram também os primeiros franciscanos portugueses a entrar no Sião: Fr. Gregório, Fr. António da Madalena e Fr. Damião da Torre. Contudo, no final de 1582, tinham sido destacados de Macau para o Sião, Fr. Agostinho de Tordesilhas e Fr. João Pobre, tendo estes regressado a Macau apenas passados dois meses, por doença do primeiro66. No entanto, tinham chegado a Macau franciscanos de Manila, em 1583, seguindo três deles para o Sião, Fr. Jerónimo de Aguilar, Fr. Francisco de Montilha e Fr. Diogo Jimenez, tendo os mesmos regressado a Manila ao fim de alguns meses, devido à invasão do Sião pelos Birmaneses. Em 1600, foi o P. Jorge da Mota mandado a Malaca como embaixador do rei do Sião, tendo vindo a falecer no mar. O P. Fr. Luís da Fonseca, que também soube ganhar as boas graças do rei, acabou por ser morto por hum mouro poderoso, mesmo na igreja, a 21 de Março de 160067. Entretanto, o rei Naresuan, após a pacificação do seu reino, vendo que, há dois ou três anos, os portugueses não iam ao Sião e atendendo ao interesse que tinha com o trato de Malaca e China, mandou uma carta a Malaca pedindo frades de S. Francisco, de preferência portugueses. Foi escolhido o P. Fr. André do Espírito Santo, o qual embarcou em Malaca com a embaixada que o capitão Fernão de Albuquerque mandava, em nome do rei de Portugal, ao rei do Sião68. Tendo sido bem recebido pelo rei, ali construiu uma igreja, vivendo vários anos no Sião. Parecem ter-se seguido, neste reino, os padres Fr. André de Santa Maria, como vigário, e Fr. António Madalena, da mesma ordem religiosa69. Em 1606, chegou o primeiro jesuíta ao Sião, o P. Baltazar Sequeira, mandado pelo provincial dos Jesuítas na Índia, P. Gaspar Fernandes, fundando ali a primeira residência dos Jesuítas70. Em 1625, os padres jesuítas Pedro Morejon, António Cardim e o japonês P. Romão Nixi, foram de Macau ao Sião, onde chegaram em Março de 1626. Para superior da Missão foi enviado, de Malaca, o P. Júlio César Margico, em 1627. Mas, tendo recomeçado os incidentes entre Espanhóis e Siameses, em 1628, agravados com a própria instabilidade interna no Sião, que se seguira à morte do rei Songtam, os missionários viram-se obrigados a retirar71. Foram, ainda, mandados para a Missão do Sião, os padres Fr. José de Santa Maria e Fr. Simão dos Anjos, nascidos na Índia, morrendo o primeiro na viagem. Seguiram-se-lhes os padres Fr. João de S. Gonçalo, para vigário, e o P. Fr.Francisco da Fonseca. Nos anos seguintes, seguiram-se-lhes outros religiosos, aumentando a cristandade do Sião, onde se recolheu muita gente, após a perda de Malaca, pelo que o vigário Pe. Fr. Luís do Rosário, levantou outra igreja, em que também assentou a Confraria do Santíssimo Rosário72. Em 1655, o visitador da Companhia dos Jesuítas, P. Sebastião da Maia, enviou de Macau ao Sião, o P. Tomás Valguarnera, a pedido dos cristãos japoneses, fundando assim a segunda residência dos Jesuítas (1655 - 1709). Em 1659, fora mandado de Macau ao Sião, o P. João Cardoso, tendo missionado em Tenasserim até fins de 1663, indo depois para Ayuthia, como superior da Missão do Sião. Sucedeu-lhe o P. José Tissanier, que ali chegara com os padres André Gomes, português, e Pedro Albeir, francês, em 166473. Em 1675, sucedeu-lhe como superior o P. Valguarnera, que ali chegara vindo de Macau. Tendo este padre falecido em 1677, sucedeu-lhe como superior o P. João Baptista Maldonado, até 1691 (que viera de Macau para o Sião, em 1673). Em 1691, o visitador dos Jesuítas, Fr. Aleixo Coelho, chegou a Ayuthia ido de Macau, apontando Fr. António Dias como novo superior. Seguiu-se-lhe Fr. Gaspar da Costa, que esteve sozinho desde 1703 até à sua morte, em 170974. Surgida a Sociedade das Missões Estrangeiras de Paris, iria a mesma interferir nas zonas em que o direito de Padroado Português se fazia sentir, contestando o nosso direito de Padroado sobre o Tonquim, Sião, China, Cochinchina, etc. O diferendo tornou-se particularmente violento, quando surgiu a ideia de a Santa Sé nomear vigários apostólicos dependentes apenas do Papa e não de qualquer padroeiro75. Portugal protestou, mas dada a situação de inferioridade em que se encontrava — a Santa Sé não lhe reconhecera a independência em 1640 e só o faria em 1668 — a sua voz não foi ouvida e, em 1658, foram nomeados os primeiros vigários apostólicos para superintenderem nas missões de Tonquim e da Cochinchina, assim como dos países vizinhos76. Após vários conflitos foi abolida a jurisdição portuguesa sobre o Sião. Como os missionários da Congregação da Propaganda Fide eram protegidos pelo rei Phra Narai e pelo seu ministro, Constantino Phaulkon, a partir dessa altura, Portugal viu diminuída a sua influência, no Sião. 3 — Relações comerciais, diplomáticas e/ou religiosas Apesar de tudo, os contactos entre os dois povos irão continuar. O rei do Sião, Ekathotsarat (1606 - 1620), logo que subiu ao trono, após a morte do seu irmão (rei Naresuan), escreveu ao vice-rei da Índia, D. Aleixo de Menezes, pedindo o reatamento das relações comerciais. O comerciante Tristão Golaio, então em Meliapor, dirigiu-se ao Sião, levando com ele o padre jesuíta Baltasar Sequeira77. Em 1616, chegou a Goa uma embaixada do rei Songtam, do Sião. Em retribuição, o vice-rei D. Jerónimo de Azevedo enviou um embaixador, Fr. Francisco da Anunciação, religioso dominicano, que já lá residira muitos anos, recomeçando o comércio entre Portugueses e Siameses, assim como a entrada de religiosos78. A fim de não retardar as negociações relativas ao comércio de Malaca, o P. André Pereira, S. J. — que fora reitor do Colégio de Malaca, de 1608 a 1609 — foi enviado a Ayuthia, em 1619, para discutir o tratado de paz com o rei do Sião, juntamente com o visitador da diocese de Meliapor, Constantino Falcão, e Gaspar Pacheco de Mesquita, um casado e morador em Cochim79. Entretanto, cessara não só o comércio mas também a entrada de missionários no Sião, por acção dos Holandeses e Ingleses. No entanto, as relações comerciais e não oficiais parecem ter continuado até 1633. Em 1630, a antiga dinastia do Sião (Maha Tammaraja) foi substituída pela nova dinastia de Prasattong (1630 - 1655). O Sião estava em guerra com Portugal — uma herança do rei Songtam, por causa do aprisionamento de um navio holandês pelos Portugueses — tendo, então, o rei Prasattong enviado uma carta ao governador das Filipinas (de notar que Portugal estava debaixo do domínio filipino — (1580- 1640) expressando o desejo de reatar as relações de amizade com os Portugueses80. Com a chegada de um enviado português a Ayuthia, em 1633, terminou oficialmente a guerra entre os dois países. Em 1636, o rei do Sião mandou uma embaixada ao governador das Filipinas, retribuindo a visita do enviado português. Em 1639, o governador de Macau, D. Sebastião Lobo da Silveira, enviou um embaixador aquele reino, hum cazado e morador de Maccao, Francisco de Aguiar Evangelho, que trouxe novamente o reatar das relações comerciais como o pedido de religiosos, da parte do rei do Sião. O vigário da casa de Macau, P. Fr. António de S. Domingos, decidiu ir com Fr. Jacinto Ximenes e na companhia daquele embaixador, ao Sião, onde chegaram em 1640. Mais uma vez, houve oposição da parte de alguns ministros siameses, induzidos pelos Holandeses, e, principalmente, por um chincheo81. Vemos, pois, que outros povos europeus começaram a interessar-se por esta região. Como consequência, surgiram rivais estrangeiros no Sião, durante o século XVII, tais como os Holandeses, depois os Ingleses e, mais tarde, os Franceses. Vejamos alguns dos principais aspectos dessas rivalidades. As relações entre o Sião e a Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC) tinham começado em 1604 e, desde então, a influência dos Portugueses no Sião começara a declinar, tal como na Índia e Malásia, quando outras nações ocidentais apareceram em cena82. Em 1612, chegaram os Ingleses a Patane, onde abriram uma feitoria, seguindo para Ayuthia onde foram recebidos pelo rei Song Tham; aqui, também a Companhia Inglesa das Índias Orientais (EIC) fundou outra feitoria83. Os Dinamarqueses vieram em 1621, mas só comerciavam em Mergui, não estabelecendo nenhuma feitoria em Ayuthia. Em 1641 deu-se a queda de Malaca, passando, definitivamente, a hegemonia comercial dos Portugueses para os Holandeses. Em 1660, por seu turno, os Portugueses foram expulsos de Macassar pelos Holandeses. Em consequência, nos princípios de 1661, mais de duzentos portugueses tinham partido não só para Macau e Timor, como para o Sião, nos navios de Francisco Vieira, rico mercador que por aí negociava. Em Junho do mesmo ano, mais cento e dez portugueses embarcaram, numa nau holandesa, para o Sião e outras localidades84. Em 1662, chegaram os missionários franceses, que foram bem recebidos pelo rei Phra Narai (1656 1688). Embora os Franceses evidenciassem interesse pelo comércio do Sião, só em 1680 é que chegou a Ayuthia a primeira embaixada do rei D. Luís XIV, iniciando-se as relações comerciais entre os dois reinos85. O rei Narai ter-se-á virado para os Franceses, para tentar diminuir a influência dos Holandeses no Sião, visto estes serem inimigos na Europa, onde se combatiam mutuamente. Em 1683, foi de Macau ao Sião, um embaixador do rei de Portugal, Pedro Vaz de Sequeira, solicitando ao rei Phra Narai protecção para os seus missionários. Sem resultado algum86. Em 1686, foi à cidade de Macau a nau Águia Real do rei do Sião, com uma carta de Constantino Falcão na qual pedia isenção de direitos para as fazendas do rei87. A 28 de Agosto de 1686, reuniu-se o Senado para deliberar sobre o pedido de Falcão. Aquele resolveu cobrar os direitos dessas fazendas, como se cobravam aos barcos dos moradores locais, pois no Sião os de Macau também pagavam direitos88. A 20 de Junho de 1687, reuniu-se novamente o Senado com o capitão-geral António de Mesquita Pimentel, para deliberar sobre a entrada no porto de Macau de dois navios de guerra siameses, que tinham ido ao Camboja para expulsar de lá os piratas chinas, trazendo consigo alguns, que fizeram prisioneiros. O Senado deliberou não os admitir no porto para evitar mais problemas com os mandarins89. No ano seguinte (em 1688), o Senado discutiu a hipótese de mandar um "Barco ao Reino de Siam", por causa da morte do seu Rei, porque "necessita esta Cid. da amizd., e trato com o sobred. ō Reino [...] e as obrigaçoens, q. a Nacão Portugueza lhe deve, principalm. esta Cid."90. O rei Phra Narai, do Sião, em 1670 fizera um empréstimo ao Senado de Macau, a pedido deste, por se encontrar esgotado de recursos. Mas a situação de Macau era tal — devido ao aumento constante da pressão mandarínica (rapinas, exigências de dinheiro, etc.) — que o pagamento desta dívida arrastou-se por longos anos, em amortizações sucessivas, sendo finalmente paga a última prestação, em 172291. Após a destruição de Ayuthia (1767), Pya Taksin conquista o pequeno porto de Thonburi, na margem Oeste do rio Chaophraya (Menam), onde fixará a capital. Tendo estabelecido a sua base, lança-se à conquista de várias localidades, tentando restabelecer a autoridade central, através da submissão de ri-vais. Aos portugueses que combateram a seu lado, ter-lhes-á dado um terreno na nova capital, em 1768, onde se fixaram, construindo uma igreja (Igreja de Santa Cruz de Thonburi)92. Com a subida ao poder do rei Rama Thibodi I (1782 - 1809) — que deu início à dinastia Chakri, no Sião — a capital é transferida para Banguecoque, um pouco abaixo de Dhonburi, na margem Leste do rio Chao Phya (Menam). Durante o seu reinado, terá sido oferecido ao governo da Índia, terreno para estabelecer uma feitoria tal como nos relata o cônsul de Portugal no Sião, António Feliciano Marques Pereira, no seu relatório de 1 de Março de 188193. O que parece não ter vindo a concretizar-se por oposição da Sagrada Congregação da Propaganda, bem implantada no Sião, nesta altura. Segundo outros, os portugueses e seus descendentes fixaram-se em Banguecoque, num terreno doado pelo rei siamês (em 1786) que foi chamado "Campo do Rosário", construindo aí uma igreja (Igreja de Nossa Senhora do Rosário)94. Após a destruição de Ayuthia, porém, o Sião entrou num período de revoluções e de guerras que se prolongaram por mais de quarenta anos. Por seu turno, na Europa, sucederam-se a Revolução Francesa e as Guerras Napoleónicas, que também tiveram os seus reflexos em Macau (nomeadamente, com a ameaça inglesa). Como consequência, ficaram interrompidas as relações do Sião com os povos europeus95. Será já no século XIX que se irão reatar as relações entre Macau — e, consequentemente, Portugal — e o Sião. 4 — Conclusão Os Portugueses não foram os primeiros Europeus a chegar ao Sião, pois outros já lá tinham estado, tais como: Marco Polo que, em 1292, visitou a parte Sul do Sião; o veneziano Nicolo di Conti, também aí chegou, por volta de 1430. Mas foram os Portugueses os primeiros a chegar a Ayuthia e a estabelecer relações oficiais com o reino siamês. Paris, Presses Universitaires de France,1958, pp.38/9.

62 António da Silva Rego, Documentação para a História das Missões do Padroado Português no Oriente — Índia, vol. IX, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar,1953, p.539.

63 Idem, ibidem, vol. VII, p.458.

64 P. Manuel Teixeira, Portugal na Tailândia, Macau, Imprensa Nacional,1983, p.281.

65 António da Silva Rego, Documentação para a História das Missões do Padroado Português no Oriente, Índia, vol. VII, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar,1952, p.416.

66 Fr. Paulo da Trindade, Conquista Espiritual do Oriente, III parte, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos,1967, p.439.

67 António da Silva Rego, Documentação para a História das Missões do Padroado Português no Oriente — Índia, vol. VII, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar,1952, p.461.

68 Fr. Paulo da Trindade, Conquista Espiritual do Oriente, III parte, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos,1967, p.440.

69 Idem, ibidem, p.464.

70 António da Silva Rego, Curso de Missionologia, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar,1956, pp.584

71 Father P. Cerutti, The Jesuits in Thailand, s. l., s. d., pp.3/4.

72 António da Silva Rego, Documentação para a História das Missões do Padroado Português no Oriente — Índia, vol. VII, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar,1952, p.465/6.

73 P. Manuel Teixeira,"A Missão Portuguesa no Sião" in Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, vol. LX, n.º 696, Abril de 1962, p.338/9.

74 António da Silva Rego, Curso de Missionologia, Lisboa, Agência Geral do Ultramar,1956, p.584.

75 António da Silva Rego, Lições de Missionologia, Lisboa, Estudos Cienc. Polit. e Soc., n.º 56,1961, pp.174/5.

76 Idem, ibidem, p.175.

77 W. A. R. Wood, A History of Siam, Banguecoque, The Siam Barnavich Press,1933, p.159.

78 António da Silva Rego, Documentação para a História das Missões do Padroado Português no Oriente — Índia, vol. VII, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar,1952, pp.462/3.

79 P. Manuel Teixeira,"A Missão Portuguesa no Sião" in Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, vol. LX, n.º 696, Abril de 1962, p.330.

80 Rong Syamananda, History of Thailand, Banguecoque, Taiwatana Panich,1990, p.70.

81 António da Silva Rego, Documentação para a História das Missões do Padroado Português no Oriente — Índia, vol. VII, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar,1952, pp.463/4. Este chincheu era um mouro poderoso, o qual expôs ao Barcalão os grandes danos que, segundo ele, os padres faziam ao Reino, com a conversão dos Siameses, tendo aquele mandado pôr espiões na Igreja.

82 Ronald Bishop Smith, Siam or The History of the Thais from earliest times to 1596 A. D, Bethesda-Maryland, Decatur Press,1967, pp.31/2.

83 Idem, ibidem, pp.37/8.

84 Charles Boxer, Francisco Vieira de Figueiredo e os Portugueses em Macassar e Timor na Época da Restauração (1640 - 1668), Macau, Escola Tipográfica do Orfanato Salesiano,1940, p.16.

85 Rong Syamananda, History of Thailand, Banguecoque, Taiwatana Panich,1990, p.77.

86 Fr. José de Jesus Maria, Ásia Sínica e Japónica, vol. II, anotada por Charles Boxer. Macau, Instituto Cultural/Centro de Estudos Marítimos de Macau,1988, p.103. E este mesmo Pedro Vaz de Siqueira que, segundo Bryan Souza, foi escolhido pela Coroa e pelo Senado de Macau, para agir como emissário de Macau para o Sião, sendo comercial o principal objectivo da sua missão (mas não conseguiu obter o apoio siamês). Cf. George Bryan Souza — A Sobrevivência do Império: Os Portugueses na China (1630 - 1754), Lisboa, Publicações D. Quixote,1991, p.63.

87 "Termo, e assento feito em Junta de homens bons, sobre a Nao e fazenda de El-Rei de Siam, que nesta Monção veio a esta Cidade", in A. M.,2.ḁ Série, vol. I, n.º2, Fev./Março,1941, pp.73/4.

88 In ibidem, p.73.

89 "Termo, e assento feito em Junta de homens bons e do Cap. G. desta Cidade, sobre duas Naos, que aportarão a estas Ilhas, que disserão serem de El-Rei de Siam, que de Guerra forão ao Porto de Camboja", in A. M., 2.ḁ série, vol. I, n.º 3, Abril/ Maio,1941, pp.153/4.

90 "Termo, e assento feito em Junta de Homens bons, sobre se convém mandar Barco ao Reino de Siam, em razão das Revoluções do dito Reino, e novo Rei", in A. M., 2.ḁ série, vol. I, nō 5, Set./Out.1941, p.275.

91 "Carta que a Cidade escreveo p. Siam no anno de 1720", in A. M.. Vol. I, N.º 3, Agosto de 1929, p.151.

92 Joaquim de Campos,"A Feitoria de Sião (II)", in Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, ano XXXV, n. ī 410, Maio de 1938, p.872.

93 In A. H. M. — Adm Civil, caixa n.º 6 — Proc. n.º 296 — "Relatório do Cônsul de Portugal em Sião, António F. Marques Pereira" (l de Março de 1881).

94 P. Manuel Teixeira,"A Missão Portuguesa no Sião" in Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, vol. LX, n.º 703, Novembro de 1962, p.931.

95 "Relatório do Oitavo Congresso de Medicina do Extremo Oriente, realizado em Banguecoque", in A. M., 4.ḁ série, vol. VII, tomos I e II, Jan./Dez.,1987, p. LXIV.

* Licenciada em História. Parte escolar (completa) do Mestrado em Estudos Luso-Asiáticos (variante de História) da Universidade de Macau. Bolseira da Fundação Oriente. Prepara a dissertação do Mestrado sobre o tema "Relações de Macau com o Sião".

desde a p. 38
até a p.