Imagem

INTRODUÇÃO

Luís Filipe Barreto

Em Macau, entre os dias 13 e 15 de Janeiro de 1994, decorreu o I Seminário Internacional de História e Cultura de Macau.

Esta feliz iniciativa do recém criado Instituto de Estudos Culturais de Macau promoveu o encontro de investigadores, portugueses e chineses, unidos pelo desejo de melhor conhecerem as realidades, social e cultural, de Macau no passado e no presente.

Durante três dias criouse um espaço de reflexão, de informação e de diálogo lusochinês. Um espaço de cooperação, cultural e científica, fundamental para o presente e o futuro de Macau e das relações entre Portugal e a China.

A vida multissecular de Macau é o encontro dos extremos do mundo, o lugar da coexistência, pacífica e benéfica, do Extremo Ocidente com o Extremo Oriente. Macau é geográfica e civilizacionalmente único. A sua singularidade assenta no facto de ser denominador comum entre as máximas diferenças e prova, durante mais de quatro séculos, de que a diferença, entre as sociedades e as culturas, pode unir a Humanidade.

Este microespaço tem uma historicidade e cultura tão ecuménica quanto local. Macau tem uma realidade tão regional, o Delta do Rio das Pérolas e a Ásia Pacífico, quanto universal, o encontro, primeiro e mais longo e contínuo, dos extremos Ocidental e Oriental.

Esta condição múltipla e singular desafia as metodologias e as racionalidades das ciências culturais. Nenhum outro espaço tão pequeno é tão múltiplo e internacional. Nenhuma outra cidade portuária, nascida do encontro Ocidente Oriente, tem uma vida autónoma tão longa.

A compreensão objectiva de Macau coloca problemas, teóricos e práticos, inovadores. Exige a capacidade de interrogar e mesmo de abandonar muito dos aparelhos tradicionais das ciências sociais.

O conhecimento verdadeiro da História e da Cultura de Macau obriga, logo à partida, ao comparativismo e à pluralidade. Macau exige uma história, uma antropologia, uma geografia comparadas e bilingues.

O conhecimento científico de Macau apenas é possível num quadro de bilinguismo portuguêschinês. São necessárias equipas lusochinesas de investigação comparada de fontes, de regiões, de modos de organização comercial, política e cultural.

O conhecimento desta realidade comum a Portugal e à China exige um mútuo conhecimento das línguas, culturas e mentalidades.

O que o I Seminário Internacional de História e Cultura de Macau veio mostrar é que existe um imenso espaço de investigação lusochinesa a criar e a desenvolver. Domínios como a História, a Geografia, a Sociologia, a Antropologia, o Direito, a Linguística e muitos outros exigem equipas lusochinesas de investigação e de ensino. Estão em causa quatro séculos de vida comum de sociedades e culturas radicalmente diversas que se conjugaram nesta pequena península chamada Macau.

Este I Simpósio veio mostrar que da parte dos criadores intelectuais portugueses e chineses existe vontade e trabalho para projectos comuns. Compete agora aos decisores políticos e institucionais criarem condições, no plano universitário, para que esta possibilidade e desejo se possam realizar. Da parte dos historiadores, dos arquivistas e dos investigadores em geral foi dado um primeiro passo decisivo, mas o caminho da cooperação lusochinesa não se faz só com a boa vontade dos intelectuais.

Para se compreender a História e a Cultura de Macau é necessário desenvolver quatro campos de investigação. Campos paralelos e relativamente autónomos mas, ao mesmo tempo, profundamente ligados e complementares.

É indispensável investigar as histórias, sociais e culturais, dos portugueses em Portugal e na diáspora pelo Atlântico, Índico e Pacífico ao mesmo tempo que se investigam as histórias, social e cultural, dos chineses do sul da China e em especial, do Delta do Rio das Pérolas. Por outro lado, é preciso investigar a história dos países e das regiões orientais que estabeleceram relações de antagonismo e/ou de cooperação com os portugueses muito em especial, a partir de Malaca/Insulíndia. A acentuação do estudo das relações internacionais Ocidente Oriente na Ásia Pacífico não deve fazer esquecer as relações dos portugueses e dos chineses com o Índico, os modos de concorrência e/ou colaboração com Goa, Ceilão, os Golfos Pérsico e de Bengala.

É também fundamental investigar as histórias naval e das relações internacionais, económicas e políticas do Pacífico, desde os Mares do Sul ao Japão, desde Malaca, Sião, Java até às Filipinas, China e Coreia. Finalmente, investigar o próspero microespaço de Macau acompanhando o seu pulsar demográfico, económico e sóciocultural, a sua configuração de porto a cidadeportuária e, com o passar dos séculos, a região e comunidade, autónomas, lusoasiáticas.

Desenvolver estas quatro áreas de investigação, da rede ao microespaço, e fazer as necessárias implicações e comparações é uma tarefa que exige colaboração e coordenação.

A História e a Cultura de Macau, porque assim o exige a própria realidade multissecular, é um projecto internacional. Um projecto de investigação só possível num quadro de cooperação, científica e cultural, lusochinesa e do Ocidente com o Oriente.

Compreender a vida social e cultural de Macau coloca um problema que é, ao mesmo tempo, de histórias local, regional, nacional e internacional. História das redes dos e entre os. pequenos e os grandes espaços marítimos, comerciais e culturais.

A dimensão internacional de Macau surge de imediato ao nível das fontes e dos arquivos. Existem materiais dispersos pela Europa e pela Ásia em línguas portuguesa, chinesa, japonesa, espanhola, italiana, etc.. A forte articulação com Macau e a Insulíndia coloca também em jogo a possibilidade de informação em línguas malaia, vietnamita, árabe, etc..

Conhecer a história e a cultura obriga à cooperação entre estes diferentes arquivos, bibliotecas, investigadores de modo a construirse um guia de fontes, manuscritas e impressas, para a História de Macau.

É um projecto de geração para uma equipa de historiadores, arquivistas e bibliotecários lusochineses em abertura a outros ocidentais e orientais.

Saber a História e a Cultura de Macau é, antes de mais, um projecto comum de investigação entre dois povos: os portugueses e os chineses. Mas é bem mais do que esta imensa riqueza porque envolve o Pacífico, o Índico e o Atlântico, o Ocidente e o Oriente.

A vida de Macau prova que a diferença pode unir. Conhecer a História e a Cultura deste laboratório de trocas civilizacionais é um contributo para as relações internacionais do presente e do futuro. Creio que em nome do saber e da utilidade do conhecimento Portugal, a China e outros ocidentais e orientais deviam organizar um projecto comum de História de Macau.

Luís Filipe Barreto

Historiador

desde a p. 4
até a p.