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A DISPUTA SINO-PORTUGUESA SOBRE A POSSE DA SOBERANIA DE MACAU
E O TRATADO DE AMIZADE E COMÉRCIO ENTRE A CHINA E PORTUGAL SOB O PONTO DE VISTA DO DIREITO INTERNACIONAL

Camões C. K. Tam*

Ao longo de 92 anos, desde a celebração do Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal em 1887, que possibilitou aos portugueses o "perpétuo estabelecimento e governo" (versão chinesa) ou a "perpétua ocupação e governo" (versão inglesa e portuguesa), o estatuto do Direito Internacional de Macau, ou seja, a soberania pertencer à China ou Portugal, tinha sido um caso pendente. Os investigadores chineses eram unânimes em afirmarem que Macau faz parte do território chinês, enquanto os portugueses declaravam que já se tinha adquirido a posse da soberania sobre Macau através da "perpétua ocupação e governo". As opiniões divergiam uma da outra, sem poderem chegar a uma conclusão unânime.

Até Fevereiro de 1979, quando a República Popular da China e a República Portuguesa estabeleceram formalmente as relações diplomáticas, o estatuto de Macau no Direito Internacional foi finalmente esclarecido. Na altura, os dois países definiram na acta de conversações por meio de acordo confidencial que "Macau é território chinês sob administração portuguesa", o que veio a ser confirmado na Constituição da República Portuguesa e no Estatuto Orgânico de Macau. No entanto, a posse da soberania sobre Macau entre 1887 e 1979 continuava a ser um mistério histórico. O presente estudo é feito do ponto de vista do Direito Internacional e com base no que aconteceu por ocasião da celebração do Tratado entre a China e Portugal, e no trabalho dos dois especialistas chineses anteriores (Zhu Xizu e Liang Jiabin), tomando ainda como referência algumas causas famosas respeitantes ao relacionamento entre o princípio de prescrição do Direito Internacional e a posse de soberania sobre um território, com o objectivo de provar, através de um estudo mais aprofundado sobre este mistério histórico, que Macau sempre fez parte do território chinês, cuja soberania nunca foi concedida a Portugal. O que Portugal possuía não passava de um mero facto consumado criado pelo reconhecimento pela China do direito do "perpétuo estabelecimento e governo" em Macau por parte de Portugal.

1. TRATADO QUE CONFUNDIU INTENCIONALMENTE A POSSE DE SOBERANIA.

Para saber se a soberania de Macau foi, de facto, cedida pela China a Portugal, o pont o-chave é a maneira como interpretar com clareza a cláusula relativa ao estatuto legal de Macau do Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal.

Ao analisar este problema, devemos pôr, temporariamente, de lado a posição assumida pelo Governo da República da China e o Partido Comunista de "não reconhecimento de qualquer tratado desigual". Porque, segundo a citada posição, o Tratado de Amizade e Comércio não tinha validade pela sua natureza de desigualdade e assim a discussão à volta desta questão não faria sentido. Bastaria à China mandar um batalhão do exército entrar em Macau através da Porta do Cerco, para resolver imediatamente a questão de posse da soberania de Macau. Por isso, mesmo não vendo com bons olhos a declaração de Portugal de que já detinha a soberania de Macau, convém conter, por enquanto, o nosso descontentamento e proceder com calma a uma análise global, do ponto de vista do Direito Internacional, da hipótese de que o Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal de 1887 tivesse validade antes e depois da Fundação da República. O que, talvez, seja mais credível.

Vista da Praia Grande ou Porto Exterior, Macau, segunda metade do Séc. XIX (Arquivo Histórico Ultramarino).

De facto, o Tratado em causa confundiu de propósito a posse da soberania de Macau. Porque, se fosse muito claro, ambas as partes não teriam ficado satisfeitas nem o Tratado teria sido assinado e entrado em vigor. Para a China, a soberania de Macau pertencia, pertence e pertencerá sempre à China, e os portugueses, no máximo, passavam do "arrendamento" para o "perpétuo estabelecimento e governo" autorizado pela China. Para Portugal, que tem outro conjunto de documentos oficiais, Macau era sempre um "lugar de estabelecimento" ou uma "colónia" conseguida por eles com "sangue e suor" e foi-lhes oferecido pelo Imperador chinês. Esta ideia estava tão fortemente enraizada na mente de grande parte dos portugueses que nenhuma prova contrária, por mais evidente que fosse, podia mudá-la. Para reconciliar as duas partes, Sir Robert Hart tinha que recorrer a uma forma ambígua, utilizando diferentes expressões como "perpétuo estabelecimento e governo" e "perpétua ocupação" respectivamente na versão chinesa e nas versões inglesa e portuguesa. Assim, com manobras diplomáticas1 conseguiu, por um lado, convencer a corte chinesa e, por outro, satisfazer Portugal, fazendo com que ambas as partes assinassem o Tratado, com todos os problemas eventualmente surgidos deixados para futuro tratamento.

É exactamente por isso que Sir Robert Hart lembrou especialmente que "os termos ingleses usados na cláusula relativa ao estatuto têm de ser ponderados com cuidado, atribuindo-lhes todos os sentidos possíveis (...). Quanto aos termos da versão chinesa, é melhor deixá-los ficar ambíguos. Basta uma simples referência, sem a necessidade de falar muito."2

No entanto, descobrimos que James Duncan Campbell, ao celebrar o Protocolo em Lisboa, fez algumas manobras, fazendo com que o Tratado posteriormente celebrado e entrado em vigor não pudesse ser considerado uma venda da soberania da China sobre Macau.

2. JAMES DUNCAN CAMPBELL NÃO VENDEU A SOBERANIA DE MACAU. OS NOSSOS FUNDAMENTOS SÃO OS SEGUINTES:

1) Os termos usados respectivamente no Protocolo e no Tratado eram diferentes. O Protocolo era mais claro e pormenorizado na questão de soberania,"a China confirma a perpétua ocupação e governo de Macau e suas dependências por Portugal, tal como qualquer outra possessão portuguesa", sem, contudo, indicar qual era a área de "Macau e suas dependências". O Tratado, por sua vez, evitou de propósito referir a questão da soberania, mas indicou claramente o processo de delimitação de "Macau e suas dependências", isto é,"comissários dos dois governos procederão à delimitação, que será fixada por uma convenção especial; mas enquanto os limites não se fixam, conserva-se tudo o que lhes diz respeito como actualmente, sem aumento, diminuição ou alteração por nenhuma das partes". Para a parte portuguesa, dada a concordância da parte chinesa de "perpétua ocupação e governo" "como qualquer outra possessão portuguesa", era natural considerar que tinha adquirido a soberania sobre Macau através de "ocupação". Mas para a parte chinesa, a sua interpretação era desde sempre baseada na tradução chinesa do "perpétuo estabelecimento e governo de Macau" "como qualquer outra possessão portuguesa". Noutras palavras, como Sir Robert Hart e James Duncan Campbell fizeram um jogo de palavras, as interpretações das parte chinesa e portuguesa sobre a mesma cláusula eram diferentes. Neste contexto, para compreender com clareza o verdadeiro significado da cláusula em causa, tem de se fazer uma comparação com outras cláusulas.

Do ponto de vista do direito de alienação, o Sr. Zhu Xizu, ex-chefe do Departamento da História da Universidade de Beijing, assinalou já em 1922 que "A respeito do disposto sobre a impossibilidade de Portugal de alienar partes do seu território a outros países, o Tratado determinou para Portugal obrigar-se a nunca alienar Macau a outros países sem acordo com a China, porque trata-se de uma questão de soberania de Macau, que a China não perdeu totalmente".3 Noutras palavras, se Portugal tivesse a soberania sobre Macau, já poderia manobrar Macau à vontade; por que precisaria de acordo prévio da China para conceder Macau a outros países? Neste sentido, o disposto referido representava uma prefiguração, dando a entender que o direito adquirido por Portugal em Macau não era pleno nem absoluto e a soberania de Macau continuava a pertencer à China. O que Portugal conseguiu não passava de uma administração de Macau como qualquer outra possessão portuguesa. Ou seja, o que a China cedeu a Portugal era apenas o direito de administração que era inferior à soberania, mas não a própria soberania.

Por isso, através do facto de Portugal não conseguir até ao fim o direito pleno e absoluto do domínio sobre Macau, podemos verificar que a China nunca cedeu a soberania de Macau a Portugal.

2) No que diz respeito aos fundamentos históricos, tanto o Protocolo como o Tratado entre a China e Portugal eram basicamente iguais ao "regulamento de terras" de várias concessões da China e ao Aforamento de Wei Hai Wei. Por exemplo, grande parte dos regulamentos de concessões de terras da China continha a expressão de "arrendamento perpétuo" e o Aforamento de Wei Hai Wei tinha até o carácter de "ocupação". Daí, verifica-se que a permissão do "perpétuo estabelecimento e governo" dada pela China a Portugal era meramente uma permissão a Portugal de "aforamento perpétuo" e "administração urbana", não significando absolutamente o abandono da soberania de Macau. Além disso, Portugal não adquiriu esse direito senão com a condição de cooperar com a China na cobrança do rendimento do ópio em Macau.4 Por isso, quando ambos os países decidiram proibir respectivamente o co-mércio de ópio, ou melhor dizendo, quando Portugal deixou de cumprir a sua obrigação, o "perpétuo estabelecimento e governo" de Portugal em Macau perdeu já o seu fundamento jurídico.

3) A respeito dos fundamentos jurídicos, é bem provável que o artigo 2ō do Protocolo celebrado entre James Duncan Campbell e Portugal fosse inspirado num artigo do Tratado de Berlim de 1878, segundo o qual "os dois Estados, a Bósnia e a Herzegovina continuam a fazer parte integrante do território da Turquia, mas são submetidos à ocupação e administração pela Áustria (...)". O que demonstra que, além do Protocolo Sino-Português, o Tratado de Berlim também admitia, por um lado, a possibilidade de o país A reservar a soberania de território em certo lugar e, por outro lado, o "direito de ocupação e administração" do país B naquele determinado lugar. Noutras palavras, a cedência do direito de ocupação e administração de um território não inclui a cedência da sua soberania, existindo ainda certa distância até à cedência do território. O que James Duncan Campbell fez não passava de trocar o direito de estabelecimento de Portugal em Macau, que é um território chinês, pela obrigação daquele país em relação à China (Cooperar com a China na cobrança do rendimento de ópio), sem constituir um acto de cedência de território.5 Neste contexto, qualquer que fosse a definição de Macau na Constituição de Portugal, que encarou, durante muito tempo, Macau como seu território ultramarino,6 não passava de um desejo próprio de Portugal. Este tipo de declaração unilateral não tem efeitos no Direito Internacional.

4) Observando o problema de delimitação, a falta de demarcação clara de "Macau e suas dependências" constitui mais uma prova de que a China nunca cedeu a soberania de Macau a Portugal, e até o direito do "perpétuo estabelecimento e governo" ou "perpétua ocupação e governo" contemplado no Tratado não tinha plena validade. Porque o âmbito do objecto de posse não era claro. O que a China e Portugal podiam reconhecer era apenas a manutenção por algum tempo da realidade da ocupação efectiva de Macau por Portugal.

Porquê o "perpétuo estabelecimento e governo" ou a "perpétua ocupação e governo" não tinham total validade em termos legais? Porque "ocupação", sob o ponto de vista jurídico, representa só um "facto", mas não um "direito". Apenas quando o próprio país soberano reconhecendo esse facto o torna já um direito, é que este passa a ser um direito para outros países. Contudo, o direito de perpétua ocupação exercido por Portugal em Macau desde 1887 era sempre um tipo de ocupação incompleta ou ocupação sem a plena vigência. A precondição de uma ocupação é a existência de um objecto bem delimitado. Mas no caso de Macau, este objecto (Macau e suas dependências) nunca foi demarcado com clareza, sendo, em termos jurídicos, apenas uma existência ambígua7.

A respeito da disputa entre a China e Portugal sobre "Macau e suas dependências", o acordo a que ambas as partes chegaram e que entrou em vigor era somente o seguinte: "Enquanto os limites não se fixam, conserva-se tudo o que lhes diz respeito como actualmente sem aumento, diminuição ou alteração por nenhuma das partes". Se fizeram uma metáfora com o conceito de alienação do Direito Civil, verificamos que na questão de "Macau e suas dependências", o acto de alienação da China ("perpétuo estabelecimento e governo" ou "perpétua ocupação e governo") não concluiu ainda e Portugal, naturalmente, não adquiriu o pleno direito do "perpétuo estabelecimento e governo" ou "perpétua ocupação e governo". Neste sentido, Portugal não só não adquiriu a soberania sobre Macau, mas o seu direito do governo de Macau também estava em causa. De acordo com os princípios legais, o que a China reconheceu não passava de existência efectiva do facto do governo temporário de Portugal em Macau.

3. PORTUGAL NÃO PODIA ADQUIRIR A SOBERANIA SOBRE MACAU DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DE PRESCRIÇÃO.

No decorrer das negociações sobre a delimitação, o enviado extraordinário português, com a alegação de que "a ocupação contínua de uma terra resulta na posse da soberania desta", defendeu sempre que há muito tempo Portugal já tinha adquirido a soberania sobre Macau através do"princípio de prescrição". Trata-se de um argumento pouco justificado, incapaz de resisitir a uma análise rigorosa do ponto de vista da teoria legal.

Os nossos argumentos são os seguintes:

1) Em relação ao direito interno, o conceito de "prescrição" encontra a sua origem na Roma Antiga. No jus civile e no jus gentium romanos existiam respectivamente "usucapião" e "prescrição", duas palavras originalmente com significados pouco diferentes e mais tarde unidas para formar o conceito de prescrição. Naquele tempo, segundo o Direito Romano, era necessário realizar algumas cerimónias públicas para adquirir a propriedade de bens imóveis ou móveis. Às vezes, quando essas cerimónias não se podiam concluir por motivos diferentes, a propriedade ficava incompleta. Nesse caso, o jus civile, como remédio, prevê que "com a posse de boa vontade, pública e contínua, sem disputa, de coisas imóveis por mais de dois anos e coisas móveis por mais de um ano pode-se obter a propriedade". O jus gentium, por seu lado, também foi obrigado a utilizar o conceito de prescrição como remédio, devido a algumas disposições diferentes em relação a estrangeiros e outras disposições sobre a propriedade de terras de outras províncias. Justiniano (527 - 567 a. D.) do Império Romano do Oriente, ao elaborar o código, confundiu a diferença entre "usucapião" e "prescrição", mas continuou a utilizar o conceito de prescrição. Esta a evolução do conceito de prescrição no Direito Romano.8 Mais tarde, a maior parte dos países europeus onde regia o sistema de direito continental consagrou este princípio nos seus respectivos direitos civis. O Direito Civil de Portugal, actualmente vigente em Macau, prevê também que o proprietário de terra ou casa, desde que as possua pacificamente (posse sem disputa) durante 20 anos sem que apareça o proprietário original, pode já adquirir a propriedade daqueles bens através do registo.9 O Direito Civil da República da China, que pertence ao sistema de direito continental, contém também nos seus artigos 769. ō e 770. ō estipulações semelhantes, a saber,"o pessoal que possua continuamente imóveis sem registo de outras pessoas durante 20 anos, pode requerer o registo para tornar-se proprietário" e "o pessoal que possua continuamente imóveis sem registo de outras pessoas durante 10 anos e que inicie de forma pacífica o seu domínio sem cometer erros, pode requerer o registo para tornar-se proprietário", consagrando assim a prescrição para adquirir a propriedade de coisas imóveis. Após a conclusão de haver prescrição, se os objectos são imóveis, já se adquire a sua propriedade depois do devido registo.10 Noutras palavras, tanto no Direito Romano, como nos DireitOs Civis de Portugal ou da República da China, existe o conceito de prescrição, mas os termos "propriedade","posse" e "prescrição" (posse por longo tempo) não são iguais."Propriedade" é um direito,"posse", em vez disso, representa apenas um facto e "prescrição" constitui um facto (qualificação) de que se pode requerer o registo para tornar-se proprietário de bens. No entanto, não é certo se através de prescrição se pode adquirir a propriedade mediante registo; necessita-se ainda que o governo decida de acordo com a legislação (isto é, à prescrição devem juntar-se todas as condições, como boa vontade, paz e sem disputa, entre outras). Uma vez provada a falta de boa vontade e paz, ou a existência de disputas, o conceito de prescrição perde a sua aplicabilidade. Não vamos discutir, por enquanto, o problema se Portugal tinha ou não a boa vontade; o uso frequente da força armada na sua conquista do direito exclusivo de administração de Macau e na extensão da fronteira de Macau, as disputas incessantes entre as duas partes chinesa e portuguesa e finalmente a falta de demarcação até hoje de "Macau e suas dependências" mostravam que obviamente foi impossível para Portugal adquirir a propriedade de Macau através de prescrição (posse por longo tempo), conforme os princípios quer do Direito Romano, quer dos Direitos Civis de Portugal e da China.

2) Quanto ao Direito Internacional, o conceito de prescrição (posse por longo tempo) provinha também do Direito Romano, designadamente do jus gentium. Com a evolução até hoje, a prescrição (posse por longo tempo) tornou-se já um princípio geral de direito, reconhecido por muitas nações civilizadas. Mesmo assim, este princípio ainda não foi anunciado pelo Tribunal Internacional de Justiça como uma fonte legal do Direito Internacional, nos termos do artigo 38. ō do seu Estatuto, sendo apenas invocado em alguns assentos judiciais ou arbitragens internacionais como fundamento de julgamento. A invocação deste princípio nos documentos diplomáticos de vários países constitui somente uma declaração unilateral de cada país soberano, com a universalidade de efeito limitada. Quanto aos livros e obras de juristas do Direito Internacional que falam do assunto são ainda mais diversificados, sem haver uma conclusão unânime. Neste sentido, a ideia de que "a ocupação contínua de uma terra resulta na posse da soberania desta" constitui apenas um argumento parcial invocado pelo enviado especial português durante a negociação de delimitação de Macau, não fazendo fé.

Obviamente isso não quer dizer que na área do Direito Internacional não existem causas de invocação do princípio de prescrição como fundamento de julgamento. De entre essas causas, as mais famosas são a Arbitragem da Ilha de Palmas ou Miangas entre os Estados Unidos e a Holanda,1928; a Causa da Gronelândia Leste entre a Dinamarca e a Noruega,1933; e a Causa de Minquiers e Ecrehos entre a Grã-Bretanha e a França,1953.

Vista do Porto Interior, Macau, segunda metade do Séc. XIX (Arquivo Histórico Ultramarino).

Na causa de arbitragem da Ilha de Palmas, Max Huber, juíz do Tribunal Permanente de Arbitragem, considerou que como a Espanha, depois de descobrir a Ilha de Palmas em 1666, não teve uma ocupação efectiva, o seu descobrimento só servia de base para a futura instituição de soberania. Pelo contrário, a Holanda exerceu, com continuidade e paz, a soberania sobre a Ilha entre 1700 e 1906. Com base neste facto, o juíz Max Huber julgou que a Ilha fazia parte do território holandês (a Índia Leste da Holanda, hoje a Indonésia). Os Estados Unidos não podiam adquirir a soberania da Ilha de Palmas na qualidade de sucessor da soberania da Espanha sobre as Filipinas.11

Quanto à causa da Gronelândia Leste, o Tribunal Internacional de Arbitragem entendeu que a efectivação de ocupação dependia da existência de vontade do país ocupante de exercer e adquirir a soberania de um território e do exercício e expressão adequados dessa soberania. Em relação à vontade do exercício e aquisição de soberania de um território, o país interessado precisa de formalmente anunciar e notificar outros países da sua vontade de submeter, para sempre, o território ao seu controlo útil. No que diz respeito ao exercício e expressão adequados de soberania, o país tem de exercer, de forma pacífica, efectiva e contínua, a sua soberania. Embora a Dinamarca não conseguisse satisfazer totalmente os requisitos acima referidos devido às más condições naturais, rigorosas, da Gronelândia Leste, não lhe foi impedida a posse da soberania sobre a Ilha, sendo julgada como vencedora pelo Tribunal Permanente de Arbitragem e a Noruega, por sua vez, vencida.12

A respeito da causa de Minquiers e Ecrehos entre a Grã-Bretanha e a França, o Tribunal Internacional de Justiça achou que o factor mais importante e decisivo não era a suposição indirecta tirada de acontecirnentos históricos, mas sim, fundamentos directamente relativos a Minquiers e Ecrehos. Por isso, o Tribunal rejeitou a proclamação da França, segundo a qual, adquiriu a soberania sobre aquelas Ilhas através do relacionamento feudal entre o Rei Francês e o Duque Normando. O Tribunal assinalou que Minquiers e Ecrehos, assim como os seus rochedos, deviam pertencer à Grã-Bretanha, cuja soberania sobre as Ilhas se estabeleceu principalmente com base no exercício contínuo naquelas Ilhas, durante os séculos XIX e XX, das funções de Estado, designadamente a administração e o controlo judicial. Pelo contrário, a França nunca apresentou qualquer fundamento para o seu direito.13.

No entanto, as causas acima aludidas de aquisição de soberania através do princípio de prescrição (posse por longo tempo) não são aplicáveis a Macau, porque:

a) Macau não é uma terra nula. Antes do estabelecimento dos portugueses em Macau (1553 - 1554), a China já tinha governado Macau, de forma pacífica, contínua e efectiva, durante 402 anos (o distrito de Xiang Shan foi criado em 1152). Naquele tempo, havia em Macau não só oficiais de guarda e serviços de marinha, como também pescadores chineses, fixados em Macau.

b) Até 1849, os portugueses tinham entregado regularmente ao Governo chinês rendas de terra, que foram de 500 liangs (unidade de massa,1 liang equivale a 50 gramas) de prata anualmente. A China tinha gozado a autoridade soberana em Macau, enquanto os portugueses tinham fruído somente de certa autonomia sob autorização do Imperador chinês. A última palavra cabia sempre à China.

c) A impossibilidade do exercício pela China da soberania sobre Macau em 1849 foi causada pelos portugueses por meio de forças armadas, que era completamente contrário ao meio pacífico que o prinoípio de prescrição preconizava. Além disso, como a China nunca declarou formalmente o abandono da soberania sobre Macau para que Macau se tornasse uma terra nula, mesmo se Portugal exercia, de forma pacífica, efectiva e contínua, a soberania em Macau por longo tempo (1849 - 1910), a soberania sobre Macau continuava a pertencer à China, sendo impossível para Portugal adquirir o domínio de soberania sobre Macau através de prescrição (posse por longo tempo).

d) Neste sentido, para Portugal a única maneira de conseguir a soberania sobre Macau era a cessão por parte da China que, como referimos no ponto 3 deste trabalho, nunca chegou a acontecer. Quanto ao Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal de 1887, nos termos de princípios legais, o que a China fazia, no máximo, era apenas o reconhecimento do facto de Portugal governar temporariamente Macau.

Em síntese, a alegação por parte de Portugal de que "a ocupação contínua de uma terra resulta na posse de soberania deste" não tinha efeito legal.

4. CONCLUSÃO

Mesmo se a versão inglesa do Tratado de Amizade e Comércio enre a China e Portugal de1887 consagrou a "perpétua ocupação" a Portugal, este não adquiriu a soberania sobre Macau, que pertence sempre à China sem dúvida nenhuma. Na história, existiram não só concessões cuja soberania pertencia à China, mas que foram perpetuamente ocupadas por governos estrangeiros, como também causas como a da Bósnia e Herzegovina, cuja soberania pertencia à Turquia, mas que foram submetidas à ocupação e administração do Império Austro-Húngaro. Nos termos do Direito Internacional, a "perpétua ocupação" não significa a "cedência do território" e, ainda por cima, o direito desta "perpétua ocupação" "não era completo" ou "não entrou totalmente em vigor". Porque até hoje não foi claramente fixado o limite de "Macau e suas dependências", o que entrou em vigor não passava de que "tudo se conserva como actualmente, sem aumento, diminuição ou alteração por nenhuma das partes".

A versão de Portugal de que "a ocupação contínua de uma terra resulta na posse de soberania desta" nasceu do conceito de prescrição (posse por longo tempo) mas, do ponto de vista do Direito Romano, Direitos Civis de Portugal ou da China e Direito Internacional, seja qual for, descobrimos que essa versão era pouco justificada e não tinha efeito legal. Macau não é uma terra nula, mas sim uma parte integrante do território chinês. O único problema é a impossibilidade do exercício da soberania sobre Macau pela China após 1849. Embora Portugal tenha exercido, por longo tempo, a soberania sobre Macau com paz, efectividade e continuidade, não podia adquirir a soberania de Macau só com isso. Como a China nunca tinha a intenção nem a acção do abandono de Macau, fazendo com que Macau se tornasse uma terra nula e que Portugal pudesse adquirir a soberania sobre Macau de acordo com o princípio de prescrição (posse por longo tempo), este princípio de prescrição (posse por longo tempo) não é aplicável a Macau.

A conclusão deste estudo é muito simples, isto é,"mesmo durante os anos desde 1887 até 1979, Macau continua a ser um território chinês sob administração portuguesa".

(Traduzido do Inglês)

NOTAS

1 "A Alfândega da China e o Protocolo Sino-Português de Lisboa", Comissão de Redacção de Periódicos de Dados sobre a História Económica Moderna da China, (Beijing: Livraria Chinesa,1983), p.95; "Arquivo Confidencial da Alfândega da China", Idem nota 36, p.64.

2 "O Protocolo de Lisboa" entre a China e Portugal, Idem. p.92.

3 "Parecer sobre a revogação do Tratado e a recuperação de Macau — Portugueses infringiram o Tratado, invadiram o nosso país e mataram o nosso povo", Zhu Xizu,"A Revista Oriental", vol.19, N. ō 11 (10 de Junho de 1922), pp.96 - 97.

4 "Sobre o Estatuto Histórico de Macau nos Tratados", Liang Jiabin, in "Série sobre a História Moderna da China — Fronteira", Bao Zunpeng, vol.1, N. ō 7, (Taipé: Livraria Zheng Zhong,1969), pp.142 - 143.

5 Idem. pp.143 - 144. De facto, no Tratado de Berlim de 1878, além de que a Bósnia e Herzegovina foram submetidas à administração Austro-Húngara, a parte Turca de Chipre foi também cedida à administração da Grã-Bretanha. Até 5 de Novembro de 1914, quando a Grã-Bretanha alienou formalmente Chipre, a Turquia tinha possuído nominalmente a soberania sobre Chipre, só que não lhe foi possível exercê-la lá. Mesmo assim, a Grã-Bretanha precisou de esperar até 1922, ano da assinatura e entrada em vigor do "Tratado da Lausana", para obter a concordância da Turquia em ceder a soberania nominal sobre Chipre. O que se diferenciou do caso de Macau foi que a submissão dos três territórios da Turquia acima mencionados à administração da Áustria-Húngria e Grã-Bretanha resultou de alguns objectivos reais (castigo e vigilância sobre a Turquia). L. Oppenheim (H. Lauterpacht ed), Direito Internacional: A Treatise, ed.8.ḁ, vol.1 (Londres: Longmans, Green and Co.,1958), p.455. Quanto à Bósnia e Herzegovina, uniram-se à Sérvia para formar a Jugoslávia após a Primeira Guerra Mundial, tornando-se uma das Repúblicas Federadas de um outro Estado independente.

6 "Subsídios para a história do direito constitucional de Macau (1802 - 1874)", Jorge Noronha e Silveira, (Macau: Publicação — O Direito,1991).

7 O professor da Universidade de Macau Zheng Weiming frisou que a falta de delimitação de "Macau e suas dependências" provou a impossibilidade de cessão da soberania sobre Macau a Portugal. Considerou que no final da Dinastia Qing a luta desencadeada por vários oficiais importantes (especialmente Zhang Zhidong) da província de Guangdong, fidalgos locais e o povo da província contra a tentativa de Portugal de estender a fonteira de Macau teve um papel muito importante para salvaguarda da soberania da China em Macau. Cit."História e natureza da ocupação pelos portugueses da Taipa e Coloane, duas ilhas adjacentes a Macau", Zheng Weiming, in "Colecção de Artigos sobre a História e Geografia da Fronteira da China", Lu Yiran, (Harbina, Editora da Educação de Hei Long Jiang,1991), pp.448-460.

8 Zhang Zhidong foi um mandarim que fez muitas diligências junto à corte da Dinastia Qing no sentido de impedir que os portugueses alargassem a área aproveitando a incerteza do limite de "Macau e suas dependências". As suas principais ideias e acções encontram-se em "Representação de apontamentos de arquivos antigos de Macau" (e da 5.ḁ lua do 13. ō ano do Imperador Kuang Su, que corresponde a 25 de Junho de 1887) in "Obras Completas de Zhang Zhidong", Wang Shusha, (Taipé: Editora de Wen Hai,1970), vol.94, N. ō 9, p.456 (total pp.6572 -6575); "Relato ao Mandarim de Qian Shan sobre a reorganização da fronteira", (21 da 8.ḁ lua do 13. ō ano de Kuang Su,7 de Outubro de 1887), vol.94, N. ō 9, pp.12 - 13 (total pp.6582 - 6584); "Ofício de exposição detalhada sobre a conveniência do adiamento de celebração do tratado de fronteira de Macau", (24 da 4a lua do 13. ō ano de Kuang Su,16 de Maio de 1887), vol.20, representação 20. pp.5 - 13 (total pp.1622 - 1637); "Ofício sobre a necessidade do adiamento de celebração do tratado sobre a disputa de fronteira de Macau" e a lista, (28 da 7.ḁ lua do 13. ō ano de Kuang Su,15 de Setembro de 1887), vol.22, representação 22, pp.16 - 26 (total pp.1771 - 1793).

"O princípio de prescrição do Direito Internacional", Zhang Yiding,"Selecção de Obras sobre o Direito Internacional", (Taipé: Editora Asiática e Mundial,1986), p.27."Introdução ao Direito Romano", William A. Hunter, ed.9a, (revisto por F. H. Lawson) (Londres: Editora da Universidade de Oxford,1934, pp.56 - 57; "Introdução ao Direito Romano", Barry Nicholas, ed.3.ḁ, (Oxford: Clarendon Press,1962), pp.120 - 130; "Os elementos do Direito Romano", R. W. Lee, ed.4.ḁ, (Londres: Sweet and Maxwell,1956), pp.119 - 125; "Manual do Direito Romano: desde Augusto a Justiniano", W. W. Buckland (revisto por Peter Stein), ed.3.ḁ, (Cambridge: Editora da Universidade de Cambridge,1966), pp.249 - 252; A disposição relativa a posse constante do Direito Romano de doze Tabelas era mais larga. Ao fim de dois anos de ocupação de uma terra, já podia tornar-se proprietário desta, desde que fosse cidadão romano. Cit. Manual de direito para estudantes, N. ō 4: Direito Romano, D. G. Cracknell, (Londres: Butterworths,1964), p.13. Até aos Códigos de Justiniano, o conceito de prescrição (posse por longo tempo) alterou-se bastante, sendo necessário ter mais de 10 anos ou 20 anos, respectivamente na Itália e em outras províncias, para poder adqurir a propriedade de coisas imóveis. Cit."Elementos do Direito Romano, Idem. Lee, pp.127 - 129; "Direito Romano, Idem. Crocknell, pp.248 - 249.

O Direito Comum da Grã-Bretanha, representante do sistema jurídico marítimo, tinha um âmbito extremamente restrito de aplicação do princípio de prescrição. Em termos gerais, o Direito Comum da Grã-Bretanha não reconhece que a posse contínua sem disputa pode conseguir a propriedade de terra ou coisas móveis, nem que o conceito de prescrição pode servir de fundamento para a eliminação de propriedade, o que é muito diferente do sistema jurídico continental. Não obstante, como as duas partes da disputa (a China e Portugal) sobre a soberania de Macau pertenciam ao mesmo sistema jurídico, não falamos disso aqui.

9 Em princípio de 1991, houve em Macau um caso de disputa de casas e prédio (o chamado caso do prédio Jin Huei). No processo de julgamento no Tribunal de Macau, um advogado citou a cláusula do Direito Civil de Portugal relativa à "posse pacífica" e saiu vitorioso. O que provocou pânico no meio de alguns habitantes de Macau. Porque muitos emigrantes de Macau, ao sair do Território, deixaram os seus bens imóveis para que os seus familiares ou amigos ficassem a cobrir rendas de casa que normalmente serviam de meio de sobrevivência de alguns familiares de muita idade. Se mais casos deste tipo sucedessem, muitos velhinhos perderiam a sua fonte de receita. Finalmente, o acusador recorreu ao Tribunal Superior de Justiça de Macau e a Assembleia Legislativa procedeu a um estudo no sentido de modificar a cláusula respeitante à ocupação pacífica, eliminando, deste modo, o pânico e preocupação da população de Macau.

10 "Novo Livro de Interpretação de Diplomas referentes aos seis Direitos", Lin Jidong, Cai Dunming, Zheng Yupo e Gu Dengmei, (Taipé: Publicação de Wu Nan, edição revista de 1989), pp.203 - 204.

11 Jornal Americano do Direito Internacional, vol.22 (1928), pp.866 - 867: William W. Bishop, Jr, Direito Internacional: Causa e Materiais, ed.3.ḁ, (Boston e Toronto: Little Brown and Company,1971), pp.404 - 405; Herbert W. Briggs, ed.2.ḁ ed."O Direito de Nações: Causa, Documentos e Notas" (Nova York: Appleton Century Crofts,1966), pp.245 - 247; D. P. O Connell,"Direito International", vol.2 (Londres: Steven e filhos 1965), pp.471 - 472.

12 John K. T. Chao (Zhao Guocai). A Causa do Estatuto Legal da Gronelândia Leste, Opinião Legal da Universidade de Política, vol.27, Junho de 1983, pp.195 - 214. O Connell, Idem. pp.473 - 474; Causa da Gronelândia Leste, Tribunal Permanente International de Justiça, Ser. A - B N. ō 53 (1993).

13 "Assentos do Tribunal Internacional de Justiça", Lei Songsheng, (Taipé: Livraria Zheng Zhong,1970, ed.3.ḁ), — pp.123 - 125; John K. T. Chao, A Causa de Minquiers e Ecrehos (a França e Grã-Bretanha); Análises Legais das Decisões do Tribunal Internacional de Justiça, Boletim da Universidade Nacional de Política, N. ō 60, (Dezembro de 1979), pp.61 - 65; O Connell, supra nota 114, pp.474 - 475; Tribunal International de Justiça: Relatos de Julgamentos, Opinião Consultória e Ordens (1953), pp.47,68 - 70.

* Nasceu em Macau. Doutorado em ciências jurídicas pela Universidade Nacional Cheng Chi, de Taiwan.

desde a p. 80
até a p.