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TRATADO DO CATAY*
Emanuel Godinho d' Erédia NOTA PROLEGí ENA

João C. Reis

Auto-retrato de Erédia, feito entre 1610e 1612e publicado na Declaração de Malaca.

A Declaração de Malaca e da í dia Meridional com o Catay aparece ao leitor menos paciente, e vinculado a qualquer tipo de preconceito, como um livro de leitura fastidiosa, complicada, ou confusa, e, à luz dos conhecimentos que depois disso se foram adquirindo, isenta de rigor histórico; no concernente à cartografia nela anexa, e outra avulsa, destituída de precisão geográfica, tomando-se o seu autor como excêntrico e ímprobo inventor de fábulas sem o menor senso de credibilidade, e canhestro copiador-mistificador de cartas de autores mais antigos no tempo.

Aquele que, pelo contrário, não se identificar com os pressupostos referidos e não sobrepuser, ao menos por uma questão de honestidade própria e de lealdade moral, na tábua de conhecimentos do século xvII o acúmulo epistemológico dos duzentos e tal anos seguintes, não deixará facilmente de descobrir o contrário das conclusões em que se comprazeu quem, de uma forma aviltante e implacável, exautorou Manuel Godinho.

Como o escreveria, no princípio do actual século, o historiador australiano O. M. Spatte (Australia... Cognitus?), Erédia foi um homem sempre bem informado a respeito não só das explorações marítimas, como em relação a tudo quanto poderia chegar ao alcance da sua virtual curiosidade. Já no nosso tempo, no Dicionário da História de Portugal de Joel Sertão (Porto, 1981) o Pe. Artur Basí io de Sá classificou-o, ao arrepio de tantas opiniões adversas, de "ilustrado e culto luso-malaio". Embora não se dispensasse também de lhe chamar mestiço, depois de lhe traçar breve nota biográfica, Basìlio de Sá escreveu: "Tem sido muito debatida entre historiadores nacionais e estrangeiros a questão acerca do descobrimento da Austrália. Qualquer que seja a conclusão certa a que uma investigação documental mais ordenada e vasta permita chegar, são incontestáveis o valor, o mérito e o interesse dos trabalhos que nos legou este ilustrado e culto luso-malaio".

A substância dos seus conhecimentos, e a base da sua formação escolástica, podem avaliar-se na leitura do "III Tratado", da citada Declaração, sobre o Catay ou a China dos nossos tempos, abaixo transcrita. Lá estão referidos os autores, à base dos quais caldeou a cultura que foi apanágio da sua ilustração e mérito: Ptolomeu, Plínio e Apiano, Aristóteles, Josefo, e outros, até Marco Polo, tido até o ano passado como esforçado, experimentado e incontestado viajante e divulgador das realidades geopolíticas do oriente longínquo -- onde, aliás, jamais terá chegado. Particularmente significativo é o facto de ter referido um dos seus professores, o "Pe. João Maria, da Comp.", mestre dos caldeus...

Os erros e imprecisões em que Erédia terá incorrido, de boa-fé, porque acreditou nos mestres consagrados do passado, várias vezes entretanto corrigidos por sua própria experiência, não podem, de forma alguma, desafeiçoar-lhe a competência, quando, desprezando-se-lhe pormenores que couberam à responsabilidade de terceiros, localizou com uma exactidão até então não conseguida, ou até hoje não verificada em mais ninguém antes dele, diversos lugares como por exemplo, a Ìndia Meridional (Austrália) através da referência das respectivas latitudes.

Este "Tratado III" da Declaração de Malaca, "Sobre o Catay", lido com atenção e justo critério, dá-nos uma História da China muito aproximada com a que se conhece hoje, tantas são as afinidades topográficas, sucessão de casas dinásticas, e outros eventos políticos -- numa época em que as comunicações com o interior longínquo, fronteiras políticas desalinhadas e mal conhecidas, os caminhos e transportes precários, as cidades fechadas, e notório que era, o desprezo, ou mesmo o ódio contra o estrangeiro -- não facilitavam a permutação cultural, que Manuel Godinho, no entanto, lograria alcançar, com defeitos de informação, e de escrita, sem dúvida, mas intangível à crítica enviesada, dos que, no século XIX, ainda menos sabiam daquelas coisas, do que ele...

Oliveira Martins, por exemplo, para não ir mais longe, não encontrou na parte terceira que se segue da Declaração de Malaca, aliás, cheiíssima de informações de carácter histórico, geográfico, astrofísico e topográfico, rudimentar, talvez, ensombrada, pode ser, por algumas lacunas incontestáveis, mas baseada em dados e nas únicas fontes até então conhecidas -- nada mais encontrou para desfeitear o seu autor do que o "erro" de ter dado "a Espanha, no ano 69, pontificado do Lino, despovoada pela seca". Não seria por isto, certamente, que Erédia, e a sua obra, ficariam desacreditados.

Uma demonstração de que não se tem tido em grande apreço a memória de Manuel Godinho de Erédia reside no facto de nunca, até hoje, se haver feito um recenseamento crítico global da sua obra, muito menos ainda no específico particular dos seus trabalhos cartográficos, dos quais se não conhece, sequer, a quantidade exacta. Estimam-se em mais de mil os seus trabalhos, entre cartas topográficas, plantas de fortaleza, retratos, de vice-reis e outros, brasões nobiliárquicos e vários desenhos avulsos, espalhados, pelos seus livros, e dispersos. Quando um dia se fizer a contabilidade do seu património, se se quiser, oficinal, então poder-se-á, em plena consciência e verdade, avaliar correctamente o mérito do seu mister. Até que isso aconteça, não será justo, nem leal, acusá-lo seja do que for que ponha em causa a sua autenticidade, e a medida dos seus conhecimentos.

TRATADO DO CATAY

CAP. 1. DOCATHAY

O Cathay ou Catá, antigamente Attay de Plínio, lib. 6 cap. 17, era império de Citas da Ìndia superior ou Serica, agora Tays ou Oram Tays, cabeça de outras províncias sufraganias como Tendue, Tangut, Tebet, Cotam, Sim e Mansim, e todas formam a porção do distrito de Indochitas, como o declara Ptolomeu, e Arist. de situ India, a outros historiadores e mormente o itinerário de Escander ou Alexandro Magno em persio: de modo que Indochitas propriamente são Chimchitas desta governação, e o Catay ou Atay como centro está plantado entre as sobreditas províncias, e a metrópole é Cambalo, maior Empório do Mundo, e situado de maneira que tem da parte do norte Tangut e o deserto dos Demónios ou laguna Stigia, e Tendue chamado Jendu nos Concí ios Caldeus. E na parte do sul tem Sim e Mansim, e na parte do ocidente tem Thebet e Cotam, e da parte do Oriente tem Corya e mar oriental, chamado Mangico ou Sinus Magno. E este distrito se estende de 18 gr. 14 m. quase de 6ō paralelo no fim do 1ō clima, onde o maior dia é de 13 horas, 15 m., até 56 gr. 10m. no 23 paralelo no meio do 10 clima onde o maior dia é de 17 horas, 30 m.

E para declaração destas províncias, é de notar que na província Tendue ou Jendu govemava aquele Preste João da India, monarca Cristão baptizado pelo apóstolo S. Tomé ou por seu discípulo, quase no tempo do pontificado de Lino ano 69, quando Espanha estava despovoada por seca, o qual monarca por armas senhoreou os Indoschitas da India superior, chamada a Serica até ao ano 1187, no pontificado de Gregório 8ō, no tempo de Dom Afonso Henriques, 1ō Rei de Portugal: no qual tempo os Tártaros da Província de Tatar da cidade de Coromorão gentes estrangeiras e mais setentrionais, elegeram por Rei um chamado Chinchis, o qual vendo-se em grande magestade pretendeu senhorear mundo, e começou com arrogância formar guerras contra seu senhor João Can ou Huncan, sucessor do Preste João, de quem em guerras teve vitórias com que o dito Chinchis senhoreou aquele antigo império de Jendu ou Tendue e fez tributário o Catay e quase toda a India superior.

"Tractado: Treceyro: do: Catay: Atay"

E depois os sucessores de Chinchis aquele chamado Cubbay gran Cam. por ser maior em grandeza, potência e riqueza, pretendeu continuar com aquela conquista para engrandecer, sua coroa real, e para este efeito elegeu por generalíssimo Abayan Chinsam, para ir conquistar a província da China chamada Mansim ou Maior China por Ptolomeu; e agora os naturais a chamam Nanchim ou Nanquim, sendo rei da China Facfur: o qual vendo-se perseguido do Chinsam, se embarcou em lorchas para as ilhas daquela costa de Mansim, deixando aquela província da China em poder do generalíssimo Chinsam, ano 1268, em que Cublay Tártaro ficou senhoreando aquela província Mansim, cuja metrópole era Chinsay.

A China estava dividida pelos antigos em 3 províncias: a la. Sim ou Chim; a 2a. Mansim ou Manchim chamada Maior China; a 3a. Coe Sim ou Cochim, chamada Menor China; e o tártaro Cublay gran Cam senhoreou Mansim com 9 reinos: o 1ō Yanam, 2ō Cuicheo, o 3ō Quansi, 4ō Quantum, 5ō Unquam, 6ō Quianci, 7ō Nanquim, 8ō Foquien, 9ō Chequean. E a esta província Mansim chamaram os modernos Nanqueim ou Manchim. E as outras 2 Províncias, Sim e Cochim ou Coe Sim por serem remotas ficaram em sua liberdade sem pagar os tributos e pensões.

Mas os naturais Chinas de Mansim, daí a poucos anos por grossos pensões se rebelaram contra os governadores de Cublay Tártaro e não sómente com as rebelias recuperaram o perdido de Mansim, mas ainda passaram o rio Coromoran e conquistaram de novo 6 reinos: o 1ō Sienci, 2ō Honan, 3ō Sanci, 4ō Paquin, 5ō Xantum, o 6ō Suchuon do Catay. E para defensão destes novos estados fabricaram muros de pedra de 400 léguas de âmbito, cercando 5 reinos: Scienci, Xanci, Paquin e agora a China está dividida em 2 províncias, Mansim, corte austral com 9 reinos, e Patquim ou Taygin, corte boreal com 6 reinos, e ambas as províncias governadas por um senhor Tutan Monarca.

Tangue consta de 9 reinos: 1ō Sachion, 2ō Camul, 3ō Chintalas, 4ō Succur de Rubarbo, 5ō Ensina, 6ō Cergut, 7ō Ergimul, 8ō Singui, 9ō Campion, metrópole e floresceu no tempo daqueles idólatras monarcas antecessores do Preste João, e depois se passou aquela corte de Campion para Jendu ou Tendue no oriente na parte Serica, quando se fundou aquela Cristandade de S. Tomé, de que se acharam relíquias como um calçado ou sapatos do dito apóstolo, que os naturais têm em muita veneração. E a província Tendue consta de 5 reinos: 1ō Gog, 2ō Mogog, de lápis azul, 3ō Cindacui, 4ō Cranganor, 5ō Jendu, com montes Idifa, de parta.

Tibet está dividida em Tibet maior boreal e Tibet menor austral, e o caminho de Tibet para o Cathay se faz com facilidade, por Indostão ou Mogor por via de Quiximir, donde se passa Alar e entre serranias a Meiro, e por outros lugares até ao rio de Tibet maior, e daí por muitas povoações até Lassam, donde começa o distrito de Cathay por Tendue até Cambalo. E do dito Tibet há caminho para Cotear ou Cotam e Sim, por via de Queximir, como o manifestam os Indostanos que do Mogor e Queximir passaram ao Cathay e Sim, e voltaram a Cambaya, no tempo da governação de Xeque Abdoraen, governador daquele estado no ano 1611.

Antigamente o caminho para o Cathay era por Turquestão e deserto de Lop, donde passavam a Tangut e daí ao Cathay. E também o caminho era o dito Turquestão e Cascar ou Carcan ou Hircande e daí a Tibet e ao Cathay: mas o caminho fácil é por Indostão ou Mogor por Queximir e daí por Tibet, Aranda, Cotan até Cathay.

E para melhor se entender o Cathay se há de proso, porque este nome depende daquela antiga gente chamada Atay de que trata Plínio lib. 6 cap. 7, cujo distrito se estendia para o boreal até aos montes Atay ou Altay sepultura dos satrapas Ataios, ainda que Apiano, lib. 2., nota ser gente da cidade de Cathaio. Contudo o Atay é província capital de Serica chamada India superior: e os Ataios antigos foi a mais política da Ásia e muito quieto sem armas e efeminados e bem ocupados na seda, como o nota o mesmo Plínio: e destes Atayos procedem os Chinas que Apiano lib. 2. chama Signi e Taygni, como Mansim e Taysim.

CAP. 2. DA CRISTANDADE DO CATHAY'

A cristandade do Cathay da Ìndia superior foi fundada pelo apóstolo S. Tomé ou por seu discípulo, no tempo do pontificado de Lino, ano 69 do nascimento de Cristo nosso Salvador, e posto que os Argones Cristãos estavam espalhados por todo Cathay, todavia os Concìlios Caldeus, que se acharam nos arquivos do Arcebispado da Serra ou Angamale, sufraganios ao Patriarca da Babilónia, fazem menção dos Cristãos de Jendu, chamado corruptamente Tendue: e também os ditos Concílios fazem menção dos Cristãos de Sim pelos papéis que me apresentou o Mestre de Caldeus, o P. João Maria da Compa de Jesus, e além desta informação afirma Marco Polo Veneto lib. 2, ser povoada de Cristãos muita parte do Atay e Mansim, porque o Mansim ou China era governada por governador cristão chamado Marsarsis ou Marsalis: onde edificou igrejas no ano 1268; e no ano seguinte, a requerimento de Cublay Tártaro, por ordem de P. P. Gregório X, passaram de Roma ao Cathay 2 sacerdotes teólogos de Ancona, chamados Nicolas e Guilherme. E Garibay na sua História Pontifical, trata de Fr. Anselmo com seus companheiros, religiosos da Ordem dos Pregadores que, por licença do P. P. Inocêncio V passaram à empresa do Cathay. E sobre esta cristandade escreve S. Antonino. E porque são terras do sertão setentrional, não temos muita comunicação desta gente, somente sabemos deles que entendem o Caldeu. E por isso é de crer foi muito próspera aquela Cristandade de Jendu do Cathay. E por Cristãos valorosos e esforçados foram nomeados e mandados por Cublay Tártaro Imperador para a conquista de Mansim, e foi conquistada por estes cristãos Alanos, como o nota Marco Polo Veneto, no lib. 2., cap. 62. E bem pode ser sejam estes os Alanos, que entraram em Espanha no tempo de Arcádio porquanto estes Alanos da Entrada de Espanha e Honório, primeiro que os Godos, ano 412, eram da Citia, e os Godos da Gothia.

CAP. 3. DA CHINA DE ATTAY

A China foi chamada Mansim ou Mangim por Ptolomeu e faz menção desta província na sua Tá ua 12 da Ásia, com nome de Sinarum régiom ou região de Sinas, e por isso Apiano, na parte 2 de sua Cosmografia, a nomeia por Syzni e Tayoni de Mangim, dando a entender estar Mangim ou Mansim dividida em 2 províncias Sim, Sygni e Mansim, Taygni. E o mesmo faz Marco Polo Veneto, no lib. 2. cap. 70, declarando as 2 cortes de Mansim. Asi o Quinsay chamado celeste, como o Singui, chamado o terrestre; e o Quinsay, ou Sim Tay, chamado Tay Sim, ou Taygni por Apiano, é o chamado Nan Sim ou Nanquim ao presente: e o Singui é o Signi ou Sim. E ambas estas cortes da China, se nomeavam por região de Chinas, porque Sim significa olho, e esta gente ser conhecida pelo olho.

E os portos principais marítimos de Mansim, antigamente eram de Quinsay, do Nanquim em 26 gr. de latitude sept. e o outro Zarten ou Zarton, que era o maior emporio de trato de especiarias das Indias e deve ser Canton do Trópico de Cancro, porque deste porto para a ilha Zipangri ou Japão havia 500 léguas, como o nota Marco Polo Veneto, lib. 3, cap. 3. porque as embarcações de Cublay Tártaro partiam de Quinsay e Zarton para Japão, dando a entender que não tinham outro porto mais propício e vizinho de comércio e trato.

E o Coc Sim, ou Cochim China, por estar sufraganio ao Mansim chamaram Coc Sim ou Menor China, ainda que parece dependente de Sim. Mas por esta província do Sim de Cristãos Caldeus esteve até ao presente encoberta até o descobridor ter notícia dela, estar na costa ocidental de Mansim, e Cochim China, até ser descoberta o Sim, no ano 1611 por via de Indostanos.

Por onde a China ou gente dela descende de Atayos daquela antiga Serica da Í dia Superior de Citas: e são os Thyros e Tocharos de que trata Plínio, lib. 6. cap. 7; e destes procedem os Chinas de Sygni, e Taygni de Apiano.

"Taboa: dos: cap. do: Tract: Treceyro:" Ín dice do "Tratado III" da Declaraçam de Malaca e Ín dia Meridional..." de Manuel G. Erédia.

E esta descendência de atayos se mostra bem naqueles Laos ou Attaos do Sim ou do Simlao, da costa ocidental ou do ocidente de Mansim, porque é província grande de que não temos comunicação: e querendo eles provar ventura, de sua pátria partiram, esquadrão formado de gente armada pelos rios daquele sertão até aportar em Camboja, onde com trabalho acabaram todos e perderam suas fazendas e riquezas e muitos paés de ouro, no ano 1580.

E estes Laos, ou Sim Laos, eram aqueles do trato das Indias intra e extraganges e do comércio da Taprobana, a qual se chamou Ceilan ou Simlao, por fundar o trato daquele porto de Chinlao ou Chilao, grande empório de Attay, e o caminho era pelos rios de Tangut, de Pegú e Martavan.

CAP. 4. DE CATHIGARA

Ptolomeu, na sua Tábua 12 da Ásia, faz menção de porto marítimo de Cathigara grande empório do mundo, estar na terra firme do sul na enseada da região de Chinas de que não temos notícia até o presente, salvo de certa gente branca com cabaias vermelhas, em altura quase do trópico de Capricórnio, naquele continente de Lucach da India meridional, e bem pode ser seja nesta parte o porto de Cathigara daquelas Chinas; porque Apiano na parte 2 de Ásia, mostra habitar naquela parte do sul, os Chinas Itiófapos, e estes são Athiopes; por onde deve Cathigara estar no sul.

Ainda que aquela enseada de Chinas de Cathigara parece de Chinas de Attay, que são próprios Chinas do mundo; e pode ser fosse Cathigara algum daqueles portos Quinsay e Zarton; e o mais provável seja o porto de Coria chamado Catacoria ou Caticara, que significa Catars de Coria, porque estes Corios eram principais mercadores do trato de Indias, e com trato de ouro aportavam a Malaca, como se colige da história da conquista de Malaca de Afonso de Albuquerque, ano 1511.

E mormente nos escritos de Diogo Lopez de Siqueira, governador do estado das Í dias Orientais, quando fez aqueles descobrimentos de Malaca e Samatra no tempo de Dom Francisco Dalmeida, Vice-rei, ano 1510, em que mostra ser o trato de Malaca para Coria China, Java, Macaçares e Gilolo, e Banda de Timor: e não haver notícia de outro comércio do sul, nem do antigo trato da Java menor e da região de Beach.

Salvo ser o porto de Cathigara, aquela magna insula de Lucantara da Í dia Meridional, tão fértil de ouro e especiarias: e desta Ín dia Meridional e Lucantara fazem menção os lontares e anuais daquele Arquipélago da Java maior sem tratar do outro império do sul, porque o trato das Indias é coisa universal conhecida de todos os naturais e estrangeiros, por onde a enseada de Chinas, e porto de Catigara está na parte setentrional em Attay, porque daqueles portos eram as embarcações pilotos e marinheiros do trato.

CAP. 5. DE TARTAR

Tartar, ou Tartária é além do Cathay, e propriamente é aquela província de Coromorão situada na parte setentrional de Tangut e deserto de Demónios, e Tendue, e posto que vulgarmente se chama Fartaria ou Barathro de Homero aquela Sarmatia asiática, e ambas as Citias intra e extra Imaus; todavia a própria Tartária, é somente aquela porção de Coromorão, origem de Tártaros os quais elegeram por Rei e senhor natural a Chinchis. fundador daquela monarquia. ano 1187. Platão e os Filósofos afirmam ser a Fartaria a parte mais alta do mundo.

CAP. 6. DE BELLOR

Aregião de Bellor, e os seus alterosos montes nevados de perpétuo invemo tem muitos pântanos e alagadiços, e as águas destas fontes descem pelo Ganges ao mar gangético, e pelo Obio ao mar congelado: e nesta região, na base dos montes de prata, habitam aqueles Ruxenos Israelitas ou Judeus recolhidos no sítio de Cayra, ou Arsareth região; e devem ser aquelas tribos do lib. 4. Esdr. cap. 15, que por se desviarem da gentilidade e idolatrias, escolheram lugar remoto e bem apartado dos idólatras para melhor se ocuparem nas cerimónias.

CAP. 7. DA REGIÃO DAS TREVAS

A Região das Trevas, onde há perpétuas trevas e escuridades, habitam gentes corpulentas e bem dispostas ainda que descoradas. E esta terra continente se estende do Bellor além do círculo ártico para o Polo, até quase 80 gr. pouco mais ou menos, onde há perpétuas noites; quero dizer noites grandes porque conforme a porção que cortar o horizonte ao Zodíaco nos 2 pontos será a grandeza da noite estando o sol na parte austral, mas será aquela porção de dia estando o sol na parte setentrional e o dia daquelas partes é de pouca luz, de sorte que aquela parte do Zodíaco dividida sempre está sobre o horizonte, e enquanto o sol estiver naquela parte de Cancro, será um dia sem noite, e se for por espaço e quantidade de 2 signos, será o dia de 2 meses, e de mais signos será de mais meses. E da mesma maneira acontece na parte do Zodíaco dividida dos 2 pontos, igualmente apartados do princípio de Capricórnio, sempre fica debaixo do horizonte; e estando o sol naquela parte sempre será noite sem dia, pequena ou grande, segundo a quantidade da parte dividida, conforme a doutrina de Sacrobosco, trat. 3. cap. 9.

CAP. 8. DO DESERTO DE DEMÓNIOS

O Deserto de Demónios, é aquele chamado Deserto de Lop entre o Turquestão e Tangut, como o nota Marco Polo Veneto, lib. l. cap. 44, onde visivelmente encontram os Demónios continuamente em figura de pessoas conhecidas, que chamam pelos caminhantes por seu nome como se os conhecera em algum tempo, e aparecem destas visões muitas vezes naquele deserto, e mormente se ouvem harmonia de vozes, de suaves cantos e som de vários instrumentos de música, como Timpanos e Alaúdes, e craviorgãos, etc. Além do outro deserto grande do caminho de Tartaria de Coromorão entre Tangut e Tendue, de 40 dias de caminho.

E os idólatras tem este deserto de Lop, como sítio de encantamentos em que os corpos estão imortais, gozando da quietação daqueles Campos Elísios, das fontes do Ganges, adoratório dos idólatras, porque têm como sagradas aquelas águas dos montes Bellor que regam os términus do deserto e mormente aquele sítio de Casim.

Com que brevemente concluimos com o Cathay e seu distrito e mais a porção de Tartária, com as regiões de Bellor e das Trevas na melhor forma reformada, para de tudo se poder ter melhor notí ia.

CAP. 9. DE OPHIR E THARSIS

De Ophir e Tarsis disputaram letrados muito doutos, sem concluir o lugar certo do trato do ouro, daquela navegação de Salomão, onde aportava aquela frota com marinheiros de Hirão, Rei de Tiro e Sydon para trazer ouro: e onde pretendia ir a frota del Rei Josaphat, que padeceu de naufrágio em Asiongaber da Idumea, como o refere a Escritura 2 Reg. 9. e 4. Reg. 22. Porque Roberto Stéfano, ou para melhor dizer Francísco Botablo, douto e avantajado no hebreu, dizia nos escólios sobre o cap. 9. do lib. 3. de Reis, que Ophir era aquela ilha espanhola de Cristovão Colombo, donde de Cybao traziam 450 talentos de ouro muito fino a Salomão.

E Arias Montan, in Palegica 9, nota ser Ophir na terra do Perú da América. E outros apontaram ser Ophir em outras partes, como em Sofala de Monomotapa. Mas parece chegar mais a verdade aquela opinião de Josepho, lib; de Antiquitatibus, em que nota ser Ophir a província da India oriental, fundada por Ophir, filho de Jectan, de que faz menção o Genes. 19. e favorece S. Jerónimo.

E posto que minha tenção não seja averiguar esta matéria de Ophir e Tarsis, que pertence aos doutores da igreja, todavia piamente farei menção destas regiões, fundado na opinião de Josepho e S. Jerónimo, que apontam ser na Í dia oriental e a mesma Escritura dá a entender estar na dita parte oriental. E bem pode ser seja aquela região de ouro de que faz menção Ptolomeu, na sua Tábua 12 da Ásia na parte do Ganges, que no seu tempo era o maior empório do mundo; porque pelo Ganges era o trato do ouro dos altíssimos montes de Negar Phirin. Mas não sei se é este o alto monte Sephar, nem os términus de Ophir e Tarsis.

Contudo seguindo a Agostinho Tomielo, que aponta a famí ia de Sem povoar este oriente da India intra e extraganges, até ao setentrional de Citas ambas e Attay e Chinas, bem pode ser por Ophir ser neto mais conhecido desse nome geral de Ophir a todo este distrito das Indias Orientais, do Rio Indo intra e extra, até se estender nos Citas da Serica. E Tharsis do Indo para Ocidente, e por isso o nome Tharsis se entremete em muitas partes do mundo como se nota da Escritura, deve ser por Tharsis ser neto mais conhecido de Japhet.

Como na Grécia, Itália, e África e noutras nações por Isaías, 66, aqueles que foram salvos de Israel irão muito longe a Tharsis, e ilhas muito remotas, e converterão ao Senhor muitas e várias gentes, donde nomeia aquelas províncias declaradas da famí ia de Japhet, e Teodolito e outros, seguindo a interpretação dos 70, em algumas partes põem Tharsis em África.

E o Profeta Isaías, 60, os Reis de Tharsis traziam presentes; e alguns letrados sentem ser a Etiópia, Arábia e Pérsia, conforme o Psalmo, 44, de Saba, de Epha e Madian.

E a Escritura, Jud. 2. aponta ser Tharsis no Tarso de Cilicia, de Holofernes, passando os términus dos Assírios, chegou aos grandes Montes Ange (que por ventura é o Tauro); os quais montes caem ao sinistro de Cilícia, e entrou em todos os castelos e se apoderou de todas suas forças, e quebrantou aquela cidade tão nomeada Milithi, e despojou todos os filhos de Tharsis e aos de Ismael que estavam fronteiros ao deserto e aos que estavam a meridional para a terra de Ceilão, e passou o Eufrates. De sorte que consta ser Tharsis Europa e África e parte da Ásia, e o mais do continente ser Ophir.

E porque Ophir e Tharsis ambas continuam na costa da Pérsia e Indostão, bem pode ser a razão de ambas gozarem de uma navegação. Porquanto se colige da Escritura como a frota para Ophir, era a mesma para Tharsis, por o dar a entender o 4, dos Reis, cap. 22., com 22., com 2 lib. dos Reis, cap. 20. Porque o que se nota nos Reis que Josaphat fez a frota em Asiongaber para ir por ouro a Ophir, o mesmo refere o Paralipomenão estar a frota para ir a Tharsis; donde se colige ser a mesma navegação para Ophir e Tharsis, e deve ser na forma que fica declarado com aquelas divisões de terras de África, Europa, e parte da Ásia no distrito de Tharsis, e das Indias intra e extra, e superior no distrito de Ophir.

E as minas de ouro, a melhor parte do trato de Salomão parece ser da Serica, que é o mais excelente ouro, como a experiência o mostra agora no trato do Paguim, e por isso esta parte da Serica e Attay deve ser gente da Síria e Palestina, efeminada e pouco guerreira do tempo de Salomão, 1039 antes de Cristo.

E bem pode ser que fosse o caminho para o Ophir ou Serica da embocadoura do Ganges, trato antigo das Indias para o sertão e minas de ouro dos altos montes Negar Phirin, de que faz menção PlínÍ e Ptolomeu, como Região de ouro; E depois se abriu o trato do sertão Pegú, chamado Baracura Empório, daquele rio se passa à Tartária.

"TABOA DA CHINA e PROVINCIAS CIRCONVEZINHAS e CATAY" Incluída na Declaraçam....

Ainda que mostra ser o caminho por Tharsis ou Pérsia, olim Pharsis, que era mais franqueado e antigo para as Citas e Serica, por onde depois do Eufrates passaram as Tribos de Israel a Arsareth, como nota 4 Esdr. 13. E porque este caminho da Pérsia era de ano e meio até Arsareth, bem pode ser que seja o mesmo por terra de Salomão, com ida e vinda a gastar 3 anos, ano e meio na ida e ano e meio na vinda. Mas como estas naus de Salomão por carga traziam ouro, pedraria e madeira excelente, e outras riquezas do mar Gangetico, daquele trato de Ganges era o mais corrente caminho de embarcações para o sertão da Serica, como notam os escritores e Ptolomeu. E não me entremeto em determinar o sítio de Arsareth, do 4 Esdr. 13., daquelas 10 tribos que foram levadas em cativeiro em tempo del Rei Osce, o qual levou cativo Salmanazar, Rei dos Assírios, e a estes passou a outra banda do rio e foram transladados a outra terra, e determinaram deixar a multidão de gentios e passar a outra região mais apartada donde nunca habitou o género humano, para guardar aí a lei, a qual não guardaram em sua terra. Entraram pois por umas entradas estreitas do rio Eufrates, porque ele fez o Altíssimo então com eles maravilhas, e deteve as correntes do rio até que passassem, porque por aquela região era o caminho muito largo de ano e meio, e chama-se Arsareth.

E pelas confrontações do Eufrates parece caminho para Pérsia e sertão de Citas, e bem pode ser seja o sítio da Cayra de Belor onde se acham Judeus Israelitas recolhidos, como o nota Apiano e os cosmógrafos, e parece dificultoso passar as tribos à América.

A Serica deve ser aquele antigo trato de ouro de Salomão, e por a etimologia do nome Serica parece depender da Síria, gentes de Tyro e Sydon, Phenices e Palestinos, fundadores daquela região, e por isso os mais dos nomes da Serica são da Judeia, como Gog e Mogog de Attay, e Tyri da China, como o nota Plínio, lib. 6. cap.7.

E a navegação de Salomão era do porto de Aziongaber de Idumea, do Mar Roxo, e daí costeando Arábia, Pérsia, Indostão, e cocho do Ganges, donde pelos rios penetravam a região do ouro, até o passo donde passavam à Serica. E parece navegação de remo e vela da costa e não de mar oceano, como se vê na embarcação de Jonas do porto de Joppe, de Mediterrâneo, ser embarcação de remo, porque os marinheiros forçados de tempo remaram a terra, Jon. l. E este era o uso de embarcações daquele tempo, como notam os doutos.

Porque então os marinheiros careciam agulhas de marear e do uso da pedra magnete ou de levar a zero do norte, e careciam de instrumentos de astros, para passar o Oceano: e tanto que algumas embarcações que do promontório Chori passavam a Taprobana se governavam por pássaros que demandavam terra, conforme Plínio; e as embarcações que do Mar Roxo passavam ao estreito de Gibraltar e voltavam, era por costa de África, como o nota o mesmo Plínio lib. 2. cap. 69, em cujo tempo não havia notícia de nenhuma navegação do Oceano, nem descoberto mais mundo que Europa, Ásia e África, e ser Thyle a última do mundo, quanto mais no tempo de Salomão, ano 1039 antes, de Cristo.

E Ptolomeu mostra em seu tempo continuar a navegação do Mar Roxo por costa da Arábia, Pérsia, Indostão, Coromandel, Cocho do Ganges, e Viontana, Chersoneso Aureo, até passar à ã dia Meridional, no ano 163. De sorte que a terra mais antiga de que temos notícia é Ásia na Serica e ambas as Citas com ã dias intra e extraganges, depois da propagação de Noé e de seus descendentes, ano 2313 antes de Cristo nosso Salvador.

E finalmente a família de Sem povoou este oriente das Ìndias intra e extra e superior, e ambas as Citas e Attay e Chinas; e por Ophir ser neto mais conhecido, seu nome se estendeu por todo este distrito do Indo para oriente, e por conseguinte, a família de Japhet, povoou do Indo para ocidente a Europa, África, e parte de Ásia; e por Tharsis ser neto mais conhecido, seu nome se estendeu por todo este distrito do mundo, como o nota Agost. Tornielo ou os sítios da habitação de Ophir e Tharsis foram de empórios de grande trato, com que se estenderam aqueles nomes em seus distritos, nomeando a parte pro toto; o que serve de lume para outras declarações sobre esta matéria em que não faço mais que apontar o necessário sob correcção.

CAP. 10. DO INDOSTÃ

E antigamente, eram tributários ao Cathay as províncias do Indostão, Turquestão e Astracão, e Indias intra e extra; e para notícia delas faremos menção com brevidade e sumariamente.

A província do Indostão está situada na zona temperada, e se estende do Trópico de Capricómio, no meio do 2ō clima, no 1ō paralelo, onde o dia é de 13 horas 30 m. até fenecer em 41 gr. 16 m. de altura setentrional, no meio do 5ō clima, no paralelo 13 onde o dia é de 15 horas. E o Indostão é composto de Tan, que significa província, e de Indos que significa da India, ou da gentilidade, por que Indos quer dizer idólatra; E o Indostão significa província de idolatria: e agora Indostão se chama Mogul, e corruptamente Mogor, nome que significa Pastor, sobrenome do fundador da monarquia de Mogores, o qual foi aquele Tamerlande, que em batalha senhoreou Bazacet, gran Turco. E este Tamerlande sendo pastor por sua indústri se casou com a irmã do sultão Usem, rei de Deli, da famí ia de Chacatade Samarcand, olim Turam, e deste Turca ou Turquestão; e por morte de sultão Usem, sucedeu no governo, no ano 1404, no Pontificado de Clemente II, sendo Dom Fernando Rei de Portugal. De sorte que Tamerlande foi o primeiro Rei de Mogores, e por ele se chamou a província Mogor, e o seu próprio nome era Tamer, mas como ele manqueava de um pé por alcunha lhe chamaram coxo que significa land, e Tamercoxo é mesmo Tamerlande 1ō Rei; e deste descendem os Reis seguintes: o 2ō Miraxa e por ele Xaroc; o 3ō sultão Mahameth e por ele Oulogoboth; o 4ō sultão Abacayd; o 5ō Amaxeth; o 6ō Babor; o 7ō Hamau; o 8ō Equebar Zaladin Mahameth; o 9ō Nuzadin Mahameth Zanguir Paxagazi, que ao presente governa o septro do Mogores, ano 1611.

Mapa com a localização geográfica do Catay.

E chamamos Indostão ou Mogor toda aquela porção de terra continente, que da parte do norte, pelos montes Naugracoth, chamado pelos latinos Imaus ou Caucasus, se estende para sul até aos montes do Gatte do Decan, e de Oriaes ou de Orixa, e daí se estende para ocidente até ao rio Indo ou Indi. De modo que na parte setentrional se aparta o Indostão do Turcastão pelos montes Naugracoth; e da parte austral se aparta do Decão e de Oriaes pelos montes do Gatte, da parte ocidental se aparta da Pérsia por Coracone, Candahar e pelo rio Indo ou Indi, e da parte oriental se aparta de Tibet, Sim'e Mansim, Cocho Patanes, pelos montes Negar Ferin e montes Prosonay aurífero e rio Ganges; e neste distrito estão plantados 7 reinos seguintes: o 1ō Guzarate, O 2ō Deli. 3ō Purab, o 4ō Cabul, o 5ō Queximir, o 6ō Bengala, o 7ō Sindi. Além de outras governações de Rajus ou Rajas, e todos estes reinos e senhorios são ao presente governados por Nababos, governadores do Patxa Rei Mogor e o primeiro e mais antigo é Deli na monarquia de Tamerlande, por quem e por Reis sucessores foram conquistados os outros reinos do Indostão.

CAP. 11. DO TURQUESTÃO

Turquestão, outra província origem de Tártaros digo de Turcos, porque desta parte começaram os Turcos a fazer sua conquista: e propriamente se chama esta região Turan ou Turca, e porque a partícula e dicção Can significa Província, chamaram Turcastão ou Província de Turcos, e outros a chamaram Taycan ou Terra de Attay. E antigamente se chamou Cygatay, nome do neto do Tártaro, governador daquele estado, e agora vulgarmente se chama Samarcão ou Pamercão, que significa província de Pamer, nome daqueles vales de montes Bellor.

E seu distrito se estende dos montes Naugracoth ou Imaus por 41 gr. 16 m. até 50 gr. no paralelo 18, e fim do clima 7 onde o dia maior é de 18, digo de 15 horas 45m. E tem da parte setentrional os altíssimos montes Bellor; e da parte austral os montes Naugracoth, e da parte ocidental tem o Mar Cáspio e da parte oriental o deserto de Lop, de demónios e visões, e a terra de Cathay. De modo que Samarcão é principal empório do trato daquele sertão de Attay, para o Mogor, e Pérsia, que lhe ficam no Austro.

CAP. 12. DOASTRACÃ

A stracão, outra província de Citas mais setentrionais, que comunicam Moscpvitas da Europa pelo Volga e a Turcos de Natolia e Constantinopla. E se chama Astracão como Província da Estrela, porque como esta região está no setentrional, aqueles caminhantes da Pérsia e Turquestão, que de ordinário fazem caminho de noite e pelo frio, por se temer da fúria do calor do sol, e no caminho sempre se govemam pelas estrelas polares da Ursa Menor, que perpetuamente aparecem de noite, na parte da vanguarda e de conteira da cáfila de mercadores.

E seu distrito se estende do mar Cáspio por 45 gr. 13 m., até 60 gr. 40 m. no paralelo 28, no fim do clime 12, onde o maior dia é 18 horas 45 m. E tem da parte setentrional o embocadouro de Obio e terra de Molgon, e daqueles da região das trevas, e da parte austral tem o Mar Cáspio ou Hircano; e da parte ocidental tem o rio Boristhenes, e da parte austral, os montes Bellor, e a terra alagadiça de Caira.

CAP. 13. DA ÍNDIA

Í ndia intra e extra, maior e menor, era povoada de Bragmanes Magos, grandes astrólogos judiciários, e professores da seita da idolatria que habitavam nos embocadouros do Indo e Ganges; e depois se dividiram por respeito de seitas, de que seguiram espécies de idolatria. E os Bragmanes, como cabeças e metropolitanos da seita, povoaram o Chersoneso ou peninsula do Gatte, chamado Bitigo por Ptolomeu, no sítio ou região de Lac, como nota Marco Polo, lib. 3. cap. 30, e deve ser o de Madure regio bragmanarão naquela parte de Coromandel de Plínio. E aqueles Baneanes de 12 famílias se recolheram no Guzarate e no Metrópole Tanna de Bombaim; como se mostra naqueles grandes e sumptuosos edifícios de pagodes.

Mas os Bragmanes se estenderam mais no oriente assim no lado de Coromandel, como no sertão do Indostão, e Cocho do Ganges e Pegu que significa Pagou ou Pagode do Brama, e daquele seu Perumal, e passaram a terras remotas, e seu princípio foi da Trapobana do Ceilão antigo adoratório.

E os Jogues e Veztheas, como peregrinos não habitavam em lugar certo, mas era sua residência naquela romagem do Ganges, onde todo mundo procurava na vida fazer uma peregrinação e romaria, e estes Rogues devem ser aqueles Gimnosȯfitas.

CAP. 14. DE INTRA GANGES

A ín dia intra Ganges ou Ìndia Maior se estende do Indo até o Ganges, de ocidente para oriente, e da parte setentrional para o austro, se estende do Trópico de Cancer, em forma de Chersoneso ou Peninsula, até o promontório Chori de Coromandel, de Plínio e Ptolomeu, em 8 gr. 34 m. de latitude Boreal, no paralelo 3 antes do clima l. mais avante a ilha Trapobana.

E esta parte do Chesoneso ou Península do Gatte chamamos Balagase, por respeito dos montes Gattes, e devem ser os montes Bitigo de Ptolomeu, porque os nomes antigos são diferentes dos modernos nestas províncias, ainda que o Coromandel do Bisnaga e o Malavar de Calicut permaneçam, porque deles faz menção Plínio e Marco Polo lib. 3. cap. 29.

CAP. 15. DE EXTRA GANGES

A ín dia Extra Ganges ou ín dia Menor pelo trópico de Capricórnio, do rio Ganges se estende, para oriente, até Camboja e mar Mangico ou Sinus magno; e nesta parte estava aquela estrada, caminho de rios para o Cattay do sertão, com empórios, no embocadouro do Ganges, e no de Cosmim de Pegú, porque deste rio de Cosmim passavam as naus ao Cattay, e antigamente se chamava Baracura Emporio por Ptolomeu, na Tá ua 12 da Ásia, onde nomeia esta região por Aurea Regio.

E nesta parte contém o Chersoneso aureo ou Samatra, com o continente de Viontana, e ilhas daquele Arquipélago Aromatico, e delas fez tábuas corográficas Álvaro Pinto Coutinho, cosmógrafo [genro de Erédia. N. A.].

CAP. 16. DA CAUSA DO AFIXAR E

LADEAR DA AGULHA

A principal causa do norte da agulha de marear, afixar e ladear em paragens, depende da pedra de cevar, chamada pelos Gregos magnetes, e pelos latinos Herculeus Lapis. E desta pedra trataram os antigos escritores para medicinas, mormente Galeno lib. 9, de Simpli. cap. 13. e Plínio lib. 36. cap. 16. Mas nunca tiveram notícia daquela secreta virtude de atrair e chamar o ferro, descoberta pelos modernos, da Serica de Attay, para mostrar a estrela polar, como se vê por experiência.

Porque por meio desta secreta virtude inclusa magnete ou pedra de cevar, se incorpora um ferro, com outro apartado, como radical ou ferro vivo, chamado por Plí io lib. 36. Mas como o ferro de natureza seca, participa mais de terra que de água, diferente de outros metais que se derretem com facilidade por ter mais de água. Ambos, assim a terra como o ferro estão unidos e conformes, por ser da mesma massa e natureza, como afirmam os alquimistas e Arist. lib. 4. meteor, cap. 7 cap. 10. Por onde consta ter a terra universal mais de ferro que de outros metais no centro; e da substância de ferro é a massa dura, das vettas de pedra rocha dos promontórios como nervos do mundo, que se estendem do setentrião para o austro assim pelo seco sobre o mar, como pela vaza debaixo do mar, sempre continuando com aquela natureza de massa, e por sua densidade atrai e chama o ferro remoto por via da virtude secreta do magnete, chamado pedra de cevar. Assim como o azougue chama ouro e prata e o alambre a palha.

E para declaração do sobredito é de notar como a frol de liz ou norte da agulha de marear, ou aquele liz de ferro ou aço, que se estende de norte su afixa nas linhas meridionais de certas paragens ou promontórios de terra firme do mundo, como no meridiano do Cabo das agulhas de Boa Esperança, no meridiano de Açores e Cabo de S. Agostinho do Brasil, e no meridiano do Cabo Chomorim do Indostão e no meridiano da ponta romania de Viontana, e noutros promontórios e cabos de terra firme do mundo; de sorte que nestas paragens afixa por experiência.

E o dito norte da agulha também ladeia, ora para o lado de nordeste, ora para o lado de noroeste, em paragens da costa da terra firme: como na costa de Espanha e África no Mar Atlântico, o dito norte da agulha nordesteia, ou o frol de liz se aparta do meridiano para o nordeste seguindo a costa de Espanha e África no ocidente. E na outra costa oriental de África no mar Indico nordesteia ou a frol de liz se aparta do meridiano para o noroeste, seguindo a costa oriental de África e Ásia.

Do modo que a frol de liz ou norte da agulha algumas vezes afixa em meridianos e outras vezes ladeia fora daqueles meridianos. E o ladear não sucede regularmente, porque em paragens diferentes de um meridiano faz variedade de mais ou menos diferenças, quero dizer o norte da agulha, se aparta mais ou menos do meridiano, conforme mais ou menos fundo do mar, como o manifesta a experiência no mar de Lisboa por ser menos fundo, nordesteia a frol de liz 2 terços de quarta, e no mesmo meridiano no mais fundo, além do Cabo Verde, nordesteia meia quarta; e mais a su no mesmo meridiano, no profundí simo mar de Tristão da Cunha, nordesteia uma quarta e meia.

E com esta experiência concluí os depender esta variedade da respondência que tem o ferro com a terra por via da pedra de cevar ou magnete, como agente para incorporar e unir o ferro da agulha com o ferro metal da terra espessa e densa dos promontórios como nervos do mundo, onde se estendem de ordinário as vettas de ferro, como matéria terrestre e substância adusta, diferente de outros metais, que tem mais de água que de terra, como o nota Arist. De modo que os promontórios, como terra esponjosa de metais de ferro ou terra dura e seca da mesma massa e natureza, tem virtude de atrair e chamar o ferro tocado com a pedra de cevar. E por isso o norte da agulha sempre segue o maior corpo de terra firme, ora fixando nos promontórios e cabos de terra firme, ora ladeando pela costa daqueles cabos com mais ou menos diferenças de apartamento do meridiano.

Ainda que alguns imaginaram fixar o norte das agulhas naqueles 4 pontos das linhas rectangulares dos quadrantes do mundo, que se cruzam no centro em ângulos rectos, apartado um do outro por 90 gr. do que a experiência mostrou o contrário, porque o dito norte da agulha fixa, ora mais ora menos, de 90 g. de distância de um ponto a outro, como vemos fixar no Cabo das agulhas da Boa Esperança, e da para ocidente tomar a fixar nos Açores ou Cabo de S. Agostinho do Brasil, por 50 gr. de apartamento, e para oriente tomar a fixar no promontório Chamorin por 65 gr. de distância.

E outros foram de parecer que o norte da agulha dependia da estrela polar Sinosura, porque depois do apartamento do Equinocial sempre havia de seguir a dita estrela polar, em todas as alturas até ao Polo boreal, onde o norte da agulha estaria empinado, para o vértice da cabeça ponto da estrela Sinosura. E sabemos o contrário pela viagem de Martin Forbicer, porque o norte da agulha nunca se empina para alto com o apartamento do Equinocial, com seguimento da estrela antes sempre raso sobre o horizonte, mostrando a linha boreal, e não a estrela polar nem pontos dos polos do mundo.

Também afirmam depender do polo magnete, quero dizer duma ilha de magnetes ou pedra de cevar plantada no polo do mundo, donde atrai e chama aquele ferro do norte da agulha, do que a experiência mostrou o contrário porque as minas de magnetes são as mesmas minas de ferro conforme Plínio lib. 36. E além de as haver na parte setentrional, se acham em muita quantidade daquelas pedras noutras partes e mormente nas Indias intra e extra-Ganges. E quanto mais a pedra de cevar ou magnete tem aquela virtude de atrair e chamar não somente para o norte, mas para os ângulos do mundo, norte, sul, leste, oeste, e a pedra por qualquer parte destas inclina o ferro ou norte da agulha para aquela parte cevada e tocada do magnete e pedra de cevar.

E desta pedra de cevar se acham muitas espécies, porque algumas pedras são pretas e outras brancas e azul e pardo ou como côr de canela, e a melhor é a côr de canela, e a pior é a branca, e se acham em minas de ferro, conforme Plínio.

E o uso de tocar o magnete ou pedra de cevar no ferro para mostrar o polo boreal, não deve ser muito antigo, pois desta virtude não trata Plínio e Ptolomeu, nem outros escritores e historiadores, nem Marco Polo Veneto usou deste instrumento na sua feliz viagem da Java Menor, da terra austral, no ano 1295. Por onde esta invenção se descobriu depois pelos Seres da Seryca e Attayos, Chinas Chincheos, grandes marinheiros do Mar Mangico; porquanto nesta nação da Serica sempre usaram de navegações pelo oceano das Indias intra e extra Ganges e India Meridional, por que todo este distrito era tributário ao império do Attay ou Cathay de Serica. E posto que antigamente os marinheiros se governavam pela estrela polar e Ursa Menor, todavia depois usaram de agulhas de marear numa forma simples; porque numa porcelana ou taça de vidro, cheia de água salgada e sobre a água levemente soltavam uma agulha de alfaiate tocada com a pedra de cevar, que mostrava o polo do mundo e eu alcancei Chincheos que usavam deste instrumento navegando pelo mar Mangico: por onde esta invenção parece inventada por Chincheos marinheiros, como o mostra o nome da agulha que permanece até ao presente e navegações, chamando agulha de marear e aquela agulha sobre a água da porcelana, e daí se passou para a Europa no ano 1304, no pontificado de Clemente V. Com que temos abreviado e concluído com o tratado, para maior glória de Deus e bem universal e nas matérias que tratei em tudo está sub correction Ecclesia.

Em Goa, aos 24 de Novembro de 1613.

FINIS LAUS DEO OPTIMO MAXIMO

"Lanchara: de: Malayos." e "í nco: ou: Soma: da: China." Incluídos na Declaraçam....

*"Tratado III" da Declaração de Malaca e índia Meridional com o Catay, in IIITratados, de Emanuel [sic] Godinho de Erédia, Bruxelas, 1881.

desde a p. 119
até a p.