Rotas e Embarcações

O SIGNIFICADO ACTUAL DO COLÉGIO DE SÃO PAULO

Aloysius Berchmans Chang*

Fachada da Igreja da Madre de Deus ou de São Paulo, pormenor: o Sol, que ladeia, no tímpano, a representação do Espírito Santo. Xie Ronghan: fotografia, 1991.

EXPLICAÇÕES CONCEITUAIS

Introdução

Já decorreu um longo período histórico de 431 anos desde que pela primeira vez (em 1563) chegaram a Macau os três jesuítas, Francisco Peres, Melchior Carneiro e André Pinto, período em que estes e outros jesuítas trouxeram para a China as ciências e a civilização do Ocidente e, ao mesmo tempo, deram a conhecer ao Ocidente a cultura chinesa. Além de impulsionarem o intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente, espalharam as sementes do Evangelho na China, no Japão, no Vietname e noutros países.

O Colégio Universitário de São Paulo, fundado em 1594 em Macau, foi uma das bases mais importantes para os jesuítas predicarem o Evangelho e darem a conhecer a civilização ocidental no Extremo Oriente. O ano corrente coincide com o quarto centenário da fundação do Colégio de São Paulo, ocasião pela qual se celebra agora, graças à iniciativa do Instituto Cultural de Macau, a presente reunião comemorativa. "Sem sermos profetas, limitar-nos-emos a apresentar aqui uns poucos pontos de reflexão a respeito do esforço missionário da Companhia de Jesus no nosso país, baseando-nos nas concepções educacionais da Companhia (e do Colégio Universitário de São Paulo)."

Formação de Missionários Ocidentais para a China

A administração da Companhia de Jesus (e do Colégio Universitário de São Paulo) julgava, a grosso modo, que o ensino superior tinha muito à ver com o esforço missionário e condizia com as necessidades essenciais deste. O ensino superior é capaz de contribuir para a realização satisfatória dos objectivos missionários. Os problemas mais importantes que dizem respeito ao esforço missionário influenciam, na sua maioria, a vida cultural da população local. Assim, os jesuítas na China não seriam capazes de levar a cabo a tarefa de converter os chineses se não soubessem fazer penetrar no pensamento chinês o ideário cristão, se ignorassem a língua chinesa e se não se familiarizassem com a cultura e o pensamento tradicionais da China.

Ao fundar o Colégio Universitário de São Paulo em Macau, a Companhia de Jesus tinha como finalidade preparar os missionários ocidentais enviados para a China, mostrando-lhes com clareza que, a fim de levar a cabo com êxito o esforço missionário na China, deviam fixar com precisão os objectivos a atingir e as medidas a adoptar. Deviam, além do mais, prezar altamente a grandiosa e milenária cultura chinesa, acomodar-se aos ritos requintados e à refinada psicologia dos chineses. Deviam, enfim, convencer os chineses de que os ensinamentos e a doutrina de Cristo coincidem perfeitamente com o pensamento e a cultura predominantes na China. É por isso que, uma vez em Macau, na costa do Sul da China, os missionários ocidentais deviam, com a modéstia de quem louva a glória de Nosso Senhor, começar por aprender com aplicação a língua chinesa, familiarizar-se com os costumes e ritos chineses e respeitar zelosamente a cultura tradicional desta nação.

Os missionários que vinham para a China deviam identificar-se inteiramente com este país, quer na vida quotidiana, quer no vestuário, quer nos contactos com as pessoas, e dar-se bem com todo o mundo, como para glória de Cristo fizera o Apóstolo São Paulo. Deviam pensar como pensavam os chineses e fundir-se com os sectores dirigentes e eruditos do país. Nessa altura, os chefes da Companhia de Jesus em Macau estavam convencidos de que bastaria que os sectores dirigentes chineses se convertessem ao Cristianismo para que se tomasse fácil a conversão da comunidade em geral. Daí a necessidade de travar, ao predicar a Fé, relações de amizade com os chefes oficiais locais e aproveitar, como recurso intermédio, as conquistas da civilização ocidental, entre as quais os instrumentos científicos, os livros, as ciências e a arte pictórica, a fim de granjear o respeito e a confiança dos literati chineses. Deviam dedicar gigantescos esforços ao estudo dos livros clássicos chineses e aprender a dominar o pensamento tradicional (confuciano) da China e explicar em língua chinesa a doutrina da Fé. Foram essas considerações e decisões que fizeram com que os jesuítas tivessem obtido êxito na China.

O principal promotor dessas decisões foi o P.e Alexandre Valignano (1539-1606), Visitador da Companhia de Jesus no Extremo Oriente. Foi ele que, em 1594, procedeu à reorganização da residência de Macau da Companhia, nomeando Superior da Casa da Madre de Deus o P.e Lourenço Mexia e Reitor do Colégio de São Paulo o P.e Duarte de Sande e elevando o Colégio à categoria de Colégio Universitário, de única especialidade. Em 1596, a Casa de Macau da Companhia de Jesus contava com um total de 12 padres, e o Colégio com um total de 30. O programa de ensino do Colégio consistia em Teologia Doutrinária, com dois professores; Ética, com um professor; Humanidades e Retórica, com um professor; Latim, com um professor; Linguística, com um professor; Filosofia e outras disciplinas, com diferentes professores. Foi no Colégio Universitário de São Paulo que muitos missionários ocidentais puderam estudar as línguas e as culturas da China, do Japão e doutros países do Sueste Asiático antes de se deslocarem para essas áreas da Ásia como predicadores da Fé.

Na biblioteca do Colégio existia uma abundante colecção de livros sobre as línguas, as literaturas, as filosofias, as histórias e as culturas do Japão, da China, do Sião, do Vietname, da Coreia e doutros países asiáticos, bem como crónicas de experiências pessoais de missionários, entre as quais se contavam relatórios sobre o desenvolvimento do trabalho missionário em países como as Filipinas, a Indonésia e a Índia. Aqui foram editados e impressos livros em chinês e em línguas ocidentais. Por exemplo, foi publicado em 1584 o primeiro livro escrito em chinês sobre a doutrina católica, da autoria do P.e Miguel Ruggieri (1543-1607) e intitulado Tianzhu Shilu (A Verdade de Deus), com uma tiragem de 1.200 exemplares.

Tratou-se do primeiro livro católico em chinês. Pouco mais tarde, apareceu uma segunda edição do livro, desta vez intitulado Tianzhu Shengjiao Shilu (A Verdade da Santa Religião de Deus), que não apenas se distribuiu na China, como também nas Filipinas, em Ainão e no Japão. Exemplares desta edição chegaram até à própria Europa. O livro visava defender a verdade da Fé e atrair e preparar o leitor pagão, aproximá-lo da luz de Cristo, convencê-lo da verdade diáfana da religião e, finalmente, convertê-lo ao catolicismo com renúncia dos credos supersticiosos existentes na China. Explicava pormenorizadamente a doutrina do Nascimento, da Paixão e da Eucaristia. Porém, dos sete sacramentos, não mencionava senão o baptismo, omitindo os seis restantes, bem como a trindade divina. Não continha referências às instituições eclesiásticas e à Santa Sé Romana, nem passagens contrárias aos livros clássicos chineses ou aos costumes éticos da China. Afinal de contas, tratava-se de um livro em defesa da religião adaptado às condições dos eruditos, letrados e populares da China, livro cuja leitura induz a achar harmonia entre o seu conteúdo e o pensamento chinês do Grande Saber (Da Xue) e do Meio Termo (Zhong Yong) e ajuda o leitor a distinguir entre o Bem e o Mal e a afugentar as nuvens e névoas para avistar o céu límpido.

No fim do mesmo ano (1584), saiu à luz outro livro doutrinário intitulado Chou Ren Shi Pian (Dez Textos para os Eruditos), da autoria de Mateus Ricci, e provavelmente impresso também no Colégio Universitário de São Paulo. O livro Tianzhu Shilu constava de 16 capítulos e um prefácio escrito por Miguel Ruggieri, no qual sublinhava que o livro fora redigido e publicado porque os missionários não encontravam outra maneira de pagar o imenso favor que lhes fora concedido pelo Celeste Império de autorizar a sua estadia pacífica na China senão dando a conhecer aos chineses, em língua chinesa, o que era o catolicismo do Ocidente, de forma a que os chineses também fossem remidos e pudessem compartilhar a graça de Deus. "Sem outra forma de agradecer tão grande favor, só nos resta pagá-lo numa reduzidíssima parte redigindo e imprimindo em língua chinesa o presente livro." O primeiro livro em língua ocidental tipograficamente impresso no Colégio Universitário de São Paulo dizia respeito à "Viagem dos Embaixadores Japoneses à Europa", conhecido na história do catolicismo no Japão sob o título latim de De Missione Legatorum Iaponensium ad Romanam Curiam, Rebusque in Europa, ac Toto Itinere Animadversis Dialogus ex Ephemerido Ipsorum Legatorum Colletus, et in Sermonem Latinum Versus, ab Eduardo de Sande Sacerdote Societatis Iesu. O livro, concebido pelo P.e Valignano com base nos diários dos embaixadores japoneses e compilado e traduzido em latim pelo P.e Duarte de Sande (1547-1599), foi impresso em Macau em 1590 com uma máquina tipográfica trazida pelos embaixadores japoneses, como fica patente na Portada: In Macaensi Portu Sinici Regni in Domo Societatis Jesu cum Facultate Ordinarii, et Superiorum, Anno 1590. Com a mesma máquina foi impresso também, em 1588 e no Colégio Universitário de São Paulo, o livro Christiani Pueri Institutio, da autoria do P.e João Bonifácio. Trata-se dos dois livros mais antigos publicados numa língua ocidental na China.

Fachada da Igreja da Madre de Deus ou de São Paulo, pormenor: pomba a simbolizar o Espírito Santo (figura central do tímpano). Xie Ronghan: fotografia, 1991.

Tudo o que até aqui expusemos evidencia o que fez a administração da Companhia de Jesus (e do Colégio Universitário de São Paulo), organizando o Colégio como base de preparação de missionários jesuítas ocidentais. Os factos demonstram que foi assim graças aos métodos correctos empregados no esforço missionário, que se abriram para os jesuítas as portas da China, até então fechadas ao catolicismo. Os factos históricos demonstram, além do mais, o quanto contribuíram o Colégio Universitário de São Paulo e o seu predecessor no sentido de formar para a China grande número de missionários ocidentais plenamente identificados com o pensamento chinês, homens entre os quais ocupariam lugar de destaque Miguel Ruggieri, Mateus Ricci (1552-1610), Lázaro Cattaneo (1560-1640), Diego de Pantoja (1571-1618), Afonso Vagnoni (1566-1584), Sabatino de Ursis (1575-1620), Manuel Dias Júnior (1574-1616), Nicolau Trigault (1577-1628), Júlio Aleni (1582-1649), conhecido como o "Confúcio vindo do Ocidente", Francisco Furtado (1587-1653), João Terrenz (1576-1630), João Adão Schall von Bell (1591-1666), Martinho Martini (1624-1661) e Ferdinando Verbiest (1641-1688), missionários que, para além dos seus merecimentos na divulgação do Evangelho em prol da causa chinesa, foram figuras importantes na história do intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente e que nos deixaram numerosas obras escritas em chinês.

Formação de Missionários Chineses

Grande foi a contribuição dada pelo Colégio Universitário de São Paulo no sentido de formar missionários jesuítas não apenas ocidentais, como também chineses. A concepção que guiou o esforço do Colégio de formar futuros missionários chineses consistiu em pôr em destaque tanto a Teologia como as disciplinas leigas do Ocidente, que incluíam línguas ocidentais como o Português e o Latim, e disciplinas culturais e científicas ocidentais como as Matemáticas, a Astronomia, a Música, a Botânica, a Medicina, a Física, a Pintura Ocidental, a Filosofia, etc. Entre os numerosos estudantes do Colégio, teve lugar de destaque Wu Yushan, que cursou os seus estudos teológicos essencialmente na Casa de Macau da Companhia de Jesus e estudou as disciplinas leigas no Colégio.

Wu Yushan (1632-1718), que tinha também o nome Wu Li e como nome religioso Simão Xavier da Cunha, além dos nomes de elegância que se dera: "Morador do Riacho dos Pêssegos" e "Meditador do Poço da Tinta Negra", nativo de Changshu, província de Jiangsu, foi, entre os sacerdotes católicos chineses da Companhia de Jesus, o único, até hoje, a ser também poeta e pintor. Baptizado na infância, ingressou na Companhia de Jesus em Macau em 1682, quando já tinha 50 anos de idade. Em 1688, com 56 anos, foi consagrado sacerdote em Nanquim pelo bispo chinês, o P.e dominicano Luo Wenzao e os jesuítas Liu Yunde e Wan Qiyuan. A sua modéstia e integridade moral foram dignas de admiração. A respeito dele como homem, poeta, calígrafo e pintor, encontram-se avaliações justas nos prefácios escritos por Tang Yuzhao, Chen Yurui, Chen Hu e Yu Huai para os seus livros Xiao Shi Shanfang Congshu (Colectânea de Textos da Cabana Montaraz de Pedra Miúda) e Mo Jing Shi Chao (Poesias do Poço da Tinta Negra).

Após a consagração como sacerdote, Wu Yushan passou a dedicar-se por inteiro ao esforço missionário e iluminador, e foi assim que trabalhou durante trinta anos a fio. Predicou o Evangelho em Xangai, Jiading e outras partes. Nos primeiros anos do sacerdócio, não teve tempo para a prática das artes caligráfica e pictórica. Só a partir da idade dos 70 anos (1702) retomou estas artes, quando a sua pintura já se distinguia por um estilo que lhe era próprio, estilo que, por assim dizer, se caracterizava pela "profundeza do místico, generosidade como que do vinho macio e gravidade da melancolia", com linhas de traços "simples, austeros, largos e graves", características essas que não podem ser suficientemente louvadas. A sua obra poética lembra a de Tao Qian (ou Tao Yuanming), no sentido de, por assim dizer, "entrever-se pintura em meio da poesia".

Ao comentar o seu livro Tao Xi Shi Gao (Poesias do Riacho dos Pêssegos), Qian Dongjian, seu mestre, julgou-o dotado de "pensamento límpido, estilo profundo e aptidão no controle minucioso das palavras". Wen Zhaotong, nativo de Yushan, elogiou a sua poesia e pintura como "solidamente fundadas na aquisição da herança dos mestres antigos mas distintas por uma originalidade própria que lhe valeu renome por todo o lado". Tiveram razão os comentaristas e críticos dos últimos trezentos e tal anos ao apreciarem todos tão altamente a poesia e a pintura de Wu Yushan, bem como os historiadores da Igreja ao elogiarem a sua vida religiosa, os seus abnegados esforços missionários e a sua certeira crítica do estilo da pintura ocidental. Foi ao Colégio Universitário de São Paulo que Wu Yushan ficou a dever os vastos conhecimentos seculares e temporais que veio a possuir. Faleceu em 1718, com 87 anos de idade. Foi sepultado a sul de Xangai, no Cemitério Santo de Lu Jia.

Antes de ingressar no curso elementar do Seminário de Macau da Companhia de Jesus no ano de 1682, Wu Yushan já tivera muitos anos de convívio com os padres e freires jesuítas, e durante os três anos e alguns meses de estudos na Casa de Macau da Companhia e no Colégio Universitário de São Paulo, fez notáveis progressos em todas as disciplinas, entre as quais a Teologia, a Prática Eclesiástica, a Língua Portuguesa, a Língua Latina, as Ciências e Técnicas Ocidentais e as Artes. Daí a excelente inspiração religiosa patente na sua poesia católica. Os poemas que compôs durante a sua residência na Casa de Macau da Companhia de Jesus, antes do seu ingresso na Companhia, estão reunidos na colectânea San Ba (São Paulo), que incluem 30 poemas sobre Macau, aos quais se seguem 80 sobre a sua própria pessoa e outros temas. Os poemas sobre Macau deixam entrever alguns aspectos da vida do autor anterior ao seu ingresso na Companhia de Jesus. Alojado na Casa da Companhia, deslocava-se todos os dias ao Colégio Universitário de São Paulo para aprender a língua portuguesa, a língua latina, a doutrina católica e a teologia. Em horas de lazer, podia ainda compor poesias e pintar. O primeiro poema da colectânea San Ba indica que o autor veio para Macau e se alojou no Colégio Universitário de São Paulo justamente para ingressar mais tarde na Companhia de Jesus. O poema reza:

    "Ultrapassadas as Portas do Cerco, terminam as terras de 
                   [ Guangdong e começam as areias planas. 
    As colinas de Haojing lembram uma flor. 
    Não me surpreende encontrar-me aqui, que não vim enganado, 
    Já que fiz esta longa viagem no intuito de cursar estudos em 
                                                    [ São Paulo."

Satisfeito com o ambiente do segundo andar da Casa da Companhia de Jesus, no Colégio de São Paulo, cantava num poema:

    "No segundo andar entram os sons de três lados. 
    Mesmo sem vento, as vagas marinhas como que trovejam.  
    Afinal de contas invejo as gaivotas a esvoaçarem livres cá e lá, 
    Invadindo em bandos mesmo o biombo decorado."

Descrevendo as suas impressões do tilintar das campainhas que anunciavam o começo e o fim das aulas, durante os seus estudos no Colégio Universitário de São Paulo, escreve num poema:

    "Rara a oportunidade de aprender com professores de ultramar. 
    Usam touca todos os condiscípulos vindos de países 
                                            [ longínquos. 
    Às horas fixas dão-se as aulas. 
    Em silêncio ouvem-se as campainhas anunciadoras."

A respeito das diferenças entre a língua chinesa e as línguas portuguesa e latina, que andava a aprender com aplicação no Colégio Universitário de São Paulo, há também referências nos poemas de Wu Yushan como, por exemplo:

    "À porta do prédio fala cada um a sua língua nativa, oriental 
                                                         [ ou ocidental. 
    Não nos entendendo bem de ouvido, recorremos à caneta. 
    Mas eu escrevo caracteres diminutos como cabeças de mosca 
                     [ e vós linhas curvas como garras de ave. 
    Ainda por cima, não ledes na horizontal o que escrevo, nem vou 
                                 [ ler na vertical a vossa escrita."

Ao receber a notificação de admissão à Companhia de Jesus, decidiu dedicar-se por inteiro à vida eclesiástica nos termos das Constituições da Companhia, segundo a qual devia renunciar a tudo, mesmo à poesia e à pintura. Foi por isso que declarou num poema de remate:

    "Envelhecido, quem poderá recuperar a juventude? 
    Tantas coisas a fazer, não há tempo a perder. 
    Para dizer adeus aos hábitos do passado, começarei por 
                                          [ queimar o tinteiro. 
    Privar-me-ei também das garabulhas pictóricas e da poesia."

Passou à poesia católica. Era, porém, indescritivelmente difícil a criação poética nessa nova área. Prosseguindo no sacerdócio a sua missão evangélica, escreveu numa ocasião a Zhao Lun, seu discípulo:

"Dificílimo é compor poesias católicas, incomparavelmente mais difícil do que fazê-lo com outros tipos de poesia."

"Dificílimo" porque esta poesia deve apresentar-se nitidamente diferente dos hinos religiosos comuns. Um excelente poema católico deve ser tal que, quando o ler um amigo não cristão, este não deve encontrar nada de alheio, antes deve deixar-se influenciar, sem dar por isso, pela mensagem cristã que o poema veicula implicitamente. Isso é, efectivamente, muito difícil. Um ensino com uma força penetrante e convincente semelhante à influência implícita da poesia católica era justamente o que visava o Colégio Universitário de São Paulo na formação de missionários chineses. Aqui podemos citar, como exemplos, dois poemas católicos de Wu Yushan:

Ode a São José

    Acordado em pleno sono pelo arcanjo: 
    É meter-se a caminho às pressas, desafiando o vento glacial. 
    Geada e luar confundem-se nas vestes molhadas sobre o 
                                          [ corpo exausto. 
    Impossível sair por entre as montanhas íngremes e superpostas, 
    Só resta fugir pela velha senda montando o velho cavalo. 
    Zelando com desvelo pela segurança do Menino, 
    Encarando com coragem os indescritíveis rigores e privações 
                                                       [ da ocasião. 
    Montanhas verdejantes vão desaparecendo, e nuvens brancas 
                                         [ flutuam para o Leste. 
    Pobreza e fadiga, trinta anos a fio. 
    Mas nem misérias nem privações são motivo de remorso. 
    Cumprida a sagrada missão e merecida a recompensa celestial, 
    Não há nada a lamentar no momento do último suspiro. 
    Sem melhor consolação terreal do que a homenagem da 
                                              [ posteridade, 
    Graça incomparável é a bênção da Divina Providência. 
    Inúmeros foram os santos de que há memória. 
    Mas houve algum outro que merecesse tão sublime graça 
                                                     [ divina? 

Ode a São Francisco Xavier

    Sepultada nas moitas a auréola da santa Companhia. 
    Mas perdurarão as proezas do santo pioneiro. 
    Ficam ainda aí as antigas grutas nas Três Terras, 
    Só que, olhando para o céu, sinto soprar a triste brisa do 
                                                        [ meio-dia. 

Durante os três anos de estadia em Macau, Wu Yushan manteve-se em constante convivência e aprendizagem, no Colégio Universitário de São Paulo com os padres que ensinavam pintura ocidental, bem como com os jesuítas japoneses que aí a aprendiam. No entanto, ao invés de se deixar pura e simplesmente influenciar pela pintura ocidental, limitou-se a assimilar, de modo condicional, o que se lhe afigurava aceitável do ponto de vista da tradição da pintura chinesa. Persistiu no seu próprio parecer relativamente à pintura ocidental. No epílogo que escreveu para o seu livro Mo Jing Shi Chao, dizia:

"Macau chama-se também Haojing. Fica perto de Cantão. Aqui se fazem sentir influências tanto europeias como indianas, muito diferentes da cultura, dos costumes e dos ritos da nossa terra... O mesmo se pode dizer da caligrafia e da pintura. Enquanto a nossa língua começa pela forma escrita através de traços lineares e pontuais antes de se poder pronunciar, as línguas deles começam pelo lado fonético antes de adquirir forma escrita, que se compõe de linhas curvas e pontos esporádicos para serem lidas na horizontal. A nossa pintura não dá importância à parecença com a forma externa nem se deixa sujeitar por padrões ou cânones pré-estabelecidos, e eis a sua elegância transcendente. A pintura deles, em contrapartida, destaca o claro-escuro, a parecença com a forma externa e os cânones. Mesmo no caso da assinatura do pintor no seu quadro e da legenda anexa, nós pomo-las em cima ao passo que eles o fazem em baixo. É diferente mesmo a maneira como nós e eles manejamos o pincel. Diferenças como estas seriam intermináveis de enumerar."

Além de versado em poesia e pintura, Wu Yushan dominava bem a música. Compilou uma Tian Yue Zheng Yin Pu (Colectânea de Melodias da Música Celeste), que abrangia nove séries de melodias do Norte e do Sul do país bem como vinte melodias a l'antique por ele compostas. Todas as melodias incluídas na Colectânea se encontravam compostas em estrita harmonia com os padrões rítmicos, atingindo a grandiosa maturidade artística e a solene elegância, bem como a espontânea mas sublime suavidade. As melodias compostas a l'antique, por sua parte, são muito impressionantes pela sobriedade própria da música da época das dinastias Han e Wei. O texto consiste em explicações sobre a doutrina católica bem como sobre os ritos litúrgicos. Toda a escrita pode ser caracterizada, em termos globais, como uma obra musical de catequização bem fundamentada e bem convincente, que "revela aos homens a glória e a grandiosidade de Deus e lhes dá sermões tão familiares e convincentes que só são possíveis num pregador de grande erudição teológica e de profunda vocação religiosa". Como amostra, citaremos aqui a letra do primeiro hino, "Melodia Zui Hua Yin, na Chave Huangzhong da Música do Norte", do Coro de Agradecimento a Deus:

    "Omnipotente, Nosso Senhor tem presença por todo o lado. 
    Que grandioso, pelos séculos dos séculos! 
    Embora único, é uma trindade, homenageada sem 
                                         [ fronteiras. 
    Não há trono mais elevado, porque Ele abrange com o seu 
                                         [ amor o mundo inteiro. 
    Impossível agradecer-Lhe tão imenso favor, só o adoramos 
                                        [ devotamente, de joelhos."

Vê-se bem que, embora a aptidão literária que o autor demonstra na letra dos hinos tenha pouco a ver com o que aprendeu no Colégio Universitário de São Paulo, o espírito religioso subjacente a todos esses hinos fica a dever-se em grande medida à educação que recebeu nesse mesmo Colégio.

Vista das Ruínas do Colégio dos Jesuítas, Macau.

William Heine.

Litogravura, 15,5 x 12 cm, c. 1857.

Os Cursos da Memória, Macau, Leal Senado, Serviços Recreativos e Culturais, 1995, p. [59].

Berço de Coadjutores Chineses

Além da sua finalidade, bem original, de formar missionários, estrangeiros e chineses, para o esforço evangelizador da Companhia de Jesus na China, o Colégio Universitário de São Paulo não se poupava a esforços para, na linha da concepção de Santo Inácio de Loiola, o seu fundador, impulsionar a educação de alunos leigos do território. O P.e Lourenço Mexia, por exemplo, escreveu, a 8 de Dezembro de 1584, um relatório:

"A Companhia de Jesus de Macau compõe-se de doze jesuítas. No Colégio estudam duzentos alunos disciplinas como línguas, matemáticas e música."

Após assistir a um espectáculo teatral dado por estudantes do Colégio Universitário de São Paulo durante a sua visita a Macau em 1637, o P.e Peter Mundy escreveu:

"São numerosos os estudantes, elegantes e cultos, bem vestidos porque a isso ligam muito os seus pais. Os jesuítas envidam grandes esforços para educá-los nas boas maneiras, de forma a que venham a ser jovens perfeitos."

Efectivamente, a concepção educacional do Colégio Universitário de São Paulo consistia em ajudar os estudantes a adquirir os conhecimentos necessários e em dar-lhes uma boa educação religiosa e ética, preparando assim para a nação chinesa e para a Igreja católica dirigentes competentes e capazes de liderar a Igreja e a sociedade. Os factos demonstram que o Colégio Universitário de São Paulo e o seu predecessor proporcionaram à Igreja chinesa valiosos talentos de liderança.

Só na Companhia de Jesus da China são conhecidos, entre outros, os nomes dos freires Zhong Mingren, Huang Mingsha, You Wenhui, Lei Andong, Shi Hongji, Qiu Liangbing, Ni Yagu, Pang Leisi, Hang Madou, Fei Cangge, Xu Fuzhi, Fan Youxiu, Zheng Manuo, todos preparados pelo Colégio Universitário de São Paulo. Exceptuando-se Zheng Manuo, todos eles vieram a ser coadjutores da Companhia de Jesus. Como fica evidente a partir dos factos históricos, todos esses coadjutores contribuíram enormemente para a divulgação da Fé em áreas chinesas como Guangdong, Jiangxi, Jiangsu, Zhejiang, Shanxi, Fujian, Hebei, Henan e Shaanxi, nos últimos anos da dinastia Ming, ajudando, como chineses nativos que eram, os missionários ocidentais na tradução, na provisão do necessário para a vida quotidiana, em serviços como cicerones, mensageiros, carregadores de bagagens, enfermeiros e acompanhando-os até à cabeceira do leito de morte e organizando o seu enterro e outros assuntos póstumos. Sempre que havia dificuldades, faziam viagens entre Macau e o continente. Ajudavam-nos a familiarizarem-se com os ritos chineses, a aprenderem a língua chinesa, a adaptarem-se aos hábitos psicológicos dos chineses, a conhecerem as concepções cosmológicas e religiosas tradicionais da China e, deste modo, a facilitarem a assimilação recíproca entre o pensamento tradicional chinês e o Evangelho cristão.

Dignos de memória e homenagem são esses jesuítas que tanto fizeram para abrir caminhos à missão evangelizadora nos últimos anos da dinastia Ming e nos primeiros anos da dinastia Qing. Por exemplo, na história do início da evangelização na China, o nome de Zhong Mingren, nativo de Xinhui, província de Guangdong, aparece com frequência ligado ao de Mateus Ricci, já que o acompanhava e ajudava quando este estava doente ou se debatia com dificuldades. Em nome da causa da Igreja, percorreu as províncias de Guangdong, Jiangxi, Anhui, Jiangsu, Zhejiang, Shandong, Hebei, Shanxi, Shaanxi e Gansu. De sublimes qualidades morais e religiosas e gozando da apreciação e confiança de Ricci, foi um dos que maior contributo deram à obra evangelizadora na China nos últimos anos da dinastia Ming.

Outro exemplo foi o de Fr. Ni Yagu, ancestralmente originário de Guangdong mas pessoalmente nascido no Japão, que, além de ter ajudado Ricci a imprimir o Liang Yi Xuan Lan Tu, ajudou Diego de Pantoja a desenhar quatro Mapas dos Quatro Continentes. Em 1604, acompanhou Manuel Dias Sénior numa digressão por Guangdong, Jiangxi, Jiangsu e Pequim para inspeccionar o andamento da obra missionária e provou ser muito competente no exercício das suas funções. Granjeou comentários encomiásticos de Manuel Dias Sénior e Mateus Ricci. As suas pinturas, de grande valor espiritual para os crentes das freguesias, vieram a ser uma eficiente ajuda para Ricci conseguir estabelecer a sua posição na China e lançar os alicerces da Igreja neste país. Vê-se bem o quanto é indelével e inesquecível a contribuição dos coadjutores jesuítas chineses nativos de Guangdong e o quanto foram dignos de louvor os esforços despendidos pelo Colégio Universitário de São Paulo no sentido de os formar.

SIGNIFICADO PARA A CHINA

Introdução

Ao comemorarmos hoje o quarto centenário da fundação do Colégio Universitário de São Paulo e ao evocarmos a sua concepção educacional e os seus grandes êxitos práticos para o início da obra evangelizadora na China, convém que vejamos, encarando o presente e o futuro, qual o significado do evento para a expansão do reino divino de Cristo na terra chinesa. Em outras palavras, quais os objectivos que devemos potenciar para a nossa obra evangelizadora na China tomando em conta os brilhantes resultados dos esforços do Colégio Universitário de São Paulo? Tudo isso merece profundas reflexões.

Pano de Fundo Histórico

Foi em 1563 que se radicaram em Macau os primeiros jesuítas. Dois anos mais tarde, em 1565, construíram a sua Casa perto do que é hoje a Igreja de Santo António. Em 1576, foi construído um templo dedicado à Madre de Deus, com uma escola primária anexa, predecessora do Colégio Universitário de São Paulo. Um relatório do Superior, Cristóvão da Costa, do mesmo ano, revela que na escola estudavam 150 alunos as disciplinas de Leitura, Aritmética, Escrita e Língua Latina. Em 1584, o número de alunos aumentara para duzentos e fora acrescentada a disciplina de Música. Em 1580, Ruggieri construiu, na colina de São Paulo, uma escola primária para chineses e japoneses. Em 1582, os jesuítas abandonaram a velha residência para estabelecer, na colina de São Paulo, outra residência e um novo templo, predecessor da Igreja de São Paulo. Em 1594, como já dissemos acima, o P.e Alexandre Valignano, Visitador da Companhia de Jesus no Extremo Oriente, dividiu a organização jesuíta de Macau em duas partes, uma, a Casa, e a outra, o Colégio, elevando este, ao mesmo tempo, à categoria de Colégio Universitário. Em 1595, a Casa foi destruída num incêndio mas reconstruída no mesmo ano. Mais tarde, o Colégio abriu uma nova disciplina, de Belas-artes. Nele residiam constantemente trinta jesuítas, número que aumentaria, nos anos 1600-1661 para "setenta, antes de os novos jesuítas partirem para o Japão. O Colégio e a Casa eram os dois estabelecimentos mais importantes da Companhia de Jesus e constituíam a base da actividade missionária da China e do Japão. As disciplinas que se ensinavam no Colégio, entre as quais a Literatura, as Artes, a Filosofia e a Teologia, dotavam de conhecimentos académicos os jesuítas que pregavam a Fé na China e no Japão".

Pode dizer-se que o Colégio Universitário de São Paulo era uma "casa de sabedoria, jardim de virtudes divinas, escola dos devotos e mosteiro dos mártires". Em 1601, a capela e os três prédios do Colégio arderam num incêndio, e o auditório do Colégio passou a ser utilizado temporariamente como capela. A capela abriu de novo em 1603, após a reconstrução, mas a construção da sua fachada só ficou acabada em 1640. O Colégio Universitário de São Paulo foi uma universidade não apenas por ter essa categoria nominal, como também por sê-lo em termos substanciais. Foi a primeira universidade católica no sentido moderno da palavra no Extremo Oriente. Ao se referir ao Colégio em 1644, o P.e Cardim disse:

"A Universidade de São Paulo, estabelecida pela Companhia de Jesus, é de alto nível. Nela estudam normalmente sessenta estudantes. O nível é efectivamente universitário. Ensinam-se todas as disciplinas, da Gramática até à Teologia, e conferem-se os títulos correspondentes."

O que tinha de mais valioso era a sua biblioteca, a maior e melhor na época no Extremo Oriente no que respeita a livros em línguas ocidentais. Núcleo académico no Extremo Oriente, o Colégio Universitário de São Paulo era então o ponto fulcral no intercâmbio cultural entre o Oriente e o Ocidente. Os seus professores, quer em exercício quer reformados, cultivavam uma atmosfera de investigação académica e, ao mesmo tempo, debruçavam-se sobre a tradução de livros clássicos chineses ou a redacção de livros sobre a história das actividades missionárias no Oriente, bem assim como livros de defesa da religião ou de iluminação das almas. Efectivamente, "escrever é um trabalho de divulgação, muito diferente do trabalho de iluminação das almas ou de dar aulas, e diferente também das actividades apostólicas e de assistência social. As pessoas que escrevem têm de debruçar-se sobre os vocábulos, as frases, os símbolos e os conceitos. Frequentes vezes é preciso dedicar muito tempo e energias à procura dum vocábulo apropriado ou a expressão exacta duma ideia. Os longos tratos que se dão aos miolos nem sempre têm resultados imediatos. É como o trabalho de lavoura, paciente e calmo, espalhando sementes que têm de ficar no subsolo durante longos dias, meses e anos, antes de dar fruto, o qual, porém, pode ocorrer no momento menos esperado".

Como dissemos acima, em 1594 o Colégio Universitário de São Paulo ficou oficialmente registado, tanto na Santa Sé como no Governo local, como centro de ensino superior em Macau, de nível universitário. Em 1727, os jesuítas de Macau fundaram outro centro de ensino, o Seminário de São José, que admitia tanto freires como alunos externos. Assim, já funcionavam dois centros de ensino, ambos dando mais destaque à teologia, à filosofia, às línguas, à gramática, mas ensinando também as matemáticas, a física e outras ciências naturais. Às vezes, para atender às necessidades da população local, abriam-se cursos de comércio, de navegação marítima e outras disciplinas.

Nos primórdios da sua existência, o Seminário de São José só podia ser encarado como sucursal do Colégio Universitário de São Paulo, especializada na preparação de missionários chineses, e daí que os moradores locais lhe chamassem "Colégio de San Ba Zi" (Pequeno Colégio de São Paulo), e ao Colégio propriamente dito "Universidade de Da San Ba" (Grande Universidade de São Paulo). Em 1762, todos os jesuítas de Macau foram presos por ordem do Marquês de Pombal e, embarcados no navio "São Luís" como simples prisioneiros, foram repatriados para Lisboa e encarcerados na Torre de São Juliano. No dia 26 de Janeiro de 1835, foram destruídos num incêndio tanto o Colégio Universitário como a Igreja de São Paulo, e o Colégio teve de suspender o seu funcionamento, que tinha durado até então 241 anos. Quanto ao Seminário de São José, manteve-se como o primeiro centro de ensino de Macau até aos princípios do século XX, com 600 freires e alunos externos. Na década de 30 teve de mudar de estatuto devido à proibição decretada pelo Vaticano de admitir alunos externos, passando a funcionar como seminário exclusivo para a preparação de eclesiásticos.

Significado para o Futuro

O predecessor do Colégio Universitário de São Paulo foi a escola primária fundada em 1580 por Ruggieri na colina de São Paulo para chineses e japoneses. Após um período de trabalho penoso, veio a ser um centro de ensino mais ou menos regular, com o nome de Colégio de São Paulo. Registou-se em 1594 e foi reconhecido oficialmente pelas autoridades como centro de ensino superior. Em 1722, um benfeitor construiu no cimo da colina dois edifícios e, ao morrer, doou-os aos jesuítas como recinto da Casa de São José, que passou a chamar-se, em 1732, Seminário de São José. Daí em diante, foram-se construindo novos edifícios e, em 1785, ficou acabada a construção da majestosa capela do Seminário, hoje Seminário de São José. Após a saída dos jesuítas, tanto o Colégio como o Seminário passaram, em 1762, a ser geridos pela Diocese de Macau. O período efectivo de administração jesuíta do Colégio, a partir da elevação da sua categoria ao nível universitário, foi de 168 anos. Suspendeu o seu funcionamento devido ao incêndio de 1835, para não retomá-lo nunca. No que diz respeito à contribuição do Colégio Universitário de São Paulo, sob a administração da Companhia de Jesus, para a China, julgo que merecem exame e reflexão os seguintes pontos ─ devido à sua importância para a nossa actual missão evangelizadora na China:

1. No actual e futuro ensino de missionários ocidentais para a China, nas universidades e seminários católicos, parece necessário dar ainda maior destaque à cultura e pensamento tradicionais da China, ao estudo (e seguinte acomodação) das obras académicas chinesas e à aquisição de concepções transcendentes identificadas com as condições da China, de forma a que, abnegados, saibam seguir e imitar o exemplo do Apóstolo São Paulo (padroeiro do Colégio) e pôr em prática o conselho que São Paulo deu, às pessoas de então, no sentido de não pouparem dinheiro, energias e sacrifícios para servir unicamente Cristo e alcançar o objectivo de honrar a glória de Nosso Senhor.

2. No actual e futuro ensino de missionários chineses na China, nas universidades e seminários católicos, parece necessário, além do estudo dos livros académicos clássicos chineses (de essencial necessidade), dar ainda maior destaque às disciplinas ocidentais como a Escolástica, as Línguas, a Teologia, os Sacramentos, as Ciências e Tecnologias e a Civilização em geral, de forma a que adquiram conhecimentos ainda mais profundos e obtenham títulos académicos ainda mais elevados, os quais lhes possibilitarão pregar a Santa Fé na sua própria língua, liderar as investigações académicas no país e impulsionar o intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente, alcançando assim o objectivo evangelizador de um modo mais eficiente.

3. No actual e futuro ensino de estudantes comuns nas universidades e seminários católicos, parece necessário dar ainda maior destaque ao objectivo educacional de desenvolver integralmente a personalidade do estudante e fazer dele uma pessoa física e mentalmente sã, útil à sociedade e digna da glória do Criador. A concepção educacional das universidades deve consistir em ajudar o estudante a adquirir conhecimentos e, ao mesmo tempo, em dar-lhe uma educação religiosa, servindo de berço de maior número de talentos de liderança dotados de perseverança, bondade e todas as qualidades próprias dos servos de Deus, bem assim como de casa de sabedoria, jardim de virtudes divinas, escola dos devotos e ponto de partida dos abnegados.

CONCLUSÃO

Nos últimos anos da dinastia Ming e nos primeiros da dinastia Qing, a imensa maioria dos missionários ocidentais e chineses da Companhia de Jesus, seguindo o nobre exemplo de São Francisco Xavier, cumprindo a vontade legada de Santo Inácio Loiola e respondendo com fervor ao apelo de Deus, única fonte das virtudes divinas, tomou corajosamente a seu cargo a missão de pregar o Evangelho no Oriente. Receberam educação no Colégio Universitário de São Paulo de Macau e no seu predecessor. Com grande modéstia, fizeram grandes esforços por se familiarizarem com os costumes locais, puseram vestuário chinês, deram a conhecer aos chineses as ciências ocidentais, explicaram a doutrina da Santa Religião, suportaram resignadamente dificuldades e mal-entendidos de toda a espécie, abriram caminhos em plenos sarçais e acabaram por chegar com êxito a Pequim, granjearam a confiança do Imperador e estabeleceram-se na capital da China. Para além de excelentes virtudes religiosas, possuíam vastos conhecimentos académicos. Entre eles contavam-se astrónomos, geógrafos, matemáticos, arquitectos, músicos, diplomatas, filósofos, teólogos, eclesiásticos e pintores. Eram, porém, primeiro que tudo, mensageiros de Deus e testemunhas de que "é chegado o reino dos céus". A história é a melhor pedra-de-toque da verdade e também uma lição filosófica baseada nos exemplos práticos. A missão evangelizadora na China é uma obra global e a longo prazo. Requer, portanto, preparativos adequados e planos circunstanciados. Ao comemorarmos hoje o IV centenário da fundação do Colégio Universitário de São Paulo, convém que saibamos assimilar o que há de melhor na experiência do Colégio, extrair os ensinamentos úteis e fazer novos esforços para obter êxitos ainda maiores.

Comunicação apresentada no Simpósio Internacional "Religião e Cultura", comemorativo do IV Centenário da Fundação do Colégio Universitário de S. Paulo, realizado pelo Instituto Cultural de Macau, Divisão de Estudos, Investigação e Publicações, entre 28 de Novembro e 1 de Dezembro de 1994, em Macau.

Tradução do original chinês por Chen Yongyi; revisão de Pedro Catalão; revisão final de Júlio Nogueira.

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* Provincial da Companhia de Jesus, reitor da Universidade Católica de Furen, Taipé, e professor na Faculdade de Teologia da mesma universidade.

desde a p. 177
até a p.