Rotas e Embarcações

INFLUÊNCIA DA FARMACOPEIA CHINESA NO RECEITUÁRIO DAS BOTICAS DA COMPANHIA DE JESUS

Ana Maria Amaro*

Fachada da Igreja da Madre de Deus ou de São Paulo, pormenor: navio com a imagem de Nossa Senhora (lateral esquerda, 3.a fileira). Xie Ronghan: fotografia, 1991.

"Non magis incider mendicus mendico quam Medicus medico."

(P.e António de Barros, c. 1756).

A INFLUÊNCIA DA MEDICINA CHINESA NA BOTICA DO COLÉGIO DE SÃO PAULO

Quando, pelos anos de 1562 ou 1563, os Jesuítas fundaram, em Macau, a sua residência, como ponto de passagem para o grande Império da China, o primeiro lugar em que "se agazalharão foi abaixo da Cruz onde esteve a ermida de S.to António e depois se passaram para cima por não haver água".1 Essa segunda residência, espaçosa, com horta e jardim, veio a transformar-se no famoso Colégio de S. Paulo que teve, de muito cedo, uma enfermaria2 e uma botica bem apetrechada.

Numa relação da vitória dos portugueses em Macau contra os holandeses, datada de 1622,3 pode ler-se: "(...) tivemos vinte feridos (...) que baixaram à enfermaria do Colégio de S. Paulo conforme foi comunicado pelo Senado a D. Francisco da Gama, conde da Vidigueira4, (...) e o que mais agradecemos a estes religiosos no tempo deste aperto foi que os feridos que houve da nossa parte os recolheram no seu Colégio (...) assim brancos como pretos e a todos curaram as suas mezinhas acudindo-lhes com o necessário."5

Nesta altura já o Colégio dispunha, pois, da sua enfermaria, excelentemente colocada, conforme a descreveu, bem como à botica, mais tarde, em 1740, o P.e José Montanha, nos seus Aparatus para a História do Bispado de Macau. Segundo este padre, a enfermaria não era pequena e destinava-se aos religiosos que chegavam a ser 60, aos alunos e, por vezes, a pessoas estranhas à casa. A sua lotação não ficou "registada", mas sim, e com muito pormenor, a sua disposição com "varanda nova, com vistas para o rio".

Quanto à botica, já em 1603 estava provida com simples e medicamentos da farmacopeia ocidental da mais avançada da época, simples que, em Macau, eram pedidos para Goa e, dali, remetidos anualmente.

Esta botica era dirigida por um irmão especializado na preparação de medicamentos, o qual, às vezes, em caso de necessidade, era chamado a tratar dos doentes, quer na enfermaria, quer fora do Colégio.

Num documento, redigido por um destes irmãos boticários, datado de 1625, mas não assinado, consta que, até ao século XVII, Macau nunca tinha tido físico diplomado, sendo de crer, portanto, que fossem apenas cirurgiões os que, anteriormente, foram citados como médicos a exercerem naquele território.6

As boticas dos colégios dos Jesuítas eram de facto das melhores do seu tempo, tendo lugar preponderante a seguir à Igreja, à Biblioteca e ao Salão de Actos ou Aula Magna.

A botica era constituída por uma sala e uma oficina. A primeira servia de loja ou farmácia e era aí que os medicamentos estavam à disposição do público. Nessa sala havia, geralmente, uma imagem de Nossa Senhora da Saúde. Na oficina ou laboratório, nunca faltavam a fornalha, a estufa, o alambique de cobre, os almofarizes com as suas mãos de ferro, e outros de diferentes tamanhos, de pedra, além de espátulas, vasos de porcelana, vidro, barro vidrado, e grandes potes chineses. Havia, ainda, tachos, de vários tamanhos, de arame (metal, geralmente latão) e uma biblioteca especializada.7

Em 1625, não havia em Macau nem botica nem mezinhas ao modo português, senão as do Colégio dos Jesuítas.8 E tanto a enfermaria como a botica do Colégio em breve se impuseram à consideração da população de Macau, que não lhe rogava donativos, por vezes de certa monta.

Tal como o Colégio de Goa, o Colégio de Macau tornou-se, de imediato, no centro cultural da Cidade.9 Segundo o P.6 Pfister,10 já no início do século XVII funcionaram, ali, três cursos com nível superior (Matemática, Astronomia e Geometria) e outros de menor, grau (Medicina e História Natural). Havia, ainda, um terceiro nível de ensino mais elementar, no qual os estudantes aprendiam a ler, a escrever e, também, rudimentos de latim. Estes três graus de ensino correspondiam, de certa maneira, aos que ainda hoje existem entre nós. Todos estes cursos eram generosamente abertos à população portuguesa e, provavelmente, a todos os cristãos."11 Deve ter sido nesse colégio que aprendeu a arte médica o cirurgião João Baptista, um "chinês de nação" que se criara entre europeus, provavelmente um "pupilo" e, daí, protegido pela Companhia de Jesus,12 e também o P.e António de Barros, S. J., missionário natural de Macau, que viveu e trabalhou pela fé na Cochinchina no século XVIII.

Pode avaliar-se, em parte, a riqueza da botica de S. Paulo, e o vasto conhecimento de medicina dos Jesuítas, pela análise de um documento manuscrito, no qual se pede uma remessa de medicamentos para Goa e cujos elementos constam das farmacopeias mais famosas da época,13 mas, muito principalmente, pela análise do receituário. que ali se manipulava.14

Nos fins do século XVII a farmacopeia ocidental sofreu notável reformulação no sentido da simplificação do receituário, caindo pouco a pouco em desuso (século XVIII adiante) a folia polifármica de que as "triagas" eram o expoente máximo.

São já deste tipo setecentista, aliás, muitas mezinhas de segredo da botica dos Jesuítas de Macau, embora a par delas constem, também, pedras bazares artificiais e algumas triagas, constituídas por numerosos simples, alguns aliás sem valor medicinal até hoje comprovado, mas muito conceituados na época. Daqui parece, pois, poder concluir-se que os Jesuítas não só acompanhavam as inovações científicas do seu tempo, mas também tiveram o mérito de inovar. De facto, onde quer que se estabelecessem os seus colégios, os inacianos dedicavam-se de imediato ao estudo da língua, dos costumes locais e das plantas curativas da região.

A testemunhar o interesse que, de muito cedo, mereceram à Companhia de Jesus as drogas medicinais chinesas, existem vários documentos ao que supomos inéditos, tais como cópias manuscritas de traduções de livros de medicina clássica como o Clássico do Pulso e apontamentos diversos de propriedades de várias plantas nativas, algumas acompanhadas da identificação latina.

Pela "Carta Ânua" de 21.12.1625, enviada de Macau pelos padres jesuítas, também se pode verificar que muitos eram, já, os simples importados de Cantão para a botica do Colégio de Macau15 nas primeiras décadas do século XVII.

A importância da botica do Colégio de S. Paulo de Macau no tratamento dos portugueses do Território está bem evidente no receituário que logrou perdurar na medicina popular local entre os luso-descendentes. Recolhemos, em Macau, nos anos 60, um vasto receituário popular, quer de tradição oral, quer registado em cadernos, na sua maioria em papel chinês, por senhoras macaenses que o herdaram das suas avós, a par das famosas receitas culinárias de antiga tradição.

Depois do Concílio de Trento (1545-1563), foi proibido aos eclesiásticos o exercício da medicina. Podiam ser enfermeiros e farmacêuticos, mas não médicos nem cirurgiões. Contudo, de muito cedo os missionários se viram a braços com muitas dificuldades para se tratarem em terras do Ultramar e, além disso, depressa se aperceberam de que era por meio das curas, feitas em nome de uma divindade nova, considerada omnipotente, que se obtinha maior número de conversões, do que pela simples palavra.

Segundo esta linha de pensamento, o P.e Francisco de Sousa (século XVII) era de opinião que grande seria a estima dos missionários apostólicos em todo o Oriente, e muito maior o número de convertidos, se em cada uma das missões houvesse, ao menos, um bom cirurgião, "não digo médico cujas curas são mais arriscadas e demandam larga experiência de climas, das compleições e da medicina da terra. Mas cirurgia e medicina desses missionários à nossa maneira, como diz um deles, impregnada, antes de mais, de fé, de fé cristã e de fé na cura que ainda hoje tantos prodígios obra em certas doenças".16

Ficaram famosos, nas artes médicas, muitos padres e irmãos jesuítas, detentores da cultura mais avançada do seu tempo. Além disso, sendo nos colégios dos Jesuítas que estudavam os filhos da nobreza e da alta burguesia, a Ordem recebia dádivas mais ou menos vultuosas e, também, professores de muito mérito. Para as missões do Oriente, onde os pagãos já tinham religiões que lhes ofereciam tudo aquilo que a religião católica lhes poderia oferecer do ponto de vista espiritual, partiam os padres mais habilitados que, só assim, e mediante exibição de alguma arte, podiam entrar na corte da China. Estas artes eram principalmente as artes utilitárias, como a medicina, ou as que mais se relacionavam com o pensamento mágico oriental, como era o caso da astronomia.

Reprodução de uma gravura da obra Comentários de Dioscórides. AMARO, Ana Maria, Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo, Macau, Instituto Cultural, 1992 (Macaense, 2), p. 17.

Os Jesuítas interessaram-se pela medicina chinesa logo no século XVII.

O P.e Miguel Boym, polaco, filho de um médico do rei da Polónia, que viveu em Macau em 1650, escreveu várias obras das quais citamos Specimen Medicinae Sinicae, tradução dos 4 livros de Wang Cho-Ho sobre o conhecimento do pulso, diagnóstico pela língua e descrição dos simples"frutos de árvores do reino da China" com descrição das suas propriedades.

Outros padres estudaram a flora exótica da China e da Cochinchina, como o P.e suíço João Schreck ou Terrenz (n. em 1576 e f. em 1630), o P.e francês Pedro d'Incarville, e o português Pe João de Loureiro (n. em Lisboa em 1710 e f. em Lisboa em 1791),17 que por zelo apostólico estudou a flora regional da Cochinchina para suprir a falta de medicamentos necessários à prática da medicina na sua missão.

Na Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa existem dois valiosos manuscritos até agora praticamente ignorados que demonstram o interesse dos religiosos da Companhia de Jesus pela medicina oriental e nos revelam o nome de um padre português que também realizou, no século XVIII, uma curiosa tradução de um livro de medicina chinesa que nunca chegou a ser publicado...

Estes dois manuscritos (manuscritos azuis, 332) foram recentemente encadernados e juntos num mesmo volume e impiedosamente aparados com visível e lamentável dano.

O primeiro tem o título Abrégé du Secret du Pouls: Premier Partie, sendo constituído por 49 folhas, cópia da tradução do Clássico do Pulso, obra fundamental da medicina tradicional chinesa, indispensável em todo e qualquer diagnóstico. Consideramos poder atribuir-se este manuscrito ao P.e Pedro d'Incarville (n. em 21.8.1706 em Ruão e f. em 12.7.1757 em Pequim),18 atrás citado, a partir da tradução feita do original chinês pelo P.e Miguel Boym (n. 1612 e f. 1659, na China).19

Receita de "Água Oftálmica". Colégio de S. Paulo, Macau. AMARO, Ana Maria, Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo, Macau, Instituto Cultural, 1992 (Macaense, 2), p. 18.

O segundo manuscrito - Simplices Sinicos - é uma tradução em português de um dos mais populares livros chineses da medicina tradicional chinesa, Y Haoc, difundido xilograficamente durante a dinastia Ming (1368-1644) feita pelo P.e António de Barros da Companhia de Jesus, missionário na província de Guang Nagai na Cochinchina, cerca do ano de 1756, segundo está registado na primeira folha.

O P.e António de Barros, que traduziu para português este célebre livro de medicina chinesa, provavelmente para uso do Colégio de S. Paulo de Macau, de acordo com o bilhete que acompanhava o manuscrito, nasceu em Macau em 14 de Abril de 1717. Entrou na Companhia de Jesus em 7 de Setembro de 1737 e fez os últimos votos de coadjutor espiritual em Bã-ria, na Cochinchina, em 30 de Junho de 1748. Foi, ali, missionário durante muitos anos, vindo a falecer em Cochim em 1759.20 A tradução do livro de medicina chinesa foi, pois, terminada cerca de três anos antes da sua morte, quando era ainda bastante novo.21

O manuscrito atribuído ao P.e António de Barros consta de 102 folhas não numeradas, com a descrição de 652 simples usados em medicina chinesa e respectivas utilizações, às quais se seguem 9 folhas, três com símbolos químicos ("chimici characteres") e com outras indicações de incompatibilidades e um índice, terminando por uma última folha em branco.

Dentro deste manuscrito encontrava-se um bilhete dirigido ao Padre Superior do Colégio de S. Paulo em Macau, ao qual provavelmente o livro foi mandado. Este bilhete desapareceu com a infeliz encadernação.

Na primeira página pode ler-se: Simplices Sinicos Medicinaes com Suas Qualidades e Virtudes; Tirados do Livro que Tem por Título Y Haoc Traduzido pello P.e Ant." de Barros da Comp.a de Jesus Sendo Mission.a na Prov.ade Guang Nagai em Coch.a Circa Annu 1756.

Começa o texto por um capítulo intitulado "Faculdades e Qualidades das Medicinas Sinicas Contra Ventos".

Entre as várias plantas referidas estão identificadas algumas, entre elas a popular fong fong que o P.e Barros classificou de Coreopsis leucorhize e hoje se sabe corresponder à Siler divaricatum Benth et Hook, bem como a indicação de que a "raiz é modestamente quente" e usada como antipirética.

Os nomes dos simples estão escritos em caracteres chineses e romanizados em dois idiomas que supomos serem o anamita e o chinês. Neste caso fong fong em cantonense está escrito phão phão.

Segue-se uma lista de simples usados contra enfermidades de secura.

Uma das espécies descritas e das mais usadas na medicina popular de Macau é a tin mun tong.

Receita de "Água Prodigiosa". Colégio de S. Paulo, Macau. AMARO, Ana Maria, Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo, Macau, Instituto Cultural, 1992 (Macaense, 2), p. 23.

A princípio identificada pelo P.e Barros com escorcioneira, esta palavra foi riscada e substituída por Melanthium tuberosum. Esta espécie é hoje identificada como Asparagus lucidus Lindl, e usada associada à mak mun tong (Liriope spicata Lour) identificada com a Commelina medica pelo P.e Barros

Sobre a primeira escreveu o P.e Barros: "Amargoso, frio, refresca os bofes, serve contra quentura, fleuma, tosse, chagas dos bofes, sede, fluxos de sangue pelo nariz, mõe a saliva, contra ptizica [ilegível] esperma. Contra espasmos. Regeita-se a casca e a raiz interna. Se infunde em água quente e se seca ao fogo."

Seguem-se nomes de outros simples escritos em chinês que compõem a receita. E ainda uma nota:"Para desopilar o sangue se infunde em vinho."

Finalmente são indicados simples "contrários" mas apenas romanizados.

Seguem-se outras listas de simples:

─ "Contra quentura" (fl. 17... s);

─ "Contra enfermidades procedidas de água" (fl. 44... s);

─ "Contra enfermidades de secura" (fl. 63) já atrás mencionadas;

─ "Contra enfermidades de frio" (fl. 88... s);

─ "Contra postemas, licenços, chagas e sarnas" (fl. 120... s).

Finalmente surgem os "Avizos a Quem Lê" (fl. 203) onde se recomendam os efeitos contrários de certos simples e os que "são nocivos em companhia".

Seguem-se alguns aforismos de natureza médica, em latim, e dois tercetos em italiano.

O manuscrito é rematado pelo índice dos simples descritos.

Para não tornar este trabalho demasiado extenso, demos apenas alguns exemplos das curiosas descrições que ele contém.

Receita de "Cachundé do Japão". Colégio de S. Paulo, Macau. AMARO, Ana Maria, Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo, Macau, Instituto Cultural, 1992 (Macaense, 2), p. 30.

Esquecido numa gaveta da Biblioteca da Academia das Ciências e nunca publicado, perdeu a prioridade em favor de outros autores estrangeiros que descreveram os simples médicos chineses, estudo de que, afinal, foi um português o pioneiro, o P.e António de Barros, missionário na Cochinchina.22

A medicina foi, aliás, das artes mais importantes em que a Companhia de Jesus exercitava os seus missionários destinados a viver entre as populações pagãs que se propunham converter. A sua medicina aliava os bentinhos, as orações e as relíquias do seu patrono S.to Inácio, efectuando curas milagrosas por meio de água benta, no dizer pleno de fé dos redactores das "Cartas Ânuas", enviadas da China e de Macau, aos seus Superiores. Naquele tempo, a própria medicina leiga não se tinha emancipado da concepção religiosa e, portanto, não é de surpreender que os padres e os irmãos jesuítas, ao curarem os seus doentes, com as suas receitas das mais actualizadas da Europa e ainda enriquecidas com os simples regionais, como já se disse, atribuíssem, sempre, tais curas à oração e ao Poder Divino.

Das práticas curativas por meio de receituário erudito e inovado com a introdução de simples indígenas, perduraram em Macau entre a população local de luso-descendentes várias receitas e várias crenças, algumas das quais resistiram ao tempo e tinham ainda os seus cultores entre senhoras de grupos etários superiores a 50 anos nos anos de 1960-70.

A título de exemplo, citaremos algumas destas práticas da medicina popular macaense que reflectem, quanto a nós, a importância que teve entre os macaenses a farmacopeia dos Jesuítas em Macau, principalmente aquela que incluía simples da medicina tradicional chinesa.

Receita de "Manteiga de Chumbo". Colégio de S. Paulo, Macau. AMARO, Ana Maria, Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo, Macau, Instituto Cultural, 1992 (Macaense, 2), p. 42.

"ORCHATA" OU "AMENDOADA" (RECEITA DE TRADIÇÃO ORAL)

O xarope de orchata, conhecido, em chinês, por hang ian chá é uma bebida tradicional de Macau, feita com pevides de abóbora (kuá chi) ou com amêndoas doces ("leite de amêndoas"). A orchata verdadeiramente macaense é, porém, a que se prepara com as amêndoas das sementes de pateca (melancia).

Dantes, esta bebida era também conhecida em Macau por "xarope de orchata", tal como consta ainda das farmacopeias portuguesas do século XIX.

Para se preparar orchata, pisam-se as amêndoas das sementes de melancia, num almofariz de pedra com mão de madeira, juntando-se-lhe um pouco de água. Coa-se e tira-se o óleo que sobrenadar. Com o líquido restante faz-se um xarope, juntando-o com açúcar, em ponto leve, ao qual se acrescenta "água rosada", voltando ao lume, a levantar fervura, até se obter uma mistura homogénea. É uma bebida considerada tónica, fresca, calmante, peitoral e útil em todas as "inflamações internas". Usava-se, misturada em água, como o xarope de figo ou de capilé (folhas de figueira de Portugal), muito do agrado das senhoras macaenses.

Regimento, e Virtudes das Pedras Cordiais Compostas, e Primeiro Inventadas na Índia pelo Frei Gaspar António da Companhia de Jesus. AMARO, Ana Maria, Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo, Macau, Instituto Cultural, 1992 (Macaense, 2), p. 51.

A orchata é de inspiração ibérica, provavelmente por via asiática, e supomos que se trata duma adaptação da "amendoada" que, no século XVII e possivelmente antes, se usava em Portugal como febrífugo. Era então preparada com alfaces, "leite de pevides de cabaça", e pevides de melão, leite de linhaça, bom açúcar branco e água rosada, tudo cozido em conjunto, em lume brando. Bebia-se de três em três horas, para "tirar a febre dos tutanos".

No século XVIII, a amendoada passou a fazer-se com amêndoas, açúcar e miolo de pão, ao que parece como doce e não como remédio. No entanto, na Farmacopeia Lisbonense, editada em 1802, encontra-se registada, na página 191, uma receita de "orxata secca" e, a página 257, uma outra de "orchata líquida". Em ambas as receitas entram, apenas, amêndoas doces e amêndoas amargas: na proporção de uma libra para duas onças, na primeira; e de libra e meia para duas onças, na segunda. Na primeira, junta-se-lhe libra e meia de açúcar refinado, em pó; e na segunda quatro libras e, ainda, mais "duas libras de água da fonte, levando-se ao lume a encorpar".

Supomos que a orchata macaense, que subsistiu até aos nossos dias, seja um resquício da antiga amendoada da botica do Colégio de S. Paulo de Macau, cuja composição consta da compilação de receitas de segredo dos padres da Companhia de Jesus e a qual a seguir se transcreve:

"Amendoada Refrigerante

─ Pevides de melancia

─ Pevides de melão

─ Pevides de abóbora

─ Pevides de pepinos

─ Açúcar

Farsehá do seg.te modo: As pevides bem limpas da casca, e m.to bem pizadas em gral de pedra, se methao na emprensa; e extraído todo o olio, se tornem a pizar e se pasem por peneyra de trigo fina; e deste pó duas libras se adjunta ao assucar clarificado, e em ponto de talhada, estado com a mayor parte do calor perdida."

" VINHO DE QUINA" (RECEITA DE TRADIÇÃO ORAL)

Em consequência da procura, a quina também se vendia nas farmácias chinesas, pois encontrámos o seu nome chinês, kam tan pei, registado num velho caderno cedido por uma senhora macaense.

A quina ou "casca peruviana", da farmacopeia ocidental, é a casca do tronco da chamada árvore peruviana, Cinchona officinalis L.

A quina-quina consta já, como febrífugo, "contra quartãs, terçãs e todas as febres intermitentes", da Farmacopeia Tubalense (meados do século XVIII) sob a forma de "Vinho Febefrugo Expertum" (citando Palacios em "Palestra" - Farmacopeia - página 218). A página 386, da Farmacopeia Tubalense, pode ler-se que havia diversas receitas de vinhos ou tinturas de quina-quina, algumas de "muito segredo" e, por isso, muito caras. Era costume, nessa altura, trazer de Inglaterra, de França e doutras partes, vinhos febrífugos, que não eram mais do que vinhos de quina-quina.23

Receita de "Pílulas Douradas". Colégio de S. Paulo, Macau. AMARO, Ana Maria, Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo, Macau, Instituto Cultural, 1992 (Macaense, 2), p. 57.

A receita de um destes vinhos, descrita naquela farmacopeia, "como sendo o de mais virtude e maior efficacia", é a seguinte: "Junta-se à quina-quina em pó, raiz de genciana, de contra-erva, sumidades [ramos superiores mais tenros] de losna e de centaurea menor, sais de amoníaco e de tártaro e vinho branco generoso. Deixa-se macerar, durante três dias, em recipiente fechado, num lugar quente."

As ervas tinham, apenas, o efeito de melhorar a acção da quina-quina, e os sais eram empregados como "vehiculo para penetrar, rarefazer, e fazer dissolver as partes mais activas dos simplices no vinho, servindo também ao mesmo tempo de desfazer os humores, e fermentos que obstruem, e tapão os conductos, e vasos por onde se hão de circular os humores, que são os que promovem as febres".

A receita da botica dos padres jesuítas, que foi utilizada, em Macau, pouco se afasta desta, e, provavelmente, rivalizava com a sua congénere chinesa, à base de Dichroa. Simplesmente o seu preço era muito mais elevado, por ser a quina-quina originária da América do Sul.

"MEZINHA ─ TRÊS PAUS" (CONTRA CÓLERA)

Uma das receitas mais originais da medicina popular macaense é, sem dúvida, a conhecida "mezinha de três paus", que se usava ainda nas primeiras décadas do século XX, contra cólera.

Vimos, em Macau, dois ou três "conjuntos dos três paus" para preparar esta mezinha. Eram três pedacitos de madeira, mais ou menos cilíndricos e aproximadamente do tamanho de um dedo polegar. Completavam o conjunto, um pequeno sá pun (prato de "passo-dente" no "falar da terra") e uma tigelinha de "sacrifício", sempre bem guardados em caixas de estanho ou, mais modernamente, em caixas de latão, mais ou menos herméticas.

Nos anos 60, D. Aurora Viana Brito e o Sr. Abílio Basto possuíam conjuntos destes, bem conservados, para preparar a "mezinha ─ três paus". Foram estes macaenses nossos amigos que nos ensinaram como se devia usar esta mezinha. Raspavam-se os paus, um a um, no sá pun, e misturavam-se as raspas com brandy, que se deitava na tigelinha. Tomava-se, aos primeiros sintomas de mordecim, que tanto podia ser uma simples indisposição, como cólera. Esta mezinha era considerada muito eficaz quando tomada logo no início da doença.

Os "três paus" correspondem a:

1. "Costo" ─ O nome costo deriva do árabe cost ou cast que passa ao concanim sob o nome kosht. Corresponde à raiz de Saussurea lappa Clarke (sin. Aplotaxis lappa Decne. e Aucklandia costus Falc.), Asteracea herbácea, nativa da Índia, mas também existente na província de Cantão, onde é conhecida por mok héong (madeira aromática). O revestimento da raiz, castanho, e o interior, muito claro, contêm o alcalóide saussurina e óleos essenciais, como costulatona, costal, costeno, canfeno e felandreno.

Os médicos da Antiguidade atribuíam ao costo propriedades fabulosas, tendo sido usado por Galeno, Plínio e pelos médicos árabes.

Garcia de Orta referiu-se ao costo (Colóquio XVII ─ "Do Costo e da Colerica Passio"), chamando-lhe pucho, nome malaio ao que parece por ser na Malásia que esta droga se usava muito. Este simples ainda nos nossos dias é usado no Norte da Índia, como específico contra a cólera.24

De há muito que o costo era exportado para a China, onde passou a ser usado em medicina e, também, para produzir "fumo aromático". Hoje admite-se que esta espécie é nativa de Caxemira e das vertentes dos Himalaias, onde também é usada em medicina popular e para afugentar as traças das lãs.

Na medicina europeia, onde entrou há longa data, é considerada um fármaco aperiente, diaforético e diurético. Laguna, comentando Dioscórides, descreveu o costo e referiu-se às suas virtudes.

2. "Águila" ─ Pau-águila ou aquilária são os nomes vulgares da espécie Aquilaria agallocha Roxb., Thymeleacea arbórea, nativa dos Himalaias e do Assão, que entrou na medicina chinesa com o nome de cham héong ou mat héong, e, na medicina ocidental antiga, com o nome de linaloes. Garcia de Orta (Colóquio XXX) referiu-se a esta árvore dizendo que os ramos eram importados de Malaca.

Segundo D. C. Dalgado,25 este pau-águila corresponde a Aquilaria malaccensis Lamk., e é indígena da Malásia. Tal árvore é, de facto, muito semelhante à Aquilaria agallocha Roxb. Segundo o mesmo autor, o linaloes deve ser o "producto de ambas as espécies".

Na Europa, desde os antigos tempos, o linaloes tem sido usado no tratamento de várias doenças, nomeadamente gota, reumatismo e diarreia.

3. "Abuta" ─ "buta", "abuta" ou "abutua" são os nomes vulgares da parreira brava, Cissampelus parreira L., espécie originária do Brasil.

Fachada da Igreja da Madre de Deus ou de São Paulo, pormenor: imagem da Virgem sobre a hidra de sete cabeças, acompanhada da inscrição em caracteres chineses que, segundo Gonçalo Couceiro, se traduz por "Nossa Senhora esmaga a cabeça do dragão" (lateral direita, 3.a fileira).

Xie Ronghan: fotografia, 1991.

No livro manuscrito de receitas de segredo das boticas dos padres jesuítas, atrás citado, consta a receita das famosas "pílulas douradas" da qual a "mezinha ─ três paus", usada contra cólera, parece ser vestígio.

"Pillulas Douradas da Botica do Coll.o de Macao. Celeberrimas em Todo o Reyno da Cochinchina

Re. Sangue de Abada (sangue de rinoceronte)

-Calamba ou pão de Aguila (também conhecido por linaloes)

- Aquilaria agallocha Roxb.

─ Alambre branco

─ Terra de S. Paulo (argila branca de Malta, o mesmo que terra de Malta)

─ Pedra Bazar (v. adiante)

─ Coral rubro (suporte calcário de Isis nobilis)

─ Costo ou pucho (Saussurea lappa Clarke)

─ Cinábrio nativo (sulfato de mercúrio)

─ Cinábrio de Antimónio (sulfatos e mercúrio e de antimónio ou "sulfato de antimónio", por erro do copista?)

─ Carne de viboras

─ Camfora (v. atrás)

─ Mirrha (v. atrás)

─ Ambar (talvez se trate de âmbar amarelo)

─ Almíscar (v. atrás)

─ Extracto de ópio

─ Leite de peito de mulher

Maçam de vacas - bezoar da China (Cálculo do estômago de bovídeo)."

Serviam, segundo consta do original, "p.a toda a casta de cursos ou sejão de sangue ou das ammorroides ou cauzas de indigestão".

Ao "costo" ou pucho e ao "pau-águila" desta receita juntaram os macaenses a "abuta" ou "abutua", acompanhando a sua mezinha de brandy ou de chá de casca de laranja velha à maneira chinesa.

" PÓ DE PEDRA CORDIAL"

Contra "susto e sobressalto" ainda há em Macau "portugueses da terra" que a usam raspada com colher de prata. É de registar que a famosa pedra cordial de Goa é também uma das mais antigas receitas de segredo dos Jesuítas, uma vez que o seu invento data do século XVII, sendo devida a Gaspar António, um irmão da Ordem, do Colégio de S. Paulo de Goa. O pó desta composição era e ainda é usado, em Macau, se bem que excepcionalmente, como cardiotónico.

Acrescentaremos, apenas, mais alguns exemplos avulsos, para não alongarmos demasiadamente esta nossa exposição.

O P.e Costa, por exemplo, usava o óleo de aleurite como aglutinante na preparação das suas pílulas douradas tal como o usam para o mesmo fim os ervanários chineses de Macau; o uso da pedra-ume, tão frequente nas terapêuticas populares dos macaenses ainda em 1960-1970, aparece com frequência nas mezinhas de segredo dos padres jesuítas, tal como a casca de laranja em lugar da casca de limão contra resfriados. Boticários jesuítas usavam, também, a "pedra bazar" (inspiradorada da pedra cordial), o alcaçuz e a cânfora de Bornéu, o chifre de cervo e de unicórnio (rinoceronte), o retículo de limão e o fel de urso, um dos simples mais caros que se vendiam nas farmácias chinesas e era considerado um poderoso anti-inflamatório.26

A partir de Julho de 1762, data em que todos os jesuítas foram expulsos dos Colégios de S. Paulo e de S. José, de Macau, toda a assistência médica ficou, naquela cidade, a cargo do cirurgião do Partido (cargo que, aliás, ficara vago em 1753), e ainda dos possíveis médicos particulares de circunstância, além dos religiosos franciscanos que não dispunham, porém, nem dos meios materiais nem intelectuais dos religiosos da Companhia de Jesus.

Segundo o Dr. Peregrino da Costa27 admite, só em 1764 foi restabelecido o lugar de cirurgião do Partido. Ocupou esse cargo Francisco Lopes que declarou ser ex-professo. Mas Monsenhor Manuel Teixeira considera que em 7 de Julho de 1762 foi admitido Gonçalo Monteiro, o qual pediu o partido de "Fizico" e foi deferido ("Arquivos de Macau", Maio 1975, p. 257).

Comparando estas datas com as da expulsão dos Jesuítas da Cidade, fácil é deduzir-se a grande importância da Companhia de Jesus na assistência médica e medicamentosa em Macau.

Em 1764, quando Francisco Lopes, recém-chegado de Goa, onde fora cirurgião na corte,28 pedira a sua admissão no Partido Municipal, argumentou em seu favor ser português, ex-professo e, ainda, que "nesta Cid.e (não) havia de quem curasse os enfermos q. nella havião".

Foi-lhe adiantada a paga do primeiro ano de trabalho para poder "reunir a sua necessidade e comprar alguns Medicamt.os visto elle d.o Cirurgião dizer que de tudo se achava exausto (...)".

Não se sabe se Gonçalo Monteiro chegou a exercer o cargo antes de Francisco Lopes ou se dele desistiu em pouco tempo. Também Francisco Lopes foi substituído dentro de dois anos, porquanto em 1766 o Senado pediu a Goa outro cirurgião. Talvez porque pediu aumento de salário que ascendeu a "950 taéis pagos por quartéis de 3 meses".29

Fachada da Igreja da Madre de Deus ou de São Paulo, Pormenor: a hidra de sete cabeças (lateral direita,3.afileira).

Xie Ronghan: fotografia, 1991.

Em 1789, o Senado pediu a Goa "huma botica" para "curativo dos Enfermoz", reiterando um pedido do ano anterior. Nessa carta afirma-se que era "muito mais preciza do que nunca a dita botica já que a falta de Frei Martinho Palao Religiozo de S. Fran.o com que supria a nesecidade està inteiramente extinta de medicamentos e não ter este Padre com q' outra vez a posa extabelecer: A nesessidade da d.a botica sempre foy grande egora muito mais (...)".30 "E isto porque viera de Goa tropa para o Presidio e os soldados bebiam frequentavam as casas floridas do Bazar e adoeciam principalmente com problemas de fígado e venéreos.".31

Rogava o Senado ao Governador e Capitão-Geral da Índia que fosse enviada para Macau "huma completa botica com hum boticario p.a a administrar, sendo os medicamentos della pagos pelos moradorez que deles precizarem e a Santa Caza de Mezericordia contriboa com os que gastarem os pobrez nesessitados".32

Este pedido mostra até que ponto fez falta na cidade de Macau a famosa e bem apetrechada botica do Colégio de S. Paulo.

Ao que pode deduzir-se da leitura da carta do Senado atrás citada, a precária botica dos padres franciscanos que, antes, servia também os moradores de Macau,.33 foi a única que ficou à disposição daqueles, uma vez expulsos os Jesuítas e vendida ao desbarato a famosa farmácia do seu Colégio. Os Franciscanos e o seu boticário, Frei Martinho, não lograram, porém, renovar as reservas medicamentosas da sua botica, exaurida em poucos anos.

Com a progressiva decadência da medicina ocidental na segunda metade do século XVIII, não surpreende que, uma vez que a medicina oriental não perdera ainda os seus antigos créditos, os "filhos-da-terra" e mesmo os portugueses radicados em Macau se tivessem voltado definitivamente para a medicina chinesa, conservando contudo ciosamente algo do receituário herdado da famosa botica de S. Paulo, algo que conseguira passar para o povo, embora deturpado pelo secretismo que o defendia.

Este receituário acabou por chegar aos nossos dias, embora hibridado e/ou transformado, por tradição oral e também graças ao registo das "mezinhas de casa" nos pequenos cadernos que algumas senhoras macaenses conservavam, ainda nos anos 60/70. Algumas destas receitas eram, ainda, utilizadas nessa altura com a mesma perícia com que o eram os saborosos pratos da sua culinária, com cujas receitas estas se misturavam naqueles velhos livrinhos, alguns datados da primeira metade do século passado.

Estas receitas pertencem à memória colectiva dos macaenses e ao seu património cultural tão rico, actualmente em declínio.

Os filhos de Macau, nas vésperas de serem obrigados a emigrar ou a serem estrangeiros na sua própria terra, voltam-se para as suas raízes, recolhem todas as memórias do passado e buscam, nessas memórias, os alicerces da sua etnicidade em vias de perder-se.

Na história do Colégio de S. Paulo podem encontrar-se, sem sombra de dúvida, muitas dessas raízes que são das mais fecundas de todo o Oriente.

Comunicação apresentada no Simpósio Internacional "Religião e Cultura", comemorativo do IV Centenário da Fundação do Colégio Universitário de S. Paulo, realizado pelo Instituto Cultural de Macau, Divisão de Estudos, Investigação e Publicações, entre 28 de Novembro e 1 de Dezembro de 1994, em Macau.

Revisão de texto por Fernando Lima; revisão final de Júlio Nogueira.

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MANUSCRITOS

Collecção de Várias Receitas e Segredos Particulares das Principais Boticas da Nossa Companhia de Portugal, da India, de Macao e do Brazil Compostos e Experimentados pelos Milhores Medicos, e Boticarios Mais Celebres que Tem Havido Nessas Partes. Aumentada com Alguns Índices e Notícias Curiosas Necessarias para a Boa Direcção e Acerto Contra as Enfermidades. Em Roma, anno MDCCLXVI, com todas as licenças necessarias, H. H. S. J., Roma, Cód. A. R. F. J., Opp. N. N. 17, pp. I-XVIII/610-I-IX/688.

Jesuítas na Ásia, ms. da Biblioteca da Ajuda, Cód.:44-IV-61; 44-V-2; 49-V-226/26; 49-v-3;49-IV-6666; 49-V-7; 49-V-6.

Tradução do Y Haoc..., pelo P.e António de Barros da Província da Cochinchina, c. 1756, manuscritos azuis n.o 335, da Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa.

NOTAS

1 PIRES, Benjamim Videira, Os Três Heróis do IV Centenário, "Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau", (5) Out.-Nov. 1964.

2 As boticas e as enfermarias existiam em todos os grandes colégios jesuítas da Europa, seguindo o exemplo do próprio S.to Inácio de Loiola em Roma.

3 Jesuítas na Ásia, Cód. 49-v-7.

4 Vice-Rei da Índia (1622-1627).

5 Ms. da Biblioteca da Ajuda, Relação da Vitória sobre os Holandeses..., Cód. 49-v-3.

6 Só em 1676, no caderno de contas do tesoureiro do Senado, se encontram as primeiras verbas de pagamento a um cirurgião, incluídas nas despesas ordinárias. Tal cirurgião era Lucas Gonçalves, que recebia 120 pardaus anuais e serviu a Cidade pelo menos até 1680.

7 LEITE, Serafim, Serviços de Saúde da Companhia de Jesus no Brasil...

8 Jesuítas na Ásia, Cód. 49-v-6, fl. 346... s.

9 A importância do Colégio de Macau era tão considerável no princípio do século XVII, que em 1616 foram para ali enviados sete mil livros, dos quais quinhentos oferecidos pelo Papa.

10 PFISTER, Louis, Notices Biographiques et Bibliographiques de Tous les Membres de la C.iede Jésus...

11 Os filhos dos moradores pagavam propinas, pelo que seriam os filhos dos comerciantes mais abastados aqueles que tinham, então, em Macau, acesso à cultura. Os chineses não eram admitidos, porque se considerava "haver perigo para a cristandade juntar meninos portugueses com os gentios" ("Carta Ânua", in Jesuítas na Ásia). Supomos, porém, que os filhos dos chineses cristãos não eram impedidos de frequentar o Colégio.

12 Este cirurgião acompanhou em 1692 o médico P.e Isidoro Lucci, S. J., partindo de Macau em 12 de Maio de 1692 para a corte de Pequim. Ali, o cirurgião chinês teve maior êxito do que o próprio P.e Lucci. Porque aprendeu medicina da mais actualizada da época num colégio do Oriente e aliava à terapêutica ocidental a terapêutica genuína chinesa?

13 "Do Rol das Cousas que se Hão de Mandar Cada Ano da Índia para Provimento do Colégio de Macau para a Botica", in Jesuítas na Ásia, Cód. 49- IV-66/1-66, fls. 17v-18, 1603.

14 Colecção de Várias Receitas e Segredos Particulares das Principais Boticas da Nossa Companhia de Portugal...

15 Jesuítas na Ásia, Cód. 49-v-6, fl. 346... s.

16 SOUSA, Francisco de, Oriente Conquistado a Jesus Cristo..., Lisboa, 1710.

17 O P.e Loureiro navegou para o Oriente em 1735 e trabalhou durante 36 anos como missionário na Cochinchina em cuja corte foi nomeado pelo Rei Presidente dos "Physycos" e compôs a célebre Flora Cochinchinensis.

18 O P.e P. d'Incarville manifestou desde cedo grande interesse pela história natural. O P.e Louis Pfister, ob. cit., atribui a este religioso nove escritos importantes. Por ser correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, é possível que o P.e Pfister tenha enviado para aquela instituição a tradução do Clássico do Pulso que ali se encontra traduzido em francês.

19 O P.e Miguel Boym, médico e filho de um dos médicos do rei da Polónia, passou por Macau em 1650 e escreveu várias obras das quais destacamos o Specimen Medicinal Sinicae e Clavis Medica de Chinarum Doctrine de Pulsibus.

20 Dados recolhidos pelo Reverendo Senhor Padre Doutor José Vaz de Carvalho, S. J.

21 Este manuscrito merecia ser estudado e identificados os simples medicinais chineses (de acordo com a nomenclatura actual) e publicado em fac-símile. O nosso "Glossário" de simples medicinais chineses. (português-chinês-latim), anexo à nossa tese de doutoramento sobre Medicina Popular de Macau, que aguarda ainda publicação, talvez forneça uma base útil para facilitar o estudo deste documento.

22 Farmacopeia Bateana, 17.

23 Ficou famosa a chamada "Água de Inglaterra", de cuja receita, durante muito tempo, foi conservado o segredo.

24 DALGADO, D. G., Classificação Botânica das Plantas e Drogas Descritas nos Colóquios da Índia de Garcia de Orta, Bombaim, Nicol's Printing Works, 1984, pp.9-10.

25 Id., p. 17.

26 Cf. receitas n.os 4 (p. 26), 6 (p. 29), 7 (p. 31), 17 (p.55), 18 (p. 59), (p. 80), do livro de Ana Maria Amaro, Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo.

27 Sobre a tropa de Goa, o Senado comunicou ao Governador daquela praça em 27 de Dezembro de 1793 que a ordem de se extinguir a antiga guarnição, substituí-la por mais de 150 homens escolhidos "foy ella tão mal [executada que] apenas se acharão 20 ou 30 que deixam de ser bebados ou ladroens, tão mizeraveis, e despreziveis, que não inculcarão respeito aos Chineses cujas boticas frequentarão para embriagar-se" (Peregrino da Costa apud TEIXEIRA, Manuel, A Medicina em Macau, vol. 3, p. 86).

28 Cópia da Carta que Mandou Este Senado para Goa sobre uma Botica para Curativo os Enfermos, "Arquivos de Macau", Dez. 1972, p. 350.

29 Id., p. 280.

30 TEIXEIRA, Manuel, Os Franciscanos em Macau e Malaca, "Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau", 1938.

31 "Arquivos de Macau", Jul. 1971, p. 56.

32 Jan. 1975, p.54.

33 É possível que esta decisão tenha decorrido do facto de este haver pedido ao Senado o pagamento dos seus ordenados todos os meses (id., p. 30).

* Doutorada em Ciências Antropológicas/Etnológicas pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Departamento de Antropologia, da Universidade Técnica de Lisboa. Membro de várias instituições internacionais, por exemplo a "International Association of Anthropology". Dos inúmeros trabalhos publicados, destaca-se Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo.

desde a p. 53
até a p.