Urbanismo

FERNANDO LOPES-GRAÇA(1906-1994)

José Luís Mendes da Maia*

©Ilustração por Lei Chi Ngok. Desenho a lápis sobre papel,28x21cm, Macau,1996.

Ocompositor Fernando Lopes-Graça, nascido na primeira década do século XX, iniciou e prosseguiu os seus estudos musicais com os melhores mestres do seu tempo, entre os quais se devem salientar as personalidades ímpares do Pe. Tomás Borba, de Luís de Freitas Branco e de Viana da Mota que, além de constituírem uma plêiade de músicos notáveis, foram os verdadeiros renovadores da vida musical portuguesa: desde as reformas profundas introduzidas no ensino conservatorial à abertura das mentalidades para as novas tendências e correntes estéticas europeias — nomeadamente o dodecafonismo da Nova Escola de Viena, a correspondência entre as Artes, a introdução das Ciências Musicais no nosso país, a divulgação da grande produção musical do passado e do presente, a apresentação sistemática do repertório de câmara europeu (num país quase totalmente dominado pelo repertório operático), a introdução das tendências nacionalistas de raiz folclorística, etc..

Este compositor contemporâneo tem desempenhado desde os anos trinta um papel central e preponderante no panorama músico-cultural português, através da sua múltipla actividade de pianista, professor, regente coral, musicógrafo, escritor, pensador, animador, tradutor e, fundamentalmente, de autor de uma obra vasta e diversificada praticamente por todos os domínios da criação.

Entre as suas obras mais importantes, e para além das mencionadas no parágrafo dedicado à discografia, são de salientar (longe de ter um carácter exaustivo) a cantata D. Duardos e Flérida, a Sinfonia per Orquestra, Para uma Criança que vai Nascer, os Quatro Bosquejos, Gabriela Cravo e Canela (estas para orquestra), os 2 Concertos para piano e orquestra, os Seis Cantos Sefardins para canto e orquestra, as Sete Predicações de "Os Lusíadas ", as Catorze Anotações para quarteto de cordas, os 24 Prelúdios para piano, Ao Fio dos Anos e das Horas também para piano, as Canções Heróicas, as Cuatro Canciones de Federico Garcia Lorca, as Quatro Redondilhas de Camões, as Três Líricas Castelhanas de Camões, e as inúmeras harmonizações de canções populares portuguesas.

Nascido em Tomar, efectuou os estudos académicos e musicais em Lisboa. Em 1931 obteve o primeiro lugar nas provas de admissão para professor do Conservatório, mas foi impedido de assumir funções por motivos políticos, motivos esses que truncariam a sua carreira académica e o levariam inclusive à prisão. Após permanências prolongadas em Coimbra e em Paris, instalou-se definitivamente em Lisboa em 1939, prosseguindo até à morte, ocorrida há dois anos, uma actividade Três Compositores e a Poesia de Camilo Pessanhaincansável e participativa em todos os sectores da vida artística, social e política.

De uma produção na qual podemos referenciar a música dramática, orquestral, concertante, coral-sinfónica, de câmara, coral a capella, para piano, canto e piano e canto e orquestra, canções, bailados, etc., sobressai constantemente a interligação das mais importantes correntes e tendências desenvolvidas desde o início do século, do modalismo ao atonalismo, de Schönberg a Stravinsky, com a busca de uma síntese que corresponde à criação de uma linguagem simultaneamente universal e profundamente nacionalista.

De facto, a partir do ecletismo de influências, Lopes-Graça definiu um percurso artístico onde se salienta a personalidade do compositor e folclorista húngaro Bela Bartók (a quem dedicou um In Memoriam), seguindo os seus passos na investigação, recolha, registo e análise das mais variadas formas de música popular, assimilando-as e recriando-as numa linguagem pessoal sem paralelo na música portuguesa do nosso século, através da reflexão sobre os caracteres e aspectos mais específicos e "essenciais" das suas variantes melódicas, rítmicas, tímbricas e harmónicas. Os títulos referenciais do folclore estão patentes na obra para piano (Variações sobre um Tema Popular Português, Melodias Rústicas Portuguesas), na música de câmara (Suite Rústica n° 2), na música orquestral (Três Danças Portuguesas, Viagens na Minha Terra), na produção para canto e orquestra (Nove Canções Populares Portuguesas), para mencionar apenas alguns exemplos.

Mas o seu contributo em termos "nacionais" não se esgota neste sector da sua obra, sendo importante salientar a ligação da música com a poesia portuguesa que, fazendo parte integrante da estética subjacente à sua obra, constitui por outro lado uma homenagem e o desejo de divulgar obras poéticas dos autores mais representativos da criatividade nacional do passado e do presente, de Sá de Miranda, Gil Vicente, Camões e Bocage, a Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Miguel Torga, J. Cochofel, Joaquim Namorado, Arquimedes da Silva Santos, Mário Dionísio, Sophia de Mello Breyner, passando por Garrett, Soares de Passos, Eugénio de Castro, Guerra Junqueiro, Antero de Quental, António Nobre, Teixeira de Pascoaes, António Boto, Camilo Pessanha, Fernando Pessoa e inumeráveis poetas da "Presença" (José Régio, Adolfo Casais Monteiro, Carlos Queiroz, entre muitos outros).

A discografia de Fernando Lopes-Graça apresenta hoje em dia já uma considerável e representativa parte da sua produção musical. Apesar de se encontrarem esgotados muitos dos LP gravados há décadas, foi sobretudo a partir do esforço realizado pela Secretaria de Estado da Cultura, através da sua colecção PORTUGALSOM em LP e CD, que se iniciou com carácter sistemático o registo dessa parte significativa da sua obra.

É dessa forma que actualmente se pode encontrar, mesmo em Macau onde escasseia a discografia portuguesa, os seguintes títulos importantes:

História Trágico-Marítima para barítono, coro e orquestra;

Viagens na Minha Terra (1a e 2a suites) para orquestra;

Sinfonietta para orquestra de cordas;

Requiem para solistas, coro e orquestra;

Sonata n° 6 op. 221, Cinco Nocturnos op. 105, Quatro Improvisos op. 146 e Dois Improvisos op. 228 para piano;

Três Sonetos de Camões op. 27, Aquela Triste e Leda Madrugada op. 112, Seis Sonetos de Camões op. 215 e Dez Novos Sonetos de Camões op. 231 para canto e piano;

Canto de Amor e de Morte e Quarteto n° 2;

— Concertino para violeta e orquestra;

— Concertino para piano, cordas, metais e percussão;

— Divertimento para instrumentos de sopro, tímpanos, bateria, violoncelo e contrabaixo;

— Primeira Cantata de Natal para coro misto a capella;

— Segunda Cantata de Natal para coro misto a capella;

— Onze Encomendações das Almas e Doze Cantos de Romaria para coro misto a capella.

*Licenciado em Filologia Germânica (Faculdade de Letras de Lisboa) e em Ciências Musicais (Universidade Nova de Lisboa); frequentou ainda o Curso Superior de Piano do Conservatório Nacional de Lisboa. Director do Conservatório de Macau e professor da Universidade de Macau.

desde a p. 101
até a p.