Omandóé essencialmente, a cançã o de amor do Goês. Quando, em chegando à adolescêcia, o jovem goês acorda para as ternas emoçães do amor, a sua imaginaçã o se inflama, tornando-se toda poéica. O jovem enamorado compara entã a sua bem-amada às flores que matizam o campo, ao Sol e à Lua, às estrelas que cintilam no firmamento, aos entes sobrenaturais que povoam a corte celestial:
Suriá nequetranchéa porim porzoletá
Anjedá mujedá calzacheá
Bem feitu munun mogá
Adorar queló tucá
"Como o Sol e as estrelas, tu brilhas,
Anjo meu do coraéo,
Eu te adoro, querida,
Porque é uma perfeiéo."
No coração da amada repercute o eco do mesmo temo sentimento:
Anju tum, arcanju
Querubim adorado,
Eá mujéa quensachê pantieru
Jurar zalim Devá mucaru.
"Anjo, arcanjo,
Querubim adorado,
Sobre esta tranç do meu cabelo
Jurei por Deus set tua."
Começa entã o doce idío e, de parte a parte, se ouvem sú licas ardentes de amor:
Ió rê mogá
Choi ré maca
Mogaché dollé
Lai rê macá
"Vem, meu amor,
Olha para mim,
Lanç em mim
Olhos de Ternura."
Ió ió gopantuleá anjeá
Ecuch pun beiju di re maca.
"Vem para os meus braços,
Dá-me pelo menos um beijo!"
E os dois jovens, enlevados no seu amor, no gozo de uma felicidade perfeita, cuidam ter achado o Cé na Terra quando, unidos pelos laç s do matrimóio, dão largas à sua alegria, invocando as bênçãos de Deus e arquitectando projectos de ventura eterna:
Sontô bogt rê jivaco
Uzvadd pettlá eá garaco
Dadô-caen bogunchaco
Magnem amim com ea Devaco.
"Vivo num verdadeiro enlevo,
Esta casa parece cheia de luz,
Vamos rogar a Deus
Que possamos viver sempre assim."
Sacramenta ekvotachó
Zalear pur uzvaddachó
Sangat corun ec mecachó
Sodanc amim feliz cade disso.
"Oxalá este sacramento de amor
Possa trazer luz ao nosso lar
E, juntos, possamos viver,
Sempre felizes, um junto do outro."
Mas o amor... nem sempre é um céu aberto -- céu sem nuvens nem tempestades. Entre os dois corações amantes se ergue, às vezes, qual muro intransponível, a vontade despȯtica dos pais; surgem obstáculos, mais ou menos insuperáveis, quais as diferenças de casta, a desigualdade de condiçào social, as exigências do dote; não poucas vezes, há a crítica malévola de parentes ou amigos, a bisbilhotice dos vizinhos, o intrigante com a sua lńgua viperina; há revezes da fortuna, não raro, a traição de um dos amantes, a crueldade de uma separação forçada, o desenlace trágico da morte:
Zaitó tempu raulim rê aum
Tujeá laguim cazar zatolim munun
Potin tuji zauncheaco rê sum
Nirmunc maca nam Deu-anum.
"Por longo tempo esperei, querido,
Que um dia casaria contigo.
Mas Deus não tinha destinado
Que tu fosses meu marido."
Mogo anvem corun tuzó
Dusman zaló rê ubó
Sonvsar coroch cortubancho.
"Eu amei-te, mas porte amar,
Surgiu o diabo entre nós...
Oh! este mundo é mesmo de diabruras!"
Adeus corchó vellu pauló
Ai! mojem calliz fafsotá
Despedir corchea vellaru
ó sonvsar macá só distá
"Chegou o momento de te dizer adeus.
Oh! o meu coração sangra de dor
Nesta hora amarga de despedida,
Eu antes quereria morrer!"
Cazarachem utor macá diun,
Calliz gotlolem bandun
Derrepent dusreachem aicun
Maca diloi gó soddun.
"Tinhas prometido casar comigo.
Os nossos corações estavam presos um aooutro...
De súbito abandonaste-me
Dando ouvidos a outrem..."
Já alguém chamou ao mandó a biografia do coração goês, pois é de facto, a história agridoce das suas alegrias e tristezas, das glórias e martírios do seu amor. Mas o mandó é mais do que isso; é também a crónica animada e palpitante da nossa agitada vida social e política. E não poucos dos mais belos mandós não são aqueles que cantam as ternas efusões, o êxtase ou as agonias de dois corações apaixonados, mas alguns dos episóios culminantes da nossa crónica política: o ardor das pugnas eleitorais, os triunfos parlamentares dos nossos deputados, as revoltas dos altivos Ranes, os feitos de bravura ou os rasgos de generosidade de Custobá, os desmandos e tropelias dos governantes, a dor do nosso cativeiro. E na melodia plangente do mand ou no ritmo animado das dulpodas perpassam nuvens de sangue, o fragor da luta, o horror da guerra:
Setembrachea ecvissaveru
Camarachem foddlem daru
Painchim soldadu addle Moddgovan
Ponge corun taru.
"Em 21 de Setembro
Partiram a porta da Câmara,
Trouxeram 500 soldados a Margão
Por um telegrama a Pangim."
Misso cabar zatorich, rê Poncianu,
Rogtacheo zaliô zori
Padre Lucas almentu mari
Otmen salvar cori.
"Finda a missa, ó Ponciano,
Correram rios de sangue,
O Padre Lucas, aspergindo água benta,
Salvava almas."
Farar faru
Zatai ranantu
Ranne mattai pacleancu
Pacle mattai ranneancu.
"Tiros sobre tiros
Se ouvem no bosque.
Ranes matam Europeus,
Europeus matam Ranes."
O mandó é também sátira de costumes-pungente sátira, que não poupa ninguém , nem grandes, nem ricos, nem poderosos. O vigário, o cura, as beatas, o regedor ou o administrador, quando não o próprio governador, são por via de regra alvo deste tipo de sátira popular, cujo tema favorito aliás são os amores clandestinos do filho do battcar (proprietário) com a filha do mundoar (colono):
Teá fanteá parari, chedva tum khuim gó gueliém
Potream guelolim guê mãe, potream guelolim
Teá batcaralo choló, tucai quitem gó muntaló
Rupiá ditaló guê mãe, capdac muntaló,
Tem tambdem capod, chedva tuca khuim gótem meulem,
Maguir coutolem guê mã, maguir coutolem.
"Aonde tinhas ido, ó moça,
Por aquela madrugada?
Que te dizia o filho
do proprietário, ó moça?
Dava-me dinheiro, mãe,
Dizia que era para um vestido.
Onde encontraste aquele pano vermelho, Ó rapariga?
Virás a saber um dia, mãe,
Virás a saber tudo um dia."

Pares em posição o de daça do mandó.

*Médico, jornalista e investigador de Goa.
desde a p. 59
até a p.