Antropologia

AS CRENÇAS POPULARES EM MACAU

Zheng Wei Ming, Peter*

Macau pertencia ao distrito de Xiangshan (hoje Zhong-shan). Segundo o registo de Terras: evolução, um dos volumes da Cronografia do distrito de Xiangshan (adiante designada Cronografia de Shen), compilada por Shen Liang Han, no Inverno do 12° ano do reinado de Kangxi (1673), dinastia Qing, Xiangshan era um antigo território de Yang Zhou. Desde o 33° ano do reinado do primeiro Imperador (214 a. C.), dinastia Qin, até ao término desta, este território foi denominado província de Nan Hai. Naquela altura, Zhao Wei Tuo ocupou esta região e formou o distrito Pan Yu, que abrangia Xiangshan.

No 2° ano do reinado de Kong (420 d. C.), dinastia Jin, foi criada a província de Xin Hui, dividida em dois distritos, Feng Dong e Feng Ping, e as comarcas de Ku Zi e Kong Chang (Macau pertencia a esta última) do distrito de Xiangshan foram anexadas pelo distrito de Feng Dong, o que durou até ao 10° ano do reinado de Wen Di (590), dinastia Sui, quando Xiangshan voltou a pertencer a Nan Hai.

No 2° ano do reinado de Su Zong (757), dinastia Tang, uma nova divisão administrativa destinou a maior parte de Xiangshan ao distrito de Dong Kuan, que abrangia as diversas comarcas do sudoeste, como Ku Zi e Kong Chang, sendo Xiangshan a capital distrital.

No 5° ano do reinado de Shen Zong (1082), dinastia Song, foi estabelecido o Tchai em Xiangshan, pertencente também a Dong Kuan. No 22° ano do reinado de Kao Zong (1152), dinastia Song do Sul, Xiangshan tomou-se finalmente um distrito independente, subordinado directamente a Cantão.

O Tauismo surgiu em fins da dinastia Han do Leste, ou seja, em fins do Século II, e foi transmitido ao distrito de Pan Yu, da província de Guangdong, no Século III. Naquela altura, a zona sudeste de Xiangshan pertencia a esse distrito. Como crença religiosa de origem popular, não foi de estranhar que se introduzisse em Macau. Há uma lenda muito antiga de inspiração tauista, difundida no distrito de Xiangshan, que o comprova. Trata-se da lenda da fada Chen Ren Jiao. Segundo a Cronografia de Shen, vol. X, Interpretação das divindades:

"(...) Desde pequena, Chen Ren Jiao era muito inteligente. (...) Sonhava sempre que se divertia a comer as nuvens do amanhecer e a beber o precioso líquido do jade. Sonhava sem que a acordassem até que, na noite de 15 de Agosto, várias dezenas de imortais acordaram-na e convidaram-na a visitar o Palácio Celestial. De volta, quando sobrevoava o vale de Long Tang Tan, Ren Jiao sugeriu, aos cinco imortais que a acompanhavam, que fossem pescar a Shen Jing; e assim fizeram. Lá chegando, Ren Jiao pôs-se a pescar e a divertir-se, atirando os peixes aos cisnes ou cantando à Lua. Quando alguns pescadores se aperceberam da sua presença, o grupo alçou vôo em direcção aos céus. Mas, como vestígio da sua presença, ficaram as pegadas. A população, então, baptizou o local como Xian Nu Ao [baía da Fada] (...)."

Esta lenda foi também registada nas Biografias de canto-nenses, vol. VI, compiladas por Huang Zuo, da dinastia Ming, entre o l° ano do reinado de Zhengde e o 5° ano do reinado de Jiajing (1506-1526), e na Cronografia do distrito de Xiangshan (adiante designada Cronografia de Bao), compilada por Bao Yu, no 15° ano do reinado de Qianlong (1750), dinastia Qing.

Na Cronografia de Bao, vol. VI, Biografias de personalidades famosas e ministros, lê-se a biografia de Chen Lam, segundo a qual este terá vivido entre 196 e 219. Ora, Chen Lam foi antepassado de Chen Ren Jiao, donde se conclui que a criação da lenda não possa ter surgido antes de 219. E a mesma cronografia registou a história de Ren Jiao na dinastia Han; então, é muito provável que ela tenha vivido no estado Wei, no período dos Três Estados (220-265).

Xian Nu Ao [baía da Fada], denominada hoje ilha de Da Heng Qin, situa-se a oeste de Coloane, muito próxima à Península de Macau, portanto. Por esta razão, podemos considerar que, no essencial, esta lenda é a prova mais antiga sobre o desenvolvimento do Tauismo neste Território e em suas ilhas adjacentes (Taipa e Coloane, bem como Da Heng Qin e Xiao Heng Qin). Se o registo de Huang Zuo for certo, podemos deduzir que esta lenda já era difundida na região de Ling Nan (Cordilheira do Sul) antes do Século VI.

Templo de Mong-Há, Macau. Foto de Mica Costa Grande.

Segundo registos actualmente existentes, durante a dinastia Song, o Tauismo já era muito difundido na região de Xiangshan. Transcrevem-se alguns desses registos, a seguir.

I. Segundo a Cronografia de Shen. vol. X. Templos. "(...) Xu era filha de Xu Dong Zhai. Desde a infância alimentava uma aspiração invulgar que os pais não conseguiram impedir. Em jejum, estudou o Tauismo. O monje Zhou Shi construiu um templo exclusivamente para ela, onde estava sempre rodeada de tigres a protegê-la (...)".

Este registo possui algo de lendário, mas pode comprovar que já na dinastia Song era normal mulheres devotarem suas vidas ao estudo do Tauismo no isolamento das montanhas.

II. Segundo a mesma cronografia e mesmo volume:"(...) O templo abandonado de Beiji situa-se a leste do Distrito". E acrescenta, em nota de rodapé: "Este foi construído pelo governador do Distrito, Fan Wen Lin, no 5° ano do reinado de Qiaodao (1169), dinastia Song, e reconstruído pelo alto funcionário Song Zhi Wang, no 3° ano do reinado de Chunyou (1243), da mesma dinastia(...)".

A nota insere um artigo escrito em 1245, sobre este templo: "(...) o templo tauista de Beiji é o mais imponente do Distrito. (...) Logo que assumi o cargo, visitei-o e constatei que não é nada inferior aos seus congéneres do centro da China na sobriedade, imponência e grandeza (...)". O templo pos-suía grandes salões e altares dedicados a San Qing e Lu Ling Kuang, e sua presença comprova, obviamente, para além da existência de templos logo após a criação do distrito de Xiangshan, que a difusão rápida do Tauismo nesse distrito exerceu sem dúvida a sua influência em Macau. A mesma nota diz: "A partir da construção dos templos de Wu Liang e Bao Qing e o templo tauista de Beiji, com a autorização do governador do Distrito, Fan Wen Lin, a população construiu outros templos semelhantes em tão elevado número, que não podiam ser exaustivamente registados". Daí podermos concluir que existiam, naquela época, em Xiangshan, muitos templos budistas e tauistas, e pequenas capelas do mesmo género, inclusive. A mesma nota ainda afirma que todas estas construções religiosas foram destruídas nas dinastias Yuan e Ming, principalmente em 1523.

III. Ainda segundo a mesma cronografia e mesmo volume: "Os templos tauistas construídos na dinastia Song foram, entre outros, o templo de Zhen Wu — construído por Zhao Shi Zong, da dinastia Song, e destruído pela guerra, em fins da dinastia Yuan; os templos de Jian Fu — o primeiro, na aldeia de Hao Yong, construído por Chen Jin Wu, durante o reinado de Shaoxing (1131-1162), dinastia Song, e o segundo, na aldeia de Ku Zhen, construído por Huang Yan, durante o mesmo reinado; o templo de Xian Zhen — construído por Lin Zhong Fang, durante o reinado de Shaoxing; o templo de Ji Zhen — construído por Liu Bi Cong, durante o reinado de Shaoxing; e o templo de Zhong Yong — construído por Ruan Neng An, durante o reinado de Baoyou (1253-1258). Além destes, foram construídos, neste período, o templo de Cheng Huang, o templo antigo deYue Shan, o templo de Dong Yue, etc...".

Templo da Barra, Macau. Foto de Mica Costa Grande.

Conforme os registos acima mencionados, podemos entender que, durante a dinastia Song, na região de Xiangshan, já existiam os cultos tauistas a San Qing (Três Claridades), Lu Ling Kuang, Tian Hou (Deusa A Ma), Dong Yue Da Di (Imperador da Montanha Leste), Cheng Huang (Imperador da Cidade) e Kang Shen. Foram construídos grandes templos e casas onde as mulheres puderam estudar a doutrina, o que foi bem acolhido por todos os sectores da sociedade. Acreditamos que a crença tauista tenha, sem dúvida alguma, sido transmitida a Macau e suas áreas adjacentes, pelo menos por volta do reinado de Shaoxing, dinastia Song do Sul.

Vejamos o que nos dizem os registos da Cronografia de Shen sobre a continuidade do culto tauista relativamente às dinastias Yuan e Ming:

I. Segundo o vol. X, Templos, foram construídos, durante a dinastia Yuan, o templo de Kang Shuai — por Li He, entre os anos de 1279 e 1294; e o templo de Hong Sheng Wang — por Yuan Yuan Long, entre 1341 e 1368.

II. Segundo a mesma fonte, durante os anos do reinado de Hongwu (1368-1398), dinastia Ming, foi construído o palácio de Tian Fei com financiamento de Shen Yu.

III. De acordo com o vol. II, durante os anos do reinado de Chenghua, da mesma dinastia, o governador do distrito de Xiangshan, Zhu Xian, construiu, durante o seu mandato (1478-1485), os altares à Terra, aos Rios e Montanhas, ao Vento, Nuvem, Trovão e Chuva, e ao Imperador da Cidade. Durante os anos do reinado de Zhengde (1506-1521), foi construído o templo de Tian Fei (Deusa Celestial), por Sheng Shao De, e logo abandonado. No 24° ano do reinado de Jiajing (1545), o comandante Tian Ni reconstruiu este templo. No 28° ano do reinado de Jiajing (1549), foi construído o templo de Kuan Di. No 43° ano do reinado de Wanli (1615), o governador do Distrito, Dan Wen Qi, mandou Lu Wei Zeng construir o pavilhão de Weng Chang (Prosperidade Cultural) e, entre 1614 e 1615, mandou construir outro templo a Tian Fei. Há ainda informação sobre a construção, por ordem do distrito de Xiangshan, do templo de Bei Di (Imperador do Norte) — no l° ano do reinado de Chenghua (1465), dinastia Ming, que foi alvo de dois restauros, um no 12° ano do reinado de Jiajing (1533) e outro no 4° ano do reinado de Wanli (1576), e de uma ampliação, ainda no reinado de Wanli, 42° ano (1614).

Os dados acima mencionados demonstram bem a continuidade e desenvolvimento das actividades de culto tauista, durante as dinastias Yuan e Ming, no distrito de Xiangshan, nomeadamente os cultos a Kang Kong, Hong Sheng Ye, Tian Hou, Wen Chang Di Jun e Kuan Di. Podemos acreditar que estas actividades inevitavelmente se extenderam a Macau, sobretudo as relacionadas a Bei Di (Imperador do Norte), cujo templo ficava exactamente encostado às mulharas que separavam Kong Bei de Macau.

Templo de Ieok San — Rua Almirante Costa Cabral, Macau. Foto de Mica Costa Grande.

O Tauismo em Macau

Segundo a Cronografia de Bao, vol. VIII, Templos budistas e tauistas: "(...) O templo tauista [Bei Di] encontra-se na rua Kong Bei, fora das Portas do Cerco do Norte". Já a Cronografia sobre o distrito de Xiangshan, compilada por Zhu Huai no 7° ano do reinado de Dao-guang (1827), dinastia Qing, vol. V, Templos budistas e tauistas, fornece maiores detalhes: "O templo tauista de Da Qing situa-se na rua Kong Bei, fora das Portas do Cerco do Norte, à direita do templo de Bei Di, e foi construído por Liang Jin Zhen, em 1734, com a denominação de 'Pavilhão de Da Qing'; foi restaurado por Gao Yi Cheng e Li Dong Shu, em 1793, que acrescentaram mais dois monumentos".

A "rua Kong Bei" é a região conhecida hoje pela mesma denominação. Situa-se fora das Portas do Cerco, entre Macau e Zhu Hai. Daí concluirmos que os referidos templos, principalmente o primeiro, tenham efectivamente exercido, pelo menos a partir de 1734, e do ponto de vista das relações

Templo de Pak Tai — Largo de Camões, Macau.

Foto de Mica Costa Grande.

Templo de Tin Hao — Rua dos Pescadores, Macau.

Foto de Mica Costa Grande.

Templo de Tai Wong — Povoação de Hac-Sá, Coloane, Macau.

Foto de Mica Costa Grande.

Templo de Bao Kong, Macau.

Foto de Mica Costa Grande.geo-religiosas, influência directa no desenvolvimento do Tauismo em Macau.

O território de Macau, segundo a divisão administrativa actual, abrange a Península de Macau e as ilhas da Taipa e de Coloane. Neste Território, os factos mais antigos referentes ao Tauismo remontam aos anos do reinado de Chenghua (1465-1487), dinastia Ming. Uma lenda popular antiga diz que foi um comerciante originário da região de Min Chao quem construiu o templo de Ma Zu Ge (Templo da Barra), em Macau, durante o reinado de Chenghua. A inscrição do monu-nento alusivo à passagem do 5° centenário de sua construção, da autoria de Zao Si Jian, em 1987, também diz que Macau foi, nos primeiros anos, um cais de pesca onde se encontravam muitos emigrantes de Quan Zhou e Zhang Zhou, e que a eles se deve a construção do templo.

De acordo com informações encontradas nas obras anteriormente citadas. o primeiro templo era composto apenas por alguns pavilhões e foi, posteriormente, ampliado. Actualmente, o salão mais antigo é o pavilhão Hong Ren, construído no primeiro ano do reinado de Hongzhi (1488), dinastia Ming. O pavilhão de pedra do templo é prova de que, pelo menos em 1605, a crença na Deusa já era difundida na Península de Macau pois, na ombreira da porta, podem ler-se quatro caracteres chineses, a significar "A Primeira Montanha Sagrada", seguidos de três linhas da inscrição: "Construído no ano de Yisi do reinado de Wanli, dinastia Ming, por proposta popular (...)". Na obra deYin Guang Ren e Zhang Ru Lin, Monografia de Macau, publicada em 1751 (16° ano de Qianlong), há referência de que o templo era denominado "Templo da Deusa" e de que o local onde se localizava chamava-se Niang Ma Jiao (Cabo da Deusa). De facto, o nome mais antigo desta Península foi provavelmente MaZu.

Segundo An historical sketch of the Portuguese settle-ments in China and the Roman catholic church and mission to China, de A. Ljungstedt, publicada em Boston, em 1836, os primeiros portugueses chegaram em 1557 a uma ilha pequena e deserta que se chamava "A Ma". É interessante notar que a denominação mais antiga do Território, em língua portuguesa, era Amaquam, tradução provavelmente conforme a pronúncia A Ma Ao ou A Ma Gang (Porto de A Ma). E Macau ou Macao, nome actualmente utilizado em línguas estrangeiras, é provavelmente uma abreviatura do mesmo; afirmação que está de acordo com a opinião da maior parte dos historiadores ocidentais, tais como Sren Egerod e Graciete Nogueira Batalha, e do historiador chinês Zhang Tian Ze. Podemos dizer, portanto, que toda a região de Macau constituiu uma zona de crença em Ma Zu, pertencente ao sistema tauista, que tinha uma história já de 440 anos, aproximadamente.

Templo de Ne Zha — Calçada Francisco Xavier, Macau.

Foto de Mica Costa Grande.

A Península de Macau possuía outro pavilhão dedicado à Deusa, no templo de Kang Zhen Jun, de Man Ha, construído por volta de 1792, o que é comprovado através de uma lápide esculpida em 1882; o templo da Rua dos Pescadores, construído em 1865, possui uma lápide, datada de 1987, segundo a qual o templo mais antigo dedicado à Deusa era o de Ma Jiao Shi. Na ilha da Taipa existia um pavilhão à Deusa, construído entre os anos de 1662 e 1722. A ilha de Coloane também possuía templo a ela dedicado, templo este construído em 1677. De acordo com dados preliminares, a Península de Macau tinha, desde a época da dinastia Ming, oito templos de crença à Deusa, e o mais antigo remonta a mais de 500 anos.

No dia 8 de Fevereiro de 1988, pela madrugada, o pavilhão da Deusa, no templo de Ma Zu, foi destruído por um incêndio. Um grande sino de bronze de seis pés de altura, com duzentos anos, derreteu-se, mas a estátua da Deusa, feita de madeira, não sofreu quaisquer danos. Acredita-se que tal facto se deveu à intervenção da própria Deusa e, desde então, este templo passou a ser mais frequentado. No último dia do ano lunar, muitos residentes de Macau, turistas procedentes do Japão, Coreia, Tai-wan e de outras áreas do Sudeste Asiático reúnem-se neste templo de Ma Zu. Em suma, a crença na Deusa conheceu um desenvolvimento muito forte em Macau.

Para além desta Deusa, existe, em Macau, a crença popular no Deus do Mar (Zhu Da Xian), protector dos marinheiros e pescadores, que muito o veneram por livrar-lhes dos ataques da pirataria. Esta entidade não tem altar e dia determinados, ficando o seu dia de culto a depender da decisão dos geo-mantes. Outra entidade do mar é a deusa San Po cujo templo, na ilha da Taipa, hoje em ruínas, foi construído no ano de 1845. Dele restam duas lápides: uma, do 9° ano do reinado de Xianfeng (1859) e outra, do 3° ano do reinado de Tongzhi (1864); há ainda seis lápides mais antigas que descrevem a crença à deusa San Po e ao deus Hui Zhou. San Po intervém no combate aos bandidos e piratas, providenciando pela estabilidade e segurança locais. Quanto a sua origem, pensa-se que tenha alguma relação com Tian Hou pois, segundo o registo de Xu Lian Sheng, compilado por Yu Yue, da dinastia Qing, San Po é a terceira irmã da Deusa Celestial e o seu dia santificado é 22 de Março, dia anterior ao consagrado à Deusa Celestial, o que demonstra íntima relação entre ambas.

Hong Sheng, venerado, em Macau, no pavilhão dos Três Santos, em Coloane, construído em 1883, e no pavilhão de Hong Sheng do templo de Kang Gong; Shui Shang Xian Gu (Fada do Mar) e Yue Cheng Long Mu (Esposa do Dragão Yue Cheng) são também deuses do mar. É curioso notar que Hong Sheng, deus do Mar extremamente importante, não tenha ocupado lugar de destaque no Território, sendo reverenciado somente em templos insignificantes.

Macau possui recantos históricos do Tauismo ortodoxo, como, por exemplo, o templo de Lu Zu Xian Yuan, próximo às Ruínas de S. Paulo. Conforme as inscrições das lápides, este templo foi construído em 1891 e a entidade é originária da caverna de Zhao Yuan, na montanha de Luo Fu. Outro exemplo é o pavilhão de Zhang Tian Shi, no templo de Yi Ling.

Macau é também berço do Sistema de Xin Shan, da escola Chun Yang — clas-sificação Tei Yi do Tauismo. Em 1964, Qu Zhan Bie, Luo Lian Zong e outros construíram o templo de Zi Jue, na estrada de Adolfo Loureiro, e depois o mesmo foi transferido para a avenida do Almirante Costa Cabral, onde se encontra o altar ao Ancestral Xin Shan. Em seguida, foi estabelecido um altar na rua Ribeira do Patane. Posteriormente, Luo Zi Yan, Luo Lian Hui e outros líderes transferiram-se para Hong-Kong a fim de difundir o sistema, o que causou seu declínio em Macau, por falta de seguidores.

Templo de Lin Fong — Av. Almirante Lacerda. Macau.

Foto de Mica Costa Grande.

Durante a invasão japonesa, Li Jin Tang (nome tauis-ta de Ruo Xi) transferiu o seu altar, anteriormente estabelecido na aldeia Mei Hua, em Cantão, para as Ruínas de S. Paulo, e este tornou-se o antecessor da sociedade budista Zong Zhu Ke, de Hong-Kong.

Existem, em Macau, outras crenças populares representadas pelos templos de: Ne Zha (construído em 1898); Kang Jun, de Man Ha (construído antes de 1792); Kang Jun (construído antes de 1860); Kuan Di (Península, Taipa e Coloa-ne); Nu Huo (construído em 1888); Bao Kong (1889); Xuan Wu (1843, na Taipa); e TanXian(1862, Coloane).

Quanto ao último templo acima referido, nele podemos encontrar a informação de que Tan Xian, baptizado respeitosamente Tan Kong, aparece na forma de criança. Pensamos que seu verdadeiro nome seja Tan Kong Dao e que é originário de Hui Zhou. Segundo o volume 44 da Cronografia de Hui Zhou, "Tan Kong Dao foi um bom homem que se tornou eremita, passando a estudar o Tauismo na montanha dos Nove Dragões. Nos seus passeios pela montanha, fazia-se sempre acompanhar de um tigre que o ajudava a encontrar alimento, deixando espantados todos quantos tinham oportunidade de observar a cena". Há, neste templo de Coloa-ne, uma representação mural de um tigre bravo.

Já segundo informação encontrada no templo de Tan Kong, em Xiao Qi Wan, Hong-Kong: "No 27° ano do reinado de Guangxu [1901], dinastia Qing, um emigrante que morava em Huang Ni Yong construiu este templo. Dizem que o local da construção foi indicado pelo próprio Tan Kong, aparecido na forma de criança. O Sr. Tan Kong nasceu em Hui Zhou e desde a infância soube prever o futuro e tinha o poder de curar (...). Consagra-se o dia 8 de Abril a sua veneração, o que atrai sempre muitos visitantes".

Uma lápide do mesmo templo regista: "O Deus Tan Kong veio da montanha dos Nove Dragões (...)". A montanha dos Nove Dragões será, certamente, a mesma mencionada na Cronografia de Hui Zhou.

A Associação de Tauismo de Macau é a organização mais representativa dessa crença no Território e é a responsável pelo estabelecimento de um cemitério, em 1974, na ilha da Taipa, onde se pode encontrar uma inscrição feita pelo Sr. Luo Zhi Kuang, vice-presidente da Associação de Tauismo de Hong-Kong. Em conversa directa mantida com este senhor, tomamos conhecimento da efémera existência da corrente Xian Tian Dao, em Macau, hoje desaparecida.

No templo de Yi Ling, construído em 1895, encontram-se um altar erigido em honra de Ji Kong e uma inscrição em madeira com o seu nome. Ji Kong é reverenciado pelos seguidores do sistema tauista Yi Kuan Dao, o que corrobora informações procedentes de Hong-Kong da existência de actividades dessa crença no Território.

Para finalizar, faz--se necessário destacar, ainda que secundárias, a presença, em Macau, de outras entidades de culto tauista, tais como: Shi Kan Dang, Deus da Terra, Zai Bo Xing Jun, Mestre Lu Ban (protector dos carpinteiros), Imperador Kuang Hua, Mestre Hua Tuo (protector dos médicos), Deus dos Auspícios, Deus dos Mil Anos e Hou Wang.

Templo de Tam Kong — Largo Tam Kong, Macau.

Foto de Mica Costa Grande.

* Licenciado em Língua e Literatura Chinesas, pela Universidade de Macau, é professor assistente de História na Faculdade de Ciências Humanas da mesma Universidade. Investigador da história das relações luso-chinesas e das religiões em Macau, possui alguns títulos publicados, dos quais destacam-se: Inscrições históricas chinesas da Taipa e de Coloane, O Tauismo em Hong-Kong e Macau, História económica de Macau e Religiões em Macau.

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