Jesuítas na China

OSJESUíTAS VIAJANDO PARA O ORIENTE
AS EXPERIÊNCIAS DOS PADRES DOMINIQUE LE JEUNEHOMME, AGOSTINO TUDESCHINI E TRANQUILLO GRASSETTI, EM VIAGEM PARA A MISSÃO DA CHINA NO INICIO DO SÉCULO XVII

A. Disney*

Para um missionário europeu viajar para a China nos dias áureos das missões jesuítas não era um assunto ligeiro1. Teoricamente, se tudo corresse bem, as etapas principais da viagem -- o trajecto de Lisboa a Goa, a longa estadia na índia à espera da próxima estação que possibilitasse a navegação para a China e o trajecto entre Goa e Macau --tudo junto, durava aproximadamente dezoito meses2. Todavia, chegar a Lisboa proveniente de qualquer cidade europeia, começando por possíveis atrasos na obtenção de uma passagem, acidentes no trajecto e paragens em portos intermédios, podia demorar anos. Tal significava que era impossível prever-se com confiança a duração exacta da viagem e havia até os que tendo iniciado essa viagem nunca a terminaram. Entre 1581 e 1712, chegaram à China 249 jesuítas provenientes da Europa, mas ficaram pelo caminho 127, no mínimo -- uma taxa de mortalidade de aproximadamente um em três3. Por outro lado, também era comum que os jesuítas destinados à Missão da China alterassem o rumo à sua viagem, temporária ou definitivamente, ocupando-se de outras tarefas em regiões diferentes, reduzindo ainda mais o número dos que chegavam a atingir a Missão. Um bom exemplo deste facto foram os 22 jesuítas recrutados especialmente pelo padre Nicholas Trigault para prestação de serviço na China em 1617-18, tendo atingido este país somente oito4. Atrás destes factos rigorosos há obviamente uma intensa história humana -- um história de longos períodos de tédio marcados por momentos repentinos de agitação e perigo, uma história de alegrias e tristezas e, acima de tudo, uma história de resistência e determinação notáveis. Este artigo pretende desvendar um pouco dessa história, analisando com alguma profundidade, o que nos dão conta três dos viajantes missionários que partiram para o Extremo Oriente no início do século XVII.

Os jesuítas que partiram para as missões da Ásia receberam instruções no sentido de escrever relatos das suas viagens e a enviá-los para a Europa5. A partir dos inventários coligidos pelos padres Georg Schurhammer e Joseph Wicki, toma-se claro que um grande número de relatos foi realmente escrito e muitos conseguiram sobreviver, muito embora pareçam ser muito mais comuns no trajecto entre Lisboa-Goa do que no de Goa-Macau6. Estas narrativas de viagens foram escritas por três membros de um contingente de 42 padres, frades e noviços jesuítas que partiram de Lisboa com destino à China na armada de 1629. Um destes três -- frade Dominique Le Jeunehomme -- morreu na índia, mas os outros dois conseguiram chegar à China em segurança, tendo aí trabalhado na missão durante muitos anos. Eram eles os padres Agostino Tudeschini e Tranquillo Grassetti.

A armada de Lisboa-Goa de 1629 era relativamente grande pelos padrões da carreira da índia da época, compreendendo nove navios, três dos quais eram naus e seis galeões. O capitão era o vice-rei Conde de Linhares e o seu vice-almirante D. Francisco de Melo de Castro, um fidalgo de um olho só, de prestígio e experiência consideráveis7. Os contomos da viagem podem ser apresentados muito resumidamente. Todos os navios partiram de Lisboa em conjunto no dia 3 de Abril e, exceptuando uma breve paragem de dez dias na ilha de Moçambique, viajaram sem parar até Goa onde as naus e quatro dos seis galeões chegaram em diferentes datas, entre 24 de Setembro e 22 de Outubro de 1629, após viagens de cerca de sete e oito meses cada. A viagem seguiu de perto a rota tradicional através de ambos os oceanos e durou somente um pouco mais do que a média nessa época. Durante a viagem, a armada enfrentou diversas crises, envolvendo perdas de vidas, o aparecimento de escorbuto e a destruição de dois galeões -- um, afundando-se nos mares encapelados das proximidades do Cabo e o segundo, encalhando no Canal de Moçambique. Le Jeunehomme e Tudeschini iam a bordo deste segundo galeão.

LE JEUNEHOMME

O autor da primeira narrativa, frade Dominique Le Jeunehomme, era um valão francês nascido em St.-Nicolas-de-Port, uma vila perto de Nancy, na Lorraine, não muito longe da fronteira franco-germânica. Sabe-se pouco dos seus primeiros anos que parece terem sido passados exclusivamente no norte de França8. Ingressou no noviciado em Rouen, em 1613, e foi professor de Gramática, Humanidades e Retórica no Colégio de Rennes antes de ser recrutado para a Missão da China9. Nos finais de 1626, partiu na sua longa viagem até Macau, com início num local denominado La Flesche, de onde prosseguiu a pé até Paris. Aqui, conseguiu angariar alguns fundos, modestos, para a sua viagem -- 200 francos da província francesa da Companhia de Jesus e 20 écus de um patrocinador privado, um monsenhor de Rochefoucault10. Seguidamente, atravessou a França de coche, passando por Troyes, Chalon-sur-Saone, Dijon e Lyon, seguindo, depois, pelo Vale do Rhone até Avignon. No trajecto, juntaram-se dois outros viajantes, sendo um o frade Étienne Le Fevre, igualmente com destino a Macau e que mais tarde veio a adquirir fama pelo trabalho que desenvolveu na China11.

Até Marselha, a viagem decorreu sem problemas, mas a partir daí começaram a encontrar dificuldades e frustrações. A ideia inicial do grupo era apanhar um navio que os levasse directamente de Marselha a Lisboa. Embarcaram duas vezes nesta viagem, mas os navios foram sempre forçados a regressar ao porto de partida devido aos ventos contrários, facto que os fez passar um mês inteiro em Marselha. Pouco tempo depois da sua segunda tentativa abortada, sete jesuítas italianos, cujo destino era igualmente as missões no Oriente, chegaram a Marselha provenientes de Génova. Assim, os dois grupos juntaram-se e decidiram viajar até Lisboa a pé -- uma decisão tomada principalmente, de acordo com Le Jeunehomme, tendo em consideração os italianos que já tinham gasto quase todo o dinheiro da viagem e, por isso, não podiam comprar passagens de barco12.

O seu trajecto inicial percorreu a estrada costeira entre Marselha e a cidade fortificada de Perpignan, passando sucessivamente por Arles, Aigues Mortes, Montpellier, Narbonnne e Leucate, atravessando, assim, algumas da regiões mais belas do Sul da França. Na maioria destes locais, foram bem recebidos e, sempre que possível, hospedavam-se com jesuítas locais. Todavia, as dificuldades eram muitas -- fazia frio, havia muito gelo no chão e, por vezes, os cães ameaçavam-nos. Depois de Perpignan ficam os Pirinéus, mas atravessaram--nos aproximadamente em 20 de Dezembro de 1626 sem encontrar chuva nem neve e, na véspera de Natal, estavam em Barcelona13.

Para a ligação entre Barcelona e Madrid, alugaram uma dúzia de mulas facto que possibilitou a sua conclusão em dezassete dias. Na maioria das noites, eram obrigados a ficar em estalagens: pelo menos aqui, tinham um local para dormir, assim como pão e vinho. Atravessaram Montserrat, onde apreciaram o seu rico mosteiro beneditino e a sua magnífica igreja. Toda esta região estava fortemente ligada a S. Inácio de Loyola e Le Jeunehomme lamentou-se de não poderem fazer um desvio para visitar Manresa. Foi a única secção da viagem em que o tempo ficou alterado facto que provocou tropeções e quedas na estrada. Certa ocasião, foram confrontados por dois bandidos que exigiram caridade sob a ameaça de um arcabus. A seguir, nas montanhas de Aragão, perderam-se e foram ter a um caminho estreito sobre ravinas muito íngremes, mas, por sorte, encontraram dois rapazes que apanhavam lenha e indicaram o caminho. Houve quem se convencesse que estes rapazes se tratavam de verdadeiros anjos; Le Jeunehomme defendia que não eram, embora tivessem sido certamente guiados por anjos14. Referindo-se a assuntos mais mundanos, o aspecto mais desagradável da viagem em Espanha -- pelo menos era o que Le Jeunehomme pensava -- foi a repetida imposição de impostos alfandegários que eram liquidados em bens, mulas e até dinheiro. Nas entradas e saídas de cada principado, esses pagamentos tinham de ser feitos e, em numerosas cidades, nas pontes e travessias de rios, sendo que qualquer protesto causava grandes atrasos15.

Chegaram a Lérida no dia l de Janeiro de 1627, seguindo depois para a capital aragonesa de Saragoça, onde passaram dois dias. As escalas seguintes foram Catalayud, Alcala e finalmente Madrid. A capital da Castilha era uma cidade composta maioritariamente de casas de tijolo e tinha uma magnífica praça pública rodeada por galerias a par tir das quais se podia assistir às touradas. Todavia, o seu colégio jesuíta não impressionou muito Le Jeunehomme e, como cobrava um tostão por cabeça e por dia, aí permaneceram o menor tempo pos-sível. De Madrid, dirigiram-se para ocidente em direcção a Oropesa onde, uma vez mais, foram bem recebidos pelo colégio jesuíta local; no entanto, não é claro qual foi o trajecto por eles utilizado a seguir. Muito possivelmente, atravessaram a fronteira de Portugal mais para sul, de Badajoz para Elvas, uma vez que a cidade a que Le Jeunehomme fez referência a seguir foi Évora, no Alto Alentejo. Aqui, encontrou o colégio jesuíta que tinha sido construído pelo rei D. Henrique; era imponente, a sua linda igreja rodeada de jardins com laranjeiras, limoeiros e cidreiras. A catedral era muito opulenta e os seus canones mais ricos que muitos bispos16. Daqui, o grupo, que entretanto tinha aumentado para vinte, apressou-se e, somente doze dias depois de ter deixado Madrid, chegou finalmente a Lisboa no dia 31 de Janeiro de 1627.

Se Lisboa era o objectivo final da viagem europeia de Le Jeunehomme, então, não o desapontou. Depois de Paris, achou que era a cidade maior, mais populosa e rica da cristandade, sendo a igreja jesuíta de S. Roque "mais bonita do que todas as da Companhia que vi em Espanha"17. [ plus belle de toutes celles que j'aye vues en Espagne, de la Compagnie ]Todavia, o grupo de Le Jeunehomme era demasiado numeroso para ficar muitos dias no colégio jesuíta de Lisboa e, por isso, dividiu-se em dois. Um dos grupos dirigiu-se para os jesuítas em Coimbra e o outro para Évora onde deviam esperar pela partida da armada da índia e que estava projectada para o fim de Março ou Abril de 1627. No entanto, tinha aparecido outro obstáculo. Em Janeiro, Portugal perdera muitos navios numa enorme tempestade atlantica pelo que só podia dispo-nibilizar uma nau e uma pinaça para a viagem a Goa nesse ano18. Portanto, não havia lugares suficientes para albergar todos os jesuítas que queriam embarcar e, embora o rei tivesse reservado 34 lugares para os jesuítas, só oito puderam embarcar. Le Jeunehomme, que estava entre os que tinham sido enviados para Coimbra, deslocou-se a Lisboa no início de Março altura em que foi informado que não havia lugar para ele, tendo, por isso, que espe-rar em Portugal pelo ano seguinte (1628).

Assim, Le Jeunehomme teve de enfrentar o problema de encontrar o que fazer nos doze meses seguintes. Em Coimbra, tinha começado a ocupar o tempo a ensinar, pregar e estudar e, sem nenhuma dúvida, podia dar continuidade a essas actividades. Pensou em fazer traduções para latim e aproveitar a oportunidade de se integrar melhor nos costumes portugueses -- nessa altura, já tinha adoptado um nome português, Domingo de São Nicolau, que tinha por base o seu local de nascimento19. No entanto, um atraso de doze meses também tinha implicações financeiras preocupantes que não eram de fácil resolução. Em Março de 1627, havia quinze jesuítas alojados na residência em Coimbra à espera de passagem para Goa, tendo já gasto 1000 écus entre eles. Com a nova situação, tinham custos suplementares a pagar em Portugal juntamente com o custo da própria viagem. Relativamente aos últimos, cada um precisaria de dois conjuntos de roupa, um para a zona tórrida e outro para as regiões frias, já não falando da roupa de cama, livros, altares portáteis, comida e remédios. Teriam de pagar o espaço onde dormiam no barco e a utilização da galeria da popa. O custo total para quinze pessoas era de 5 000 écus, mas a coroa só tinha dado um subsídio de 500 écus20. De onde viria o resto?

O próprio Le Jeunehomme não dá resposta a esta pergunta, embora seja óbvio que pensava que se devia angariar mais patrocínios. Assim, de Coimbra, escreveu ao Cardeal de Sourdis, Arcebispo de Bordéus, pedindo apoio para os missionários e prometendo, em troca, enviar ao cardeal relatos escritos sobre tudo o que encontrasse de curioso e raro durante a viagem. "Encalhámos e naufragámos em terra" (ver nota de rodapé 21), contou a de Sourdis, referindo-se ao seu atraso longo e forçado, uma metáfora irónica tendo em conta o naufrágio que, mais tarde, ele viria a enfrentar21. A carta ao Cardeal de Sourdis -- cujo desfecho não é conhecido -- é o nosso último contacto directo com Le Jeunehomme e o resto da sua história é conhecida através da narrativa do seu companheiro de viagem, frade Tudeschini. Através dele, ficamos a saber que Le Jeunehomme, após um ano de espera, partiu com a armada da índia em 1628, regressando, todavia, a Lisboa quatro meses volvidos porque a armada viu-se forçada a abortar a viagem ao largo de Pernambuco. Só à terceira tentativa, em 1629, é que Le Jeunehomme conseguiu uma passagem para a índia, desta vez a bordo do galeão San-tiago, e de lá nunca mais voltou.

Tudeschini conta-nos a fatídica viagem do Santiago e o seu naufrágio no canal de Moçambique, factos que serão descritos mais adiante. Por agora, bastará dizer que Le Jeunehomme foi salvo, juntamente com Tudeschini assim como toda a companhia que ia a bordo desse galeão, sendo levados para a colónia portuguesa em Moçambique. Aí, recebeu abrigo e hospedagem da modesta residência jesuíta de Moçambique. ALe Jeunehomme e Tudeschini foi pedido que ajudassem os jesuítas locais na pregação e confissões ao que eles, naturalmente, acederam. Provavelmente, Le Jeunehomme pensava aí ficar os meses suficientes até poder prosseguir a viagem para a índia, seguindo depois até Macau e, finalmente, China, no início da estação seguinte. Todavia, tal não viria a acontecer e é neste ponto que a sua história diverge da do seu companheiro. A razão foi um acontecimento repentino e inesperado relativamente à ilha de Madagáscar.

Os portugueses já conheciam Madagáscar desde 1500, altura em que Diogo Dias, um dos capitães de Cabral, navegou ao longo de quase toda a sua costa. Nos 130 anos que se seguiram a essa viagem, o interesse oficial português pela ilha foi esporádico -- Madagáscar era demasiado marginal para os enormes interesses de Portugal no oceano Índico para lhe ser dada alguma atenção. Por outro lado, desenvolveram-se contactos regulares não oficiais porque a costa de Madagáscar era uma fonte útil de arroz e outros abastecimentos para as colónias portuguesas da África Oriental e um exportador cada vez mais importante de escravos. No início do século XVII, os comerciantes e aventureiros portugueses eram presença regular em Madagáscar, especialmente nas suas costas Noroeste e Oriental. Os comerciantes portugueses eram, normalmente, seguidos de perto pelos missionários portugueses, pelo que tanto os dominicanos como os jesuítas já tinham tentado estabelecer missões cristãs em Madagáscar, ambos sem grande êxito22.

Por um acaso, apareceu uma oportunidade de se renovar estes esforços na altura em que Le Jeunehomme se adaptava ao seu novo ambiente na residência jesuíta de Moçambique. A ocasião surgiu de um rapto23. Pouco antes do salvamento dos náufragos, alguns comerciantes portugueses capturaram duas esposas de um importante govemante Malagasy, o Tingimaro da Seda, que, na época, era o rei mais rico e mais poderoso do Noroeste de Madagáscar24. Estas mulheres, levadas para Moçambique, foram aí baptizadas e uma delas teve um filho do seu captor português. Muito justi-ficadamente, o Tingimaro ficou irritadíssimo com esta provocação. Inicialmente, resolveu suspender todo o comércio com os Portugueses e matar todos os seus comerciantes que entrassem no seu território. Todavia, um português da sua corte, que trabalhava há muito como seu guarda-costas pessoal, conseguiu convencê-lo de que a melhor estratégia seria enviar uma embaixada a D. Nuno hvares Pereira, o então capitão português de Sofala, para pedir a devolução das mulheres. Por sugestão do guarda-costas, o embaixador foi aconselhado a prometer a Pereira que se as mulheres regressassem a Sada elas poderiam viver aí livremente como cristãs, podendo, até, levar um padre. Ao receber esta proposta, Pereira reuniu o seu conselho para discutir a melhor resposta a dar. O conselho decidiu que a oportunidade de estabelecer uma presença formal da igreja num dos mais importantes reinos era demasiado boa para se deixar escapar e, assim, recomendou que as condições do Tingimaro fossem aceites. Nestes temmos, pediu-se aos jesuítas que nomeassem um padre e, para tal, era necessário escolher quem seria. Com pouco pessoal, como era caso frequente, o reitor do colégio de Moçambique aproveitou a presença providencial dos sobreviventes do malogrado Santiago e nomeou Le Jeunehomme.

Muito provavelmente, Le Jeunehomme aceitou com muita apreensão a missão que lhe foi confiada. Pedia-se-lhe, com pouca antecedência, que estabelecesse sozinho uma igreja longe do seu destino final, numa ilha remota que ele desconhecia praticamente com uma língua que ele não falava, e cujo governante era muito imprevisível. Numa visita efectuada à ilha uma década antes por outro jesuíta, frade Luís Mariano, não tinha sido possível deixar nenhumas fundações sobre as quais se podia construir uma comunidade cristã25. No entanto, com a fimmeza característica dos jesuítas, Le Jeunehomme aceitou esta dificil missão e partiu para Madagáscar. Desembarcando na costa de Sada e trazendo com ele as duas mulheres cujo bem--estar espiritual justificava a sua presença, pôs-se a caminho da capital de Tingimaro, em Ankoala, localizada num rio vários quilómetros para o interior. Em Ankoala, a missão teve um começo encorajador. Le Jeunehomme foi bem recebido pelo Tingimaro, teve a possibilidade de escolher um excelente local para a sua igreja, numa colina conspícua e recebeu a promessa de ajuda total na sua construção. Todavia, ficou claro, desde o início, que o desenvolvimento do cristianismo no reino dependia quase exclusivamente da boa vontade do Tingimaro cuja conversão tomava-se, assim, numa prioridade urgente. Infelizmente, o Tingimaro já tinha uma idade muito avançada e, pouco tempo depois da chegada de Le Jeunehomme, adoeceu gravemente, tomando-se óbvio que era irreversível. Assim, todas as tentativas de Le Jeunehomme de chegar até ele foram infrutíferas, por isso, seria impossível converter o moribundo. Esta morte inoportuna não só foi um rude golpe para a missão do infante, como colocou a vida de Le Jeunehomme em perigo imediato uma vez que era costume em Madagáscar enterrar vivos os familiares e amigos do finado26. Le Jeunehomme decidiu que o seu único recurso lógico seria fugir imediatamente, facto que veio a acontecer na primeira embarcação disponível --um navio mercante muçulmano que o levou, juntamente com um grupo de comerciantes muçulmanos que fugia de Sada pelas mesmas razões, para o porto português de Diu na costa de Gurajat.

A fuga precipitada de Le Jeunehomme de Sada e, particularmente, o facto de não ter regressado à África Oriental, não agradou, por certo, às autoridades eclesiásticas de Moçambique, pelo que o respectivo administrador enviou outro padre para Madagáscar para o substituir27. Todavia, Le Jeunehomme estava obviamente feliz com o facto de Deus o ter colocado novamente na rota da China. Chegado à índia, por Diu, partiu rapidamente para sul com destino à colónia portuguesa de Bassein onde foi recebido e acolhido pelo colégio jesuíta local. Infelizmente, ficou por aí. À semelhança do que aconteceu tantas vezes aos missionários que por lá passavam, recebeu ordem do Provincial local para pemmanecer no colégio porque os jesuítas de Bassein tinham sido dizimados pela doença e, por isso, careciam desesperadamente de reforços. Le Jeunehomme era mais uma vez impedido de prosseguir viagem até ao seu destino. O trabalho que desempenhava era muito exigente, na altura, havia peste em Bassein, e a sua saúde foi-se deteriorando. Morreu em data desconhecida no Colégio de Bassein — a meio da viagem para a China.

TUDESCHINI

O genovês Agostino Tudeschini nasceu em 1598, na pequena vila de Sarzana, na Ligúria. Formara-se em Direito Civil e Canónico antes de ingressar na Companhia de Jesus em Roma em 1622. A data da sua partida para o Extremo Oriente, tinha cerca de trinta anos28. Tudeschini viajou no galeão Santiago com Le Jeunehomme como seu companheiro e descreveu a sua experiência a bordo do navio numa carta enviada ao geral jesuíta em Roma, em Novembro de 1631, pouco tempo depois de ter chegado à China. O seu relato foi feito em português e consiste numa narrativa condensada de dezassete páginas e que, presentemente, se encontra no arquivo de Roma29.

Tudeschini iniciou a sua longa viagem para a China, a partir de Roma, em Outubro de 1626. Ele e dois colegas italianos partiram primeiro para Génova, onde se juntaram a quatro outros colegas30. Depois, fizeram o trajecto até Marselha numa galé, mas, devido às tempestades e ventos contrários, esta viagem demorou cerca de um mês. Durante a sua permanência a bordo, tinham de pagar um écu cada por dia e, por isso, quando chegaram a França tinham gasto quase todo o seu dinheiro. Em Marselha, encontraram o grupo francês no qual se incluía Le Jeunehomme que escreveu que quando viu pela primeira vez os seus confrades italianos estavam "frios, desfigurados, magros e, em geral, miseráveis31. [morfondus, deffaicts. maigres et de tout points miserables] O resto da sua viagem até Lisboa foi feito em conjunto e já foi descrito.

Seguindo-se ao falhanço dos missionários em conseguir lugares na armada que se dirigia para a Índia em 1627, Tudeschini passou os doze meses seguintes de espera no colégio jesuíta de Coimbra, estudando e pregando. Então, no início de 1628, regressou a Lisboa com o intuito de se juntar à nova armada da Índia de D. Francisco Masca-renhas. Descreve comoventemente a despedida cerimonial que foi feita a ele e aos seus colegas em Coimbra — uma tradição local quando os missionários partiam para o Oriente. Padres, frades e estudantes acompanhavam os missionários em procissão ao centro da cidade onde atravessavam o rio Mondego e subiam a escadaria da capela da Nossa Senhora da Boa Esperança. Aí, o reitor fazia as suas rezas seguidas de uma oração curta mas comovente e de [os abraços costumados]32. A armada de D. Francisco levantou ferro a 20 de Abril, com Tudeschini a bordo, mas, quatro meses volvidos, estava de regresso a Lisboa devido à incapacidade de ir além da costa de Pemambuco. Após esta experiência frustrante, Tudeschini passou o que restava de 1628 no colégio jesuíta de Évora antes de partir urna vez mais — desta feita com êxito — na armada de 1629. Nessa altura, já se tinham passado dois anos e meio preciosos desde que partira de Roma.

A bordo do Santiago Tudeschini, juntamente com Le Jeunehomme, envolveuse rapidamente na assistência espiritual e temporal seus companheiros de viagem. A companhia do barco rondava cerca de 400 necessitados de assistência e, apesar de haver entre eles homens [honrados e virtuosos], muitos outros eram amargos e desesperados, frequentemente com passado criminoso, por isso, a violência estava sempre a rondar33. Entre eles, os dois jesuítas rezavam missa diariamente e sempre que as condições climatéricas o pemlitiam, faziam confissões. Davam grande importância ao apoio que prestavam aos doentes e. moribundos, pondo-se à sua disposição ininterruptamente. Tentavam igualmente levantar o moral da companhia do navio, fazendo um esforço especial para combater a blasfémia. Tal foi feito inicialmente através de admoestações, depois impondo multas aos prevaricadores mais idosos e fazendo um dos soldados veteranos bater nos mais jovens. Intervieram para julgar lití-gios, esfriar temperamentos, assim como acalmar e encorajar os deprimidos e receosos. Em momentos mais sérios, trabalhavam literalmente até cair. O Santiago foi atingido tão gravemente por escorbuto durante a sua passagem pelo calmaria equatorial que, a certa altura, só cinco homens a bordo estavam completamente sãos. Foi então que se testou mais a resistência dos padres jesuítas e, tanto Tudeschini como Le Jeunehomme, tudo fizeram para estar à altura dos problemas. Andavam pelo convés, noite e dia, assistindo os doentes e moribundos, muitas vezes tendo de se deitar no chão no meio de extrema sujidade e fedor horrível para escutar confissões. Tudeschini afimma que, apesar de ambos os padres também estarem doentes, conseguiram confessar todas as 41 pessoas que morreram a bordo do galeão durante esse período34. Contudo, tal não era prática comum na armada uma vez que Toral y Valdes, um engenheiro militar que viajava a bordo da nau almirante Santíssimo Sacramento, queixou-se de que tinham adoecido tantos homens neste navio que os padres não conseguiram atender a todos pelo que muitos morreram sem confissão35.

Foi uma viagem lenta e houve longos períodos somente com leves brisas ou com vento contrário. Contudo, houve duas grandes tempestades próximo do cabo da Boa Esperança. Foi aí que passaram à vista de quatro navios holandeses na rota para a Índia Oriental, mas, aparentemente, nenhum dos lados quis a confrontação, não havendo, por isso, nenhum incidente. Subiram a costa de Natal até ao canal de Moçambique, chegando tão perto da ilha de Moçambique que podiam ser vistos do seu forte, mas aí a sorte abandonou-os. Primeiro, foram atingidos por uma mudança repentina do vento e, durante nove dias, foram empurrados para trás. Depois, às 22.00 horas do dia 7 de Setembro de 1629, em condições climatéricas completamente calmas, o Santiago embateu num recife submerso, com um enorme estrondo — um momento terrívelque marcouindelevelmente a mente deTudeschini36.

Depois do embate do navio, o pânico e a confusão foram imediatos e totais, deixou de haver ordem, disciplina e era cada um por si. Na ausência do comando do capitão, que cedo se escapou para a costa juntamente com a maioria dos oficiais no único salva-vidas que havia a bordo, os dois jesuítas lutaram para restaurar a ordem. Utilizando uma combinação de medidas práticas e religiosas, Tudeschini persuadiu primeiramente o contramestre e os seus colegas a cortar o mastro partido para aliviar o barco e, depois, tentou acalmar os mares suspendendo relíquias sagradas na água. Ambos os jesuítas passaram uma noite tensa e movimentada — Tudeschini na proa tentando angariar ajudas para salvar o navio e Le Jeunehomme, apesar de estar doente com febre, na ré ouvindo frenéticas confissões. Logo que lhe foi possível, Tudeschini começou também a escutar confissões e distribuiu crucifixos e outros objectos sagrados que tinha trazido de Itália para confortar os apavorados. De madrugada, descobriram que estavam perto de uma pequena ilha, tratava-se da ilha João de Nova, e, de uma fomma ou de outra, as pessoas começaram a dirigir-se para terra. No entanto, Tudeschini pemmaneceu a bordo durante três dias, não comendo nem bebendo, vindo a ficar tão exausto que nem para falar tinha forças. Finalmente, conseguiu atingir a ilha vestindo somente a camisa e ceroulas, os pés cortados pelos corais durante a fuga. O naufrágio causou mais de sessenta mortes, tendo os restantes conseguido atingir a ilha a nado ou em jangadas (balsas).

Na ilha João de Nova, os sobreviventes tiveram a sorte de encontrar alimentos em abundância; havia grandes bandos de aves, peixe em grande número, inúmeros caranguejos, algumas tartarugas enormes, assim como ovos de tartarugas e pássaros. De facto, Tudeschini teve de repreender alguns sobreviventes porque, devido à sua gula, matavam um número indeterminado de patos só para comer os fígados. Posteriormente, um homem que cozinhava um pato causou um incêndio incontrolável no capim que esteve ateado durante dez dias e afugentou muitos dos pássaros. Durante a sua estada forçada na ilha de João de Nova, Tudeschini enfrentou um colapso assustador do controle social entre os sobreviventes e, ele próprio, foi quase assassinado por um carpinteiro do navio que empunhava uma faca de mato e que tinha algum ressentimento contra ele. Todavia, as notícias do que acontecera com os sobreviventes do Santiago che-garam a Moçambique graças àqueles que tinham conseguido fugir para o continente no salva-vidas do navio. Neste contexto, a Misericórdia local enviou uma pinaça de auxílio. Levados por esta pinaça, Tudeschini e os seus companheiros atingiram terra firme em 3 de Novembro de 1629, quase dois meses após o naufrágio37.

A chegada de Tudeschini a Moçambique ocorreu em circunstâncias inesperadas e preo-cupantes, mas passar algum tempo neste solitário posto português da costa Oriental de África era uma experiência muito comum entre os missionários que se dirigiam para a China. Tudeschini e Le Jeunehomme foram recebidos, alimentados e vestidos na residência local dos jesuítas. Então, apesar do desejo de ir tão depressa quanto possível para o Oriente, o reitor convenceu-os a ficar em Moçambique por forma a ajudar a suprir a enorme falta de pessoal. Le Jeunehomme concordou em pregar e escutar confissões, Tudeschini a ensinar Latim e Teologia38. Tudeschini permaneceu aí cerca de seis meses, após o que conseguiu embarcar para Goa.

Em Goa, como em Moçambique, o provincial jesuíta local procurou os serviços de Tudeschini, pedindo que ele lá ficasse durante um ano. Assim, Tudeschini viu-se logo envolvido em trabalho pastoral familiar, especialmente ouvindo confissões a maior parte do dia e muitas vezes de noite39. Neste contexto, após sete meses, conseguiu convencer o provincial de que as instruções que tinha exigiam que ele partisse para a Missão da China o mais brevemente possível, facto que se veio a concretizar quando embarcou numa galeota com destino a Macau. Uma vez aqui chegado, viajou rapidamente para a China em Novembro de 1631 — mais de cinco anos depois de ter deixado Roma. Serviu sucessivamente em Xangai, Changzhi, Xi'an e Fuzhou e tornou-se conhecido pelo nome chinês de "Tou". Após várias missões e serviços valiosos prestados à Missão, acabou por morrer em 1643, somente com 45 anos de idade, konicamente, tendo em conta o seu salvamento do naufrágio do Santiago, morreu afogado. Esta tragédia ocorreu numa viagem relativamente curta entre Fuzhou e Macau, durante a qual o seu barco foi atacado e incendiado por piratas. Ao tentar fugir, Tudeschini saltou para a água, mas, infelizmente, não sabia nadar e não conseguiu atingir terra. Cristãos chineses recolheram o seu corpo e sepultaram-no na costa perto de Fuzhou40.

GRASSETTI

O frade Tranquillo Grassetti nasceu em Modena, cidade do norte de Itália, em 1588, e já contava quarenta e um anos de idade quando embarcou para o Extremo Oriente na nau Nossa Senhora de Bom Despacho, a 3 de Abril de 1629. Sabe-se pouco sobre os primeiros anos da sua vida, exceptuando o facto de ter ingressado na Ordem Jesuíta em Novellara (que ficava perto da sua cidade natal) em 1617, tendo, subsequentemente, leccionado Gramática durante vários anos e, aquando da sua partida da Europa, era um padre ordenado41. Não se sabe ao certo por que razão foi escolhido para servir no longínquo Extremo Oriente já com uma idade relativamente adiantada — os padres missionários eram enviados para a China ou Japão com muito menos idade. Inicialmente, Grassetti tinha sido enviado para o Japão, mas, em vez disso, ficou na China.

O relato de Grassetti sobre a sua experiência durante a viagem encontra-se numa carta escrita do colégio jesuíta de Rachol, perto de Goa, com a data de 19 de Fevereiro de 163042. À carta era dirigida ao frade Dionigio Grassetti, que era talvez o seu tio ou irmão. Tranquillo Grassetti era um observador perspicaz e escrevia vivamente sobre a vida que o rodeava, a bordo do navio e na Índia. Contudo, a sua carta faz referências unicamente a factos ocorridos desde que o seu navio partiu de Portugal e até cerca de quatro meses após a sua chegada a Goa. Não nos conta virtualmente nada sobre o que aconteceu antes de partir de Lisboa, nem descreve o que aconteceu entre Goa e Macau. Devido a estas limitações, nem chegamos a saber ao certo como é que chegou a Portugal vindo de Itália, embora pudesse fazer parte do grupo de sete jesuítas italianos que chegaram a Portugal em 1626-7, conforme referidotanto por Tudeschini como por Le Jeunehomme43.

Tal como foi referido anteriormente, os padres jesuítas que embarcaram na armada de 1629 foram distribuídos três por navio para que pudessem acudir às necessidades espirituais dos passa-geiros e tripulações durante a longa viagem, assim como assumir a responsabilidade de algumas tarefas de bem-estar, tal como distribuir esmolas e remédios. Grassetti ficou no Bom Despacho onde inicialmente contou com a companhia de dois colegas, o padre Sebastião Vieira e o padre Étienne Le Fevre. Vieira era um missionário português veterano que há muito trabalhara no Japão para onde regressava na qualidade do novo vice-provincial; Le Fevre era um jesuíta francês que inicialmente também se destinava ao Japão, mas, como o próprio Grassetti, foi desviado para a China onde, subsequentemente, passou muitos anos. A bordo do Bom Despacho, seguiam igualmente todos os frades e noviços jesuítas que viajavam nesse ano (dezasseis padres e sete noviços) em grupo. Estavam instalados no convés da popa do navio onde eram dirigidos de perto por Grassetti e os outros dois padres44.

É possível reconstruir as diversas fases da viagem do Bom Despacho com alguma precisão, recorrendo à narrativa de Grassetti45. Tendo deixado Lisboa no dia 3 de Abril, o navio rumou para sul durante cerca de seis semanas sem encontrar nenhumas dificuldades sérias. No dia 12 de Maio, atravessou em segurança o Equador, mas veio a ser retardado durante dezasseis a dezoito dias devido à acalmia. Durante este período, quase todos a bordo, desde o capitão até aos níveis inferiores, adoeceram, tendo morrido aproximadamente vinte escravos, embora, aparentemente, não tivesse havido baixas entre os portugueses. O próprio Grassetti adoeceu no dia 16 de Junho e nunca mais se recompos totalmente até ao fim da viagem. O navio dobrou o cabo da Boa Esperança (que Grassetti teve a oportunidade de ver) no dia 17 de Julho de 1629, em condições atmosféricas invulgarmente calmas; todavia, logo a seguir o tempo piorou. Entraram no canal de Moçambique, avistando a costa no dia 17 de Agosto. A partir daí, tiveram de lutar contra ventos contrários que eram tão fortes que foram forçados a recuar durante cinco ou seis dias, temendo Grassetti que o barco fosse atirado contra as rochas. Felizmente, tal não veio a acontecer e, finalmente, ancoraram por baixo da fortaleza da ilha de Moçambique no dia 8 de Setembro. Após uma breve estadia em Moçambique, o navio levan tou ferro em direcção a Goa onde chegou no dia 18 de Outubro, uma semana antes dos outros navios e sem sofrer nenhum percalço de maior.

Se este breve resumo do que aconteceu com o Bom Despacho em 1629 deixar a impressão de que os passageiros jesuítas, incluindo Grassetti, tiveram uma viagem relativamente fácil até à Índia, então, essa impressão terá de ser alterada. Embora seja verdade que a viagem foi ditosa comparando com o que aconteceu ao infortunado Santiago, tendo o navio e os seus passageiros chegado à Índia em segurança, analisando melhor o relato de Grassetti pode-se concluir que a viagem não foi nada confortável e que os jesuítas a bordo tiveram na realidade muitos problemas. O alojamento a bordo de um navio com destino à Índia, no século XVII era extremamente espartano e a experiência de Grassetti não era excepção. "Estava num camarote... tão estreito que não se podia mexer sem tocar no companheiro" (stavo in un camarotte... tanto stretta che non si poteva fare di non ritoccare col compagno), conta-nos Grassetti. Era também tão sufocante que não conseguia dormir mais do que três horas todas as noites, ao mesmo tempo que ratos e vermes sem conta o atormentavam46. À semelhança da maioria dos passageiros, os jesuítas levavam a sua própria comida, incluindo carne salgada, óleo de cozinha, bolachas, potes de compotas, figos e passas de uva. Mas, à medida que o tempo passava, estes mantimentos iam sendo menores e Grassetti referiu que mesmo gastando 500 scudi por pessoa não chegava para abastecer os jesuítas convenientemente47. Alguns dos seus mantimentos perderam-se devido a furtos, uma vez que havia muitos larápios a bordo, e, quando atingiram cabo (o cabo da Boa Esperança, as bolachas já tinham quase um ano e estavam praticamente podres. Grassetti chegou à conclusão que não conseguia comer a carne salgada nem o peixe e, por isso, a sua dieta ficou limitada a caldos, complementados por algumas passas e amêndoas, assim como marmelada. Continuava a beber o vinho porque "me dava vida" (me dava la vita), mas o seu aspecto e sabor já se tinham deteriorado muito. Estava muito agradecido a alguns amigos italianos que seguiam viagem e que dividiam com ele a comida e ao capitão que tinha uma vaca, carneiros e galinhas a bordo e "todas as semanas nos oferecia carne fresca"48. (et ogni settimana ci presentava carnefrescha).

Nestas circunstâncias penosas, a carga de trabalho com que Grassetti e os seus colegas eram forçados a arcar no seu navio era extremamente pesada. Havia mais de seiscentos passageiros a bordo e Grassetti e Vieira tiveram de tomar conta do recado. (O terceiro jesuíta, padre Le Fevre, tinha sido transferido para um dos outros galeões um mês após a partida de Lisboa em substituição de outro padre que entretanto morrera). A semelhança de Tudeschini e Le Jeunehomme, a sua responsabilidade principal era, obviamente, espiritual — celebrar missa, escutar confissões, pregar e outras actividades relacionadas com a cura das almas. Excepto quando o mar estava muito revolto, Grassetti celebrava missa todos os dias no convés da popa que tinha sido transformado numa capela provisória, pendurada com cabedal dourado. Passou igualmente horas intermináveis a escutar confissões, algumas de homens que nunca se tinham confessado antes porque, conforme nos garante, era seu dever "confessar todo o navio"49, (confessare tutta la nave) Dado que se considerava que a confissão e a comunicação eram uma necessidade semanal, esta tarefa era, de facto, monstruosa. Na parte final da viagem, Grassetti teve dificuldade em desempenhar a tarefa porque enfraquecera devido a doença facto que tornava muito dificil manter-se de pé; mas nunca recusou confessar ninguém porque sabia que muitos dos que lhe pediam estavam à beira da morte50.

Os soldados e marinheiros formavam grande parte da companhia dos barcos portugueses para a Índia do século XVII e constituíam invariavelmente uma espécie de subclasse — rudes, despojados, sem educação e, frequentemente, com passado, criminoso. Grassetti pensava que, neste aspecto, o Bom Despacho estava melhor do que os galeões porque muitos dos seus recrutas eram prisioneiros apanhados em várias prisões portuguesas. Relativamente a estes, Grassetti escreveu que estavam "cheios de sífilis e outras doenças imundas", (piena di malfrancese et altre schifose infirmita) e, como homens sem dinheiro, consciência ou homa, roubariam sem nenhuns escrúpulos os próprios jesuítas que os tentavam ajudar51. Ao mesmo tempo, sentia pena deles, crendo que muitas vezes roubavam porque estavam esfomeados e que era errado castigá--los naquelas circunstâncias. Todavia, a disciplina era rígida, embora não tanto como em navios de outras nações. Ao contrário dos holandeses, os portugueses não faziam passar por baixo da quilha dos navios até mesmo os infractores mais ferozes porque consideravam tal punição excessivamente cruel e não cristã. Em vez disso, baixavam somente as suas vítimas até ao mar, deixavam-nos ficar lá durante algum tempo e depois içavam-nos. Havia outro castigo mais comum que era prender os infractores nos picadeiros que, no Bom Despacho, nunca estavam vazios. Os homens que para aí eram enviados, abandonados ao Sol e à água, imploravam constantemente para que Grassetti intercedesse, em seu nome, junto do capitão do navio.

Grassetti e os seus colegas tinham recebido a incumbência de administrar as regalias de bem-es-tar que havia disponíveis no pequeno mundo daquele navio. Tal significava, em especial, auxiliar os doentes e, por isso, eram médicos espirituais e temporais, tal como Grassetti comenta52. Foram emoleres, distribuindo rações especiais aos doentes e necessitados, recebendo ainda a incumbência de guardar os abastecimentos medicinais e farmacêuticos. Devido ao problema do armazenamento, este último aspecto foi deveras inconveniente. Grassetti cita o caso de um colega a bordo do galeão São Bartolomeu que chegou à conclusão que os frascos e garrafas de remédios ocupavam quase todo o espaço do seu minúsculo camarote. A falta de pessoal médico aumentava igualmente a carga de trabalho e a responsabilidade de Grassetti e seus colegas. Exceptuando o médico pessoal do vice-rei, que viajava na nau capitania, parece que não havia médicos qualificados na armada, somente barbeiros cirurgiões cujas capacidades médicas não mereciam o menor respeito de Grassetti. "Quem adoecer neste navio", escreveu, "ficará desgraçado porque a única coisa que os barbeiros sabem é sangrar"53. (Chi s'ammala in queste navi si trova in gran miserie sichie I Barbieri non sanno far altro che cavar sangue)

A semelhança de muitas viagens oceânicas longas nesta época, o maior problema de saúde que havia nos navios era o escorbuto, fazendo inúmeras vítimas. De acordo com Grassetti, que fornece uma descrição desta doença a bordo do Bom Despacho. afectava as gengivas, fazia com que os dentes caíssem e atacava as pernas que inchavam, apresentando o que ele descreveu como chagas em putrefac-ção (mas, na realidade, hemorragias internas). O escorbuto causava sempre dores insuportáveis e, nalgumas vítimas, originava uma espécie de demência. Grassetti descreve como um paciente do Bom Despacho vagueou pelo navio gritando estridentemente, fez o sinal da cruz e saltou para a água em seguida. Trinta homens morreram desta doença a bordo "gritando miseravelmente"54, (urlando miseramente) O escorbuto invadiu a companhia do navio facto que causou um impacto psicológico muito negativo nos marujos, marinheiros de primeira viagem e padres. A bordo dos oito navios da armada, um total de cerca de quinhentos homens sucumbiu devido ao escorbuto durante a passagem na zona equatorial, um número que faz pensar que o Bom Despacho não foi muito atingido. As mortes continuaram, embora em menor número, tanto de escorbuto como de outras doenças55.

Praticamente todos os padres jesuítas a bordo da armada de 1629 adoeceram, numa altura ou noutra, a maioria dos quais gravemente. Entre estes contava-se Vieira que quase pereceu, assim como Grassetti e Le Fevre. Os problemas de saúde de Grassetti tinham começado em Junho quando teve contacto com uma febre não identificada. Enquanto durou, a sua cama parecia estar repleta de pedras que "partiam os meus ossos", (mi rompevano l'ossa) Primeiro, foi sangrado, mas depois foi tratado com uma pedra bezoar que, segundo ele, o curou embora tenha ficado fraco durante meses. Teve também muitas dores nos olhos e depois uma tosse "tão forte e exasperante que nem me deixava descansar", (cosi forte et fastidiosa che non mi lasciava neanco riposare) e, finalmente, sintomas ameaçadores de escorbuto56.

Enquanto os padres jesuítas a bordo do Bom Despacho, em 1629, estavam sempre sobrecarregados de trabalho e tarefas em condições extremamente desagradáveis, os frades e noviços que os acompanhavam também passaram um tempo muito dificil. Ficaram quase confinados ao seu espaço re servado no convés da popa, que, aparentemente, raras vezes abandonaram, excepto para pregar. A noite, a área era fechada, e Grassetti e Vieira colocavam-se do lado de fora prontos a responder às chamadas de emergência. Durante o dia, os frades rezavam ao toque regular de um sino e passavam a maior parte do tempo a fazer exames de consciência, confessandose, recebendo absolvição e cumprindo penitência. Grassetti refere-se a "il tedio della longe navigazione" — a monotonia da longa viagem — uma aflição que era, provavelmente, um problema especialmente para estes membros mais jovens da Ordem57. Alguns deles combateram-na com eficácia, encontrando várias saídas para a sua energia e talento. Um frade português anónimo mas empreendedor não só tomou conta da cozinha, como se revelou um orador tão eficaz que conseguiu convencer alguns dos piores rufiões a confessarem-se a Grassetti — incluindo um homem que tinha anteriormente declarado que preferia confessar-se ao diabo do que a um jesuíta58.

Por vezes, a monotonia das viagens era quebrada por visões de "maravilhas das profundezas" [ le cose del mare ]; mas, aparentemente, Grassetti entusiasmou-se pouco com experiências deste tipo, referindo simplesmente que não viu nada de extraordinário durante a sua viagem para a Índia, particularmente nenhum dos pássaros ou peixes monstruosos habitualmente representados nos mappaemundi59. Para ele, provavelmente, o interlúdio mais estimulante foi a paragem de dez dias em Moçambique que descreveu como uma colónia pequena e sonolenta com uma fortaleza portuguesa e um modesto colégio jesuíta com telhado feito de folhas de palmeira e dirigido por quatro padres e um frade. Foi aqui que ele e os seus colegas jesuítas ficaram alojados durante a sua estada. Posteriormente, relembrou a experiência bemaventurada de um banho de água quente no colégio e que contribuiu-para recuperar a vitalidade —"deu-me vida" escreveu em tom agradecido, "daí resultando uma completa recuperação. Parece que renasci...60. [ mi diede la vita et uscito mi sentii tutto ristorato, mi pareva esser rinato... ] No entanto, achou que a ilha de Moçambique era pobre e estéril, as suas casas meras cabanas. Era febril, produzia muito pouco exceptuando cocos e a água potável tão pouca que era distribuída "pelo amor de Deus, como o vinho é dado em Itália" [ danno l'acqua per l'amor di Dio, come in Italia si dà il vino ] — o que faz pensar que este banho era na realidade um luxo61. mantido principalmente, explicou Grassetti, devido ao ouro, marfim e ébano do interior a que dava acesso e devido às contrapartidas em têxteis.

Durante a sua curta estada em Moçambique, Grassetti apanhou e repetiu algumas opiniões muito incompreensíveis sobre os bantos locais o que sugere que, como missionário reputado, ainda tinha muito que aprender sobre como lidar com o "outro" desconhecido. Descreveu estes homens tribais como feios e extraordinariamente simples. "Nem cobrem os seus orgãos genitais", afirmou ele, acrescentando que."têm enormes barrigas e são tão gordos que parecem hidrópicos". [ se neache coprono pudenda... hanno il ventre grande et tanto grossi che paiano idropici ] Eram também "tão estúpidos" que pensavam que as armas de fogo eram uma espécie de feitiço e que os portugueses "pegam num pau, olham através dele, fazem um barulho e, repentinamente, um ou mais de nós calem mortos''62. [tanto sciocchi.., oigliano un bastone, guardano per quello fanno strepito, subito cade morto une e piu de nostri ]No entanto, reconheceu que os bantús eram um povo feliz que estava cons-tantemente a dançar — a dançar com tanta graça que até faziam as pedras rir.

Um mês depois de deixar Moçambique, o Bom Despacho chegou a Goa. Aí, Grassetti e os seus colegas foram recebidos maravilhosamente pelos seus correligionários locais, o próprio Padre Provincial vindo ao encontro deles quando entraram no rio Mandovi, com grinaldas de flores, uma banda e um coro de seminaristas. Foram levados para um retiro no campo, vestidos ao estilo indiano e hospedados de uma forma que, nos seis meses anteriores, só julgariam ser possível em sonhos. Quando Grassetti escreveu para casa no seminário de Rachol, em Salsette, quatro meses depois, o seu sentimento de júbilo em relação a esta recepção mantinha-se intacto.

Grassetti estava intrigado pela vida que o ro-deava na índia — as suas gentes coloridas, a sua comida rica, variada e desconhecida, assim como os seus animais e plantas exóticas. Explorou Goa que, na sua opinião, era uma cidade agradável e populosa, ruas largas e com casas pequenas e baixas, mas acolhedoras. Referiu que tinha poucos portugueses, mas, supostamente, "mais de cem mil hindus"63. Descreveu animadamente as suas grandes vistas, dando ênfase naturalmente à ilustração desse grande herói jesuíta, S. Francisco Xavier cujo corpo viu no seu túmulo de construção recente, brilhando de ouro e jóias, na Igreja de Bom Jesus. Também viu e abraçou o Arcebispo de Goa de então, poucos dias antes de falecer. Fixou-se rapidamente no colégio de Rachol onde, juntamente com Le Fevre e quatro outros colegas, dedicou o seu tempo a aprender japonês e, em geral, a preparar-se para a Missão do Japão. Começou a deixar crescer uma longa barba, explicando que ele e os colegas se preparavam para entrar no Japão subrepticiamente, disfarçados de comerciantes. Aparentemente, não se amedrontava com os perigos, dando conta da notícia recebida recentemente sobre o martírio de um colega jesuíta no Japão, o padre Battista Zola, como se se tratasse da notícia mais alegre64.

A partir das fontes disponíveis, não foi possível reconstruir detalhadamente a viagem de Grassetti para além de Goa, nem fazer um relato completo da sua carreira subsequente como padre missionário. Todavia, pode-se referir resumidamente o seu fado. Grassetti viajou até Macau na época de 1630, sendo quase certo que após a sua chegada, ele e o padre Le Fevre foram enviados para a Missão da China, em vez de irem para o Japão. Certamente que esta decisão foi tomada tendo em conta as perseguições que havia no Japão e a dificuldade em infiltrar jesuítas; no entanto, havia ainda outra razão. 1630 foi um ano raro em termos de oportunidade para os jesuítas na China devido ao desejo do governo Ming em garantir a ajuda militar dos portugueses na sua guerra contra os manchus. Em resultado disso, a Companhia de Jesus conseguiu enviar mais cinco missionários para o Reino Celestial juntamente com uma missão militar de Macau, fazendo Grassetti parte desses missionários65. Entrou na China em Outubro desse ano — dezoito meses depois de ter embarcado em Lisboa — sendo colocado em Nanchang, na província de Jiangxi. Trabalhou em Nanchang e nas redonde-zas durante os catorze anos seguintes. Em 1644, durante as invasões manchus, sem leis e repletas de confusão, e a queda do governo Ming, o seu ministério terminou de forma abrupta e violenta, sendo assassinado com brutalidade, aparentemente, por um grupo de bandidos66.

CONCLUSÃO

As experiências de viagem dos padres Le Jeunehomme, Tudeschini e Grassetti, de 1626 as 1631, dão a entender que atingir a Missão da China era uma experiência extremamente longa, cara e cansativa e que, facilmente, poderia levar cinco anos a concluir, caso se conseguisse lá chegar. Era uma boa preparação para os rigores que se haviam de seguir na Missão. Os três relatos põem também em evidência que aos missionários que faziam a viagem eram feitas exigências muito pesadas em termos de tempo e energia durante o percurso e que nada tinham a ver com a Missão da China. Era possível desviarem-se permanentemente do seu objectivo inicial devido às exigências e estas eram, por vezes, tão pesadas que se revelavam fatais. Os próprios jesuítas consideravam que o seu maior obstáculo para atingir a China não eram os custos, as duras condições a bordo dos navios que eles estavam preparados para suportar com firmeza religiosa, mas sim o peso do trabalho extra e enfraquecedor. A este respeito, a última palavra deverá ser deixada com legitimidade a Tudeschini. Referiu-se à frustração que era para os missionários, que tinham deixado a sua terra natal "para ir e ajudar estes gentios cegos e dar-lhes a ciência de Deus", terem de suportar tanto trabalho extraordinário nos barcos em que viajavam — um trabalho tão pesado que muitos não aguentavam e morriam simplesmente de cansaço "sem terem conseguido atingir o fim que procuravam há tantos anos"67. [ sem alcansar o fim do que muitos annos andam pedindo ]

(Traduzido do Inglês)

NOTAS

1 Enquanto que nas obras modernas o nome "missionário" é atribuído normalmente a uma jesuíta destacado em missões estrangeiras, o termo português missionário era, de facto, raramente utilizado para este fim no século XVII — embora missionante fosse utilizado mais frequentemente. Consultar, por exemplo, Tudeschini, op. cit. a seguir, f. 437.

2 John Correia-Afonso, Jesuit Letters and Indian History 1542-1773. Bombaim. 1969, pp.27-8

3 Figuras citadas em Joseph Dehergne, Répertoire des Jésuites de Chine de 1552 à 1800, Roma, 1973, p.324.

4 George H. Dunne, Generation of Giants. The Story of the Jesuits in China in the Last Decades ofthe Ming Dynasty, Notre Dame, 1962, pp. 178-19

5 E. R. Hambye, "A typical voyage Lisbon-Goa in 1633", in Vice Almirante A. Teixeira da Mota. In Memoriam, vol. l, Lisboa, 1987, p. 405.

6 Consultar Georg Schurhammer, Francis Xavier, vol. 3, pp.3-132; Joseph Wicki in II Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa, Lisboa, 1985, pp. 5-17.

7 Descrevi esta viagem mais pormenorizadamente em Studies in Maritime History, ed. K. S. Mathew, Pondicherry, 1990, pp. 143-58.

8 Consultar"Relation d'un voyage de La Flesche a Lisbonne, en 1627, par le P. Dominique Lejeunehomme" in Auguste Cerayon, Documents inédits concernant la Compagnie de Jesus, vol. 4, Poitiers, 1864, pp. 1-63. (Aqui referido por Le Jeunehomme).

9 Le Jeunehomme, pp.55-6; François de Dainville, "Une lettre de Quête de 1627", Revue d'Histoire des Missions, p.285. Tudeschini tem um relato ligeiramente diferente, dizendo somente que Le Jeunehomme era "Balão de Nação" e "que tinha lido em Paris nove annos Rhetorica". Consultar Agostino Tudeschini ao padre-geral da Companhia de Jesus, Missão da China (Xangai 7), Novembro de 1631, Roma ARSI, Jap. Sin. 115 II, ff.436-44v (citações de f.437v)

10 Le Jeunehomme, p. l.

11 Ibidem, pp. 2-3.

12 Ibidem, p. 3; também Tudeschini, f. 436.

13 Le Jeunehomme, pp. 3-6.

14 Le Jeunehomme, p. 23; consultar também Tudeschini, f. 436v.

15 Le Jeunehomme, p. 8.

16 Ibidem, pp. 17-18.

17 Ibidem, p. 18.

18 Em 9 de Janeiro de 1627, a armada atlantica portuguesa, comandada por D. Manuel de Meneses, foi virtualmente destruída numa tempestade ao largo da costa francesa na qual duas naus vindas da Índia também naufragaram. A tragédia é descrita graficamente em Francisco Manuel de Melo, Epanáforas de vária história portuguesa, ed. Joel Serrão, Lisboa, 1877, pp. 119-209.

19 Pensava que podia traduzir uma obra de um padre Bruno que descrevia um novo método de navegar. Le Jeunehomme, p. 40. Relativamente à sua adopção do nome de Domingo de São Nicolau, consultar ibidem, pp.55-6.

20 Ibidem, pp. 51-2.

21 "Nous avons faict naufrage sur terre, le pauvrelé nous a arresté". Dainville, p. 290.

22 O dominicano João de São Thomaz estabeleceu uma missão, por pouco tempo, algures na costa de Madagáscar, no fim dos anos oitenta do século XVI; mas não conseguiu sobreviver e morreu em 1587, muito provavelmente envenenado por comerciantes muçulmanos adversários. João dos Santos, Ethiopia Oriental, ed. Melo de Azevedo, Lisboa, 1891, vol. l, pp. 285-6. Os jesuítas Luís Mariano e António de Azevedo executou trabalho missionário no norte e noroeste de Madagáscar e 1613-14e 1616-117, mas, aparentemente, não conseguiu converter ninguém. Raymond K. Kent, Early Kingdoms in Madagascar 1500-1700, Nova Iorque, 1970, 1970, pp. 70-3, 179-83. Documentos relativos à missão de Mariano-Azevedo encontram-se reproduzidos em Collection des Ouvrages anciens concernant Madagascar, ed. Alfred e Guillaume Grandidier, Paris, 1903-20, vol. 2.

23 O seguinte relato da missão de Le Jeunehomme a Madagáscar baseia-se em Tudeschini, ff. 443-4.

24 De acordo com João dos Santos, Madagáscar dividia-se em mais de quarenta reinados que se guerreavam frequentemente no início do século XVII. Ethiopia Oriental, vol. I, p. 284. Sobre o Reinado de Tingimaro, consultar Pierre Verin, The History of Civilisation in North Madagascar, Roterdão e Boston, 1986, pp. 198-206, e Kent. Early Kingdoms, pp. 80-81. Sobre a base de utilização da palavra "Tingimaro" na narrativa do padre Mariano, Kent adianta que significa um título e não um nome. Se for verdade, tal explicaria a afirmação de Tudeschini que "Quingimaro", como o chama, tinha 160 anos quando morreu e governara durante pelo menos 120 anos. Tudeschini, f. 443v.

25 Sada tinha sido visitado anteriormente pelo padre Mariano ao longo de quatro semanas durante as viagens missionárias em Madagáscar, em 1514. Consultar Kent, Early Kindgoms, p. 180.

26 Consultar Tudeschini, f. 444. Igualmente Verin que cita uma carta do padre Mariano, de 1619, afirmando que "os nativos matam normalmente todos os estrangeiros que apanham sempre que o seu rei morre." The History, p. 203. Um colega de Mariano, o padre João Gomes, alegava que era o costume matar mais de três mil pessoas para fazerem companhia ao rei morto e que nem portugueses, nem quaisquer outros estrangeiros eram poupados. Ibidem, p. 204.

27 O padre substituto era quase de certeza o padre Mariano, o chefe das viagens missionárias abortadas em 163-20. Verin, The History, p. 204.

28 Consultar Louis Pfister, Notices Biographiques et Bibliographiques sur les Jésuites de l'Ancienne Mission de Chine, Xangai, 1932, vol. I, p. 215.

29 Sobre o relato de Tudeschini, consultar a nota 9 anterior.

30 Tudeschini, f. 436.

31 Le Jeunehomme, p. 3.

32 Tudeschini, f.437.

33 Ibidem, ff. 437, 437v.

34 Ibidem, f. 437v.

35 "Relacion de la vida de Capitán Domingo de Toral y Valdés" inAutobiografias y Memorias, ed. Manuel Serrano y San. Madrid, 1905, pp. 491-2.

36 Tudeschini, ff. 438, 438v.

37 Sobre o naufrágio e as experiências seguintes na ilha João de Nova, consultar ibidem, ff. 438v-443v.

38 Ibidem, f. 443v-444.

39 Ibidem, f. 444.

40 Pfister, Notices l, pp. 215-16; Dehergne, Répertoire, p. 276.

41 Consultar Dehergne, Répertoire, 1.118; Pfister, Notices, pp.207-8.

42 Copia d'una lettera del P. Tranquillo Grasseti scrita delle Salsette nel India 1630 al P. Dionigio Grassetti, Roma, ARSI, Goa 34 I, ff. 34-8. Há um texto virtualmente idêntico embora em mãos diferentes, em Londres, BL MS. Ad. 8712, ff. 145-53v. Neste artigo, todas as referências são feitas à versão da Biblioteca Britânica, aqui denominado Grassetti.

43 Consultar as anteriores secções sobre Tudeschini e Le Jeunehomme. O próprio Grassetti refere uma carta anterior em que, aparentemente, já tinha descrito a sua viagem a Lisboa. Grassetti, f. 145. Esta carta anterior de Grassetti ainda não foi encontrada.

44 Grassetti, ff. 145, 147.

45 Ibidem, passim, e especialmente ff. 145v., 149-50.

46 Ibidem, ff. 146v-7

47 Ibidem, f. 146.

48 Ibidem, ff. 147v, 148.

49 Ibidem, f. 146v.

50 Ibidem, f. 147v.

51 Ibidem, f. 145v.

52 Ibidem.

53 Ibidem.

54 Ibidem, f. 146v.

55 De acordo com Toral, "Relacion...", p. 492.

56 Grassetti, f. 148.

57 Ibidem, f. 146v.

58 Ibidem, f. 147v.

59 Ibidem, f. 146v.

60 Ibidem, f. 149.

61 Ibidem, ff. 149, 149v.

62 Ibidem, ff. 149, 149v.

63 "più di cento mila gentili". Ibidem, f. 151v.

64 Ibidem, ff. 153, 153v.

65 Dunne, Generation, pp. 206, 216-18.

66 Pfister, Notices I, p. 208.

67Ibidem, f. 437-v.

*Doutorado em Harvard. Professor de História na Universidade La Trobe, em Melbourne; membro da Comissão Executiva para o Seminário Internacional de História Indo--portuguesa, interessa-se, sobretudo, pela Presença Portuguesa na Ásia, tendo várias obras publicadas sobre esta temática. Entre os projectos que trabalha, destaca-se: História de Portugal e do Império Português a ser publicado em dois volumes pela editora Longmans, Inglaterra.

desde a p. 229
até a p.