A Missionação

MACAU PRIMEIRA UNIVERSIDADE OCIDENTAL DO EXTREMO ORIENTE

Domingos Maurício Gomes dos Santos*

l-- OS JESUÍTAS EM MACAU

Os Portugueses desembarcaram em Macau por 1555 e puderam estabelecer-se, legalmente, em terra firme, em 1557. Até então, encontramo-los apenas de passagem. O primeiro a pisar solo macaense é o P. Belchior Nunes Barreto, a 20 de Novembro de 1555, na companhia de Femão Mendes Pinto, enviado embaixador ao Japão, e o P. Gaspar Vilela com mais seis companheiros1. Pouco antes, no mês de Outubro, visitara Cantão com Estevão de Góis, indo de Sanchoão, nos navios dos mercadores portugueses que dessa ilha negociavam para alguns portos vizinhos do Celeste Império, logrando libertar vários portugueses presos na cidade. Em Lampacau, encontrou cerca de trezentos compatriotas, alojadas «em casas palhisas»2, com sua igreja. Prosseguiu, porém, para o Japão, onde ficou até 1556, regressando a Goa, em 15573.

Na Páscoa de 1561, tocou em Macau de volta à Índia, Baltasar Gago com Rui Pereira, partindo para Malaca, a l de Janeiro de 15624. Os habitantes portugueses de Macau subiam já, nesse tempo, a uns 500 ou 6005.

A 24 de Agosto desse ano, aportaram ao novo entreposto comercial mais jesuítas embarcados em Malaca no navio de D. Pedro da Guerra: um que se distinguiria como historiador das missões do Japão, Luís Fróis recém-ordenado em Goa; outro, o italiano P. João Baptista Del Monte. Ainda não havia, em Macau, domicílio da Companhia, pois foram «recebidos e agusalhados em casa de hum amigo» da Ordem, Guilherme Pereira, irmão de Diogo, benfeitor de S. Francisco Xavier e que, agora, os acompanhava como capitão-mor dos Portugueses, em Macau, e embaixador do vice-rei da Índia, D. Francisco Coutinho, conde de Redondo (7-IX-1561-19-II-1564), para o imperador da China6.

Os dois jesuítas permaneceram hóspedes do mercador, oito ou dez dias. Mas, decorridos estes, «para mais recolhimento, assi por confessar como por estudar algua cousa», pareceu-lhes melhor passarem-se para casa independente de outro amigo7, onde adaptaram «duas câmaras muy boas e comodas para os padres e alargaram hua varanda», na qual armaram altar para dizer missa, por ficar distante a igreja mais próxima, que entre as três, então existentes (Stº. António Nossa Senhora da Esparança e S. Lourenço), devia ser a matriz (Nossa Senhora da Esperança ou S. Lourenço), elevada depois a catedral, quando a bula Super specula, de 23 de Janeiro de 1576, criou a diocese macaense8.

A acção espiritual dos dois missionários foi notável. A população elevava-se a 5 000 almas, sendo 800 portugueses, mas num estado moral miserando. A cura pastoral estava a cargo de dois sacerdotes seculares: Gregório Gonzales, espanhol, e João Soares,provisor do bispo de Malaca. Os jesuítas recém-che-gados auxiliaram-nos, conseguindo que os mercadores fizessem embarcar para a Índia umas 650 escra-vas, cuja situação doméstica não era possível ajustar, casando os seus senhores com japonesas e chinesas morigeradas e de nível social adequado9.

Ainda desta vez, porém, os Inacianos se não estabilizaram em Macau, pois Fróis e Monte, no princípio do estio de 1563, seguiam para o Japão, a bordo da mesma nau de D. Pedro da Guerra10.

Partidos de Cochim, em Abril desse mesmo ano11, e tocando em Malaca, a 13 de Junho, chegavam a 7 de Julho seguinte à Cidade do Nome de Deus, em companhia de Gil de Góis, enviado por D. Sebastião ao imperador da China, numa nova tentativa de aproximação, os P. Francisco Peres e Manuel Teixeira, primeiro biógrafo de S. Francisco Xavier, com o irmão An-dré Pinto, depois ordena-do sacerdote.

Por empecilhos do capitão de Malaca, D. Francisco de Eça, também esta embaixada ficou sem efeito e Góis voltou para a Índia, deixando o seu cunhado, Diogo Pereira, capitão-mor de Macau e primeiro embaixador falhado da China, o encargo de o substituir na en-viatura, quando de Cantão viesse licença.

Onde foram poisar os novos missionários? O próprio Francisco Peres o refere: «a casa de Pero Quinteiro, onde agora estamos », escrevia ele, em Janeiro de 156412.

Seguindo a tradição dos mareantes do Japão, Próis e Monte, também Peres e Teixeira ocuparam o tempo morto da embaixada da China, colhendo in-formações do Celeste Império e pondo-se em contacto com os mandarins dos portos de Macau e Cantão ou consagrando-se aos trabalhos pastorais com a população macaista. Entretanto, o negócio da embaixada complicava-se. Os mandarins de Macau tinhampassado avisto aos colegas de Cantão. Estes, como era uso, mandaram o encarregado dos serviços aduaneiros a inquirir a verdade, não fosse caso tratar-se, apenas, de estratagema apara iludir os impostos, a pretexto de presentes para o imperador13.

O P. Peres levava comissão do Provincial da Índia, António de Quadros (1559-1572), para tratar da fundação duma residência, em regra, em Ma-cau14. Ela era tanto mais necessária, quanto, é certo, iriam sobrevir sucessivas levas de missionários para o Japão e a espera da monção obrigava os viajantes a uma demora apreciável naquele entreposto.

Efectivamente, ainda em 1563, aportavam ali mais três jesuítas: Belchior de Figueiredo, JoãoCabral e Baltasar da Costa. Proclamava-se, então, o jubileu concedi-do por Pio IV, em 1560, e publicado em Malaca, em 1561, ao chegar ali o primeiro prelado D. Fr. Jorge de Santa Luzia, que o estendeu a Macau, no ano seguinte, pelo já referido provisor João Soares15.

A capela doméstica dos Jesuítas16 tornou--se, com esta graça jubilar, um centro de renovação espiritual, de que se aproveitaram 300 portugueses, fazendo o mesmo outros muitos, naigreja matriz17, mercê da ajuda recebida com os viajantes do Japão.

Reprodução fotográfica de um pormenor de um óleo sobre tela dos finais do séc. XVIII, representando uma vista de Macau, vendo-se a Igreja de S. Paulo antes do incêndio de 1835. O original pertence ao Museu de Arte de Hong Kong. Extraído de: As ruínas de S. Paulo: um monumento para o futuro, p. 151.

Chegavam, entretanto, novas de Cantão. Havia, ali, más impressões por causa de furtos de crianças que os raptores atribuíam aos portugueses. O mandarim enviado quis, por isso, tirar miúdas informações sobre o embaixador. Levado a casa do capi-tão-mor Diogo Pereira, do embaixador Gil de Góis, que ainda não tinha partido de Macau, e dos padres, o funcionário mandou que as peças do presente lhe fossem expostas na igreja dos Jesuítas, o que parece indicar já certa amplidão do recinto. Comportou-se, respeitosamente, dentro do edifício e ficou contente com as jóias, lisonjeando-se, também, das deferências de que fora objecto, não só em conservas e refrescos, mas no banquete de despedida, entrando a confidenciar que descobrira não terem sido portugueses, mas Chinas, os ladrões de Crianças, de que havia queixas em Cantão, condenando quatro deles à morte.

Ao voltar à China, advogou a causa de Portu-gal. A 24 de Novembro de 1565, foi permitido a Manuel Penedo, acompanhado pelos P. Peres e Tei-xeira, tratar do negócio da embaixada. Mas como a credencial que acreditava o embaixador se tinha queimado num incêndio em Malaca, nada feito.

O P. Peres tentou, ao menos, obter o p'iao para circular no continente. Apresentou, por isso, ao tesoureiro geral da Alfândega, encarregado também dos negócios externos, um memorial em português e chinês, a solicitar essa licença de entrada. Perguntado, se conhecia a língua, sínica e respondendo-lhe o missionário negativamente, viu o pedido indeferido até que aprendesse o idioma18. As portas mantinham-se, assim, obstinadamente fechadas. Ainda surgiu nova esperança. Pouco depois desta tentativa, Cantão era blo-queada por piratas. Os mandarins pediram socorro aos portugueses de Macau e estes, sem consultar o capitão-mor, que já era João Pereira), armando um troço de 300 homens, comandados por Diogo Pereira e Luís de Melo, capturaram, sem perdas, quase todos os bandidos. O amigo de S. Francisco Xavier pediu, então ao comandante militar da cidade que patrocinasse o assunto da embaixada junto do imperador. Mas este, mal agradecido, rejeitou recebê-la e os mandarins não puderam assegurar mais que facilidades de tráfego com o porto de Cantão.

Nestas condições, Peres procurou dar seguimento à ordem do Provincial da Índia, para instala-ções estáveis em Macau com este tríplice objectivo, agora melhor definido: estância de repouso, na mo-rosa viagem para o Japão, sala de espera para a entrada na China, em conjuntura oportuna, e centro de assistência espiritual à cidade nascente, cujo surto comercial fazia crescer a população a olhos vistos.

Em fins de 1565, a residência da Companhia passava da casa de Pêro Quinteiro para outras, igualmente térreas e cobertas de madeira e palha, nos terrenos adjacentes à humilde Ermida de Santo António. O lugar era mau. Breve, se viu a necessidade de mudar. Os materiais combustíveis prestavam-se a que os chinas deitassem, com frequência, fogo à moradia e ao templo para roubar o recheio. A situação adminis-trativa dos Portugueses para as reconstruções era, porém, muito precária. Elas estavam sempre dependentes dos mandarins chineses e estes opunham-se a que as instalações ultrapassassem as necessidades imedia-tas do tráfego comercial transitório.

Apesar de tudo, os Jesuítas tentaram fortuna, mudando-se para cima da Ermida de Santo António. O pior é que não havia água no declive do monte. Mas Baltasar de Lage ofereceu 100 taéis e abriu-se um poço entre a torre e a porta travessa da igre-ja19. Vendo-a levantar, em 1573, por intervenção de D. António de Vilhena, que a pedido do Visi-tador Gonçalo Álvares, a quis reconstruir mais ampla e firme de taipa, pois até ali também era de madeira e palha, os mandarins puseram embargos às obras, por suspeita de que elas acobertassem a construção de qualquer fortaleza.

Peres e Teixeira conseguiram, porém, «com boas razões e com peitas que tudo acabão», como diz Sebastião Gonçalves, que ficasses quietos20.

Entre 1572 e 1575 ou 1578, as instalações foram novamente ampliadas, a fim de comportarem maior número de hóspedes, de passagem para o Japão ou para a China e Tonquim, quando estas missões foram abertas. Constavam já de dez quartos vastos e arejados com as correspondentes salas de comunidade e tão convinháveis que Valignano, em 1579, reputava a nova residência da Madre de Deus uma das melhores da Índia no Extremo Oriente21. Em 1582, Pêro Gomes fazia cobrir a igreja, de telha22.

2-- INSTRUÇÃO ELEMENTAR E ESTUDOS MENORES

Aos trabalhos de ministérios sacerdotais, os Jesuítas não tardaram em acrescentar os da instrução, que desde a origem do seu instituto tomaram a peito, por toda a parte, tanto na Europa como no Ultramar.

Em Macau, começaram por uma escola de Ler e Escrever, em 1572, provavelmente depois das primeiras ampliações feitas23. Anos depois, acrescentavam-lhe aula de Latim24. O número de alunos cresceu rapidamente. Em 1592, eram uns 200, entre filhos dos moradores de Macau e meninos cativos que eles traziam ao seu serviço25, o que constitui mais um documento do espírito de integração socio--racial que já, então, animava, também, a expansão portuguesa no Extremo Oriente.

Neste ano, depois da 3. ª Consulta Geral dos Missionários realizada por Alexandre Valignano em Nangasaque, celebrou-se entre Fevereiro e Julho, a l. ª Congregação vice-provincial26. Ponderou-se, nesta, ser necessária a fundação de um colégio para estudantes jesuítas japoneses, fora do Japão. As per-turbações das guerras civis reflectiam-se nos jovens, comprometendo a tranquilidade dos estudos e da formação ascética. Por outro lado, eles só lucrariam com tomar contacto com o ambiente ocidental, integralmente cristão, qual era, apesar de tudo, o meio português de Macau, aprendendo a língua, costumes e modo de ser dos europeus, «ficando mais unidos e afeiçoados a nos outros e muito avantajados nas virtudes e nas letras»27.

Macau, no coração do Extremo Oriente, era sítio ideal para este objectivo. O procurador da missão nipónica, que dispunha de alguns bens, capitali-zados na Cidade do Nome de Deus, e viu darem margem à nova fundação, não lhe pôs óbice28. A Congregação decidiu que ela se levasse por diante, quanto antes.

O Visitador Valignano partiu, a 9 de Outubro, para Macau, chegando ali, a 2429. Enquanto espera-va, na Madre de Deus, passagem para Goa, até 15 ou 16 de Novembro de 1594, comunicou o projecto aos padres da Missão da China, a cuja jurisdição perten-cia o território. A iniciativa vinha a pedir de boca. Efectivamente, o Superior dessa Missão, Reitor da Residência-Colégio da Madre de Deus, P. Duarte Sande (1585-1598), pensava em obras. As instala-ções já eram acanhadas e incómodas, mesmo para externato. Os alunos acotovelavam-se, «indecentemente, todos de mestura», ponderava ele à Câmara da cidade, em Fevereiro do ano seguinte30. Dado o crescimento da população e o surto económico que a actividade comercial lhe proporcionava, porque não pensar para o Extremo Oriente num centro de irradiação cultural, como o de S. Paulo de Goa estava sendo para toda a Índia, até Malaca e Molucas, África, Oriental e Etiópia? O povo de Macau chamava aos Inacianos paulistas pela sua proveniência do célebre colégio goês. Não seria, isto, sugestão oportuna para edifício que, animado do mesmo espírito e suficientemente amplo, não só atendesse às aspirações macaistas de maior amplitude de disciplinas escolares para a juventude local, mas constituísse a Madre de Deus num centro de formação missionária, do Japão à China31, ao Tonquim e demais países desse fim do Mundo?

O terreno apropriado para novas instalações era um problema. Procurou-se e ele surgiu não longe da Residência-Colégio, no declive do monte, sobranceiro, «todo de mui penedos, sem ter nenhum chão, em que se podesse assentar»32. Embora encarecesse as construções, a posição era sadia e a paisagem des-lumbrante33. Com os penedos e pedras cortadas «se feserão na rebanceira do monte mui grandes e fortes muros, com os quais se foi fazendo grande campo, muito chão e accommodado, assim para se faser o collegio como pera pateos accommodados que ha nelle». E, como «ficava na metade do monte, o Collegio situado», tinha «grande vista» e estava «exposto a todos os ventos bons que vem pela parte do mar, e pela outra parte» estava «amparado do monte de todos os ventos ruins e pouco sadios, de maneira que ficou o Collegio mui fresco e bem situado»34.

E os construtores? Os portugueses eram comerciantes e os chinas da povoação pouco afeitos a obras de vulto. Providencialmente, passavam, nesse momento, por Macau, pedreiros hábeis, oriundos de Chincheo, a cem léguas dali35.

Apalavrado o mestre de obras, Inácio Moreira36, e riscado o plano do Colégio, iniciaram--se as terraplanagens e fundações. Como o capital disponível era restrito37 e não se tratava, apenas, dum problema de formação missionária, mas da educação da juventude macaista, o P. Sande recorreu à ajuda da Câmara. Era patente ao Senado a superlotação escolar. A aglomeração não se tornava só indecente, mas incómoda, no Verão. Nestas condições e tratando-se de obra destinada a beneficiar a missão nipónica, pedia ao Senado a ajuda «de 200 taéis de prata, do cabedal e rendimento da seda, embarcada naquele anno para o Japão38. Os vereadores António da Costa, o Velho, Francisco de Novais Ferreiras e Antão Caldeira, com o procurador Bemardino Araújo de Alvarenga, deferiram o pedido, em assento lavrado pelo escrivão Gaspar da Rocha, a 27 de Fevereiro de 159339.Pouco depois, o P. Miguel Soares pedia esse dinheiro emprestado e o P. Sande passa-lhe promessa de pagamento, a 4 de Março. Foi necessário reforço de verba, no montante de 30 taéis, que o mestre de obras Inácio Moreira, a 7 de Julho, declarou ter recebido40.

A iniciativa, porém, não encontrou incondicional apoio. Se a oposição dos mandarins foi nula -- a havê-la, como de costume, se aquietaria com presentes de belas barras de prata41 —, foi muito séria, por parte da província de Goa. Ao ter notícia do projecto, reuniu-se em consulta e articulou em extenso rol de quinze «rezões polas quais pareceo... não se dever fundar collegio da Companhia de Macao»42. O pró-prio Francisco Cabral, perito experimentado nas coisas do Japão, mas que, mais dum ponto, não comun-gava com todas as ideias de Valignano, dissentia da iniciativa do colégio para japoneses em Macau, por ver nisso, acaso, um processo de ocidentalização 43. Em virtude da sua influência junto do P. Manuel Venegas, procurador das coisas do Japão em Lisboa, o caso subiu até à Coroa e Filipe II mandou ao vice--rei da Índia e ao arcebispo de Goa44, que informassem sobre a sua fundação45.

Valignano não era homem que desistisse. Para neutralizar as contradições de Goa, enviou ao Geral Acquaviva (1581-1615) detalhadas «informa-ciones del fin para lo cual se hizo el Collegio de Macao y respuesta a las objectiones contrarias que se hizieron en la India»46. A principal era esta: o socorro de Goa,... por haver muitas empresas e falta de gente e estar tão longe, era sempre pouco, incerto e vagaroso47.

Sob o impulso do dinâmico Visitador, as obras seguiram em ritmo acelerado. «A fabrica, em tempo de pouco mais de hum anno, se acabou toda»48. Não lhe faltava grandeza. A «Anua» de 1594 dá-nos uma descrição viva: «Fez-se a nova fabrica do Collegio, accommodando-se ao sítio, em maneira de hum pano de parede com duas cazas mui grandes que sahem fora, igualmente deixando no meio, entre hüa e outra, hum fermoso pateo; e as duas caza[s] que saem, a maneira de baluartes, são de sobrados; e o pano de parede, onde esta hum corredor com seos cubiculos, he terreo, mas tão alto que corre no mesmo andar com o sobrado das duas cazas. E ao pé do monte, que se continua com o de riba, per duas ou tres escadas, estão a escolha com seo pateo e a partaria com outras officinas; e per riba, outros cubiculos para os officiaes, muito bem accommodados. Diante da portaria, fica outro pateo mui grande fechado. De maneira que he este collegio capaz para estarem nelle quarenta pessoas da Companhia, mui bem accom-modadas; porque, alem de quatroo escolhas, tem, em riba, dezanove cubiculos duas salas, deuas capelas e hüa mui grande e fermosa enfermaria; e, em baixo, outros sete cubiculos, com todas as mais officinas mui bem accommodadas, posto que o Padre [Visitador?] determina fazer outro refeitório novo, porque o de que agora nos servimos he de emprestado, e temos grande sitio para se fazer mais fabrica, se for necessário»49.

Os moradores de Macau deixaram-se contagiar por tal entusiasmo que tudo isto foi levado a cabo, «sem se gastar, a conta de Japão, nem da Companhia, hum real»50. E, no entanto, só nas obras da varanda nova até à enfermaria foram dispendidos 10000 taéis51.

Valignano, antes de abandonar Macau, estabeleceu duas comunidades distintas52. A Casa-Resi-dência da Madre de Deus, ligada à vice-provínica da China, ficaria com 10 religiosos da Companhia, tendo por superior Lourenço Mexia. Do Colégio de S. Paulo, cujo pessoal montava a 19 religiosos da Companhia, incluindo o Visitador, com mais 8 ou 10 estudantes de Japão e outros da Índia, era reitor o P. Duarte Sande53, ficando dependente da província nipónica. A proximidade facilitava a comunicação, por dentro, entre os dois edifícios, e portanto a sua reunião, o que veio a efectuar-se, definitivamente, em Setembro de 1597, no reitorado do P. Manuel Dias, confundindo, numa só instituição, residência e colégio, denominados indistintamente de Madre de Deus e de S. Paulo54.

Isto foi franqueado, até pelos vários percalços que as construções de um e outro sofreram. Efectivamente, em 1595, sendo superior Lourenço Mexia, a residência de 1598 foi devorada por um incêndio, vindo a reedificar-se na horta da Companhia55. Em 1601, outra deflagração mais pavorosa, num triste fadário que se havia de repetir por forma irreparável em 1835, consumiu a igreja e três quartas partes do colégio, prejudicado, também, por um tufão, que sobreveio, pouco depois56. O reitor, Valentim de Car-valho (1601-1604), conseguiu formar uma junta de moradores, para remediar os sinistros. Como capi-tão-mor à frente, a cidade ofereceu, 1/2 por cento do rendimento da carregação do comércio para o Japão, equivalente a 6 260 libras tornesas de França, sendo encarregado do projecto o jesuíta genovês Carlos Spínola, arquitecto e futuro mártir nipónico57. O plano era tão ousado que a História dos Mings confessaria, depois, nada haver tão grandioso em toda a China58. Na reconstrução, destacar-se-ia a fachada monumental, que importou em 32 000 patacas, obtidas de esmola59. Em 1603, estavam concluídas as obras do interior, ficando assinalado o mecenatismo da cidade, num cunhal do edifício colocado no ano anterior, com esta epígrafe: «Virgini Magnae Matri Civitas Macaensis libens posuit anno 1602»60. A portaria do colégio contígua à igreja, foi acabada em 1604. A frontaria só terminaria, em 1637, indo os complementos de esculturas até 1644. No corpo da igreja, ainda houve modificações em 1608, e a capela de S. Francisco Xavier terminaria em 168961.

O tempo veio a dispor, com o tempo, de ricas alfaias e numerosas relíquias, nem todas autênticas, valha a verdade. O órgão, provavelmente italiano, e as pinturas de artistas europeus, chinas e japoneses, entre os quais se destacava Jacob Niwa, com outros discípulos do jesuíta italiano Giovanni Nicólo, deliciavam os fiéis e até gentios, que entrassem no templo. O magnífico relógio, oferecido por Luís XIV aos jesuítas franceses, marcava as horas, com grande aparato, para toda a cidade62.

Antes de 28 de Outubro de 1594, o colégio tinha quatro classes: uma de Ler e Escrever com mais de 250 meninos; outra de Gramática; outra de Humanidades, que se acrescentara naquela ano e na qual, além dos alunos de fora, estudavam 7 irmãos jesuítas, vindos da Índia. A estes, juntar-se-iam alguns mais, esperados do Japão e de Goa, para formar, no ano seguinte de 1595, o primeiro curso de Artes. Além disso, havia classe de Casos (Teologia Moral)63.

«E o tempo, agrega o anualista, com a ajuda de Deos e com a tomada do P. Vizitador daria a entender, se seria bem acrescentar mais classes de outras sciencias maoires»64. Não existiam, ainda, aulas públicas de Teologia Dogmática; mas lia-se, em privado, a dois padres, que estavam no colégio à conta da missão da China65.

A separação oficial das duas comunidades teve lugar, no dia das «Onze Mil Virgens» (21 de Outubro de 1594), na presença do Visitador. Um dos sacerdotes teólogos sustentou conclusões públicas de Teologia, iniciando-se o acto solene com um discurso em Latim a propósito da abertura do novo colégio, «com satisfação do Senhor Bispo e todas as Religiões e muitas pessoas graves que a ellas concorrerão»66. A l de Dezembro, começariam a funcionar as aulas, no novo edifício67.

3 -- A REORGANIZAÇÃO DOS ESTUDOS MENORES E SUPERIORES

Valignano partira para Goa, em meados de Novembro de 1594, a 23 de Abril de 1597, voltava ao Extremo Oriente, desembarcando em Macau a 20 de Julho, permanecendo aqui até meados do mesmo mês de 159868. O colégio continuava-lhe no coração e os resultados estimularam-lhe o interesse. O seu génio organizador, fértil em regulamentos e protocolos, procurou dar nova forma à vida institucional e pedagógica de S. Paulo, naturalmente baseada no Ratio Studiorum, acabado de publicar ad experimentum, em Roma, por Acquaviva, em 159169, mas com evidentes sugestões do Regimento do Colégio das Artes de Coimbra, de 1559 e 156570, e as razoáveis adaptações que as circunstâncias de ambiente mental, tão heterogéneo, ou de clima, etnia e civilização, com respeito aos orientais, naturalmente impunham, para que o resultado fosse positivo.

Em Outubro desse ano, Valignano procedeu, pois, a um novo Ordo para as escolas71. O proémio dizia assim: «Por quanto este Collegio se comessa agora a formar, no que toca nos estudos, nem tem ordem certa de proceder nelles e os mestres e irmãos, que aqui hão de ler e estudar vem de diversas provincias, onde ha diferentes costumes no proceso das escollas; e assim, se nestas não houver ordem certa, facilmente se causará grande confusão e novas mudanças cada anno, p areceome conveniente faser alguns apontamentos do que nestes estudos se ha guardar, alem do que se ordena no Ratio Sutdiorum, o qual se metterá em praxi, tudo o que se puder guardar, conforme ao numero dos mestres e classes deste collegio»72.O ano literário-lectivo principiaria, a 15 de Setembro, com a profissão de fé do prefeito de estu-dos, dos mestres e substitutos, feita solenemente na igreja, após a missa dos estudantes segundo a fórmu-la de Pio IV.

Nas aulas de Latim, abertas às 7 horas da ma-nhã, a lição inaugural constaria dum pequeno discur-so nesse idioma, durante um quarto de hora, com assistência do reitor de professores, com seus mantéus, o que se faria também na abertura das au-las da tarde.

Na profissão de fé, nas disputas, nos discursos e em todos os actos públicos de Letras, os lugares estavam marcados por categorias de autoridade e re-presentação das cátedras respectivas. Quando assistia o reitor ou prefeito de estudos, ambos eram objecto de deferência particular, pedindo-se-lhes vénia para co-meçar, respectivamente, com as fórmulas: Rector religiosissime, Gymnasiarcha integerrime. Se o bispo ou capitão-mor estavam presentes, tinham a primazia com fórmulas equivalentes.

Na disputas, os arguentes, ao intervir, deviam captar a benevolência do reitor, prefeito de estudos e mais auditório. O mesmo se impunha aos defendentes. As conclusões, que se apresentassem, seriam, previamente, mostradas ao prefeito de estu-dos, antes de se porem em público.

As aulas seriam precedidas e terminadas por breve oração de joelhos, ante uma imagem exposta à veneração, nos recintos escolares.

As saudações entre mestres e discípulos con-formavam-se com a etiqueta corrente do tempo.

A vida espiritual dos alunos, mesmo secula-res, merecia cuidado particular aos mestres. Para pri-meira aula da manhã, corria-se o sino às 7 horas, dando-se idêntico sinal para terminar às 9 e meia. Para as restantes lições da manhã, só se picava. À tarde, faziam-se idênticos sinais.

Aos estudantes, era proibido o porte de ar-mas, no pátio das escolas ou em qualquer classe73.

As férias e dias de assueto estavam, também, fixados.

As de Teologia, aula de Moral, curso de Artes e primeira classe de Latim começariam, a 14 de Ju-lho pela manhã, e terminariam, a 14 de Setembro. As das classes inferiores durariam um mês, de 14 de Agosto a 14 de Setembro.

O feriado ou assueto semanal era à quarta--feira, quando não houvesse dia santo. Se ocorresse à segunda, o dia de folga seria na quinta. Se caísse ao sábado, manter-se-ia na quarta. Nos outros dias, contaria como feriado. No dia de S. Francisco Xavier, não haveria aulas, guardando-se com ele a ordem dos outros dias santos.

Na véspera do Natal à tarde, segunda e terça--feiras de Carnaval, quarta-feira de Cinzas pela ma-nhã, bem como Quarta-Feira Santa até à Páscoa e todas as tardes de vésperas ou completas cantadas na igreja do colégio, eram igualmente feriados. As pre-gações, jubileus ou festas, em qualquer igreja, não suspendiam as lições74.

Os horários escolares estavam minuciosa-mente pautados, tanto para as classes de Latim como para o curso de Artes, cátedra Moral (Casos) e cáte-dra de Teologia Dogmática. Nas classes de Latim, os mestres liam pela ma-nhã duas horas e meia (7-91/2) e de tarde duas (15-17), excepto ao sábado, em que se lia só hora e meia.

No Inverno, de 8 de Novembro a quarta-feira de Cinzas, por os dias serem pequenos, a aula da tarde começava às duas e meia. Nos dias lectivos de Latim, à tarde, os alunos jesuítas tinham três quartos de hora de repetições, logo depois das ladainhas dos santos, tirante nos dias de confissão ou de prática doméstica.

Os mestres de Latim, que tivessem discípulos seculares, nos sábados à tarde, um pouco antes de se tanger a sair da aula, rezavam as ladainhas de Nossa Senhora, com seus alunos, ao pé da imagem existen-te no respectivo recinto.

As leis de urbanidade entre discípulos e mes-tres, ao perguntarem estes as lições, não eram esque-cidas. Se os discípulos eram jesuítas quando interro-gados, descobriam-se e levantavam-se e os mestres correspondiam tirando-lhes o barrete e mandando-os sentar e cobrir para responder. Os estudantes secula-res diziam a lição descobertos e em pé e os mestres, se eles não fossem de ordens sacras, falar-lhes-iam por vós.

Os discípulos de Retórica, ou defendentes, quer fossem religiosos jesuítas, quer seculares, sen-tar-se-iam ao pé da cadeira do mestre descobertos, procedendo do mesmo modo nas dissertações lidas. Quando estas fossem públicas, lê-las-iam da cadeira com mantéu e cobertos75.O curso de Artes, já em 1597, se revestia de categoria universitária, como em Évora ou em Coim-bra. A inauguração tinha lugar com uma dissertação De necessitate et utilitate Dialecticae e um pequeno discurso preliminar, ao qual devia assistir o reitor, o prefeito de estudos e outros mestres. Não havendo ditado de comentário ao texto (glosa), a aula duraria hora e meia (8 às 9.30, de manhã; 15.30 às 17, à tarde). Havendo ditado, duraria duas horas e meia de manhã e duas de tarde.

Cada quinta-feira à tarde, ter-se-iam disputas na aula, defendendo dois discípulos conclusões ou teses, fixadas na cadeira da véspera, argumentando os outros. Uma vez por mês, estas disputas seriam mais solenes. As conclusões a defender estariam ex-postos na classe e no interior do colégio, dois dias antes, e a elas assistiriam o reitor, o prefeito de estu-dos, os mestres de Teologia Dogmática e Moral, bem como os teólogos.

Os artistas religiosos da Companhia, sempreque houvesse lição à tarde e não fossem dias de confissão, teriam disputas domésticas por espaço de três quartos de hora, picando-se para isso a sineta, um quarto de hora depois da classe, e presidindo um teólogo.

Os interrogatórios nas classes de Artes, tam-bém estavam sujeitos a etiqueta. Os estudantes secu-lares diriam a lição e argumentariam sentados e des-cobertos, se não fossem de ordens sacras. Nas argu-mentações, porém, todos interviriam descobertos e sentados. Aos discípulos seculares, sem ordens sa-cras, o mestre trataria por vós.

MONTANHA, José, PadreApparatos para a historia eccleziastica do Bispado de Macao P. José Montanha, 1749-1752. Ms., 31x25 cm A. H. U., Cod. 1659 Contém uma das mais completas descrições da Igreja e do Colégio de São Paulo, baseada nos testemunhos anteriores que o autor pôde recolher e compilar na Livraria do mesmo. Extraído de: As ruínas de S. Paulo: um monumento para o futuro, p. 150.

O curso durava três anos literários, terminan-do com exame público de pedra, perante três exami-nadores, um dos quais presidiria, fazendo um peque-no discurso alusivo ao acto, na primeira das quatro provas ou pedras, cada uma das quais durava um dia inteiro, no tempo correspondente aos horários das lições. A matéria dos interrogatórios compreendia toda a Lógica, isto é, os Universais, os Predicamentos, o 1.° Livro das «Perihermenias» ou «Interpretações», o l.° Livro dos «Analíticos» (Priores), o 2.° Livro dos «Analíticos» (Posteriores), os «Tópicos» ou Fontes de Prova da Verdade, os «Elencos sofísticos» ou formas inválidas de raciocínio, propondo-se ao examinando, finalmente, um paralogismo, para que ele indicasse o vício ou incorrecção de raciocínio.

Além disto, o candidato a mestre em Artes defen-deria um problema de Física e outro de Metafísica, argu-mentados pelos três examinadores, versando também os interrogatórios de cada um sobre uma das matérias de Lógica, com idêntica discussão de problemas das outras disciplinas filosóficas.

O cenário dos exames revestir-se-ia de parti-cular solenidade. Armavam-se bancos altos de três degraus para assento do reitor, do prefeito dos estu-dos, do presidente dos exames e dos dois examina-dores, e depois deles, por sua ordem, os mestres de Teologia Dogmática e Moral, etc., tirando o curso de Artes, que se não acharia nos exames. Os alunos de Teologia, os religiosos de outras ordens e mais letra-dos seculares poderiam assistir, também.

A primeira prova oral ou pedra76, dos exames de Artes devia processar-se deste modo: Armar-se-ia a classe, com docel no lugar do reitor e examinadores. A entrada com a pedra seria solene, acompanhada de música. O presidente da Mesa fazia um pequeno discurso, findo o qual os músicos torna-riam a cantar. Seguir-se-ia outro discurso do exami-nando descoberto e em pé, atrás da pedra nua, a propósito do acto. Acabado ele, voltaria ao seu lugar e haveria, outra vez, música. Após esta, viria o exa-minando e sentar-se-ia na pedra. Então, o presidente do júri começaria o exame propriamente dito, inter-rogando: «Religiose et perdocte respondens»(se fosse jesuíta) ou «Ingeniose ac perdocte respondens» (se fosse secular). «Pro initio tui examinis, responde quaestionibus solitis et propone tuum physicum et metaphysicum problema». A estainterpelação, o examinando levantava-se da pedra e em pé retorquia: «Sic jubet, sapientissimus et religiossimus praeses, ut pro initio mei examinis respondeam quaestionibus solitis et proponam mea physicum et metaphysicum problemata. Quoniam sic jubet, mihi nomen est NN., patria N». Se fosse religioso da Companhia, a fórmula alterar-se-ia, assim: «Mihi nomem est NN; pro reliquis, Societas Jesu». E prosseguia: «Audivi amnia requistia ad praesens examen a sapientissimo et religiosissimo praeceptore meo parte N». Dito isto, assentava-se na pedra e propunha os problemas, nesta forma:

Meum physicum problema petit (v. g.): num totum physicum distinguatur realiter a partibus simul sumptis, annon? Ego teneo partem affirma-tivam. Nune, idem metaphysicum problema petit (v. g.): utrum omnes actiones sint suppositorum, cui ego respondeo per has propositiones: Iª Propono: Actiones proficiscuntur a suppositis, vel ab agentibus quo: 2ª Propono: Actiones terminantur etc. Propostos os problemas, o presidente começava a examinar a matéria dos Universais, usando deste formulário: «Religiose et perdocte respondens, pro doctrina Praedicabillium, dic quot sint Universalia?

O examinando respondia: «Sic jubet sapien-tissimus et religiosissimus Praeses»etc. Interrogado sobre os Universais pelo presidente, quanto pareces-se que bastava, passava a ser interrogado da mesma forma pelo 1. º examinador sobre a matéria dos Predicamentos, seguindo-se o interrogatório das «Perihermenias» pelo 2. º, voltando-ao presidente para o interrogatório dos «Priores», e assim por di-ante, até ser examinado por tratados acerca de toda a matéria da Lógica. Acabada esta, cada examinador propunha seu argumento contra cada um dos proble-mas propostos pelo examinando.

O 2. º candidato começava o exame pelo 1. º examinador, seguido pelo 2. º e pelo presidente até ao fim da matéria e das argumentações contra os problemas propostos. Na primeira pedra, orações ou dissertações e exames da matéria deviam ser no mesmo dia. Para as outras, podiam as orações ou dissertações ser de tarde e os exames orais ou defesas de problemas, no dia seguinte pela manhã. A Música, depois dos dis-cursos ou dissertações, só se tinha no primeiro. Mas os estudantes seculares podiam armar as classe e alcatifar os bancos dos condiscípulos à sua vontade, porque os dos examinadores estariam sempre alcatifados.

Acabados os interrogatórios e defesas de pro-blemas, vinham as chamadas mesas, dirigidas pelo mestre de curso, em que os novos bacharéis presta-vam a segunda prova para o título de artistas ou de mestres em Artes.

Em Coimbra, chamavam-se «mesas de philosophia, humas mesas postas por ordem, diante das quais vários bachareis, asentados em hum escabello com as cabeças descubertas, defendiam conclusões de matérias philosophicas repartidas pelo Regente; & em estas mesas se chamão mesas de se-gundas respostas, quando em alguns actos, os que responderão nas respostas a que chamão magnas, respondem também nas provas, trocando as materias v. g. de Moral para Logica ou de Logica para Mo-ral»77.

Em Macau, dentro dos protocolos estabeleci-dos por Valignano, armada a classe com a cadeira e os bancos altos alcatifados, como para os exames, fazia-se entrada solene das mesas, às 7 horas da ma-nhã e às 3 da tarde.

O reitor, o prefeito de estudos e mais mestres, padres e teólogos, sentavam-se por sua ordem nos bancos altos. O mestre de Artes, na sua cadeira ar-mada, ao pé da qual se assentavam os defendentes das mesas, em um banco alcatifado com mesa dian-te, coberta de pano de seda ou alcatifada, e sobre a qual os defendentes tinham cada um as suas conclu-sões. À entrada, havia música, após a qual, só no primeiro dia pela manhã, o mestre fazia da cadeira e sentado um pequeno discurso alusivo ao acto, acaba-do o qual se cantava de novo e logo ele começava a discutitas questões propostas pelos defendentes nas suas conclusões primeiro de Lógica; depois, de Físi-ca e, por último, de Metafísica.

Efectivamente, cada candidato organizava, previamente, um programa de nove conclusões da matéria que defendia, devendo apresentá-lo, alguns dias antes da mesa, a quem quisesse argumentar contra elas, ainda que fossem só teólogos estudantes.

Começava o mestre, dirgindo-se ao primeiro bacharel dos defendentes, nestes termos: «Ei qui sedet primo loco et defendet conclusionnes dialecticas, hane propono quaestionem: num Christus Dominus ponatur in praedicamento substantiae? » E, depois de expor as opiniões com os seus fundamentos em sentido afirmativo e negativo, apresentava uma objecção ou argumento em contra das conclusões do defendente. E, sem esperar res-postas, fazia também as suas objecções às conclusões de Física e de Metafísica, da mesma forma.

Dada a resposta ao mestre pelo defendente, entravam em campo outros arguentes, padres ou le-trados, captando na resposta, os defendentes, a bene-volência ou pedindo vénia ao reitor, ao prefeito de estudos e ao mestre do curso, que presidia, e restante auditório, continuando-se o acto com outra mesas de manhã e de tarde. Em cada uma, havia de quatro até seis defendentes. O mestre, porém, só discursava, na primeira.

Ao fim de cada mesa, estando ainda sentado o reitor, o presidente da cadeia dizia, desbarretado: «Reliquum est, ut Deo optimo maximo immortales gratias agamus, et vobis omnibus, viri ornatissimi, qui vestra praesentia hanc nostrorum actuum aulam decorare voluistis». E retiravam-se todos78.

Como se vê, antes do fim do século XVI, em Macau os actos académicos do curso de Artes reves-tiam-se de solenidade idêntica aos de Coimbra, tal qual como no Colégio de S. Paulo de Goa e no Bra-sil79.

Mas o programa de estudos, talhado por Valignano, transcendia o simples curso de Artes. Professava-se, também, a Teologia Moral (Casos) e a Teologia Dogmática. E era oportuno, dadas as preocupações já existentes da formação dum clero indí-gena e complemento de estudos para os religosos jesuítas, idos da Europa e da Índia, sem essas disci-plinas eclesiásticas, ou recrutados entre os núcleos portugueses do Extremo Oriente e cujo envio para Goa se tornava precário ou dispendioso.

Ao mesmo tempo, os clérigos diocesanos já ordenados, por vontade dos respectivos prelados, podiam actualizar a sua formação, não raro rudimen-tar, sobretudo em matéria matrimonial, tão compli-cada nesses países de missão ou em questões de jus-tiça comutativa, num ambiente de febre comercial, como era o de Macau.

Página anterior: Descrição de Macau.

Extraído de: DU HALDE -- Description de la Chine, vol. l, p. [141]. AH/LR 49

Os mestres de Teologia Moral (Casos) eram dois e, segundo o plano de estudos de Valignano, «leriam huma hora diária, alternadamente, com os de teologia dogmática, ditando três quartos de hora e explicando um, da cadeira»80.

Cada mês, haveria disputas de Casos, num sábado à tarde, durante hora e meia, pondo-se, dois dias antes, à porta da classe e dentro do colégio, algumas conclusões. Presidiriam, altemadamente, cada um na respectiva matéria que lia, achando-se presentes ao acto, o reitor, o prefeito dos estudos, os metres de Teologia Dogmática, os de Casos, os estu-dantes teólogos e mais padres, que parecesse.

Casuistas e teólogos proporiam os casos, des-cobertos. Todos os dias lectivos, em que houvesse lição à tarde e não fossem de confissão ou prática (2. ås, 3. °as, 5. ås e 6. ås), teriam os casuistas repetições, durante três quartos de hora, por esta ordem: No primeiro dia lectivo da semana, haveria conferências gerais com a comparência de todos os padres da casa, além dos discípulos do curso. No 2. º dia, te-riam repetições só os discípulos da matéria professada pelo outro mestre, que presidiria a elas. No 3. º dia, tornaria a haver conferências gerais como no l. º; e no 4. º, reflexões como no 2. º81.

Nas aulas de Teologia Dogmática, cada mes-tre que desse glosa (comentário) a escrever, leria uma hora, ditando durante três quartos de hora e explicando durante uma, começando estas lições, a tempo que a derradeira acabasse, quando as demais classes. Se não desse glosa, leria durante meia hora.

Os teólogos teriam disputas em casa, todos os dias lectivos, durante três quartos de hora, à uma depois do meio dia, dando-se para isso sinal e presi-dindo alternadamente os mestres, cada um na maté-ria do seu curso. Cada mês, haveria na aula disputas de três e nove conclusões, fixadas alguns dias antes às portas do colégio e no interior deste, em lugar para isso deputado.

Às disputas, deviam assistir o reitor, o prefei-to de estudos e demais mestres de casa, bem como os padres da comunidade, tal qual como nas colações de casos de consciência. Os teólogos discí-pulos poderiam argumentar, mas descobertos.

O defendente usava uma fórmula de especial acatamento à pureza da doutrina que professava. Re-petindo a objecção do arguente e antes de a repetir, para que se visse que a tinha devidamente apreendi-do, dizia: «Sed, antequam argumento satisfaciam, quam breviter disputabo (e alevantando-se em pé), invocato prius divini Numinis auxílio Patris (benzia--se), Filij e Spiritus Sancti necnon Beatae Viginis, illud interim adsero, si quid inter loquendum dixero quod Romane Ecclesiae, Sacris Concilijs, Sanctoum Patrum doctrinae repugnare videatur, id indictum sit». E, feita esta ressalva, assentando-se, repetia, outra vez, o argumento e respondia. No final do acto, renovava a protestação de pureza de fé: «Si quid dixi quod Romanae Ecclesiae, etc. »

A 21 de Outubro, dia das Onze Mil Virgens, de especial devoção entre os Jesuítas portugueses e destinado à abertura solene do ano lectivo, haveria disputas maiores de Teologia, com um programa de 9 até 15 ou 20 conclusões.

No meio ou transepto da Igreja, marcava-se um espaço razoável, alcatifado e cercado em volta de bancos, entre os quais, do lado do Evangelho, uma cadeira e ao pé dela um escabelo para o defendente, tudo com alcatifas também. O sino da escola tangeria, durante meia hora, das 13,30 às 14, momento em que começava o acto.

À entrada, havia música. Depois, um discurso inaugural do novo ano académico, imposto pelo Ratio Studiorum de 159182, com outro trecho musi-cal, começando-se as disputas, dentro dos cânones estabelecidos acima, para os actos escolares de Teo-logia. Dado o aparato desta sessão inaugural, se o bispo ou o capitão-mor de Macau estivesse presente, teria cadeira especial, na mesma área dos bancos alcatifados para dentro; defronto da do presidente e à ilharga, na direcção da porta principal, se senta-riam, nos mesmos bancos, o reitor, o prefeito de estudos e mais mestres e padres da casa.

Da outra ilharga, para o altar-mor, tomariam lugar os religiosos de fora. Nos bancos restantes, os alunos da Companhia com seus mantéus, tendo um deles na mão exemplares das conclusões, geralmente impressas, para os dar, antes de ninguém, ao bispo ou capitão-mor, para eles os entregarem a quem qui-sessem, que argumentasse, em primeiro lugar, e de-pois os arguentes marcados pelo prefeito de estudos. Este devia ter particular respeito aos religiosos dou-tras ordens, aos quais, de acordo com o bispo e capi-tão-mor, que o teriam em conta na sessão, seriam enviadas, dias antes, as conclusões ou teses para se preparem devidadamente para a arguição83.

Por aqui, se pode vislumbrar o teor dos estu-dos menores e superiores, programados para o Colégio de S. Paulo de Macau. Não era uma universidade eclesiástica completa, posto que nela se não profes-sava, expressamente, o Direito Canónico, nem muito menos uma Universidade Civil -- Studium generale -- com todas as disciplinas das instituições desse tipo, qual era, por exemplo, a de Coimbra, porque lhe faltavam as cátedras de Direito Civil e Medicina. Não há dúvida, porém, que constituía um verdadeiro centro académico superior, pois conferia graus.

Efectivamente, António Cardim, que foi rei-tor de S. Paulo, quatro anos, de 31 de Agosto de 1632 a 163684, assim o afirma, expressamente, tanto com respeito ao título de mestre em Artes, como ao doutorado em Teologia. Eis as suas palavras, nas Batalhas da Companhia de Jesus, quanto ao primei-ro: «Na igreja do colégio, se dá o grau de mestre em Artes aos que o merecem, vindo de suas terras os candidatos acompanhados dos amigos e padrinhos, todos a cavalo, com suas charamelas diante, como se costuma nas Universidades da Europa»85. Quanto ao segundo, é também explícito, na Relatione della Província del Giappone, dirigida a Inocêncio x, em 1645: «O Colégio da Companhia de Jesus em Ma-cau...) é Universidade, ensinando desde os primei-ros elementos até à Theologia, dando os graus de Doutor àqueles que, nessa Universidade, aproveitaram nos estudos»86. E, para dar um só testemunho de estranhos, sobre o nível das ciências professadas, baste o de Alexandre de Rhodes: «On y apprend toutes les sciences que nous enseignons dans toutes nos grandes académies»87.

4 -- PRIMEIRA UNIVERSIDADE OCIDENTAL NO EXTREMO ORIENTE

Mas, se pela organização autónoma, que desde l de Dezembro de 1594 Alexandre Valignano deu ao Colégio de S. Paulo, e pela organização formal dos estudos superiores de Artes e Teologia, a que se procedeu, em 1597, com possi-bilidade de conferir graus, ele se tomou, efectiva-mente, uma instituição de tipo universitário, poderá dizer-se, também, que foi, historicamente, a pri-meira universidade ocidental no Extremo Oriente? Não há dúvida que sim.

Na verdade, as duas instituições, que poderiam disputar-lhe primazias, seriam o Colégio-Seminário de S. José, dos Jesuítas espanhóis de Manila, nas Fili-pinas, e a tão célebre, depois Universidade, de S. To-más dos Dominicanos, erecta na mesma cidade.

Mas o Colégio de Manila, cujos primeiros tentames datam de 1590-159588, só passou a ser rea-lidade estável, em Setembro de 1595, com classes de Gramática e Teologia Moral; e o Colégio-Seminário ou internato de S. José, data de 160189, começando a haver cursos de Filosofia, nesse ano, e graus académicos, tanto em artes como em Teologia, se-gundo Ludwig Koch e de la Costa, apenas desde 162390. Isto como situação, de facto. Canoni-camente, os colégios da Companhia, em geral, desde 1552 e 1578 e, desde 1621, nas Índias, podiam con-ceder graus académicos a estudantes da Ordem e externos, ao passo que ao Colégio de Manila tal pri-vilégio foi outorgado em 163491. O Colégio de S. Tomás, fundado a 28 de Abril de 1611, só se viu elevado à categoria universitária, a 20 de Novembro de l64592.

5 -- VICISSITUDES E PROJECÇÃO

A existência de S. Paulo, porém, não foi isen-ta de vicissitudes. Se os estudos menores se manti-veram com brilho até aos meados do século XVIII, mercê do concurso da população local e dos refugiados cristãos do Japão e da China, em diversas épo-cas, e para o Celeste Império, sobretudo, no tempo das invasões tártaras, além do Seminário de Santo Inácio para japoneses, fundado por Francisco Pacheco em 1623, mercê da dotação de 12 000 taéis, feita pelo clérigo nipónico Paulo dos Santos, para 12 meninos do país93, e o Seminário de S. José, que se criou à volta de 1732 para seminaristas chineses94, a verdade é que as dificuldades internacionais cercea-ram muito a população escolar, para os cursos supe-riores de Artes e Teologia.

Ainda assim, pelo movimento da sua popula-ção interna, entre professores, estudantes e missio-nários em regime de descanso, de aprendizagem de idiomas ou em trânsito, o Colégio de S. Paulo, ao menos por toda a primeira metade do século XVII,segundo informava Caldeira Rego, em 1623, era «em edifício, numeroso e calidade de sojeitos, hûa das mayores e mais graves casas de Religiosos», que havia no Oriente95.

Nos períodos de máximo esplendor, isto é, de 1597 a 1645, é possível alinhar estes dados. Sebastião Gonçalves diz que, nos primeiros tempos do colégio, haveria, «de ordinário, cincoenta religiosos»96. Para 1601, Bernard-Maître apurou dados mais explícitos:59 jesuítas, dos quais 20 padres e 39 irmãos estudan-tes ou coadjutores. No ano seguinte, depois da partida de 5 sacerdotes e 6 irmãos para o Japão, permaneciam no Colégio da Madre de Deus 59 inacianos97. Caldei-ra Rego, a 27 de Novembro de 1623, informa residi-rem nele, às vezes, «sesenta, setenta e mais sogeitos»98. Álvaro Semedo, em 1642, dava «per ordinario, sessanta in ottanta persone»99. Cardim, dois anos depois, na Relatione, dá 60 pessoas100. Nas Ba-talhas da Companhia de Jesus, em 1650, omite nú-meros; mas, pelos professores, vê-se que o movimen-to escolar não tinha, ainda, esmorecido101. Já assim, não deve ter acontecido no século XVIII, pois os estudantes jesuítas, idos da Europa sem os estudos com-pletos, aparecem-nos detidos em Goa, com outros re-crutados no Oriente, mas destinados à Ásia Extrema. Efectivamente, dos livros de contas dos procuradores de Japão e da China, constam reclamações de pagamentos das pensões de jovens do Extremo Oriente, que estudavam no Colégio de São Paulo de Goa102, tal qual nos catálogos das Províncias Orientais os nomes de Scholastici Goae degentes103, pertencentes às províncias do Japão e da China.

Por outro lado, João Álvares, que em 1746 vivia em Macau, dá notícia, apenas, de aulas de Ler, Escrever e Contar, bem como de Latim (Gra-mática, Humanidades e Retórica) e Música104, úni-cas reputadas indispensáveis para a população ci-vil, «descurioza» e «illiterata», como amargamente se queixava, a 29 de Dezembro de 1749, o Bispo D. Hilário de Sousa105.

E, no entanto, as disponibilidades de cultu-ra mantinham-se bem vivas, dentro dos muros de S. Paulo.

Da riqueza do seu arquivo, dão-nos ideia as cópias enviadas para Lisboa, no século xvIII, e que hoje se encontraram na Biblioteca Nacional, no Arquivo Histórico Ultramarino e, principalmente, na Secção «Jesuítas na Ásia» da Biblioteca da Ajuda, além dos originais e outras cópias que, transferidos, em 1761, para Manila, donde passa-ram para Espanha, enriquecem, agora, os recheios da Academia Real da História de Madrid, na sua «Coleccion Jesuitas-Legajos», bem como os da Biblioteca Nacional e do Arquivo Nacional da mesma cidade, além do que anda disperso por ou-tros centros da Europa106. Riquíssima, era a sua colecção de pinturas, atlas e cartas geográficas107. A Biblioteca, no testemunho de João Álvares, em 1746, dispunha de 4 200 livros (obras ou volu-mes?)108. A farmácia, conhecida em todo o Extre-mo Oriente, prestou à saúde pública macaísta e às missões da China, do Japão e de Tonquim, incal-culáveis serviços, até que, em 1762, foi vendida ao desbarato a um mercador, que a despachou para Goa, por preço leonino109.

Outro elemento cultural de primeira ordem, de que o colégio universitário dispos, por muitos anos, foi a imprensa, que Valignano transportou da Europa com destino ao Japão, em 1588. Montada provisoriamente em Macau, em 1588, imprimiu ali os dois primeiros livros. Em 1590, trabalhava em Katsusa e, depois, em Amacusa e Nangasaque. Em 1616, teve de voltar a Macau para, em 1620, impri-mir a celebérrima Arte da Lingoa Japoa, de Rodriguez Tçuzzu110.

A história da projecção nacional e interna-cional do Colégio de S. Paulo só poderá dizer-se completa, quando se puder fazer a síntese, não só na formação das élites sociais da população portu-guesa de Macau, mas do Extremo Oriente, e se puser em evidência, com a vultuosa documentação que ainda nos resta, a contribuição prestada à for-mação dum escol de missionários para os vários países da Malásia e da Indochina, do Celeste Impé-rio e do Japão. Grandes, foram os serviços presta-dos às relações com a China e ao esforço científi-co-apostólico desenvolvido, ali, por gerações su-cessivas de missionários sobretudo na Corte de Pe-quim, desde Ricci a José de Espinha, André Rodri-gues e José Bernardo de Almeida111. Até, quando pareceu contrariar orientações da Santa Sé que, afi-nal, se vieram a comprovar menos objectivas e oportunas do que pareciam, com a malfadada ques-tão dos Ritos e suas implicações nas legacias do Cardeal de Tournon e de Ambrósio Mezzabarba112. Muito mais, em sentido construtivo, no auxílio prestado às embaixadas de Manuel Saldanha (1667-1670), Metelo de Sousa e Meneses (1725-1728) e Francisco de Assis Pacheco de Sampaio (1752-1753), as quais, se nem sempre obtiveram o êxito ambicionado, conseguiram manter de pé a ponte lançada pela evangelização e pelo comércio, entre o Ocidente e o Oriente113. S. Paulo ficará sempre memorável, e com ele poucas instituições docentes ocidentais do tempo poderão ombrear, na história da compenetração cultural do Mundo.

A expulsão dos Jesuítas, pelo drástico diplo-ma pombalino de 1759, executado em Macau em 1762, punha ponto final na vida institucional do Colégio da Madre de Deus e de S. Paulo. Sentinela indomável, perante os ataques do Tempo e da For-tuna, resta, apenas, ao alto da ainda magnificente escadaria, capaz de emparelhar com os mais sump-tuosos de Roma114, o histórico frontispício da sua igreja, testemunha solitária dum passado extinto.115 A História, porém, não pode alhear-se dos momen-tos gloriosos que a primeira universidade Ocidental do Extremo Oriente atravessou, nem da sua comparticipação valiosa, na expansão da civiliza-ção cristã e portuguesa no Mundo.

Publicado em separata dos «Anais» da Aca-demia Portuguesa de História, II série, volume 17, Lisboa. 1968.

NOTAS

1 Epistolas Indicas atJaponicas (Lovanii, 1579), 120 e ss., Biblioteca da Ajuda de Lisboa (-- BALL), Jesuítas na Ásia), cod. 40. IV.40. fols. 237-241.

2 Ibid. cod. 49. IV.50., fls. 108 v-112.

3 Ibid.

4 António Franco, Imagem da Virtude... em o Noviciado... de Coimbra, I (Évora, 1719) 682 e ss.

5 Ibid.

6 BAL, ibid., cod. 49. IV. 50, fols. 601 r-601 V. Cfr. Jordão de Freitas, Macau, em «Archivo Histórico Portuguez», VII (Lisboa, 1910), pp. 226-228.

7 Pais que diz Francisco Pares, na sua carta de Janeiro de 1504, esta casa parece já ser a de Pêro Quinteiro. Cfr. infra.

8 Fortunado de Almeida, História da Igreja em Portugal, III/l (Coimbra, 1912) 83-84. Por lapso, a data está errada. Cfr. Levi Maria Jordão, Bullarium Patrongins, I, (Lisboa,1868) 243-246, Corpo Diplomatico Portuguez, X (Lis-boa, 1891)498-503.

9 Jordão de Freitas, Ibid., 227. Francisco de Sousa, Oriente Conquistado, I (Lisboa, 1710), 738-739; P. Manuel Teixeira, Macau e a Sua Diocese. III (Macau, 1956-1961) 137-138.

10 Luís Fróis, História do Japão, em BAL, Jesuítas na Ásia, cod. 49. IV.54, fol. 114 v. Cfer. G. Schurhammer -- E. A. Voretzsch, Dis Geschichts Japans. 183. Leipzig, 1926.

11 Alessandro Valignano, História del Principio y Progres-so da l. ª Compaña de Jesus em las Indias Orientales, 442. Roma, 1044. Valignano confunda a embaixada de 1563 com a de 1562.

12 Alessandro Valignano, op. cit., 444. Estas casas de Pêro Quinteiro deviam ser as já ocupadas, pouco antes, por Fróis e del Monte, no ano anterior, de passagem para Japão. Continuaram em poder da Companhia e nelas parece ter habitado D. Leonardo de Sá., ao voltar do sinodo provincial de Goa, em 1585. Preso pelos Acheus, chegou a Macau, em 1594. José Montanha, Apparatos para a História do Bispado de Macau, em Arquivo Histó-ria Ultramarino, Cod. 1650, fol. 203.

13 Sebastião Gonçalves, História dos Religiosos da Companhia de Jesus, III, (Coimbra, 1962). 141.

Alessandro Valignano, op. cit., 442-43. Cfr. Francisco Rodrigues, A Companhia de Jesus em Portugal e nas Missões, 2.24. Porto, 1935. As casas, que tinham porta para a residência dos padres, foram depois incorporados no Colégio de S. Paulo. José Montanha, op. cit., fol. 295 r.

15 Manuel Teixeira, op. cit., 143.

16 «Nesta nossa casa». Carta de Manuel Teixeira, «deste Amaquao, porto da China», l de Dezembro de 1583, em Jordão de Freitas, loc. cit., 220-232.

17 Cartas que os Padres a Irmãos da Companhia de Jesus escreveram dos Reynos de Japam e da China, fols. 145 e ss. Évora, 1598.

18 Henri Bemard Maltre. Auxportas de la China 78. Tientsin, 1933. Cfr. Sebastião Gonçalves, op. cit., 142; Manuel Teixeira, Macau e a Sua Diocese, III, 144-146.

19 José Montanha, ibid. e BAL, Jesuítas na Ásia, cod., 49. V.3., fols. 16v. e 20.

20 Sebastião Gonçalves, op. cit., III, 142.

21 Alessandro Valignano, op. cit., 444.

22 José Montanha, Apparatos para a História do Bispado de Macau, fols. 83 r. Anexo à residência, existia, dede 1580, um catecumenado para chineses, dedicado a S. Martinho e dirigido, três anos mais tarde, pro Mateus Ricci sob a dependência de Pêro Gomes. Arquivo Romano da Com-panhia de Jesus (= ARSJ), Jap. Sin., vol. VIII/2, fols. 258.

23 Francisco Rodrigues, op. cit., 62.

24 Ibid.

25 José Montanha, ibid., fols. 210.

26 ARSJ. Jap. Sin. O 200 300 r. Cfr. ibid., 24, 125-147 r.; José Montanha, ibid., fol. 294 v.

27 José Montanha, ibid., fols. 245 v. 246 r. Cfr. ARSJ. Jap.- Sin. 23, fols. 299-311 v.

28 José Montanha, ibid., Cfr. 244 v.: «como já neste mesmo porto se tinha comprado e havia ser diversas occasiões até seiscentos cruzados de renda, cada anno, que se tirão de algûas casas».

29 José Wicki, «Einführung», em Alessandro Valignano, op. cit., 17; Joseph Franz Schütte, Valignano Missunsgrundsalze jür Japan. 46. Roma. 1951.

30 José Montanha, ibid., fol. 241.

31 Ibid., fol. 246 r.

32 Ibid., fol. 245 r.

33 Ibid.

34 Ibid.

35 Ibid., fols. 244 v-245: «grandes officiaes de cortar penedos e pedras». Cfr. 294 v. e ss.

36 Ibid., fol. 242.

37 Em 1571, D. Sebastião concedera à Província do Japão 600$000 réis de renda em aldeias do Norte de Goa: Loucem, Condontim, Mulgão e Marol. José Montanha, ibid. fols. 143 e ss.; 294 e ss. Em 1574) o Desejado dotou o Colégio da Madre de Deus com l 000 cruzados de renda anual na Alfândega de Malaca. D. Henrique, em 1579, outros l 000. António Francisco Cardim, Batalhas da Companhia de Jesus, 19, Lisboa, 1894. Caducando como tempo., D. João IV restituí-los-ia, em 1649. Ibid.

38 José Montanha, ibid. fols. 241 e ss.

39 Ibid.

40 Ibid.

41 Ibid.

42 «Rezões polas quais parecco na consulta que aqui se fez, em Goa, não se dever fundar collegio da Companhia em Macao. » ARSJ. Jap. Sin., 22, fols. 192-197 v. Embora desejável em si, a empresa parecia temerária para o momento. Goa temia encargos que não comportava.

43 Henri Bernard-Madre. Le Père Mathieu Ricci et la soriété chinoise de son temps. II (Tientsin. 1937). 177, nota

44 De 1591 a 1597, foi vice-rei Matias de Albuquerque. José Ferreira Martins, Os Vice-Reis da India (1505-1917), 101-102. Lisboa, 1935. Devia ser arcebispo de Goa D. fr. Mateus de Medina ou D. André de Santa Maria. Fortuna de Almeida, op. cit., III/2 (Coimbra, 1915), 998 ess.

45 BAL, ibid. col. 49. V. 5., fol. 265 e 49. V.8. fol. 400 v.

46 ARSJ. Jap.-Sin., 23, fols. 299-311 v. A perspectiva era diversa, vistas as coisas ao longe ao parto. Valignano, embora descontasse com excessivo optimismo os obstá-culos, via a tempo desenhar-se a situação dramática da próxima perseguição.

47 Ibid. Cfr. José Montanha, loc. cit., fol., 246 r.

48 Ibid., fols. 244 v. 245 r.

49 Ibid., fols. 293 v. e ss.

50 Ibid., fol. 245.

51 BAL, ibid., cod. 49. IV.66., fols. 85-87. Cfr. Religião e Pátria, 37. Macau, 1955.

52 O facto é assinalado pela ânua de 1594, datada de 28 de Outubro. Cfr. José Montanha, ibid., fol. 250v.

53 Ibid., fols. 247 rv: 250 v.

54 Ibid., e Manuel Teixeira, Macau e a sua diocese, III, 172 e ss.

55 Ibid., 178.

56 Ibid.

57 Ibid., Cfr. Henri Bernadrd-Maltre, Le Père Mathieu Ricci et la société chinoise, 177. Carlos Spínola, nascido em Génova em 1564, entrou na Companhia em 25 de Dezem-bro de 1584, ensinou dois anos Humanidades e três Matemáticas. Em 1596, foi enviado para o Japão, aonde só chegou, sete anos mais tarde. Entre 1602 e 1603, devia encontrar-se em Macau Cfr. Ludwing Koch. Jesuiten Lexikom, 1680. Paderborn, 1934.

58 Henri Bernard-Maltre, ibid.

59 BAL., ibid., cod. 49. V.66. fols. 87 v e ss. Cfr. fols. 89.

60 Manuel Teixeira, Macau e a Sua Diocese, III, 179.

61 Ibid., 179 e ss.

62 Ibid., 181 e ss. Outras obras no edifício do colégio, se fizeram de certo, no decurso do tempo. Em 1615, a cidade deu ao Provincial Valentim de Carvalho 440 taéis «para a fabricadas classes». BAL, ibid., cod. 49. IV.06, fols. 85-87.

63 José Montanha,. op. cit., fol. 247 rv.

64 Ibid.

65 Ibid., fol. 247 v.

66 Ibid.

67 Ibid., fols. 291 v. e ss. Manuel Teixeira, ibid., 172.

68 Josef Wicki, «Einführung», em Alessandro Valignano, História del Princípio, ibid.

69 António Astrain, Historia de la Compañia de Jesus en la Asistencia de España. IV (Madrid, 1913), 11 e ss. Cfr. Francisco Rodrigues. História da Companhia da Jesus na Assistência de Portugal, 11/2 (Porto, 1938), 18 e ss. Típico do feitio protocolarista de Valignano é Il ceremoniale per i missionari del Giappone (ed. Josef Franz Schütte). Roma, 1946.

70 Cfr. Serafim Leite, Estatutos da Univeridade de Coimbra (1559) (Coimbra, 1963), 315 e ss. António J. Teixeira, Documentos para aHistória dos Jesuítas (Coimbra, 1890), 410-430.

71 José Montanha, ibid., fols. 277 r. e ss.

72 Ibid.

73 Ibid., cap. 1. º: De alguns (cousas) communs ao universaldos estudos, n. º 1-10.

74 Ibid., cap. 2. º: Das ferias e dia de assueto, n. ºl-3.

75 Ibid., cap. 3º: Das classes de latim, n. º 1-5.

76 D. Rafael Bluteau, Vocabulario Portuguez, VI (Lisboa, 1720), 361. A instituição era tirada dos estatutos da Universidade de Coimbra. Nesta, «quando algum estu-dante se ha de examinar depois de admittido, se vay assentar por humildade em huma pedar deputada para esta função, com a cabeça descoberta, & o primeyro examinador faz ao examinando as perguntas costuma-das: como se chama, & de que Bispado & lugar he etc. & finalmente propoem o problema das Physicas, & depois os outros dous examinadores fazem seus argumentos & acabado o primeyro exame, torna a pedra o segundo examinando» etc. Cfr. Estatutos da Universidade, pág. 239: «A quatro dias do mez de Fevereiro à tarde a primeira pedra a que achou presente e juntos a elle estavão os examinadores». O formulário ocorre em muitas sebentas da Metrópole.

77 Rafael Bluteau, op. cit., V (Lisboa, 1716), 447-448.

78 José Montanha, op. cit., cap. 4: Do curso das artes, n. º 1-9.

79 O Colégio de S. Paulo de Goa, fundado em 1548, já tinha estudos de Filosofia, em 1556. Francisco Rodrigues, A Companhia de Jesus em Portugal e nas Missões, 58. Para o Brasil, ver Sarfim Leite, o Curso de Filosofia. Tentati-vas para se criar a Universidade do Brasil no século XVII, em «Verbum». V/2 (Rio de Janeiro, 1948), 107.

80 José Montanha, ibid, cap. 5: Dois casos de consciência, n.os 13.

81 Ibid.

82 Cfr. supra, nota 60.

83 José Montanha, ibid, cap. 6: La Theologia, n. os 1-1.

84 BAL, Jesuístas na Ásia, cod. 49V8, fls. 149v. Cfr. António Franco, Imagem da Virtude... Évora (Lisboa, 1714), 491.

85 Batalhas da Companhia de Jesus, 20.

86 Relatione della Província del Giappone (trad. de Giacomo Diaceto, Roma, 1645), 8.

87 Alexandre de Rhodes, Voyages et Missions (Paris, 1854),73.

88 Foi solicitado como colégio a Filipe II pelo Governador de Manila Diogo Ronquilho, a 15 de Junho de 1585. Vid. Francisco Colin, Labor Evantelica, II (ed. Pablo Pastelis, Barcelona, 1904). 206 e ss. O colégio abriu em Setembro de 1595, mas com a saída do Govenador Dasmariñas, por falta do subsídio prometido, não foi por diante, sendo tentada de novo a fundição, em Agosto de 1601. Cfr. Hector de la Costa, The Jesuits in the Philippines (1581-1768), 134-135, 195-197 e 258. Cambridge (Mass.), 1961. Raimundo Prat ou Prado leu Casos ao clérigos de Manila, mas por pouco tempo, sem haver ainda organiza-ção colegial. O colégio para indígenas, também, não foi por diante.

89 Francisco Colin, ibid., 251: Hector de la Costa, ibid, 172-173.

90 Ludwig Koch [op. cit., 1415] antecipa o colégio de Manila para 1590. Começaria, todavia, a ter cursos de Filosofia e Teologia só em 1602 e a dar graus académicos, apenas, desde 1623. Cfr. Hector de La costa, opt cit., 352-354.

91 Hector de la Costa, op. cit., 408-411. Cfr. Júlio III, Sacrae religionis, de 22 de Outubro de 1552 e Gregório XIII, Quanta in vinea, de 7 de Maio de 1578.

92 Francisco Colin, ibid., 260-261. Cfr. Ângelo Walz, Compendium Historiae Oridnis Praedicatorum (Roma,1948), 374.

93 BAL, Jesuítas na Ásia, cod. 49. V.11, fls. 558 e 563.

94 Francisco Rodrigues, A Companhia de Jesus em Portugal e nas Missões, 63. Além destes, Cardim assinala na Relatione (op. cit., 9), uum seminário para filhos de portugueses, em 1645.

95 Francisco Paulo Mendes da Luz, O Conselho da Índia (Lisboa, 1952), 668.

96 Op. cit., III, 142.

97 Henri Bernard Maître, Le Père Mathieu Ricci, II, 198.

98 Francisco Paulo Mendes da Luz, ibid.

99 Historica Relatione del Gran Reyno della Cina (Roma,1653), 214.

100 Relations della Provincia del Giappone, 8.

101 Batalhas da Companhia de Jesus. Na dedicatória a D. João IV. Cfr. ibid, 20.

102 BAL, ibid., cod. 40V.24, fols. 80.

103 Ibid, fols.265.

104 José Montana, op. cit., 92: «temos no Collegio hum mestre de solfa com sete rapazes do coro para se fazerem as festas».

105 Biblioteca Nacional de Lisboa, Fundo Geral, 178, fol. 54. Cfr. Joseph Franz Schütte. P. Joséph Montan's «Apparatus»em «Archivum Historicum Societatis Jesus. XXXI (Roma, 1962), 247.

106 Cfr. nota 104 e do mesmo autor Widerentdeckung des Makao-Archiv, em Colección Cortes de la Real Academia de la Historia(Madrid, 1961), publicados em «Boletin de la Real Academia de la Historia», CXLVIII/1 (Madrid, 1961), 23-60 e CXLVII/2, 149-259.

107 Manuel Teixeira, op. cit., III, 206.

108 José Montanha, op. cit., 92.

109 José Caetano Soares, Macau e a Assistência, 180.

110 C. R. Boxer, The Christian Century in Japan (1549-1650), Londres, 1951, 190-198.

111 Não falamos já nos aspectos patrióticos, como o concurso prestado à defesa de Macau contra os holandeses, etc. Ver Manuel Teixeira, ibid., 240 e ss. Cfr. Francisco Rodri-gues, Jesuitas Astrónomos na China, pp. 5-67. Porto, 1025.

112 Luís Pastor, Sotira dei Papi, XV, 327-349, Roma, 1933: XVI/l,324 e ss. Roma,1934.

113 Eduardo Brasão, Apontamentos para a história das rela-ções diplomáticas de Portugal com a China (1516-1753), p. 99 e ss. Lisboa, 1919.

114 António Cardim, Batalhas da Companhia de Jesus, 19. Ver também, as expressões encomiásticas de Alexandre de Rhodes (Voyages etMissions, 73. Paris, 1854): «Notre Compagnie y a un fort grand collège, que peut êtr comparé aux plus beaux d'Europe; ou moins 1'eglise est des plus magnifiques que j'aie vuez même dans toute 1'ltalie, à la reserve de Saint Pierre de Rome. »

115 As ruínas foram estudadas ultimamente, por M. Hugo--Brunt, An Architectural survey of the Jesuit Seminary Church of St. Paul's, Macao, em «Journal of Oriental Studies», I (Hong Kong, July 1954), n. º 2.

*Orador e escritor, estudou Humanidades, em Alsember; Filosofia, em Granada; Teologia, na Universidade Gregoriana de Roma. Pertenceu ao corpo redactorial da revista "Brotéria", onde publicou inúmeros ensaios, e a ele, sobretudo, se deve a criação de sua biblioteca. Pertenceu também à Academia Portuguesa da História; à Associação dos Arqueólogos Portugueses; ao Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia; ao Centro de Estudos Demográficos e foi procurador à Câmara Corporativa.

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