Artes

SALVATORE PUGLIA PINTURA E PENSAMENTO
SMALL TALKS細語

Pedro Correia

Veio das terras quentes da 1+talia á procura de novos espaços para as formas e para as cores que emanam das suas telas. Macau, onde se demorou tempo bastante para produzir obra, exerceu nele um estranho fascínio, denso e envolvente. Esta confluência de ri+mos e de ritos, onde os matizes ocidentais se confundem com as tonalidades do Oriente, não deixa imune nenhum artista plástico. Jovem ainda, Salvatore Puglia revela nos seus quadros uma singular auten+icidade, por vezes difícil de encontrar nos consagrados. Nele, a emoção e o intelecto conjugam-se no mesmo casulo, fundem-se admiravelmente num só movimento expressivo que tem a la+i+ude da plena modernidade. E, no entanto, este pintor de estatura (meã)inversamente proporcional ao seu talento não desembarcou em Macau sem apresentar pergaminhos. Desde logo, a frequência de exposições -cinco consecutivas em escassos três anos — em cidades como Paris, Es+rasburgo e Nápoles, cuja exigência se conhece; depois, o aval de Jacques Derrida, que num texto intitulado “Sauver les Phénomènes” relaciona pensamento e pintura nas telas do artista. “Salvatore Puglia, pintor italiano sem dúvida, como indicam o seu apelido e o nome próprio, romano, creio, mas cuja obra põe em jogo, ou se se preferir, põe em acção, diversas línguas estrangeiras: o grego, o alemão, o francês, por vezes o inglês. Como se pode pintar em várias línguas? O que tem a pintura a ver com a +radução? Com uma tradução que não consis+iria já em restituir, segundo a apódose? E em que se transformaram os nomes próprios na pintura? ” — interroga–se Derrida. E, noutro trecho, o ensaísta francês admite que Salvatore, ao assinar as suas telas com o monograma SP., “entrega–se ele próprio à inscrição: incisão, vibração, tipografia, impressão, marca, sinete, enxerto, incidente, inclusão”, como na aguarela lnfus Ubique(1986), “onde o nome do nome parece não se opor mas associar-se entre parêntesis ao nome de coisa (pragma) no espaço, no local que parece preceder a dita inscrição do dizer, dar lugar e abrir–se ao in e ao intus de inclusão penetrante, segundo um dispositivo já europeu(o triângulo das línguas grega, latina, germâníca)”.

MACAENSE (M8128190040)50X150cm

Por sua vez, Carlos Marreiros — outro atento observador da sua obra– acrescenta à trilogia apontada por Derrida os factores lusi+ano e sínico, conjugados na palavra “macaense”, que tem um irresistível “apelo topológico e topográfico”. Esta palavra, de tão forte espessura e de tão vastas conotações, surge particularmente em foco nas telas de Salvatore Puglia que, de 22 de Fevereiro a 5 de Março, estiveram patentes ao público de Macau na galeria da Livraria Portuguesa, espaço particularmente vocacionado para a comunhão de cultura e para o diálogo das diversas formas de expressão artística.

Vale a pena folhear o catálogo dessa exposição, fixarmos o olhar e a emoção nessas imagens simultaneamente opacas e transparentes, ín+imas e agrestes, onde linhas e tons se conjugam numa grinalda sensorial que permite todas as leituras.

“Os pictogramas de uma caligrafia ora dinástica ora virginal, se confundem com os gestos dos riscos ou das incisões, dos carimbos editais, ou dos mil milhões de impressões digitais da mil+opeia — míope — mirabolante, escrevendo ésses na superfície terrosa ocre, ocre-ferruginosa, ocre-cinza, cinza-verde, verde-azul, azul-verdinho, verde-assimassim, verdete derrapante dos grafí++is das paredes, também de Macau” — sublinha Carios Marreiros, em texto escrito, especificamente, para a exposição de Macau.

Small Talks, assim se chamou a colectânea de Salvatore Puglia, que veio de encontro ao público do Território. Quinze telas diferentes, concebidas à revelia de qualquer corrente dominante, Pessoais, intransmissíveis. Que nos interpelam e, por vezes, nos arrebatam.

Exposições como esta são sintoma inequívoco de maturidade artística. Macau merece-as e exige-as neste tempo e neste espaço em que a cultura como vários outros domínios da dinâmica social, vive de fronteiras abertas, em busca de novos rumos.

H. F. A 1989 103× 148 cm

desde a p. 121
até a p.