Aópera chinesa, desde a sua forma rudimen-tar, conta com mais de 4.000 anos de existência, pois os seus começos remontam aos primeiros tempos da dinastia Hsia, fundada cerca de 2.200 antes de Cristo. Tinha, então, a forma de um ritual mágico-religioso de cantos e danças, sempre com alto sentido sagrado. Estas shen-hsi, ou “represen-tações sagradas”, eram executadas por “dançari-nos-feiticeiros” chamados wu, ou “militares”. Com o correr do tempo estas representações sagra-das foram-se secularizando, ao serem nelas interca-ladas as façanhas e sucessos heróicos dos antepas-sados dos governantes no poder, como póstuma homenagem às suas memórias. Posteriormente, es-tas. obras semi-religiosas assumiram, também, um papel inteiramente histórico ou dramático, pelo que começaram a ser classificadas em wu e wen, ou seja, em “militares” e “civis”, respectivamente. As wu ou “militares”, incluíam cenas agitadas, com fe-rozes combates e acções violentas de todos os gé-neros, as wen ou “civis”, pelo contrário, eram cal-mas e pacíficas, tratando quase sempre aspectos da vida social, com felizes ou desafortunados enredos amorosos.
Para apreciar devidamente a ópera chinesa, o espectador que a não conhece deverá ignorar tudo o que sabe da ópera europeia, pois assistir a uma re-presentação é aceder a um outro mundo, jamais imaginado.
Começando pela cena e os bastidores teatrais: a ópera chinesa não procura dar a sugestão da reali-dade através de variados e múltiplos cenários, como na ocidental. Despreza a ilusão da realidade material e cria, por sua vez, um ambiente imaginá-rio muito próprio.
Os adereços de cena estão rigorosamente es-tabelecidos, sendo o principal mobiliário uma mesa coberta com uma toalha vermelha bordada e uma cadeira, as quais, conjugadas de formas dife-rentes, podem representar muitas coisas: o trono de um imperador, o estrado de um juiz, o mostra-dor de uma venda, o altar de um templo, a sala de uma residência aristocrática ou simplesmente o cu-bículo de uma humilde cabana. Mas, isto não é tudo. Dois bancos sobrepostos, poderão ser uma torre ou um pagode; um banco em cima de uma mesa, uma montanha; um pedaço de pano preto com riscas brancas fixado em dois paus de bambu é a muralha de uma cidade; duas bandeiras amare-las com uma roda pintada no centro, e levadas hori-zontalmente por dois criados, indicam que a pes-soa que caminha no meio vai de carro; um ou mais indivíduos de uniforme com o ideograma ping (soldado) pintado no peito ou nas costas, desfi-lando pelo palco com bandeiras, representam mi-lhares de homens, o exército completo de um gene-ral. Um barco é geralmente representado por um velho e um jovem empunhando remos, e moven-do-se e girando a uma distância fixa um do outro. Bandeiras com ondas pintadas horizontalmente re-presentam o mar, ou anunciam procela, mar bravo ou inundações. Uma tempestade de neve é repre-sentada por um homem empunhando um guarda--chuva vermelho, de cujas pregas, ao rodá-lo, sal-tam pequenos pedaços de papel branco. Os estan-dartes oficiais e os leques, de cabo comprido ou desdobráveis, são símbolos de posição elevada na administração imperial. A personagem que agita uma "vassoura de núvens"(uma espécie de espana-dor de fitas compridas) simboliza uma fada ou um ser imortal. Quando alguém leva uma vela acesa na mão, significa que há demónios vagueando nos ares; e quando um fantasma aparece, reconhece-se pela pintura da cara ou pelos pedaços de papel branco que leva atrás das orelhas, pois o branco é a cor do luto e da morte. Todavia, um mortoé repre-sentado por alguém que leva a cabeça e o rosto co-bertos por um pano preto e vermelho. Reconhece--se um cavaleiro na personagem que entra em cena manejando uma varinha adornada com borlas de várias cores, que simboliza o “cavalo”. Se o cava-leiro a usa na mão direita, quer dizer que vem mon-tado; se a traz na esquerda, quer dizer que já des-montou a cavalgadura. Com gestos hábeis sugere como o animal se empina ou galopa a toda a brida; quando entrega a varinha a um servente ou a atira ao chão, é porque terminou a corrida e abandona a montada. Este mesmo cavaleiro, vestido de militar, pode inculcar uma tremenda carga da cavalaria.
A orquestra consta de poucos elementos, que tocam vários “estranhos” instrumentos musicais (instrumentos de sopro parecidos com clarinetes, gongos, pratos grandes e pequenos, sinos, alaúdes e outros de corda parecidos, no som, a violinos e bandolins). Fica à direita no palco, separada algu-mas vezes apenas por um biombo.
À música que esta orquestra executa não é polifónica quanto à sua forma. É algo estridente e barulhenta, e escapa às normas melódicas comuns no Ocidente. Exprime-se por meio de escalas mu-sicais muito diferentes das europeias. O seu en-canto reside em subtis cadências e variações da mesma melodia, numa toada simples e monótona. Não possui a forma arrevesada da música sinfónica ocidental, adornada de ressonâncias e intercalada de mil arranjos, que descrevem sentimentos, ac-ções e paisagens. A música da ópera chinesa não possui essa linguagem descritiva. Compõe apenas um mosaico de sons dentro de um limitado nú-mero de arranjos; possui mais intensidade que har-monia e elasticidade de forma, pelo que fere ou ir-rita o ouvido não acostumado.
Como as notas musicais são sinais de diferentes movimentos, o executante do instrumento que dirige a acção está sen-tado à frente, na zona da direita baixa cha-mada chiu-lung-heu ou “boca dos nove dragões”. Não se pode fazer soar nenhum instrumento até que o músico do tamboril, que ocupa este lugar de honra, dê o primeiro toque. O tã-tã do tan-p’i-ku (tambor de uma só pele) marca o tempo aos músi-cos e o movimento aos actores, e indica o momento em que o som dos instrumentos de corda, de metal, de sopro ou de percussão, deve subir ou baixar.