A VIDA E A OBRA DO COMPOSITOR XIAN XING HAI

Xian Xing Hai foi um dos melhores compositores chineses. Nasceu em Macau em 1905 e faleceu em Moscovo em 1945. Em sua curta vida, compôs 4 obras corais, uma ópera, duas sinfonias, 4 suites de orquestra, uma rapsódia, centenas de canções e várias peças para instrumentos, tais como violino e piano, que constituem uma página importante para a história musical da China. As suas criações têm fortes características populares. Na interacção da cultura chinesa e ocidental, conseguiu criar obras que evidenciam o espírito do povo chinês. Sobretudo nos tempos conturbados da guerra contra o Japão, compôs as melhores canções para a luta de libertação, encorajando e instigando, com a sua música, à resistência.

Xian Xing Hai nasceu em 11 de Junho de 1905, de uma pobre família de pescadores. O pai, Xian Xi Tai, oriundo de Pan Yu (Cantão), faleceu antes do nascimento do compositor, pelo que este foi criado pela mãe, Huang Su Ying, em casa do avô. Viveu os primeiros seis anos em Macau e, em 1911, após o falecimento do avô, ambos partiram para Singapura, onde a mãe ganharia a vida a trabalhar como doméstica. Em 1915, Xian ingressou numa escola estabelecida pelos Ingleses. No ano seguinte, entrou para a Escola Yang Zheng, mantida pelos Chineses do Ultramar, que estava sob a tutela da Universidade de Ling Nan. Nesta escola, recebeu a primeira educação musical. Aprendeu a tocar instrumentos, tais como oboé e piano, sob a influência do professor Ou Jian Fu. Em 1918, mudaram-se para Cantão. Dois anos depois, ingressou na Escola Secundária subordinada à mesma Universidade de Ling Nan. Mais tarde frequentou o curso propedêutico da Universidade tendo, durante esse período, trabalhado como dactilógrafo e professor. Aproveitou os tempos livres para aprender música e participar nas actividades do grupo de sopros da escola. Nesse tempo era maestro e, concomitantemente, aprendia violino. Como participasse frequentemente nas actuações e como tocasse bem o oboé, foi elogiado pela escola como "o melhor tocador de xiao do país meridional".

O ano de 1926 foi para Xian Xing Hai um período de viragem. Despediu-se da família e dirigiu-se para Pequim. Estudou violino sob a orientação de Tuno, famoso professor russo, na Escola Nacional Especial de Arte de Pequim, dirigida por Xiao You Mei. Em Setembro de 1928, ingressou no novo Conservatório Nacional de Xangai, especializando-se em violino, mas frequentou também os cursos de Teoria Musical e Piano. No ano seguinte, publicou, no periódico do Conservatório, um artigo, intitulado A Música Universal, onde apresentava pela primeira vez a sua posição sobre a música, que viria a manter por toda a vida. Defendia: "(...) Do que a China necessita não é da música privadaou da nobreza, mas sim da música universal. (...) A pessoa que aprende música [deve] assumir a importante responsabilidade de salvar a China enfraquecida." Durante a estadia em Xangai, conheceu o dirigente do Movimento de Teatro Progressista, e participou nas actividades teatrais da "Sociedade do País Meridional".

No Inverno de 1929, com o apoio de amigos, conseguiu ultrapassar todas as dificuldades e chegou a Paris. Manteve os estudos por 5 anos sob condições extremamente difíceis. Aprendeu violino, harmonia, contraponto e composição sob a orientação de Paul Oberdoeffer (famoso professor de violino), Noel Gallon (professor de Teoria Musical) e Vincent d'Indy (compositor) no Conservatório daquela cidade. Em 1934 ingressou, por meio de exame, na classe superior de Composição do famoso compositor Paul Dukas. Em 17 de Maio de 1935, Dukas faleceu subitamente. Xian foi obrigado a interromper os estudos e regressou ao seu país no Outono do mesmo ano. Aquando da estadia em Paris, compôs a obra "Vento", para soprano, oboé e piano, e a "Sonata para Violino em Ré Menor". "Vento" foi apresentada em Paris, onde recebeu crítica muito positiva.

Em 1935 estava em Xangai e, no ano seguinte, também com o apoio de amigos, conseguiu colocação na Companhia de Discos Bai Dai e na Companhia Cinematográfica Xin Hua, como compositor. Pode dizer-se que foi um novo ponto de partida para o compositor. Nesse período, começou a compor canções para a salvação nacional e músicas para o cinema progressista. Entre as obras mais importantes incluem-se "Canção Militar para a Salvação Nacional", "Canto da Meia Noite", "Sangue Fervente", "Canção de Puxar o Arado" e "Marcha da Juventude". Quando começou a guerra de resistência contra o Japão, em 1937, participou na "Associação de Canto para a Salvação Nacional" de Xangai, como funcionário dos Assuntos Gerais. Deixou Xangai com o "II Grupo Ambulante de Teatro no Tempo de Guerra" e passou por Suzhou, Nanjing, Kaifeng e Loyang, para chegar em Outubro a Wuhan, centro da resistência. Durante a estadia em Wuhan, continuou a participar nas actuações do grupo de teatro para a divulgação da resistência, dedicando-se também às actividades corais de Wuhan. Em Abril de 1938, ingressou na III Repartição do Departamento de Política do Conselho Militar do Governo Nacionalista, dirigida por Guo Moruo, e assumiu, juntamente com Zhang Chu, as responsabilidades do Trabalho Musical da Guerra de Resistência, ao mesmo tempo que se dedicava às actividades de criação musical, compondo canções excelentes, tais como "Oferta de Casacos de Inverno", "Montanha de Tai Hang", "Ir para a Retaguarda dos Inimigos", "Força de Guerrilheiros" e "Crianças da Pátria".

Em Novembro de 1938 aceitou o convite do recém-criado Instituto de Artes de Lu Xun, de Yanan, para onde se deslocou com a mulher para desempenhar as funções de professor do Departamento de Música, assumindo a responsabilidade pedagógica dos cursos principais, nas áreas de Teoria da Composição, História da Música e Direcção de Orquestra. Desempenhava também funções de orientador de ensaios em muitas actuações musicais importantes. Em Maio do ano seguinte, foi encarregado do Departamento de Música e convidado pela Universidade Feminina de Yanan como professor a tempo parcial. Em 1939, ingressou no Partido Comunista, e começou desde então uma nova vida artística. O ambiente de Yanan oferecia melhores condições para a criação. Nesse período, além de compor canções, começou a criar obras musicais de grande dimensão, concluindo grandes ciclos de obras para coro, tais como "Coral do Rio Amarelo", "Coral de Produção" e "Coral do 18 de Setembro", todas de grande qualidade e bastante representativas do estilo do autor.

Em 1940, para a produção e adaptação musical do primeiro grande documentário "Yanan e a Força Número Oito", filmado pelo Grupo Cinematográfico de Yanan, chegou a Moscovo sob o pseudónimo de Huang Xun, acompanhado pelo famoso realizador Yuan Muzhi. Durante a estadia em Moscovo, concluiu a sua Sinfonia n° 1, intitulada "Sinfonia da Libertação Popular", e concluiu depois a Suite n° 1 para orquestra, "Retaguarda". Em 1941, Hitler atacou a U. R. S. S.. Começava então a Guerra Russo-Germânica. Xian, Yuan Muzhi e demais chineses que lá se encontravam teriam de regressar ao seu país através da República Popular da Mongólia, mas foram bloqueados na fronteira sino-mongol, só lhes sendo possível atingir Wan Bator, onde permaneceram. Em 1942, foi colocado temporariamente no "Clube dos Operários Chineses", onde deu aulas de Teoria Musical, História da Música e Regência de Coro aos chineses ultramarinos amadores da música. Além de participar nas actuações musicais do Teatro Central de Wan Bator, dedicava-se entusiasticamente à criação musical, compondo a "Canção do Clube dos Operários Chineses", "Canção das Forças Voluntárias", a Suite n° 2 "Canção de Pastorear Cavalos" (parte de piano), e a Suite n° 3 "Canção de Shu Le" (parte de piano).

Em 9 de Dezembro de 1942, chegou à República do Cazaquistão. Nesse período, começou a compor a Sinfonia n° 2 "A Guerra Santa", que foi "dedicada à Força Vermelha da U. R. S. S. que se aliou com o povo anglo-americano, amantes da liberdade" e que viria a ser concluída em 19 de Outubro de 1943. Além disso, também concluiu as obras "Três Danças Chinesas", a Suite n° 4 "Man Jiang Hong" e o retrato musical "Vida Chinesa". Em Janeiro de 1944, mudou para Kustanai, onde concluiuas três canções para violino, "Dez Poemas", "Colecção de Canções Cazaquistanas" e "Guo Zhi Er — Bi Dai", para além do poema sinfónico "A Man Gai Er Da". No Inverno de 1944, devido à dureza da vida e ao excesso de trabalho, foi atacado por uma pneumonia. Em 1945, foi enviado para o Hospital do Kremlin. Durante o período de tratamento, começou a compor a obra para orquestra "Rapsódia da China". Devido a complicações de várias doenças e à ineficácia do tratamento, faleceu com 40 anos de idade, em 30 de Outubro de 1945. As cinzas foram guardadas numa velha igreja dos arredores de Moscovo e só viriam a ser transferidas para a China em 25 de Janeiro de 1983, sendo sepultadas oficialmente no "Jardim Xing Hai" de Lu Hu, nos arredores de Cantão, em 3 de Dezembro de 1985. Durante a Sessão Comemorativa do Aniversário da Morte de Xian Xing Hai, realizada solenemente em Yanan em 14 de Novembro de 1945, o Presidente Mao Zedong escreveu, de próprio punho, a seguinte frase: "Apresentamos as nossas condolências pela perda do camarada Xian Xing Hai, músico do povo."

As criações de Xian Xing Hai podem dividir-se em quatro fases: a francesa, a de Xangai e de Wuhan, a de Yanan, e a fase da U. R. S. S. e da Mongólia. As criações durante a estadia na França, de 1930 a 1935, inclinam-se para o recital, o canto e a música de câmara. O estilo naturalmente evidencia a influência da música francesa de então, cujo conteúdo demonstra predominantemente as experiências individuais da vida. As criações realizadas durante a estadia em Xangai e Wuhan, de 1935 a 1938, são principalmente adaptações musicais para o cinema progressista e canções de salvação nacional. O estilo é claramente influenciado pela nova música da China, cujo autor mais representativo é Nie Er. O seu conteúdo reflecte o ardor patriótico e as exigências anti-monárquicas e anti-feudalistas. As criações realizadas durante a estadia em Yanan, de 1939 a 1940, são sobretudo óperas e grandes ciclos de obras para coro. O estilo tem características bem marcadas que resultam da interacção entre as culturas do Oriente e do Ocidente. O seu conteúdo reflecte a firme vontade do povo chinês em derrotar os invasores japoneses e o seu inflexível espírito de luta. As criações realizadas durante a estada na U. R. S. S. e na Mongólia, de 1939 a 1945, são, regra geral, música instrumental de grande ou média dimensão. Essas obras não tiveram oportunidade de ser apresentadas devido à guerra, o que constituía no maior desgosto do compositor.

Das quatro fases de criação, as compreendidas entre 1935 e 1940 têm a maior importância. Muitas dessas obras tiveram grande impacto na época, cujos ecos perduram até aos nossos dias. A respeito de géneros, o grande ciclo de obras para coro é a forma mais importante das suas criações, sobretudo o "Coral do Rio Amarelo", que pode ser considerado como a sua obra mais representativa, o ponto mais alto de sua carreira e que maior influência exerceu. Por dezenas de anos, essa obra tem sido apresentada com frequência na China e noutros países do mundo; é verdadeiramente uma obra musical ímpar na história da China.

Xian Xing Hai deu contribuições inolvidáveis para desenvolver a nova música chinesa. Para Macau, é a honra do seu povo, mas é também a honra de todo o povo chinês. Vamos comemorá-lo para sempre!

WONG Chi Chi u, Conferência sobre a Vida e a Obra do Compositor Xian Xing Hai, Macau, Instituto Cultural, 1995.

Obras de Xian Xing Hai. Xian Xing Hai Quanji, vol. 7, p. 116.

DEZ POEMAS

Xian Xing Hai

Álbum Chinese Piano Pieces, publicado pelo compositor Chow Shu San. onde figuram os "Ritmos Chineses" de autoria do Pe. Áureo Castro.

*Subdirector do Conservatório Central de Pequim.