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ÁUREO CASTRO (1917-1992)

Simão Barreto

Comissão Organizadora das Comemorações do XXV Aniversário da Academia S. Pio X: Pe. Áureo Castro, Maestro Simão Barreto e Maestro Filipe de Sousa; Macau, Janeiro de 1987.

Pe. Áureo da Costa Nunes e Castro nasceu na ilha do Pico, Açores, a 18 de Janeiro de 1917. Aos 14 anos embarcou para o Oriente e ingressou no Seminário de S. José de Macau onde, 12 anos depois, se ordenou sacerdote e disse a sua 1a missa.

De seguida, foi nomeado pároco da igreja de S. Lourenço onde exerceu com zelo o seu múnus sacerdotal. Esta época deve-o ter marcado profundamente, pois escreveu para o coro da igreja inúmeras peças para uso nos actos litúrgicos.

Em 1952 ingressou no Conservatório Nacional de Música de Lisboa para estudarcomposição, e aí completou o seu curso em 1958, com altas classificações. Ainda nesse mesmo ano regressou a Macau onde, no Seminário de S. José, lhe foi confiada a disciplina de música. Pedagogo competente, inculcou nos seus discípulos o gosto pela beleza da música gregoriana e iniciou-os na arte de apreciar e executar a riquíssima polifonia sacra antiga.

Pouco depois (1959) criou o Grupo Coral Polifónico de Macau que durante três décadas deliciou a sociedade de Macau com excelentes execuções de música de qualidade e uma literatura musical pouco ouvida nas salas de concertos locais: polifonia sacra e profana da Renascença, canções chinesas (cantadas por portugueses, sem conhecimento da língua de Confúcio), canções portuguesas (cantadas por chineses sem iniciação na língua de Camões) — era o verdadeiro intercâmbio e interpenetração de culturas. A sua fama de director de coro chegou a Hong Kong, ao ponto de um dos mais prestigiados coros da vizinha colónia o ter convidado para o dirigir, tarefa que exerceu com eficiência durante mais de um ano. O repertório do G. C. P. M. é amplo e diversificado, salientando-se a preocupação da escolha de música dos mestres clássicos e autores do renascentismo europeu, com especial destaque para polifonistas portugueses, como: D. Pedro de Cristo, Francisco Martins, Fr. Manuel Cardoso, Diogo Dias Melgaz, Joaquim Casimiro, Filipe de Magalhães, D. João IV e outros.

Em 1962, perante a afluência cada vez maior de alunos que lhe vem solicitar aulas de música e de piano em especial, criou a Academia de Música S. Pio X que, ainda hoje, é um ponto de referência importante e imprescindível do ensino de música em Macau. Com o aparecimento da Academia começou em Macau, pela primeira vez, a sistematização do ensino de piano com qualidade e eficiência. E os resultados não se fizeram esperar.

Ao longo dos anos foi-se formando e acumulando uma plêiade de excelentes músicos, muitos deles espalhados pelo mundo, nomeadamente, Austrália, Estados Unidos, Canadá, Portugal, Suiça e grande parte em Hong Kong, para honra e prestígio desta instituição de ensino.

Falar de Áureo Castro, como músico, é falar de uma das personagens mais importantes no campo da música de Macau deste século e a quem a cultura macaense muito deve. Como homem é amigo dos amigos, tendo com eles um relacionamento franco e generoso. Como sacerdote é um sincero e fervoroso servo de Deus e da Igreja. De tal modo que, quando nos últimos anos tivesse dificuldade em se deslocar até à igreja mais próxima para cumprir as suas obrigações canónicas, solicitou uma autorização especial do Sr. Bispo para dizer missa em seu quarto.

Ao longo dos anos trouxe e atraiu para Macau inúmeros músicos, solistas e coros de todo o mundo e de todas as tendências. Destes encontros colheu algumas lições de alguns mestres mas, na maioria dos casos, era ele que dava lições e exercia a sua influência. Foi o caso de um compositor chinês que trabalhava as canções chinesas (construídas em escala pentatónica) com roupagem harmónica ocidental (baseada em escala heptatónica), que mudou a linguagem artificial (até certo ponto forçada) em que se embrenhou para outra linguagem mais pura, mais próxima e condizente com a melodia original, depois de o ter conhecido.

O seu contacto com a cultura e vivência chinesas, desde a sua juventude, marcou-o para toda a vida e influenciou profundamente a sua produção musical. A música chinesa, por estar construída em escala pentatónica e por força da sua natureza, é uma música modal. A música gregoriana, que ele sempre apreciou e cultivou por exigência da sua vocação e ofício, é essencialmente modal. Não é por isso de estranhar porque todas as obras mestras da sua produção têm uma estrutura construtiva baseada na modalidade. Estão nesta linha "Te Deum", "Cantica Psalmodica", "Suite China" (Cenas de Macau), "Ritmos Chineses" e as Canções Chinesas harmonizadas para coro.

Tinha uma linguagem própria, original e muito pessoal. As suas obras caracterizam-se por uma construção sólida, bem arquitectada, com uma textura musical muito rica, com um estilo original e com uma linguagem de vincada personalidade. O importante na vida do compositor, assim como na vida de qualquer criador artístico, é ter coragem de assumir e assinar o que produz. Este axioma levou-o, porém, a uma obsessão da perfeição. Fazia e perfazia o que tinha escrito, de tal modo que é difícil, se não impossível, modificar, corrigir ou acrescentar o que quer que seja, depois de ele ter dado a forma definitiva.

Gil Miranda, no "Diário de Notícias" de 27-12-1974, a propósito da morte do seu professor Jorge Croner de Vasconcelos, grande compositor e um dos maiores pedagogos portugueses deste século, afirmou: "Acontece com Jorge Croner de Vasconcelos, o que tantas vezes acontece com personalidades de real grandeza: que, pelo recato e silêncio em que vivem as suas vidas, permanecem um tanto ignoradas do grande público. Em todo o caso acabam por ser menos festejados do que aqueles mais diligentes em se autopromoverem, ou sisplesmente mais ruidosos ou combativos." Quanto de verdade há nesta afirmação! Os verdadeiros e grandes valores muitas vezes vivem desconhecidos e ignorados como os grandes tesouros escondidos.

Tinha uma admiração sem limites pelo seu professor. E não é caso para menos. Jorge Croner de Vasconcelos, como pedagogo, criou uma plêiade de grandes músicos portugueses da segunda metade deste século: Filipe Pires, Jorge Peixinho, Constança Capedeville, António Vitorino de Almeida, Álvaro Cassuto, Álvaro Salazar, Gil Miranda, Armando Santiago, Maria de Lurdes Martins, Filipe de Sousa e muitos outros.

Embora não seja um compositor prolífero, por razões atrás mencionadas, para além da tarefa de preparação e regência do Grupo Coral Polifónico e da orientação e direcção da Academia de Música S. Pio X, Áureo Castro ainda deixou uma obra vasta e diversificada.

Dada a importância e influência desta figura ímpar no meio musical do Território, o Instituto Cultural de Macau, em boa hora, promoveu e criou um grupo de trabalho a fim de recolher, estudar, analisar e catalogar o património musical deste autor, para uma possível publicação futura das suas obras completas. Este grupo é formado pelo director do Conservatório de Macau, Dr. Luís Maia, Dr. Enio de Souza e Simão Barreto.

Baseada nos dados fornecidos pelo autor destas linhas, o grupo elaborou uma lista de obras do Pe. Áureo Castro segundo a classificação seguinte:

1 — Obras para orquestra / conjunto de câmara,

2 — Obras para piano / órgão,

3 — Obras para canto e piano / órgão,

4 — Obras para coro e orquestra,

5 — Obras para coro "a capella",

6 — Obras para coro com acompanha-mento instrumental.

Ⅰ - OBRAS PARA ORQUESTRA / CONJUNTO DE CÂMARA

1. TOCATA E MINUETE, em ré menor de Carlos Seixas, transcrição para quarteto de cordas.

2. "SCHERZO" da Sonata N° 12, Op. 26 em lá bemol de Beethoven, orquestração para grande orquestra.

Nota: Como se vê, na verdade não deixou nenhuma obra original só para orquestra. A sua vocação é, porém, outra: tirando algumas peças isoladas para piano, toda a sua produção de envergadura está centrada nas obras religiosas para coro com ou sem acompanhamento instrumental.

Ⅱ - OBRAS PARA PIANO / ÓRGÃO

1. FUGA EM LÁ BEMOL, a três partes, para piano ou órgão.

2. SUITE CHINA (Cenas de Macau), em três andamentos para piano.

Existem esboços de orquestração do 2° andamento, feitos pelo autor, "Oração num Templo Budista". A propósito desta peça, o próprio autor fez umas breves notas para o programa dum concerto realizado pela pianista Margaret Lynn, em 1976, onde a mesma estava incluída:

"Estas cenas escritas, quando o autor era ainda estudante do Conservatório Nacional, representam os primeiros passos em busca de uma linguagem harmónica a prescindir dos clássicos trâmites da harmonia tonal, e que pudesse, ao mesmo tempo, servir de roupagem a melodias do folclore chinês, muitas das quais se baseiam nas escalas diatónicas de cinco tons. Composições originais, elas foram escritas com o único propósito de pintar algumas cenas de Macau com tintas a respirar a atmosfera chinesa das mesmas cenas.

O primeiro número seria um «pôr-do-sol na Barra», com o regresso dos barcos da pesca... Uma quase evocação. A segunda peça foi sugerida pela «oração num templo budista»... O canto melopaico dos bonzos acompanhado de ocasionais toques de sinetas e de «gongs»...

A terceira, «barcos-dragões», é uma reminiscência da regata dos «dragões» realizada da Ilha Verde à Barra, quando em 1932 Macau recebia pela terceira vez o governador Tamagnini Barbosa. Escrita em «forma de sonata», a peça começa com ritmo e temas melódicos sugeridos pela calma do rio e competição da regata."

3. FUGA CORAL EM MI MAIOR, para órgão.

4. TRÊS CORAIS SOBRE MELODIAS GREGORIANAS, para piano.

5. SONATA N° 1, Allegro-sonata (1 andamento), para piano.

6. SONATA N° 2, Allegro (1 andamento), para piano.

7. SONATINA, em três andamentos, para piano.

8. RITMOS CHINESES, ou Danças da "Siu Mui Mui", para piano, impressos em Hong Kongem 1969.

Estas mesmas danças foram depois incluídas no álbum Chinese Piano Pieces editado em Hong Kong por Chow Shu San, no mesmo ano. Chow Shu San é um distinto pianista e compositor, antigo professor do Conservatório de Música de Pequim e da Academia das Artes de Cantão, estudou no Conservatório de Paris com Alfred Cortot e Benvenutti.

Existe uma versão para orquestra de cordas, feita por Simão Barreto, que foi executada em Lisboa em 1985, na Reitoria da Universidade.

9. RITMOS CHINESES, Nostalgia, para piano, impressos em Hong Kong em 1970.

Ⅲ- OBRAS PARA CANTO E PIANO / ÓRGÃO

1. HINO, para canto e piano, com texto de Osório Goulart.

2. LEMBRA-TE, PAPÁ, para canto e piano, com texto de Sta Teresinha.

3. "A RECALLING MOONLIGHT", para canto e piano.

4. HOSSANA, moteto para canto e órgão.

5. ORAÇÃO DA NOITE, canção para canto e piano.

6. LEMBRAI-VOS, canção para canto e piano.

7. "DÁ SHÊ TCHIN MEI" (踏雪尋梅), 09/05/1961, canção chinesa para canto e piano.

8. "CARANDÁ MADU", popular do Brasil (?), para canto e piano.

9. "MENINA DE OLHOS VERDES", Outubro de 1972, poema de Luís de Camões, para canto e piano.

10. ORAÇÃO DA NOITE, canção religiosa para canto e órgão.

11. DUAS MELODIAS RELIGIOSAS PARA USO LITÚRGICO, para canto e órgão.

Ⅳ- OBRAS PARA CORO E ORQUESTRA

1. "TE DEUM LAUDAMUS", para coro e orquestra. Há também uma versão para coro misto a 4 vozes e órgão.

A parte da orquestra do último número foi completada por Simão Barreto.

2. ADESTE FIDELIS, para coro misto a 4 vozes e orquestra sinfónica.

3. "HODIE CHRISTUS NATUS EST", canção de Natal de Feltz, orquestrada e arranjada para orquestra de câmara e coro a 4 vozes mistas.

4. "SANTA CECÍLIA", pequena cantata para solo, coro e orquestra de câmara. O coro final, em forma de fuga, está incompleto.

Ⅴ- OBRAS PARA CORO "A CAPELLA"

1. MÚSICA DE CENA PARA O "AUTO DA ALMA" DE GIL VICENTE, para três vozes iguais.

2. O MENINO ESTÁ DORMINDO, cânone circular duplo para 6 vozes.

3. "AY, SANTA MARIA", vilancico de autor anónimo, adaptação para 3 vozes iguais.

4. "STELLA DE DIA", sobre uma das cantigas de Afonso o Sábio, para 4 vozes iguais.

5. JESUS A DORMIR, moteto para 4 vozes brancas.

6. MILHO VERDE, canção popular, harmonizada para 3 vozes masculinas.

7. HODIE SCIETIS, moteto para 3 vozes brancas.

8. "À BELÉM, PASTORES", canção natalícia portuguesa, para coro de 4 vozes mistas.

9. "CHRISTMAS IS BEGUN", tradicional de Natal, para coro de 4 vozes mistas.

10. "SENIORES POPULI", responsório da Semana Santa, para coro de 4 vozes mistas.

11. "SENIORES POPULI", versão original do responsório anterior para coro de 3 vozes masculinas.

12. "PUER NATUS — ALLELUIA", sobre uma melodia tradicional inglesa de Natal, para 4 vozes masculinas.

13. "O SENHOR É MEU AMPARO", invocação para 4 vozes mistas.

14. "COR JESU", jaculatória para 3 vozes iguais.

15. "PIE JESU", jaculatória para 3 vozes iguais.

16. "A VÓS SENHOR", melodia de Pe. Alfredo (?), harmonizada para 4 vozes mistas.

17. NEVE, NEVE SEM CESSAR, canção popular russa, harmonizada para 4 vozes mistas.

18. "O QUAM SUAVIS", moteto para 3 vozes mistas.

19. "ET INCARNATUS", moteto para 3 vozes mistas, Existe outra versão diferente.

20. "HUNG TAU TSI" (紅豆詞), canção chinesa harmonizada para solo de soprano e 4 vozes mistas.

Existe uma versão para clarinete, guzhang (harpa chinesa) e quarteto de cordas, feita por Simão Barreto, que foi executada pela primeira vez na Casa Garden, em 1994.

21. "HU PIEN SHAO NU" (湖邊少女), canção chinesa, harmonizada para 4 vozes mistas.

22. "CHIAN KUN YU, MIAO FA" ( 乾坤妙法 ), "Coeli Enarrant Gloriam Dei", melodia original sobre o Salmo N° 19 de Chiang Wen Yeh (江文也 ), arranjada para 4 vozes mistas.

23. "GONG TSI FA CHOI" (恭喜發財), canção festiva chinesa para o Ano Novo Lunar, harmonizada para 4 vozes mistas.

24. "O COR AMORIS", moteto para 3 vozes iguais.

25. "CREMOS EM VÓS", moteto para 3 vozes iguais.

26. "INTER VESTIBULUM", moteto para 3 vozes iguais.

27. DEZOITO MELODIAS RELIGIOSAS PARA USO LITÚRGICO, para 3 e 4 vozes iguais.

28. ASTRONAUTAS DO AMOR, para coro de 3 vozes masculinas, texto de Mons. Manuel Teixeira.

Ⅵ- OBRAS PARA CORO COM ACOMPANHAMENTO INSTRUMENTAL

1. "TE DEUM LAUDAMUS", para coro misto a 4 vozes e órgão (ver obras para coro e orquestra).

Esta versão foi executada, como estreia desta obra mestra em 1958 na igreja de S. João de Deus, em Lisboa.

2. CANTICA PSALMONICA, dividida em dois grupos:

"Canticus Psalmodicos I", que compreende 12 motetos salmódicos e "Canticus Psalmodicos II", que compreende 6 peças. São pequenas peças baseadas nos salmos bíblicos para 2 ou 3 vozes iguais, com acompanhamento de órgão. Ainda existem outras peças diversas, com as mesmas características, que vamos agrupá-las num "Canticus Psalmodicos III". A "Cantica Psalmodica" é uma obra capital na produção coral do autor e, sem dúvida, uma das obras originais da música religiosa portuguesa.

3. CINCO MOTETOS, para 1 e 2 vozes iguais e órgão, dedicados ao grupo coral da igreja de S. Lourenço.

4. "ALMA MINHA GENTIL", soneto de Luís de Camões, para coro de 3 vozes brancas e piano, especialmente compostapara os meninos do coro do colégio D. Bosco, sob a direcção do Pe. Cézar Brianza, formado no Conservatório Nacional de Lisboa, também ele, professor na Academia de Música S. Pio X.

5. "TERRA TREMUIT", moteto para 4 vozes masculinas e órgão.

6. "SURREXIT DOMINUS", moteto para 3 vozes mistas e órgão.

7. "SENHOR EU NÃO SOU DIGNO", moteto para 2 vozes iguais e órgão.

8. "PANIS ANGELICUS", moteto para 2 vozes mistas e órgão.

9. "TANTUM ERGO", moteto para 2 vozes mistas e órgão.

10. "YU GUAN CHU" (漁光曲), Pescador de Rede, barcarola chinesa, harmonizada para 4 vozes mistas e piano.

Programa da audição do ano lectivo de 1951-1952, classe do Prof. Croner de Vasconcelos, do Conservatório Nacional de Lisboa, onde figuram, entre outros, os nomes de Pe. Áureo Castro e Maestro Filipe de Sousa.

Suite China (Cenas de Macau), III Andamento: "Barcos-dragõs".

desde a p. 131
até a p.