Álbum

A INVENÇÃO DA PAISAGEM*

PAISAGISMO E PAISAGISTAS

Ointeresse na representação da paisagem não surge como óbvio ou imediato, se nos ativermos ao contexto da história da pintura ocidental. Os artistas europeus, de início, demonstraram maior interesse em pintar deuses ou homens do que em reproduzir a natureza ou cenas da vida social. Quando o fizeram — caso de Brueghel, por exemplo — imprimiram sempre às suas representações traços tão peculiares que o objecto pintado parecia sem referente, apenas expressão e conteúdo. O mesmo não se pode dizer da pintura tradicional chinesa, na qual a representação da natureza constitui uma parte fundamental, embora sem pretensões realistas.

Os finais do século XVIII, princípios de XIX, ainda atulhados de influências neo-clássicas, ainda que já mergulhados nos excessos românticos, conheceram uma corrente artística naturalista ou realista, que preconizava um regresso à pureza contra a "arte frívola", sendo a representação uma "pura transcrição da Natureza". Esta corrente conheceu um notável impulso na Grã-Bretanha, onde às centenas surgiram pinturas de paisagens, casas, camponeses no trabalho, etc. A "marca" do pintor residia mais no objecto escolhido do que propriamente na apresentação de um estilo. É o nascimento da pintura da paisagem. Diga-se de passagem que os paisagistas raramente alcançaram grande notoriedade, sendo a sua "frieza" rapidamente ultrapassada pelos impressionistas (que com eles muito aprenderam), pelo naturalismo alegórico de um Ingres ou mesmo pelas cores épicas dos quadros de Turner. A paisagem tinha de ser "lida" pelo pintor e dada ao espectador como algo que só existe enquanto significante de emoções, sentimentos, ideias, e nunca se esgotando em si própria. Claro que, anos mais tarde, o advento da fotografia retirou grande parte do trabalho a retratistas e paisagistas.

A SEDUÇÃO DA PAISAGEM

A presente [...] selecção de obras pertencentes ao espólio do Museu Luís de Camões [...] apresenta quatro casos de pintores que retrataram Macau. E se a localização no Sul da China pode, de algum modo, justificar uma sedução exercida pelo exótico, certamente que a confluência de culturas em Macau e a presença de traços europeus não deixou de catalizar nos artistas uma sensação de estranheza, de inconfundível, de irrepetível, de algo que, de facto, merecia ser retratado, que causaria mesmo a certas sensibilidades artísticas alguma compulsividade (fala-se da mão frenética de George Chinnery, que a todo o momento, pelas praças e ruas, desenhava os seus esboços que mais tarde se transformavam ou não em elementos de uma tela).

Macau, porto de abrigo de estrangeiros sem deixar de ser maioritariamente habitado por chineses, reunia essa magia de cidade onde se entrevia o futuro da humanidade: um mundo pluticultural, no qual as diferentes crenças, hábitos e comportamentos podem coexistir à sombra de um mínimo de conflito. É deste ambiente particular, dessa identidade feita de diversidade, que emana o extremo poder de sedução de Macau, que não deixou indiferentes estes quatro homens.

O que esta [... selecção], no fundo, acaba por registar, é a relação de quatro pintores com uma paisagem (natural e humana) e o facto notável para nós de terem "inventado" a pintura de paisagem subordinada ao tema "Macau". As paisagens, as ruas, os monumentos, as gentes, seduziram estes pintores que, num acto de agradecimento, lhes coferiram perenidade, através da sua representação. Da cidade que estes homens pintaram encontramos hoje muito pouco. Daí que tenham valor acrescentado e mereçam referência sempre que se proporcionar.

O encontro com o passado que estas obras provoca é agora referência para a história e ponto de fuga para a imaginação.

Ao longo do século XX — e ainda hoje — outros seguiram os seus exemplos e Macau pode gabar-se de ter tido pintores locais — como Herculano Estorninho — e estrangeiros — tal como [...] o russo Konstantin Bessmertnyi, entre outros, que deixaram testemunhos que constituem um acervo suficientemente grande para que se comece a pensar na possibilidade de uma história de Macau através dos avatares da sua representação.

*Textos e ilustrações seleccionados do catálogo da exposição levada a efeito na Galeria de Exposições Temporárias do Leal Senado, de 9 a 30 de Março.

Macau: A Invenção da Paisagem, Macau, Leal Senado, 1996.

desde a p. 181
até a p.