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O Instituto Menezes Bragança e o seu fundador

Joseph Barros*

Instituto Menezes Bragança e Biblioteca de Goa (Panjim).

Entre os núcleos culturais exis-tentes no País, o nosso Instituto ocupa um lugar de inconfundível re-levo e grande destaque, não só de-vido à sua provecta e respeitável ida-de, mas também pelo seu magnífico contributo espiritual e psicoló-gico para o desenvolvimento social e cultural deste vetusto rincão do Malabar, à beira-mar plantado, anti-go Estado da Índia Portuguesa.

Os homens e as instituições não devem ser julgadas pela vara métrica do materialismo, mas pelo seu contributo social, porque é isto que os faz dignos de respeito ou desdém. O estudo dos super-ho-mens notáveis é um dos mais fe-cundos, pois são vultos históricos aos quais não há que render senão respeito, admiração e veneração. São os faróis da humanidade.

Analisando e observando cuida-dosamente os sinais impress-os na areia, o árabe sabe se passou uma fera ou um homem; estudando, auscultando e admirando a mages-tosa obra social, cultural e literária de Tomas Ribeiro, podemos afirmar sem rebuços que vimos passar por estas plagas da Índia mística e lu-zente, um daqueles extraordinários homens que o Destino faz surgir pa-ra bem encaminhar as massas com os seus ensinamentes lúcidos e com o seu belo exemplo pessoal.

Muito se tem dito e redito acerca da acção disseminadora deste núcleo que no decurso da sua história vem desempenhando um papel de suma importância, que po-de ser auscultado imparcialmente folheando os Boletins do Instituto que constituem um precioso tesou-ro histórico sociológico, científico e cultural. Para medir a grandeza e a magnitude da operosa e prolífica obra do Instituto, é preciso termos um requinte espiritual desempoei-rado de materialismo sórdido que às vezes ameaça turvar o horizonte vi-sual do historiador.

Um século é sempre um marco miliário a atestar a trajectória duma instituição. É um tempo propício para uma análise dos actos e factos da vida. O Instituto, como um ba-luarte inexpugnável, manteve-se firme e imutável no seu digno e pre-claro posto de honra, cumprindo com honestidade intelectual a nobre missão que lhe fôra confiada no ma-gno momento da sua gestação fí-sico-espiritual. Atravessou períodos críticos, tal como uma nau no mar proceloso de ondas encapeladas, e apesar de tudo isto triunfou, pois teve como lema a Verdade - pedra angular do Universo.

Se a memória não nos trai, foi Ralph Wakdo Emerson, o pensador americano, quem afirmou a respeito dos representantes da humanida-de: uma instituição é o prolonga-mento da personalidade dum indiví-duo. A feliz ideia da fundação do Ins-tituto saiu do cérebro privilegiado de Tomás Ribeiro, a quem a bucólica Goa, polvilhada de montes, recor-tada por inúmeros rios e banhada pelo mágico luar era:

      ... Eterna magia, 
Onde as aves gorgeiam noite e dia. 

A mente agita a matéria. Tomás Ribeiro agitou o ambiente, malhou o ferro por assim dizer, e do seu es-forço conjugado com o dos homens de bem-fazer, surgiu o Instituto, que é um centro intelectual, por excelên-cia.

O poeta Tomás Ribeiro nasceu na aldeia de Parada de Gonta, uma região campestre e pitoresca da pro-víncia de Beira Alta em Portugal, em 1 de Julho de 1831. Dos quatro fi-lhos que tiveram seus pais, Emílio Ribeiro e o seu irmão mais novo Henrique Ribeiro, ambos foram edu-cados com maiores carinhos, am-bos correspondendo com os dese-jos paternais na instrução e educa-ção, ambos herdeiros da honrada fama e do estro poético, hereditá-rios na sua família cultora do campo pela profissão e medianamente abastada na fortuna, como afirma Barreto Miranda no seu Esboço Bio-gráfico de Tomás Ribeiro.

O festejado Poeta Luso cursou as humanidades em Viseu, e con-cluídos os estudos preparatórios partiu para Coimbra afim de se ma-tricular na Faculdade de Direito. Completou este curso em 1855, tendo 24 anos de idade apenas. Re-gressou à sua aldeia natal e dedicou--se à jurisprudência. Foi eleito Depu-tado aos 31 anos e as suas brilhan-tes intervenções no Parlamento de-monstraram o seu talento, a sua ora-tória e o seu carácter "dantes que-brar que torcer". Ocupou a cadeira no Parlamento desde 1861 até 1869. Também se notabilizou como poeta de largos recursos. Em 1869 publicou "Dom Jaime" e em 1868 "Sons que passam" e "Delfina do Mal".

Com esse magnífico back-ground foi escolhido para o alto cargo de Secretário Geral do Gover-no, tendo chegado a Goa em 5 de Maio de 1870, em companhia do Governador Geral Visconde de S. Ja-nuário.

Em Goa além da sua actividade burocrática, Tomás Ribeiro dedicou--se também à cultura das letras. O Instituto foi a sua obra que, de facto, enaltece a inconfundível personali-dade do seu autor. Criando este es-tabelecimento científico e literário, "Tomas Ribeiro quis estimular inteli-gencias, congregar aptidões, avivar o interesse pelos estudos de vária ordem, despertar a curiosidade inte-lectual das gerações novas e orien-tar o senso artístico". Convocou por isso em Outubro de 1871 uma reu-nião dos intelectuals para discutir o projecto da criação dum centro cien-tífico e literário para que os seus só-cios pudessem aprender e ensinar. Desse encontro surgiu o Instituto Vasco da Gama como se depreende da Portaria N° 332, de Novembro de 1871, cujo teor é o seguinte:

"Tomando em consideração o que me representaram alguns habi-tantes desta capital, que pretendem nela constituir uma associação cien-tifica e literária sob a denominação de Instituto Vasco da Gama, pe-dindo a aprovação dos seus estatu-tos e atendendo a que os mesmos estatutos em tudo conformes à lei geral constatam exclusivamente os direitos e deveres dos associados no tão vantajoso intuito de pro-gresso intelectual e moral deste país: hei por conveniente aprovar os mencionados estatutos, constantes de desassete artigos que fazem parte desta portaria e vão assinados pelo secretário geral; devendo a as-sociação requerer confirmação su-perior. As autoridades a quem com-petir assim e tenham entendido e cumpram". Esta histórica e memo-rável Portaria leva a data de 22 de Novembro de 1871.

A cerimónia inaugural do Insti-tuto Vasco da Gama foi presidido pelo então Governador Geral, Ja-nuário Correia de Almeida, Visconde de S. Januário, que foi CXIV na série dos governantes Portugueses na ín-dia, como regista o grande historia-dor inglês Frederick Charles Dan-vers na sua obra "The Portuguese in India".

No discurso inaugural o Presi-dente da Sessão, Sr. Visconde de S. Januário, afirmou que o Instituto era panteão e escola, compêndio e mo-numento. E de facto o Instituto é um estabelecimento científico e literá-rio tendo por objectivo estimular in-teligências e avivar o interesse pe-los estudos de vária ordem. É pois o único deste género em Goa.

Num artigo publicado por oca-sião do centenário do nascimento de Tomás Ribeiro, o Sócio do Insti-tuto Sr. Alfredo dos Santos afirmou entre outras coisas o seguinte: "O seu culto pelas letras levou-o a orga-nizar nesta cidade o Instituto Vasco da Gama com o fim de congregar numa douta Academia os indivíduos que pela sua mentalidade e pela sua erudição, constituindo um apurado escol, pudessem numa sinergia de esforços harmónicos e impulsiona-dos pelo mesmo ideal, contribuir efi-cazmente para a valorização do meio social e intensificação do gos-to científico e literário".

É pois muito nobre e altruísta a missão deste Instituto, (actualmen-te redenominado pelo Governo co-mo Instituto Menezes Bragança) e é de esperar que no decurso do tem-po essa "escola-família", fundada pelo genial poeta Tomás Ribeiro, seja o centro irradiador do Bom e do Belo até à consumação dos sécu-los...

*Membro do Senado e do Conselho Académico da Universidade de Goa; investigador; Secretáno-Geral do Instituto Menezes Bragança.

desde a p. 73
até a p.