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QU DAJUN E MACAU

Tang Kaijian *

Dos numerosos membros do escol intelectual cantonense dos últimos anos da dinastia Ming e dos primórdios da dinastia Qing, o mais destacado foi, sem dúvida, Qu Dajun, que, perseverando até ao último alento no seu ideal de "derrubar a dinastia Qing e restaurar a dinastia Ming", percorreu diversas partes do país, observou as suas diferentes condições geográficas, e entrou aqui e ali em contacto com correligionários.1Fez viagens para lá de Shanhaiguan para conhecer o Leste e o Oeste de Liaoning, e abrangeu com a sua presença as províncias dos vales dos rios lansequião e Huai, bem como Shaanxi, Shanxi, Xantum e Hubei. Nenhum dos dez condados da província de Cantão escapou ao seu olhar atento. Mesmo Macau, diminuta nesga encostada a um canto do litoral sul, mereceu lugar de destaque na observação e nas obras que escreveu.

A ATENÇÃO DE QU DAJUN A MACAU

Foi após a chegada dos portugueses, em meados do período da dinastia Ming, que Macau começou a atrair a atenção dos chineses. Os primeiros a notar a presença de Macau foram Pang Shangpeng, Wu Guifang e, mais tarde, Guo Shangbin, Zhang Minggang, etc.,2 deixando-nos, nos seus textos, valiosas referências a Macau. No entanto, esses textos, na sua maioria, têm como tema central a mera existência da localidade, padecendo, entretanto, de uni-lateralidade no respeitante ao conhecimento dassuas condições reais.

Qu Dajun (1630-1696).

O caso de Qu Dajun foi distinto. Poeta, erudito e combatente anti-Qing, foi, pela particular atenção que a Macau prestou, o primeiro chinês, após a abertura de Macau como porto marítimo, a conhecer ampla e profundamente a vida da localidade. Uma bibliografia relativamente pormenorizada das suas obras que contêm referências a Macau inclui: um capítulo intitulado "Macau", de uns 1.400 caracteres, no livro Factos Novos de Cantão, volume 2; 20 parágrafos, de uns 2.500 caracteres, respeitantes a Macau e às pessoas ocidentais em outros volumes do mesmo livro; 6 poemas intitulados "Macau" no livro Fora das Poesias de Wengshan; e outros 9 poemas sobre Macau e outros assuntos relacionados com a localidade. Estes textos são os mais numerosos que desde meados do período da dinastia Ming até então foram jamais escritos sobre Macau em textos não oficiais, o que quer dizer que Qu Dajun foi quem mais escrevera até então sobre Macau. Vamos transcrever agora, na íntegra, esses textos em prosa e poéticos:

"Os navios dos bárbaros atracam sempre numa enseada da costa, que se chama ao[澳]. Por ao se entende, pois, lugar de atracação. Xiangshan tem um ao que se chama Langbai [浪白, Brancura de Ondas], com mais de cem lis de extensão. Era lá que os bárbaros faziam o seu comércio. Durante o reinado do imperador Jiajing, porém, os bárbaros, achando distante essa enseada, solicitaram às autoridades locais, por meio de numerosos subornos, autorização para atracar em Haojing [濠鏡, Espelho de Ostra], que está localizado mais além de Hutiaomen [虎跳門, Porta do Salto do Tigre], a 120 lis a sueste de Xiangshan. Tem duas enseadas, uma a norte e outra a sul, e está cercado pelas águas do mar. Entre as duas enseadas é que se agruparam os bárbaros e construíram uma cidade. Desde então, deixaram de utilizar para a atracação as enseadas de Guanghai, Wangdong e Qitang, do distrito de Xinning; Langbai e Shizimen [十字門, Porta da Cruz], do distrito de Xiangshan; Hutoumen [虎頭門, Porta da Cabeça de Tigre], Tunmen e Jiqi [雞棲, Galinheiro], do distrito de Dongguan; ficando Haojing como único lugar de atracação.

A 20 lis a sul da cidade de Xiangshan, há uma colina parecida com um talo de lótus. Ultrapassada a colina, chega-se a Macau, que tem a forma de uma folha de lótus. A colina é tão íngreme que basta o menor descuido para o viajante cair ao abismo. Do outro lado da colina avista-se a imensidade do mar e do céu, salpicada de ilhotas verdejantes onde, em meio da névoa, se vislumbram prédios brancos. São moradias dos bárbaros. Sessenta lis mais em frente, chega-se à Porta do Cerco, para além da qual há mais de cem casas de bárbaros. Na colina de Qianshan [前山, Colina Dianteira] está localizada uma praça forte, a cargo de uma capitania-adjunta, que domina o colo da passagem, em confronto com Macau. Frente a Macau, a sul, a praça forte, que fica a norte, serve para reprimir os malfeitores de Macau, bem como para repelir uma eventual invasão forasteira.

A primeira localidade onde se chega chama-se Qingzhou [青洲, Ilha Verde], coberta de luxuriante vegetação. Os prédios assomam entre palmeiras e arecas, cada uma de forma distinta. Mais dez lis à frente, e chega-se ao ao que tem uma colina a norte e outra a sul, confrontadas para formar uma entrada, donde o nome de Aomen [澳門, Porta do Atracadouro, Macau]. Os bárbaros guarnecem a localidade com grandes canhões. Moram em prédios de três andares encostados à ladeira da colina. As formas arqultectónicas são as mais variadas: quadrada, redonda, triangular, octangular e mesmo formas similares a flores ou frutas, rivalizando em requinte e beleza. Moram nos andares de cima, sem se sentirem molestados pela presença de chineses no rés-do-chão.

No cume da colina do centro fica um terraço aonde se chega por várias sendas para olhar os navios que vêm de longe. Nas ladeiras das colinas dos dois lados há dois templos religiosos, o Dong Wang Yang Si[東望洋寺, Templo de Leste para Olhar o Oceano] e o Xi Wang Yang Si[西望洋寺, Templo de Oeste para Olhar o Oceano]. Entre os dois templos ergue-se um terceiro, chamado San-Ba [三巴], Igreja de São Paulo], que tem mais de dez zhang**de altura e parece um grande pagode de pedra, ornamentado com requintados motivos esculturais e dedicado a Jesus como Deus dos Céus. Os serviços de culto estão a cargo de um bonzo com o título de abade. Cada vez que um bárbaro comete um delito é levado a julgamento perante o abade. Se não obtém o perdão deste, é decapitado imediatamente. Se o obtém, tem de se ferir a si próprio com um gancho de ferro até ficar todo banhado em sangue, na crença de que isso lhe expia as penas do Inferno. Dia e noite, homens e mulheres vão ao templo ouvir as prédicas dos bonzos. No templo há um instrumento musical que, invisível por estar guardado numa arca de couro, tem enfiados mais de cem tubos de marfim, que comunicam por fora com caixas. Basta soprar ar na arca ao de leve para que dela saiam zumbidos de diferentes alturas, timbres e ritmos, como se estivessem a solfejar todos os instrumentos de uma orquestra. Os cantos poéticos, acompanhados por esta música instrumental, soam bastante agradáveis. Pendurado está um 'espelho de vidro de mil pessoas', que reflecte tudo o que há no salão. Há ainda um 'espelho de multiplicação de jóias', que multiplica por milhares e milhões as imagens das estátuas das divindades do templo. Há uma 'lente para mil lis de distância' [telescópio — Trad.] através da qual se avista até aos mais insignificantes pormenores o bico de um pagode a 30 lis de distância, com as suas campainhas e cadeias, as suas inscrições caligráficas e quadros pictóricos, verticais, horizontais e oblíquos. Observando a Lua com esse engenho, parece que lá dentro há uma taça de água com escuros sedimentos de papel à flor, dos quais os menos escuros parecem nuvens leves pintadas num quadro, e o fundo está iluminado, irradiando mios em todas as direcções, como se um quebra-luz de papel furado eslivesse a deixar passar a luz de uma lâmpada. Há, além do mais, uma 'lente para revelar os objectos mais diminutos' [microscópio— Trad.] através da qual se pode observar até uma larva tão pequena como um pistilo a levar às costas os seus três ou quatro filhinhos, e se pode mesmo contar o número dos cílios negros de um piolho, que aparecem agora com mais de uma polegada de comprido. Há ainda relógios de toques automátícos, mapas oceânicos, esferas armilares, etc. Cultivam flores exóticas e têm como animais de estimação papagaios brancos e vermelhos, zibetas e cães anões.

Usam chapéu de feltro negro, que tiram em sinal de saudação. Têm o tronco do corpo coberto de uma manta elegantemente adornada, sem mangas nem peitilho claramente distinguíveis. Trazem pendurada na cintura uma espada comprida cuja ponta atinge, com várias polegadas de excesso, o chão e produz um retintim agudo ao esfregar o lajedo quando caminham. Caem-lhes até aos ombros cachos da cabeleira esguedelhada e encrespada, com caracóis. Têm feições um pouco diferentes dos chineses pela brancura do rosto, o empino do nariz e a fundura e a cor azul dos olhos. Os criados que, de pé, os servem, têm toda a pele negra como azeviche e a cabeleira e a barba fofas e esguedelhadas, o que, unido ao cheiro a peixe podre que exalam, lembra verdadeiros diabos, sem outra semelhança com seres humanos que não os lábios vermelhos e a dentadura branca. Vestem feltro vermelho e sarja bordada e são denominados diabos escravos. Falam todos uma algaravia incompreensível. Para iniciar a refeição matinal, não deixam de tocar um sino de bronze. As iguarias são servidas em vasilhas de vidro sobre lenços brancos. Cada comensal se serve de várias vasilhas, salpicadas de essência de rosa e de ameixa. Todos mantêm a mão direita debaixo da mesa, sem a utilizar, porque, segundo eles, é tão pouco limpa que só serve para fazer as necessidades. Assim que sempre apanham os alimentos com a mão esquerda. Começam por quebrar ovos crus e os sorver. Logo a seguir, cortam com uma faca de metal a carne assada. Limpam as mãos com lenços brancos, que, uma vez usados, são postos como inúteis para serem substituídos por outros novos. Após a refeição, todos se deitam e só se erguem à tardinha para se dedicarem aos seus assuntos à luz de lâmpadas.

A venda das mercadorias do Ocidente que têm armazenadas está geralmente a cargo das mulheres, entre as quais as formosas vão ricamente vestidas, adornadas e pintadas, mas não deixam de ter os olhos azulados. São as mulheres que ocupam entre os bárbaros o lugar de maior destaque e que governam a casa, herdam os bens do pai e mantêm a linhagem. Os homens, em contrapartida, passam a casa das mulheres quando casam, facto que se chama entre eles 'entrega do carimbo. O adultério é proibido aos homens, sob pena de morte, sem perdão possível. As mulheres entram no templo e entregam-se aos prazeres lascivos do abade. Os filhos assim nascidos são reconhecidos como prole de Deus e gozam de grandíssimo respeito. O casamento de uma rapariga deles com um chinês é motivo de grande júbilo entre todos na cidade. Se acontece que o marido chinês quer afastar-se de casa e voltar para a China, a mulher arranja maneira de lhe esfumar o rosto até tomá-lo negro, bem como de lhe amarelecer e encrespar a cabeleira, transmudando-o assim num verdadeiro bárbaro. Entre os moradores de Macau há muitos ricos. Para a sua administração, o País Ocidental [Portugal — Trad.] envia para cá funcionários todos os anos. Chegam navios carregados de produtos que valem imensas fortunas. Navegando à vela, cobrem longas distâncias em pouco tempo, sem que as autoridades chinesas possam averiguar. Cada navio vem com prata no valor de milhares de moedas, que é entregue a comissionistas nativos de Fuquiém, os quais, por sua vez, a distribuem entre centenas de oficinas onde se fabricam diversos utensílios sofisticados, que se vendem a troco de preciosos produtos, negócio esse que permite auferir lucros fabulosos.

De há muito que é estritamente proibido o intercâmbio marítimo com os países estrangeiros e o povo não pode manter contacto com Macau. Em contrapartida, os homens de confiança do vice-rei podem efectuar um comércio secreto e monopolizar todos os lucros, sem deixar nada ao povo. Hoje não se pode falar de justiça."

("Terras: Macau", in Factos Novos de Cantão, vol. 2).

"Nos bazares de Haopan, nos de Foshan e Macau, inúmeros são aqueles que perturbam a consciência humana."

("Terra: Os Quatro Bazares", in Factos Novos de Cantão, vol. 2).

"A saída de Macau as águas são de um negro puro, mas tomam-se azuis ao se chegar ao mar Qiong [瓊海]. As águas do limite têm as cores negra e azul entrecruzadas. A estas águas os navegantes chamam 'várzeas marinhas'. É que as águas de grande profundidade são tão espessas que se apresentam negras como azeviche, enquanto que, quando salgadas, atiram para o verde-esmeralda. As menos salgadas são de um amarelo pálido."

("Águas: As Águas Marinhas", in Factos Novos de Cantão, vol. 4).

"Disse eu num poema:

Terras misteriosas abundam no Mar do Sul, E metade dos que vêm do Ocidente são negros.

Referia-me ao costume das famílias ricas de comprar negros como guardas de casa quando floresce a economia. Chamam-se diabos escravos ou criados negros. De cor tão negra como a tinta chinesa, têm os lábios vermelhos, os dentes brancos e a cabeleira encrespada e virada para fora. Oriundos de montanhas ultramarinas, consomem alimentos crus. Após terem sido capturados, são alimentados com refeições cozidas para que destemperem o ventre durante meses, procedimento que se chama 'mudança de intestinos'. Alguns deles não sobrevivem ao procedimento e morrem de diarreia, e os que lhe sobrevivem são já passíveis de manter na servidão permanente. Entendem o que os donos lhes dizem, mas não podem falar eles próprios. Possuem uma formidável força física e são capazes de carregar com centenas de jins de peso. São de índole mansa. Não fogem, nem têm apetites desmesurados. A gente chama-lhes homens selvagens."

("Pessoas: Os Homens Negros", in Factos Novos de Cantão, vol. 7).

"Cantão é um distrito próspero. Muita gente se dedica ao comércio. Levam produtos como incenso, açúcar, frutas, arcas, artefactos de ferraria, rotim, cera, pimenta, sapão, caniço, etc., rumo ao Norte, até às províncias de Yuzhang [hoje Jiangxi — Trad.], Wu [hoje Jiangsu — Trad.] e Chequião, e rumo ao Noroeste, até às cidades de Changsha e Hankou. Os mais matreiros, porém, tomam pelo Sul, deslocando-se a Macau, ou mesmo aos países dos Cabelos Vermelhos [colónias da Holanda— Trad.], o Japão, as ilhas Léquias, o Sião e as Filipinas, navegando através de dois oceanos e cobrindo em poucos dias milhares de lis, comerciando com o que a China tem de melhor e auferindo fabulosos lucros."

("Alimentos: Os Cereais", in Factos Novos de Cantão, vol. 14).

"Orvalho do gerânio-rosa (...). A espécie mais bonita é a do País do Grande Oceano Ocidental [Portugal — Trad.]. Só desabrocha quando faz frio, e então o orvalho fica sobre a flor, lembrando, pela sua beleza cristalina e o seu fascinante aroma, o divino néctar. (...) As mulheres bárbaras de Macau adquirem-no e utilizam-no como condimento nas bebidas ou como perfume de que se encharcam."

("Alimentos: O Orvalho do Gerânio-Rosa", in Factos Novos de Cantão, vol. 14).

"Os tecidos de algodão do Leste da província de Cantão variam em qualidade, (...) e é por isso que os cantonenses preferem os tecidos do Ocidente para mortalhas dos defuntos. E sabem que só são autênticos os que são trazidos por navios estrangeiros."

("Mercadorias: Os Tecidos de Algodão", in Factos Novos de Cantão, vol. 15).

"As províncias de Cantão e Fuquiém obtêm a maior parte da sua prata de navios estrangeiros. Um dos países estrangeiros fornecedores da prata é as Filipinas, que fica a sul do mar de Fuquiém e que produz o metal em abundância. Lá a prata circula como dinheiro, do mesmo modo que a moeda na China. Negoceiam-na e transportam-na muitos dos bárbaros do Ocidente. É por isso que muita gente de Fuquiém e Cantão compra prata filipina e a leva para Cantão, onde comissionistas adquirem o metal por grosso, lá mesmo a bordo, distribuindo-a logo a seguir entre centenas de oficinas, que pagam o preço com o que obtêm na venda dos utensílios que fabricam."

("Mercadorias: A Prata", in Factos Novos de Cantão, vol. 15).

"O vidro é trazido por navios marítimos. A partir dele os ocidentais fazem óculos. Ao chegarem aos dez anos, as crianças começam a usá-los para reforçar as faculdades visuais, de modo a manterem-se sempre clarividentes até à idade avançada. Do vidro fazem ainda espelhos quadrados ou redondos, bem como biombos."

("Mercadorias: O Vidro", in Factos Novos de Cantão, vol. 15).

"Tecidos de seda de Cantão como o xiansha, o 'cetim do vaqueiro', a 'faile fio-cinco', a 'faile fio-oito', o 'brocado de nuvens' e o 'brocado cintilante' são altamente apreciados fora das fronteiras da província, até em Pequim e nos países estrangeiros do Ocidente e do Oriente. Disse no meu poema 'Cançoneta de Canas de Bambu': Saem qual mais rápido Os navios mercantes estrangeiros. A Porta da Cruz abre para os dois oceanos. Fio-cinco ou fio-oito, excelentes são os cetins e failes de Cantão, Trazendo pingues lucros às 'Treze Feitorias' de Cantão."

("Mercadorias: As Gazas e os Brocados", in Factos Novos de Cantão, vol. 15).

"A prática tradicional é virem para Cantão três navios trazendo os tributos para o Imperador. Os emissários, desembarcados e portadores de uma chapa de ouro, levam os tributos a Pequim para os oferecer ao Imperador, enquanto os três navios atracados se provêm de produtos comprados em Cantão e logo saem de volta, para vir de novo no ano seguinte para receber a bordo os emissários vindos de Pequim e levá-los de regresso, bem como para comprar mais produtos de Cantão. Deste modo, os tributos ao Imperador são apresentados uma vez cada três anos, ou cada cinco anos, e cada ocasião envolve três viagens de ida e volta dos navios. Macau, entretanto, serve invariavelmente como feitoria."

("Mercadorias: Os Tributos dos Bárbaros", in Factos Novos de Cantão, vol. 15).

"Em Cantão há uma variedade de espada estrangeira, que se chama também espada japonesa, com caracteres chineses ou a efígie do deus de lavata gravados e com uma só ranhura ou duas. Existe em grande número em Macau. As espadas mais preciosas são as fabricadas com aço 'flor de ameixa' ou aço 'dente de cavalo'. (...) A empunhadura compõe-se de duas chapas, uma com uma bússola de ouro, e a outra com um telescópio. Os bárbaros de Macau costumam levá-la na cintura. (...) Além disso, há facas holandesas e portuguesas, com diferentes motivos talhados. As que servem para cortar carne nas refeições têm a ponta de coral ou âmbar e a empunhadura incrustada de ouro, pérolas ou peças de porcelana, tudo reluzente de beleza exótica. Há facas tão tinas como folhas de papel, que servem efectivamente para cortar papel na secretária."

("Artefactos: As Facas", in Factos Novos de Cantão, vol. 16).

"Há canhões gigantescos ocidentais que pesam três mil jins, com canos de mais de dez palmos de circunferência e mais de 2 palmos de comprimento. Enchem-se de vários dans [peso de 50 quilos — Trad.] de pólvora. Quando disparam tudo fica escurecido entre o Céu e a Terra, fervem as águas dos rios, estrondos sacodem tudo, rochas fendem-se e montanhas parecem desmoronar-se. Num raio de 10 lis não há possibilidade de nada sobreviver, nem seres humanos, nem animais, nem árvores, nem ervas. Dispondo de tão terríveis armas, os Cabelos Vermelhos [os holandeses — Trad.] equiparam com elas navios enormes e vieram tratar de se apossar de Xiangshan e Macau, no intuito de disputar os lucros comerciais aos bárbaros de Macau. Estes, por sua parte, imitaram a técnica e conseguiram mesmo um fabrico ainda melhor. Apetrecharam com canhões duas fortalezas, a norte e a sul, em posição sobranceira ao importante acesso ao porto. Antes de disparar, medem com uma régua de calcular e um telémetro, de maneira que não falha nenhum disparo. Eis porque os Cabelos Vermelhos não ousam atacar."

("Artefactos: Os Canhões", in Factos Novos de Cantão, vol. 16).

"Os bárbaros que moram em Macau são, na sua maioria, nativos do País do Grande Oceano Ocidental [Portugal —Trad.], vindos de navio. São em geral inteligentes e sabem fabricar telescópios, desenhar mapas marítimos, manufacturar relógios e outros artefactos, mais ou menos úteis para a nossa gente. Quanto ao órgão e outros instrumentos musicais, trata-se de uma técnica exótica mas de escasso valor. Ora, têm uma arma mecânica de fogo, a pistola, oculta debaixo da roupa. Deste modo, embora sorridentes na cara, podem, no momento menos esperado, desembainhar a pistola e disparar à queima-roupa, perigo esse que é de estarrecer. O cartucho da pistola é fabricado segurando com firmeza uma bolinha de pedra no extremo aberto de uma cápsula de metal cheio de pólvora. A arma propriamente dita compõe-se de mais de vinte peças separáveis, que à primeira vista não têm nada a ver umas com as outras mas que, uma vez sambladas as espigas e os malhetes, formam uma totalidade indivisível em que os movimentos se transmitem de uma peça para outra como que por milagre. A arma está rodeada por fora por cinco ou seis aros de ferro. A culatra tem quatro cuns de comprido e o cano de seis a sete cuns. o homem tem ao longo do cinto anéis de cobre em que podem colocar-se vinte armas destas. Traz consigo também os cartuchos, com os quais carrega a pistola quando precisa. Cada cartucho pesa de oito a novefens e cada pistola não pode disparar mais do que dois cartuchos, sob pena de ficar estragada. Tendo ao seu dispor vinte armas destas, o homem tem absoluta garantia para a sua segurança."

("Artefactos: Armas de Fogo", in Factos Novos de Cantão, vol. 16).

"As melhores esteiras de Cantão são tecidas a partir de um junco de origem ocidental. O junco vem transportado de navio. Os moradores de Macau também sabem tecer esteiras a partir deste junco, mas o que tecem é de camada dupla e não singela. As de camada singela dão a aparência de linhas diagonais e só os nativos do País do Grande Oceano Ocidental [os portugueses — Trad.] sabem tecê-las."

("Artefactos: As Esteiras", in Factos Novos de Cantão, vol. 16).

"Dos navios estrangeiros, os maiores têm uma capacidade de mil borás, correspondendo cada borá a 300 jins. Na segunda categoria entram os que têm um terço da capacidade dos primeiros. Seguem-se logo os da terceira categoria, que só têm dois terços da capacidade dos segundos. Os da quarta categoria são de capacidade três vezes menor do que os terceiros. São todos de duplo fundo. (...) Mastros têm três. Nos maiores cabem mais de mil pessoas a bordo, e nos de capacidade mediana umas centenas. Governam-nos timoneiros e astrónomos, mas servindo-se sempre de bússolas, três em cada navio. (...) Os que navegam são guerreiros bárbaros do Sudoeste, bem como comerciantes, todos fortes e ferozes, que inspiram pavor aos piratas."

("Embarcações: Os Navios Estrangeiros", in Factos Novos de Cantão, vol. 18).

"Em Macau há papagaios de origem ocidental. Os vermelhos têm penugem amarela por dentro, e os verdes têm-na vermelha, de modo que, ao baterem as asas e sacudirem a penugem externa, os vermelhos tomam-se amarelos, e os verdes vermelhos, mudança de cor que é total por dentro e por fora. Outros há que são de pura cor branca ou de cores variegadas. Há ainda alguns que têm as asas e a cauda de cor verde-esmeralda, ou que têm penugem amarela oculta e peito branco, vindos todos por via marítima. (...) Á categoria mais baixa pertence o pássaro chamado tieliao. Há uma variedade de melro que se chama lisoge ou hiege, ou ainda biei bie, que é mantida em numerosos lares. Os chefes dos bárbaros compram pássaros desta variedade por preços elevadíssimos. Mas o pássaro, que sabe falar, diz: 'Sou pássaro chinês e não quero viver com bárbaros.' Então, morre recusando todo o alimento. (...) Outra variedade de pássaro, que costuma ficar pendurado patas acima, gosta de tabaco. Inala o fumo e exala-o logo, ou mantém-no debaixo das asas para espalhá-lo mais tarde, perfumando toda a sala. (...) Por quatro ou cinco moedas de prata com uma cruz gravada se pode comprar um desses pássaros, vindos a Macau do País do Grande Oceano Ocidental [Portugal — Trad.]."

("Aves: Os Papagaios", in Factos Novos de Cantão, vol. 20).

"A zibeta, parecida com a zorra, tem patas e cauda longas. A coloração pode ser amarela, branca ou negra. A de origem siamesa é muito útil para o combate aos ratos. Os bárbaros de Macau sabem distingui-las, e com frequência as trocam por produtos de Cantão. Vê-se bem que apreciam os animais de estimação mais do que os seres humanos e tratam as zibetas como se fossem os seus próprios filhos. Dia e noite, fazem-se sempre acompanhar por elas. Por que é que nós, chineses, também apreciamos esse animal simplesmente por ele ser apreciado pelos bárbaros?"

("Animais: A Zibeta", in Factos Novos de Cantão, vol. 21).

"Na enseada de Haojing [Espelho de Ostra — Trad.] há numerosos cães de origem estrangeira. Pequenos e de patas curtas, têm o pêlo parecido com o do leão. Cada um vale mais de dez moedas. Desprovidos de qualquer aptidão útil ao homem são, no entanto, muito mais estimados pelos bárbaros do que os escravos. Com eles é que dormem e fazem as refeições, alimentando-os mesmo antes do começo da refeição, e o cão senta-se ou ergue-se como lhe ordenam. Daí o provérbio: 'Antes ser cão do que escravo em casa de um bárbaro'."

("Animais: Os Cães Estrangeiros", in Factos Novos de Cantão, vol. 21).

"Ultimamente, em Cantão, apareceram ratarias enormes. Parecidas com coelhos, as ratazanas têm coloração branca e gostam de alimentar-se de banana e de folhas de espinafre-de-água. As fêmeas parem cada quarenta dias e ficam prenhes no dia seguinte ao parto. Vindos com os navios, os ratos são comprados pelos bárbaros por preços elevados, já que em Cantão não existem coelhos, e menos ainda coelhos brancos."

("Animais: Os Ratos Enormes", in Factos Novos de Cantão, vol. 21).

"A passiflora tem filamentos tão finos como fios de seda, de cor avermelhada e que enroscam a cerca. No início do desabrochamento, aparecem mais de dez flores brancas e amarelas, parecidas com as do lótus. Mais tarde, murcham todas e os pistilos transmudam-se em flores de crisântemo, de modo que a flor tem pétalas de lótus e pistilos de crisântemo, começa por ser lótus e acaba sendo crisântemo. Daí o seu outro nome: crisântemo do Ocidente. Há ocasiões em que mesmo do cálice surge uma flor de pétalas tripla ou quadruplamente sobrepostas, que se mantém todo um mês sem murchar. A flor, inicialmente grande, torna-se pequena, e a velha torna-se nova. A primeira flor é substituída por uma segunda, esta por uma terceira, e esta por uma quarta, uma quinta, e assim por diante. Deste modo, a flor muda constantemente, sem perder, porém, a sua natureza essencial. A espécie é oriunda do Ocidente, e as pessoas de Cantão costumam cultivá-la misturada com a hortênsia, a rosa e a ipomeia, a fim de adornar a casa e o pátio. Quando desabrocham, apresentam as mais variadas cores, e a isso chamam natural biombo variegado."

("Plantas: A Passiflora", in Factos Novos de Cantão, vol. 27).

Quanto aos poemas de Qu Dajun relacionados com Macau, estão todos incluídos na colectânea Fora das Poesias de Wengshan [翁山詩外, Wengshan Shi Wai],3 bem como na Crónica de Macau [澳門紀略, Aomen Ji Lüe] de Yin Guangren e Zhang Rulin, nesteúltimo caso sob o pseudónimo (ou, mais exactamente, nome budista) de Shi Jin Zhong:

    Macau
    
    De todos os portos de acesso a Cantão, 
    O que mais floresce é o de Macau. 
    Estrangeiros vêm cometendo actos de provocação, 
    E os ocidentais há muito preparam a guerra. 
    Eficientes são as armas que possuem. 
    Só é de esperar que fiquem sem mantimentos. 
    Se às nossas portas ainda podemos manter a paz, 
    Tudo se deve ao general que guarnece Qianshan. 
    
    Entre as enseadas do Norte e do Sul, 
    Todos os bárbaros moram em edifícios de andares. 
    As suas mulheres têm mãos rosáceas, 
    Tal como o jasmim na cabeça das chinesas. 
    A veneração é dedicada ao Deus deles próprios. 
    O dinheiro e a faca ficam nas mãos das mulheres. 
    Solidamente entrincheirados em fortificações, 
    Representam uma constante ameaça para Cantão. 
    
    Chega-se, desde Xiangshan a descer, 
    A uma senda em forma de talo de lótus. 
    Com as águas crescidas, já podem partir os navios. 
    Mais ainda, o vento favorece a navegação. 
    Olhos de peixe na proa, o Sol duplicado. 
    Bosques de mastros a perder de vista. 
    Na ilha solitária, os bárbaros fazem comércio
    Com destaque para as especiarias. 
    
    Celebram-se serviços de culto no Templo de San-Ba. 
    Quem tem a faca e o queijo é o venerável abade. 
    De bata vermelha vão os bárbaros varões. 
    As mulheres brancas têm o penteado adornado com jóias. 
    Os papagaios anunciam a Primavera. 
    Baleias ferozes despejam luzes nas trevas. 
    O dinheiro torna inteligentes até os pássaros. 
    A cruz está gravada em cada moeda redonda. 
    
    No cume da colina, grande é o canhão de bronze. 
    Elevada a muralha à beira-mar. 
    Uma vez ocupada a terra pelos comerciantes bárbaros, 
    Os generais chineses têm sempre tarefas a cumprir. 
    Os homens vão vestidos de branco. 
    A nação é de cabeleira vermelha. 
    Vêm e vão de veleiro, com toda a facilidade, 
    Deslizando sobre ondas tão altas como montanhas. 
    
    O quinto mês do ano é propício para a navegação. 
    Bem submersos pelo peso dos mantimentos, 
    Partem os navios munidos de telescópios. 
    Para determinar a rota, servem-se de bússolas. 
    Nas praias ressoam os soluços de despedida. 
    Ninguém faz caso dos peixes que saltam da água. 
    Lanternas acesas na enseada da partida 
    Iluminam os peitilhos molhados de prantos. 
    
    O Terraço para Olhar o Oceano
    
    Não são as águas o que lá longe suporta o Céu. 
    O Sol pendurado em pleno vácuo do éter. 
    Os cais ficam mais além de San-Ba. 
    Dentro da Porta da Cruz entram as marés. 
    
    Peixes saltam, ondas agitam-se. 
    O arco-íris esconde-se por trás da névoa. 
    Mercadorias chegam do Leste e do Oeste, 
    Em navios velozes favorecidos pelos ventos. 
    
    O Crisântemo do Ocidente
    
    Flor sobre flor em cada ramo. 
    Lótus mudado em crisântemo, e inversamente. 
    Só não mudam os homens ocidentais
    Que todos os dias se encontram à beira-mar. 
    
    O Gerânio-Rosa
    
    Gerânio-rosa do Mar do Sul, 
    Flor que ilumina mil jarras. 
    Faces ruborizadas à luz do Sol
    Lembram nuvens avermelhadas ao se lavarem! 
    Saias salpicadas do fragrante orvalho. 
    Excelente vinho com o aroma do néctar. 
    Saias cuidado com os espinhos, 
    Já que a flor não se deixa arrancar! 
    Da mesma família que as rosas, 
    É dela que a gente do Sul extrai açúcar. 
    Inteira, acrescenta cor vermelha ao bolo. 
    Em metade, entra na garrafa verde para perfumar o vinho. 
    O orvalho torna pesadas as pétalas. 
    Deslumbrante beleza que rivaliza com o vinho cristalino. 
    Faz parte do enxoval de cosméticos das raparigas
    Que a mandam de presente umas às outras. 
    
    O Jasmim
    
    O botão é comido mesmo antes do desabrochamento
    Por vermes diminutos como fios voantes. 
    Debaixo das folhas, tudo parece neve. 
    É à luz da Lua que o cheiro exerce mais fascínio. 
    Para que haja flores arrancam-se as folhas, 
    Pois menos folhas dão mais flores. 
    Mas quando contagiado do cheiro humano, 
    Não será o aroma igual ao da pomada? 
    
    O Espelho de Vidro
    
    Quem é que despedaçou a Lua
    Em tantos estilhaços de vidro? 
    Maravilhoso o espelho em forma de losango, 
    Vindo do Ocidente. 
    Impossível fazer igual lavrando jade, 
    Tão natural a transparência do espelho. 
    Reflecte a imagem das águas do Outono. 
    Pequeno, mas abrange o infinito firmamento. 
    
    Para Agradecer ao Amigo Português, Guo Zhang,  
    o Descanso de Coral para Pincéis Oferecido
    
    Em que ano foi que se afundou uma rede de ferro
    Para apanhar no fundo do mar tão fantástica árvore? 
    Como sinal de amizade
    É-me mais precioso do que o espelho da parede. 
    Poderei bater nele ao de leve nos momentos de fadiga. 
    Ao sentir pesado na mão o pincel, terei onde o colocar. 
    Só que é modesto o meu talento literário
    Para merecer tão excelente artigo. 
    Cipreste ramificado em chamas vermelhas, 
    Presta como descanso para pincéis. 
    Armação simples, nada melhor para os canos pontuados
    Com os que vou escrever em folhas compridas. 
    Ainda preciso em casa da tenra mão de mulher a preparar a tinta, 
    Para as folhas vermelhas saírem ainda mais atraentes. 
    Não tendo por enquanto com que pagar tão significativo favor, 
    Só me resta agradecer-lho com estes versos, breves e modestos. 

A poesia e a prosa de Qu Dajun são, na sua maior parte, de idêntico conteúdo. Pode-se dizer que a sua poesia é sombra da sua prosa, e que também é válido dizer que esta é explicativa daquela. É de inferir que tanto a sua poesia como a sua prosa relativas a Macau foram escritas em igual época.

DATA(S) DA(S) VIAGEM(NS) DE QU DAJUN A MACAU

A ausência de datas marcadas nos textos poéticos e em prosa de Qu Dajun, escritos em vida ou publicados após a sua morte, dificulta sobremaneira as pesquisas posteriores. Dos textos dele hoje existentes nenhum indica explicitamente a sua presença física em Macau, e nada daquilo que escreveu sobre Macau leva datas marcadas. Daí a intrigante dúvida acerca de se ele esteve efectivamente em Macau e, em caso afirmativo, quando.

Nos tempos modernos, Wang Yongsou escreveu nos seus Poemas de Macau [澳門雜詩, Aomen Za Shi]:

    "Alterações terrenais num abrir e fechar de olhos. 
    Os leais à extinta dinastia Ming morreram para o mundo. 
    Embora talentosos, ficavam no anonimato. 
    Só podiam coçar a cabeça e lamentar o Sol poente."

Numa nota explicativa que apôs ao seu próprio poema, escreveu: "Muitos dos que se mantinham leais à extinta dinastia Ming fizeram viagens a Macau. Entre eles devem ter figurado outros além de Maojing, Jigang, Bujie, Dulu e Wengshan".4 Sendo Wengshan outro nome de Qu Dajun, infere-se que ele esteve em Macau. Na mesma colectânea Poemas de Macau, secção "Oito Poemas sobre os Exilados em Macau", o autor escreve ainda:

    "Num mundo de confusão, confuciano, tauista e budista é
    [ um homem só. 
    Lágrimas de sangue chorou Wengshan. 
    Que triste a solidão entre as duas enseadas! 
    Sorte mais trágica do que a de Shen Baoxu, o mártir flutuando 
    [ no odre à flor das águas."

Numa nota explicativa, o próprio autor escreve: "Qu Dajun escreveu cinco 'Poemas de Macau'. Tinha como nome budista Shi Jin Zhong e como nome tauista Ling Yi, segundo o livro de Zhu Zhucha, Antologia de Poetas da Dinastia Ming [明詩綜, Ming Shi Zong]. 5Esta passagem indica não apenas a simples estada de Qu Dajun em Macau, como também a sua residência lá como exilado, isto é, durante um período de apreciável duração.

Wang Zongyan, filho de Wang Yongsou, foi autor de dois livros: Cronologia de Qu Wengshan[屈翁山先生年譜], Qu Wengshan Xiansheng Nianpu] e Cronologia Anual de Qu Dajun[屈大均纪事年系], Qu Dajun Jishi Nianxi]. No primeiro, em lugar de mencionar a estada do biografado em Macau, refere que compôs o poema "Macau" em 1689 e o poema "Terraço para Olhar o Oceano" em 1690.6

No segundo livro refere que Qu Dajun fez uma viagem a Xiangshan em 1688 e chegou até a Macau, e que chegou a Zhaoqing em Novembro.7 Numa carta a Chen Yuan, datada de 5 de Março de 1938, Wang Zongyan diz:

"Dei há pouco um passeio no Templo de Pu Ji. O templo foi fundado por Da Shan, cujo auto-retrato está ainda lá patente, a par do seu diário de eremitério em Danxia, bem como rolos pendurados com inscrições caligráficas de Tianran, Jishan, Cha Jizuo, Chen Dulu e outros. O templo era naqueles anos um aconchego para o escol da época. É pena que não haja inscrições caligráficas de Wengshan."8

Vê-se bem que Wang Zongyan também acredita que Qu Dajun esteve em Macau e, concretamente, morou no Templo de Pu Ji. Mas afirma que foi nos últimos anos da sua vida que lá esteve.

O venerável Zhang Zengming, de Macau, escreve no seu livro Episódios de Macau [澳門掌故], Aomen Zhanggui], volume 12, capítulo "Cavaqueiras de Ruela":

"Entre os antigos residentes mais distinguidos em Mong-Há [bairro de Macau — Trad.] figurava, além de Fang Zhuankai, também Qu Wengshan, por ser este patriota leal à desaparecida dinastia Ming. Confuciano umas vezes e budista outras, meio ermitão e meio fugitivo, dava-se muito bem com o abade Da Shan, fundador do Templo de Pu Ji, de Mong-Há, e residiu portanto no templo em 1688."9

Ao datar a estadia de Qu Dajun em Macau como ocorrida no ano de 1688, Zhang Zengming deixa-se influenciar evidentemente por Wang Zongyan, sem ter recorrido a outras fontes. A mesma versão foi aceite a seguir por outros investigadores tais como Fei Chengkang, que fala de um "Qu Dajun que se deslocou a Macau mais tarde".10

Foi Wang Zongyan quem mais esforços dedicou às pesquisas sobre a vida e a obra de Qu Dajun. Redigiu a Cronologia de Qu Wengshan e mais tarde a Cronologia Anual de Qu Dajun. No entanto, ambos os livros padecem de numerosos lapsos no que diz respeito ao relacionamento do biografado com Macau. Para citar um só exemplo, diz, no primeiro livro, que em 1686 publicou os 15 volumes do livro Fora das Poesias de Wengshan, mas sob o encabeçamento do ano de 1689 aparecem reproduzidos os seis poemas intitulados "Macau", acompanhados da explícita indicação de que são citados do livro Fora das Poesias de Wengshan, volume 11. Ora, se em 1689 já fora completado e publicado o livro Fora das Poesias de Wengshan, como é que pode acontecer que poemas incluídos nele não fossem escritos senão mais tarde, no ano de 1689? A referida versão autocontraditória demonstra que a data que Wang Zongyan atribui à composição dos poemas "Macau" não é senão uma simples conjectura, sem fonte primitiva como fundamento. Não parece, pois, conveniente confiar exclusivamente nos dois livros dele para determinar o relacionamento de Qu Dajun com Macau.

Dada a ausência de datas explicitamente marcadas da estada de Qu Dajun em Macau, temos, pois, de recorrer ao conteúdo dos seus textos poéticos e em prosa. Vejamos, antes de mais, o seu livro Factos Novos de Cantão. Wang Zongyan sustenta, no seu primeirolivro, que Factos Novos de Cantão foi completado em 1678, e para apoiar esta versão aduz o seguinte testemunho: "O terceiro poema de Fora das Poesias de Wengshan (intitulado 'Lendo Poemas Novos de Li Gengke e Gong Tianshi') foi escrito em 1679 quando o autor estava em Jinling [Nanquim — Trad.]. Dele fazem parte dois versos: 'Completadas as minhas crónicas de Cantão/Com pormenorizadas descrições dos factos exóticos do Sul.' Esses versos referem-se evidentemente a Factos Novos de Cantão, que deve ter ficado completo ainda antes de o autor se deslocar para o Norte."11 Embora esteja longe de ser científico atribuir ao ano de 1678 a finalização do livro Factos Novos de Cantão, pode-se sustentar com certeza, pelo menos, que o livro ficara finalizado antes de 1679. Então, é de admirar a razão pela qual Wang Zongyan, ao determinar 1678 como ano de finalização do livro Factos Novos de Cantão, não menciona, no entanto, a estada de Qu Dajun em Macau antes desse ano. Será que, segundo ele, o que escreveu Qu Dajun no livro sobre Macau não é baseado no que o autor lá viu e ouviu pessoalmente, e que, portanto, nega ele que o autor tivesse estado em Macau antes de 1678? Ora, o próprio Qu Dajun, no "Prefácio" ao seu livro Factos Novos de Cantão, diz:

"Em inúmeras ocasiões contei aos meus amigos tudo aquilo que vira e ouvira nos dez condados de Cantão. Quanto mais contava, mais achava dispersos e confusos os meus relatos, e é por isso que os recapitulei em forma de livro."12

Ao ler o livro de Qu Dajun, após a morte do autor, Pan Lei acrescentou-lhe outro prefácio, onde diz: "Foi assim que examinou a geografia e estudou as crónicas das diversas localidades,'confrontando o que lia com o que pessoalmente experimentava e o que via com os próprios olhos. Com o decorrer do tempo, chegou a completar o livro Factos Novos de Cantão."13Vê-se bem que os relatos do livro resultam de um processo pessoal do autor de passagem da leitura à práúca e de confrontodo que lia com "o que pessoalmente experimentava" e"o que via com os próprios olhos". Isto fica confirmado pelo texto. Por exemplo, as descrições acerca dos costumes de refeição dos portugueses, as espadas japonesas que levavam, os navios ocidentais que traziam mercadorias estrangeiras a Cantão e algumas plantas de Macau, não teriam podido ser tão minuciosas e precisas se ele próprio não os tivesse visto com os próprios olhose pesquisado pessoalmente. Estas passagens descritivas bastam para concluirmos que foram escritas com base naquilo que vira e ouvira durante a sua estada em Macaue que foram incluídas no livro Factos Novos de Cantão ao ser redigido. Por isso, podemos inferir, grosso modo, que Qu Dajun esteve em Macau antes de 1678.

Outro testemunho é o texto "Macau" no volume 2 do mesmo livro:

"Sessenta lis mais em frente, chega-se à Porta do Cerco, para além da qual há mais de cem casas de bárbaros. Na colina de Qianshan está localizada uma praça forte, a cargo de uma capitania-adjunta, que domina o colo da passagem, em confronto com Macau."14

A linguagem do texto sugere uma viagem do próprio autor. A presença de uma "capitania-adjunta" [參將府, canjiangfu ]na praça forte de Qianshan aquando da viagem de Qu Dajun é um elemento alta-mente ilustrativo da data da viagem em causa. Na Crónica de Macau, volume l, capítulo "Situação", diz-se:

"Qianshan é um ponto estratégico que domina o colo da passagem. (...) Lá há uma praça forte a cargo de uma capitania-adjunta desde o primeiro ano do imperador Tianqi da dinastia Ming [isto é, o ano de 1621 — Trad.]. A mesma instituição foi mantida ao se fundar a presente dinastia [Qing — Trad.], até que no 3.o ano do reinado do imperador Kangxi [isto é, o ano de 1664 — Trad.] foi substituída por uma vice-capitania [副將府, fujiangfu ]."15

No capítulo "Guarnições Oficiais", do mesmo volume, há ainda o seguinte trecho:

"No 4.oano do reinado do imperador Shunzhi [1647— Trad. l foi estabelecida a praça forte de Qianshan, com 500 oficiais e soldados, sob o comando de um capitão-adjunto. (...) No 3.o ano do reinado do imperador Kangxi [1664 — Trad.] o comandante passou a ser um vice-capitão."16

Todas estas citações demonstram com palmar clareza que no ano de 1664 o que funcionava em Qianshan já era uma "vice-capitania", em lugar da antiga "capitania-adjunta". Daí a conclusão de que a viagem de Qu Dajun a Macau foi feita antes do ano de 1664.

No livro Factos Novos de Cantão, volume 2, encontramos ainda o seguinte trecho:

"Entre os moradores de Macau há muitos ricos. Para a sua administração, o País Ocidental [Portugal — Trad.] envia cá funcionários todos os anos. Chegam navios carregados de produtos que valem imensas fortunas. (...) Cada navio vem com prata no valor de milhares de moedas, (...)."17

A mesma coisa pode perceber-se lendo versos de Qu Dajun:

    "De todos os portos de acesso a Cantão 
    O que mais floresce é o de Macau." 
    (...)
    
    "No cume da colina, grande é o canhão de bronze. 
    Elevada a muralha à beira-mar."
    ("Macau"). 
    "Mercadorias chegam do Leste e do Oeste, 
    Em navios velozes favorecidos pelos ventos."

("O Terraço para Olhar o Oceano").18

Tudo isso indica que o que Qu Dajun encontrou ao chegar a Macau era um comércio externo em próspero florescimento e uma vida imensamente abastada dos moradores de Macau. Uma situação destas, porém, só foi possível antes do decreto, promulgado pela dinastia Qing, de proibição de todo o intercâmbio marítimo com os países estrangeiros. Após a promulgação do decreto, decaiu verticalmente o comércio de Macau e os portugueses residentes na localidade tiveram de se debater com a extrema miséria. Durante dois anos inteiros a partir do primeiro ano do reinado do imperador Kangxi [isto é, o ano de 1662], os portugueses de Macau não puderam fazer comércio de nenhuma espécie.19Como escreve Du Zhen: "Proibido o intercâmbio marítimo, os navios estrangeiros viram-se impedidos de vir por enquanto, e os macaenses começaram a sofrer a miséria."20 Ao descrever a situação de Macau numa missão em 1680, Lu Xiyan escreve: "A muralha está derruída. As tropas têm poucos soldados. As casas não têm reserva de mantimentos. A gente vive entre suspiros e prantos."21 Tudo isso evidencia que a estada de Qu Dajun em Macau deve ter ocorrido antes do ano de 1662.

Além do mais, toda a poesia de Qu Dajun respeitante a Macau foi incluída não apenas no livro Fora das Poesias de Wengshan, como também na Crónica de Macau, da autoria de Yin Guangren e Zhang Rulin, neste último caso sempre sob o nome de Shi Jin Zhong, nome budista do autor. Foi no sétimo ano do reinado do imperador Shunzhi da dinastia Qing [isto é, no ano de 1650] que as tropas Qing se apossaram pela segunda vez de Cantão, e então Qu Dajun entrou para a vida religiosa e tomou o hábito como bonzo budista no Templo de Hai Yun, na colina de Yunfeng, distrito de Panyu. A sua vida religiosa durou até ao ano de 1662, quando largou o hábito para voltar ao confucionismo.22 Alguns estudiosos sustentam que a publicação dos seus poemas sob o nome de Shi Jin Zhong obedeceu a uma suposta "recôndita intenção" de fugir à perseguição da inquisição literária das autoridades da dinastia Qing. Mas não parece ter dado certo esta explicação.

Em primeiro lugar, o facto de Qu Dajun tomar o hábito não foi segredo para ninguém na altura, e todos os intelectuais dos primeiros anos da dinastia Qing sabiam que Shi Jin Zhong era o mesmíssimo Qu Dajun, tal como todo o mundo sabiá que Dong Bo Ju Shi fora o célebre poeta Su Shi, de modo que não bastava mudar de nome para escapar à perseguição inquisitorial.

Em segundo lugar, foi no ano de 1751 que ficou completo o livro Crónica de Macau, ao passo que a perseguição contra Qu Dajun teve formalmente início após a denúncia apresentada por Li Siyao, vice-rei de Cantão, em 1774.23 Se os redactores da Crónica de Macau não acharam inconveniente incluir no livro poemas de Qu Dajun, foi essencialmente porque o fizeram antes do início da perseguição inquisitorial em 1774. Então, porque é que foram publicados sob o nome de Shi Jin Zhong? O facto é justamente um testemunho de que os poemas em causa foram escritos durante a vida religiosa do autor, que na altura se fazia conhecer simplesmente como Shi Jin Zhong, nome que os redactores da Crónica de Macau apresentaram como o do autor dos poemas que no livro incluíram. A vida religiosa de Qu Dajun como bonzo budista durou de 1650 a 1662, período que deve corresponder à viagem dele a Macau. Ora, segundo a Cronologia de Qu Wengshan, o biografado fez uma viagem em 1657 deixando Cantão para o Norte e só voltou a Panyu em 1662, facto que permite inferir, mais concretamente ainda, que a primeira viagem de Qu Dajun a Macau teve lugar mais ou menos no período compreendido entre 1650 e 1657.

A versão, adiantada por Wang Zongyan, de que Qu Dajun se deslocou em 1688 a Xiangshan e a Macau não está documentalmente fundamentada. Uma viagem a Xiangshan não involve necessariamente uma visita a Macau, mas também não está excluída a possibilidade de Qu Dajun se deslocar nessa ocasião também a Macau. É plenamente possível ele ter feito mais de uma viagem a Macau. Quanto à versão de Zhang Zengming de que Qu Dajun "dava-se muito bem com o abade Da Shan, fundador do Templo de Pu Ji, de Mong-Há, e residiu portanto no templo em 1688", é ainda menos fundada, já que foi após a sua volta do Aname para a China em 1696 que Da Shan empreendeu a reconstrução do Templo de Pu Ji.24 Só depois disso é que Da Shan foi venerado como fundador do templo. Mas não tinha nada a ver com esse templo no ano de 1688, nem nada a ver, por conseguinte, com a estada de Qu Dajun em Macau.

OS POSSÍVEIS OBJECTIVOS DA(S) VIAGEM(NS) DE QU DAJUN A MACAU

A nossa suposição de que a estada de Qu Dajun em Macau corresponde não aos últimos anos da sua vida, mas sim a períodos anteriores, condiz perfeitamente com o pano de fundo da época e os ideais anti-Qing do homem.

A sua terra natal era a comarca de Shating, distrito de Panyu, província de Cantão. A comarca está localizada na ribeira noroeste da foz do Rio das Pérolas, muito perto de Macau, com grande facilidade de transporte, quer terrestre, quer marítimo. Estas condições geográficas especiais devem ter feito com que o jovem intelectual de Panyu tivesse algum conhecimento de uma localidade tão especial desde a infância. Crescendó justamente numa época caracterizada por agudíssimas contradições nacionais, época de substituição da dinastia Ming pela dinastia Qing dos manchus, e influenciado pelo seu mestre Chen Bangyan, ilustre combatente contra a invasão manchu, o jovem Qu Dajun estava imbuído de uma forte consciência nacional e sonhava com o derrube da dinastia Qing para restaurar a dinastia Ming. Após a liquidação da dinastia Ming pelos manchus, os súbditos leais à extinta dinastia esperavam obter ajuda estrangeira para restaurar a coroa aos Ming, depositando as suas esperanças designadamente nos japoneses e nos portugueses de Macau. Eis porque fez Huang Lizhou uma viagem ao Japão. Paralelamente, as autoridades portuguesas de Macau mantinham nessa época relações estreitas com as dizimadas forças da dinastia Ming que continuavam a resistência no Sul do país, não apenas na área diplomática, como também no sentido de fornecer aos pequenos governos dos príncipes Fu, Tange Gui armas modernas como espingardas e canhões em apoio à sua luta contra a invasão manchu. Ao mesmo tempo, a Igreja de Macau desenvolveu intenso trabalho missionário no seio da família imperial Ming, conseguindo converter ao cristianismo numerosos membros dessa família e altos funcionários. Os portugueses organizaram até uma força de 300 homens no intuito de ajudar os Ming a restaurar a sua dinastia.25 Mesmo após a segunda ocupação de Cantão pelas tropas manchus no 8.oano do reinado do imperador Shunzhi [o ano de 1651], os portugueses de Macau continuaram a recusar obediência ao Governo da dinastia Qing.26

Foi contra um pano de fundo destes que Macau se tornou num asilo político para os súbditos leais à extinta dinastia Ming. No ano de 1645, a população de Macau já era de 40 mil,27 sendo a maioria imigrantes do interior da China que não queriam obedecer às autoridades da dinastia Qing. Em Macau estava concentrado um grupo numeroso de pessoas que sonhavam com o derrube da nova dinastia e a restauração da antiga, facto que está fora de dúvida. Eis porque em 1657 se deslocaram Chen Gongyin e He Jiang a Macau e logo a seguir partiram de Yamen e atravessaram o Mar Tonggu "para visitar no ultramar os fugitivos leais à antiga dinastia".28É verdade que nessa ocasião não viajaram acompanhados por Qu Dajun, mas será possível que este último, que se deslocou em igual época a Macau, o fizesse sem a intenção política de "visitar no ultramar os fugitivos leais à antiga dinastia"?

Chamam especial atenção alguns dos relatos escritos por Qu Dajun sobre Macau, acima citados. A leitura das suas descrições sobre as espadas japonesas e ocidentais, os canhões, as pistolas, os navios, os telescópios, etc., descrições minuciosas baseadas numa observação atenta, permite ler, embora vagamente, os pensamentos de um patriota que nunca abandonou os sonhos de derrubar a implantada dinastia Qing da forasteira etnia manchu. As suas descrições das espadas japonesas abrangem o fabrico, as variedades e o emprego prático. As dos canhões abrangem as dimensões, o poderio e uma comparação entre os canhões holandeses e os portugueses de Macau. Quanto às pistolas, descreve, com extrema precisão e rigor, a sua estrutura mecânica, a maneira de disparo e o seu emprego, sem nada do exagero tão habitual nos homens de letras. Os grandes esforços que em Macau Qu Dajun dedicou à observação e pesquisa das armas dos portugueses explicam-se não apenas pelo seu interesse pelos artefactos novos, como também pelo seu objectivo político de assimilar a tecnologia ocidental para fortalecer o poderio militar da resistência contra a dinastia Qing. Embora não tivesse proposto, como o fez Lin Zexu, "a aprendizagem das técnicas adiantadas dos bárbaros", ele próprio aprendeu a tecnologia militar ocidental tendo em vista as necessidades militares da luta contra a dinastia Qing. Além de aprendê-la ele próprio, envidou esforços para divulgá-la e chamar a atenção para ela. Os versos: "Eficientes são as armas que possuem./.Só é de esperar que fiquem sem mantimentos",29 transmitem justamente a sua sensação mesclada de receio e admiração perante a moderna tecnologia militar do Ocidente.

De referir ainda os contactos de Qu Dajun com portugueses de Macau. O capítulo "Macau", no livro Factos Novos de Cantão, volume 2, contém descrições do Templo de San-ba[Igreja de S. Paulo]. Além de trechos que descrevem pormenorizadamente o poder do abade, as punições para os criminosos, os serviços de culto e o coro, do texto constam passagens minuciosas acerca de artefactos guardados na igreja, entre os quais o "espelho de vidro de mil pessoas", o "espelho de multiplicação de jóias", o telescópio, a "lente para revelar os objectos mais diminutos", etc. Além de tudo isso, Qu Dajun teve ocasião de conhecer no templo um "relógio de toques automáticos", "mapas oceânicos", esferas armilares, etc. Tudo isso só foi possível porque tinha certas relações de amizade com os clérigos da igreja, que nunca poderiam ter mostrado tão preciosos artefactos a um desconhecido homem da rua. Acima de tudo, chamam a atenção as descrições dos costumes de refeições dos portugueses de Macau, que abrangem o talher, as vasilhas, os guardanapos, a toalha de mesa e os adornos, bem como os movimentos de tomar a refeição, indo da lavagem das mãos a sua secagem, a salpicadura de perfumes, etc., relatos tão vívidos, expressivos e precisos que só são possíveis num autor que foi muitas vezes conviva dos portugueses:

"Assim que sempre apanham os alimentos com a mão esquerda. Começam por quebrar ovos crus e os sorver. Logo a seguir, cortam com uma faca de metal a carne assada. Limpam as mãos com lenços brancos, que, uma vez usados, são postos como inúteis para serem substituídos por outros novos."

Eis uma verdadeira fotografia, tomada no acto mesmo, de uma refeição dos portugueses, e um testemunho de relações de amizade bastante estreitas do autor com portugueses de Macau.

Trata-se de relações muito mais estreitas que o simples acto de saudar, as quais ficam evidenciadas pelo poema "Para Agradecer ao Amigo Português, Guo Zhang, o Descanso de Coral para Pincéis Oferecido". Embora não esteja identificado o português de nome Guo Zhang, a sua correspondência epistolar com um exilado anti-Qing do interior da China e o oferecimento de um descanso para pincéis representam um facto muito invulgar para essa época. Não será que, além de "pesquisar as condições geográficas e entrar em contacto com correligionários", Qu Dajun acalentava também a ideia de obter ajuda militar ocidental para restaurar a dinastia Ming? Dado o caso anterior da organização de uma força portuguesa armada para ajudar a resistência dos Ming, não está excluída a possibilidade de Qu Dajun esperar pela sua repetição.

O VALOR DOS TEXTOS POÉTICOS E EM PROSA DE QU DAJUN SOBRE MACAU COMO FONTES DE INFORMAÇÃO HISTÓRICA

Os textos poéticos e em prosa escritos por Qu Dajun sobre Macau têm, na sua maior parte, bastante valor como fontes de informação histórica por estarem baseados na sua própria observação pessoal lá mesmo em Macau, e porque o autor não se cansou de examinar e pesquisar quase tudo o que viu, sem que nada escapasse ao seu olhar atencioso.

Vejamos, antes de mais, o que Qu Dajun escreve sobre a história e as condições gerais de Macau. A tal respeito, menciona com poucas palavras o que já foi descrito por autores anteriores. Mesmo acerca de como entraram os portugueses em Macau, limita-se a uma só frase: "Durante o reinado do imperador Jiajing, porém, os bárbaros, achando distante essa enseada [Langbai], solicitaram às autoridades locais, por meio de numerosos subornos, autorização para atracar em Haojing (...)." Em contraste, descreve pormenorizadamente o processo da sua viagem para Macau. Foi o primeiro a fazê-lo tão graficamente no respeitante à península de Macau, com referências específicas aos diversos acidentes do terreno, entre os quais o istmo parecido com um talo de lótus, a península parecida com uma folha da mesma planta, a ingremidade da colina, as ilhotas que se vislumbram por entre a vegetação, os prédios brancos dos portugueses que assomam entre as névoas, a praça forte de Qianshan, a Porta do Cerco, a Ilha Verde, a colina da Penha, etc. Particular importância tem o que escreve sobre a presença de portugueses no outro lado da Porta do Cerco, nunca dantes registada nos documentos em língua chinesa: "Sessenta lis mais em frente, chega-se à Porta do Cerco, para além da qual há mais de cem casas de bárbaros", o que quer dizer que mesmo antes da implantação da dinastia Qing a influência portuguesa abrangia terras mais além da Porta do Cerco, com a presençá de mais de cem casas. Estava enganado na sua observação? Existem outros testemunhos em seu apoio. Segundo o livro Zheng Jiao Feng Bao de Huang Bolu, o governo do príncipe Fu da precária dinastia Ming, que ainda mantinha no Sul do país a resistência contra a invasão manchu, levando em conta a atitude amistosa dos portugueses de Macau, acedeu, em 1639, à petição do jesuíta Francisco Sambiasi no sentido de conceder um pedaço de terra ao sopé de uma colina na outra margem a noroeste da península de Macau para o túmulo do jesuíta João Rodrigues,30 ponto localizado no que hoje é Yinkeng, da comarca de Wanchai. Daí a pouco, os dominicanos e os agostinianos aproveitaram o ensejo para se apossarem de "terras baldias" na outra margem, construindo lá capelas e casas de campo.31 Ao falar de "mais de cem casas de bárbaros" para além da Porta do Cerco, Qu Dajun devia estar a referir-se aos jesuítas e portugueses que se tinham apossado da colina da outra margem. Quanto à arquitectura da cidade de Macau, as descrições de Qu Dajun são também bastante vívidas:

"Moram em prédios de três andares encostados à ladeira da colina. As formas arquitectónicas são as mais variadas: quadrada, redonda, triangular, octangular e mesmo formas similares a flores ou frutas, rivalizando em requinte e beleza. Moram nos andares de cima, sem se sentirem molestados pela presença de chineses no rés-do-chão."

Acontece que são muito similares com estas descrições de Qu Dajun as formas arquitectónicas dos prédios de Macau que aparecem no "Mapa da Cidade de Macau", desenhado por Tai Aoduo nos fins do século XVI. A maior parte das moradias era de três andares, sendo distintas as formas das igrejas e dos campanários. Muito variadas eram as formas arquitectónicas: triangular, sexangulada, octangular, redonda, quadrada, enfim, todas as formas imagináveis.32 Vê-se bem que o que Qu Dajun escreveu é verdadeiro, e daí o seu grande valor como fonte de informação histórica.

Em segundo lugar, foi a primeira vez que alguém escreveu sobre a Igreja de São Paulo e os costumes religiosos católicos de Macau.

Foi o dramaturgo Tang Xianzu, que veio a Macau em 1591, o primeiro chinês que mencionou a Capela de São Paulo. No seu drama O Quiosque das Peónias [牡丹亭, Moudan Ting], acto XVI, "Encontro", escreve: "Andrajoso no hábito budista, de Yiangshan cheguei a San-Ba de Macau." E no acto XLIX, "Atracado no Rio Huai", escreve: "Vim de San-Ba para cá, tenho meu lar por toda a parte."33San-Ba é uma inexacta transliteração fonética em chinês do nome de São Paulo. Começou sendo uma capela pequena construída em 1580. Destruída por um incêndio em 1589, foi reconstruída na sua forma primitiva mais tarde e foi outra vez reduzida a cinzas em 1601. Em 1602, teve início a sua reconstrução em larga escala, que durou mais de trinta anos até que ficou completa em 1637 a Igreja de São Paulo, a maior do Extremo Oriente.34 O que conheceu Tang Xianzu foi a pequena capela primitiva, ao passo que Qu Dajun teve ocasião de conhecer a grande Igreja de São Paulo, reconstruída, de modo que foi ele o primeiro a descrever esta grandiosa igreja em textos chineses:

"Nas ladeiras das colinas dos dois lados há dois templos religiosos, o Dong Wang Yang Si [Templo de Leste para Olhar o Oceano] e o Xi Wang Yang Si [Templo de Oeste para Olhar o Oceano]. Entre os dois templos ergue-se um terceiro, chamado San-Ba [a Igreja de São Paulo], que tem mais de dez zhang de altura e parece um grande pagode de pedra, ornamentado com requintados motivos esculturais e dedicado a Jesus como Deus dos Céus."

O "Templo do Leste para Olhar o Oceano" é a Ermida de Nossa Senhora da Guia, construída em 1626. O "Templo de Oeste para Olhar o Oceano" é a Capela de Nossa Senhora da Penha, construída em 1622. A reconstrução da Igreja de São Paulo finalizou-se em 1637. É por isso que Qu Dajun pôde conhecer todas estas três igrejas. Além do mais, registou pela primeira vez os regulamentos e costumes católicos de Macau. Diz, por exemplo, nos seus versos: "Celebram-se serviços de culto no Templo de San-Ba. Quem tem a faca e o queijo é o venerável abade." E num texto em prosa:

"Os serviços de culto estão a cargo de um bonzo com o título de abade. Cada vez que um bárbaro comete um delito, é levado a julgamento perante o abade. Se não obtém o perdão deste, é decapitado imediatamente. Se o obtém, tem de se ferir a si próprio com um gancho de ferro até ficar todo banhado em sangue, na crença de que isso lhe expia as penas do Inferno. Dia e noite, homens e mulheres vão ao templo ouvir as prédicas dos bonzos. (...)

As mulheres entram no templo e entregam-se aos prazeres lascivos do abade. Os filhos assim nascidos são reconhecidos como prole de Deus e gozam de grandíssimo respeito."

Se só em fragmentos esporádicos de textos escritos durante a dinastia Ming se encontram referências à Igreja de Macau, foi Qu Dajun o primeiro a escrever as penas canónicas e a lascívia do clero.

Em terceiro lugar, o que escreveu Qu Dajun a respeito do comércio externo dos portugueses de Macau complementa os registos fragmentários escritos durante a dinastia Ming:

"A venda das mercadorias do Ocidente que têm armazenadas está geralmente a cargo das mulheres, entre as quais as formosas vão ricamente vestidas, (...). Entre os moradores de Macau há muitos ricos. Para a sua administração, o País Ocidental [Portugal — Trad.] envia cá funcionários todos os anos. Chegam navios carregados de produtos que valem imensas fortunas. Navegando à vela, cobrem longas distâncias em pouco tempo, sem que as autoridades chinesas possam averiguar. Cada navio vem com prata no valor de milhares de moedas, que é entregue a comissionistas nativos de Fuquiém, os quais, por sua vez, a distribuem entre centenas de oficinas onde se fabricam diversos utensílios sofisticados, que se vendem a troco de preciosos produtos, negócio esse que permite auferir lucros fabulosos."

"(...) vêm para Cantão três navios trazendo os tributos para o Imperador. (...) e cada ocasião envolve três viagens de ida e volta dos navios. Macau, entretanto, serve invariavelmente como feitoria."

    "De todos os portos de acesso a Cantão, 
    O que mais floresce é o de Macau."
    
    "Na ilha solitária os bárbaros fazem comércio
    Com destaque para as especiarias."
    
    "O dinheiro torna inteligentes até os pássaros. 
    A cruz está gravada em cada moeda redonda."
    
    "Mercadorias chegam do Leste e do Oeste, 
    Em navios velozes favorecidos pelos ventos."

Todos esses textos em prosa e poéticos reflectem com bastante veracidade o quanto floresceu o comércio externo de Macau antes da proibição, pela dinastia Qing, do intercâmbio marítimo com os países estrangeiros. Particular importância tem uma passagem do capítulo "Macau" em que Qu Dajun revela as actividades de contrabando que Shang Kexi, vice-rei de Pingnan, levava a cabo com os portugueses de Macau:

"De há muito é estritamente proibido o intercâmbio marítimo com os países estrangeiros e o povo não pode manter contacto com Macau. Em contrapartida, os homens de confiança do vice-rei podem efectuar um comércio secreto e monopolizar todos os lucros, sem deixar nada ao povo. Hoje não se pode falar de justiça."

Aqui convém esclarecer um ponto. Já dissemos que a estada de Qu Dajun em Macau deve ter tido lugar antes de 1657. Então, não será uma contradição a referência, aqui citada, à proibição do intercâmbio marítimo? A julgar pelo contexto, tudo o que antecede este parágrafo deve ter sido escrito como veraz registo do que testemunhara o autor lá mesmo em Macau. No momento, porém, em que ficou completo o livro Factos Novos de Cantão (isto é, em 1678), acrescentou ao texto o parágrafo sobre as actividades de contrabando de Shang Kexi, de modo que o referido parágrafo ficou no final do capítulo como suplemento. Shang Kexi, vice-rei de Pingnan, mantinha relações muito estreitas com Macau. Quando o imperador Kangxi, no primeiro ano do seu reinado [1662], decretou a evacuação de toda a população ao longo da linha costeira de Cantão, Macau conseguiu uma isenção excepcional justamente porque Shang Kexi "intercedeu pelos bárbaros de Macau".35 Durante a proibição do intercâmbio marítimo, os subalternos de Shang Kexi, por ordem dele, faziam comércio de contrabando com Macau, "construindo secretamente navios enormes para sair ilegalmente ao mar e fazer comércio e obtendo lucros incalculáveis".36 O que escreve Qu Dajun revela, por um lado, o quanto afectou Macau a política de proibição do intercâmbio marítimo que implementou o imperador Kangxi nos primeiros anos do seu reinado e, por outro lado e indirectamente, uma das causas pelas quais os portugueses de Macau puderam continuar a sobreviver apesar da rigorosa política de interdição do intercâmbio marítimo, já que através do contrabando puderam manter activo o comércio.

Em quarto lugar, foi Qu Dajun o primeiro chinês que escreveu em forma bastante pormenorizada os costumes dos portugueses de Macau e os artefactos de origem ocidental.

É verdade que houve, durante a dinastia Ming, alguns textos com referências aos costumes dos portugueses de Macau e aos artefactos de origem ocidental. Mas eram referências fragmentárias e nebulosas. Em contraste, são bastante pormenorizadas e abrangentes as descrições de Qu Dajun.

A respeito do vestuário dos portugueses e a prática de pintar o rosto, escreve:

"Usam chapéu de feltro negro, que tiram em sinal de saudação. Têm o tronco do corpo coberto de uma manta elegantemente adornada, sem mangas nem peitilho claramente distinguíveis. Trazem pendurada na cintura uma espada comprida cuja ponta atinge, com várias polegadas de excesso, o chão e produz um retintim agudo ao esfregar o lajedo quando caminham. Caem-lhes até aos ombros cachos da cabeleira esguedelhada e encrespada com caracóis. (...) Vestem feltro vermelho e sarja bordada (...)."

"(...) as formosas vão ricamente vestidas, adornadas e pintadas."

"Orvalho do gerânio-rosa. (...) As mulheres bárbaras de Macau adquirem-no e utilizam-no como condimento nas bebidas ou como perfume de que se encharcam."

Diz também nos seus versos:

    "As suas mulheres têm mãos rosáceas, 
    Tal como o jasmim na cabeça das chinesas."
    
    "De bata vermelha vão os bárbaros varões. 
    As mulheres brancas têm o penteado adornado com jóias."

Não é necessário repetir aqui o que citámos sobre as refeições dos portugueses de Macau.

Quanto às mulheres portuguesas como donas de casa e aos costumes matrimoniais de Macau:

"São as mulheres que ocupam entre os bárbaros o lugar de maior destaque e que governam a casa, herdam os bens do pai e mantêm a linhagem. Os homens, em contrapartida, passam a casa das mulheres quando casam, facto que se chama entre eles 'entrega do carimbo'. O adultério é proibido aos homens, sob pena de morte, sem perdão possível. (...) O casamento de uma rapariga deles com um chinês é motivo de grande júbilo entre todos na cidade. Se acontece que o marido chinês quer afastar-se de casa e voltar para a China, a mulher arranja maneira de lhe esfumar o rosto até torná-lo negro, bem como de lhe amarelecer e encrespar a cabeleira, transmudando-o assim num verdadeiro bárbaro."

Diz também nos seus versos:

    "A veneração é dedicada ao Deus deles próprios. 
    O dinheiro e a faca ficam nas mãos das mulheres."

Um facto muito importante que revela esta informação é que, após se terem estabelecido em Macau, os portugueses atribuíam grande importância ao matrimónio com chineses:

"O casamento de uma rapariga deles com um chinês é motivo de grande júbilo entre todos na cidade."

Empregavam-se, além do mais, todos os meios para impedir o regresso do marido para a China. Eis aqui uma valiosa fonte de informação a respeito da história dos macaenses de origem portuguesa.

Numerosos são os artefactos de origem ocidental existentes em Macau que Qu Dajun descreveu: o órgão, o "espelho de vidro de mil pessoas", o "espelho de multiplicação de jóias", o telescópio, o microscópio, os óculos, o biombo de vidro, o relógio de toques automáticos, os mapas oceânicos, as esferas armilares, as espadas japonesas e ocidentais, os canhões, as pistolas, os navios, os despertadores, a bússola, os tecidos, as esteiras, os papagaios, a zibeta, os cães anões, o lótus do Ocidente, o gerânio-rosa, etc.; enfim, dezenas de artigos, alguns com pormenorizadas descrições que abrangem o feitio, a estrutura, a utilidade e o emprego. Alguns desses objectos eram produtos de boa qualidade de Macau, como era o caso dos canhões e das esteiras. Ao descrever pormenorizadamente esses produtos ocidentais, Qu Dajun não estava de maneira nenhuma inspirado pela simples curiosidade de um homem de letras, mas por uma atitude de abertura própria de um cantonense com longa experiência de contacto com outras civilizações. Semelhante atitude de abertura e aceitação relativamente às outras civilizações deve ter produzido, sem dúvida, certo impacto entre os intelectuais chineses. Prova disso é o facto de os seus textos terem sido citados em obras de autores posteriores tais como A Missão para o Rio das Pérolas [珠江奉使記, Zhujiang Feng Shi Ji ] de Gong Xianglin, Apontamentos sobre o Leste de Cantão [粤東筆記, Yue Dong Biji] de Li Diaoyuan, O Que Vi e Ouvi no Centro de Cantão [粤中見聞, Yue Zhong Jian Wen] de Fan Ruiang, Breves Apontamentos de uma Viagem por Cantão [粤遊小記, Yue You Xiao Ji ] de Zhang Xintai, e mesmo reproduzidos quase na íntegra em O que Ouvi e Vi no Leste de Cantão [粤東聞見錄, Yue Dong Wen Jian Lu] de Zhang Qu e Visto e Ouvido nas Terras entre as Montanhas de Nanling e o Mar [岭海見聞, Ling Hai Jian Wen] de Qian Yikai. Ainda mais significativo é o facto de o livro reconhecidamente de mais autoridade sobre Macau, a Crónica de Macau [ 澳門記略, Aomen J i Liie], da autoria de Yin Guangren e Zhang Rulin, e que ficou completo durante o reinado do imperador Qianlong, não apenas ter reproduzido todos os poemas de Qu Dajun relacionados com Macau, como também mais de oitenta por cento daquilo que escrevera em prosa sobre Macau. Levando em conta "a atitude atenta e minuciosa na observação e a amplidão e profundidade da análise" que se lhe reconhecia, ambos os compiladores da Crónica de Macau atribuíram grande importância aos textos dele, a tal ponto que, nas descrições sobre as coisas de Macau, começavam muitas vezes por reproduzir os seus textos para depois acrescentar-lhes explicações suplementares, facto muito ilustrativo do lugar de destaque que nas pesquisas da história de Macau corresponde aos textos poéticos e em prosa de Qu Dajun.

Tradução do original chinês por Chen Yongyi; revisão de texto por Pedro Catalão; revisão final de Júlio Nogueira.

* Nota do Editor: Li (里) é uma medida de distância chinesa que equivale aproximadamente a meio quilómetro.

** Nota do Editor: Zhang (丈), medida chinesa de comprimento equivalente a 3.10 m.

* Nota do Editor: Jin (斤), medida chinesa de peso equivalente a 500 g.

* Nota do Editor: Cun (寸), medida chinesa de comprimento equivalente 1/30 m.

** Fen (分), medida chinesa de peso equivalente a 1/2 g.

NOTAS

1 QU Xiangbang, Poesias de Cantão[廣東詩話正續編, Guangdong Shi Hua Zheng Xu Bian ], Hong-Kong, Livraria Long Men, 1964, vol. 2.

2 Cf. PANG Shangpeng, ed., Textos Recolhidos do Quiosque Baike [百可亭摘稿, Baike Ting Zhai Gao];, WU Guifang, Memoriais do Magistrado Wu ao Imperador [吳司馬奏議, Wu Sima Zouyi ]; GUO Shangbin, Propostas do Revisor Gou [郭給諫疏稿, Guo Geijian Shu Gao ]; e Crónica da Dinastia Ming [明實錄, Ming Shi Lu].

3 QU Dajun, Fora das Poesias de Wengshan [翁山詩外, Wengshan Shi Wai ], vols. 9 e 11.

4 WANG Yongsou, Poemas de Macau [澳門雜詩, Aomen Zha Shi ], 1918.

5 Id., ibid.

6 WANG Zongyan, Cronologia de Qu Wengshan [屈翁山先生年譜, Qu Wengshan Xiansheng Nianpu ], Macau, Livraria Yujin, 1970.

7 WANG Zongyan, Cronologia Anual de Qu Dajun [屈大均紀事年系, Qu Dajun Jishi Nianxi].

8 CHEN Zhichao, ed., Correspondência de Chen Yuan[陳垣往來書信集, Chen Yuan Laiwan Shuxin Ji], Xangai, Livros Antigos, 1990, p. 475.

9 ZHANG Zengming, "Cavaqueiras de Ruela", in Episódios de Macau, vol. 12; também publicado no"Diário de Macau" [澳門日報, Aomen Ribao], 30Out. 1962.

10 FEI Chengkang, Quatrocentos Anos de Macau [澳門四百年, Aomen Sibai Nian ], Xangai, Editora doPovo,1988, p.137.

11 WANG Zongyan, Cronologia de Qu Wengshan.

12 QU Dajun, "Prefácio", in Factos Novos de Cantão[廣東新語, Guangdong Xinyu ], Pequim, Zhonghua Shuju, 1983.

13 PAN Lei, "Prefácio", in QU Dajun, Factos Novos de Cantão.

14 QU Dajun, "Terras: Macau", in Factos Novos de Cantão, vol. 2.

15 YIN Guangren, ZHANG Rulin, "Situação", in Crónicade Macau [澳門記略, Aomen Ji Lüe ], vol. l.

16 YIN Guangren, ZHANG Rulin, "Guarnições Oficiais", in Crónica de Macau, vol. l.

17 QU Dajun, "Terras: Macau", in Factos Novos deCantão, vol. 2.

18 QU Dajun, Fora das Poesias de Wengshan, vols. 9, 11.

19 MORSE, H. B., The Chronicles of the East India Company Trading to China, versão chinesa de Ou Zonghua, Cantão, Universidade de Zhongshan, vol. l.

20 DU Zhen, Apontamentos de uma Missão de Inspecção pelas Províncias de Cantão e Fuquiém [粤閩巡視紀略, Yue Min Xunshi Ji LLüe ], cópia do Quiosque Yue Xue, de Kong.

21 LU Xiyan, "Colectânea de Artigos em Comemoração do Cinquentenário da Universidade de Hong-Kong", in Apontamentos de Macau [澳門記, Aomen Ji ],1961, vol. 3.

22 WANG Zongyan, Cronologia de Qu Wengshan.

23 Crónica da Dinastia Qing [清實錄, Qing Shi Lu ], 39. o ano do reinado do imperador Qianlong [1774], vol. 97.

24 CHEN Gongyin, "Despedida, no Primeiro Dia do Primeiro Mês do Ano Lunar de 1695, a Sua Reverência Shi, que Vai Atravessar o Mar para Predicar a Religião na Cochinchina", in Colectânea de Textos do Pavilhão Du Lu [独漉堂集, Du Lu Tang Ji ], Cantão, Universidade de Zhongshan, 1988, p. 547. Outro facto ilustrativo é que está patente no Templo de Pu Ji de Macau um dístico que reza:

"Lâmpada de sabedoria do Longevidade transferida a Pu Ji.

Sol brilhante do Alcantil Vindo em Voo iluminando a colina de Lin Fong."

Isso, no sentido de que, após ter construído, em Cantão, o Templo da Longevidade e, em Qingyuan, o Templo do Alcantil Vindo em Voo, Da Shan veio a Macau reconstruir o Templo de Pu Ji.

25 FANG Hao, [Biografias de Jiao Lian, Ding Kuichu, Pang Tianshou, a imperatriz-mãe Helena Wang, a imperatriz-mãe Ma, a imperatriz Wang, o príncipe herdeiro Ciyuan, Qu Ande, etc.], in Personagens da História do Cristianismo na China, Pequim, Zhonghua Shuju, 1988.

26 LI Qifeng, "Memorial de Li Qifeng, Governador da Província de Cantão, ao Imperador", in Documentos Históricos das Dinastias Ming e Qing [明清史料, Ming Qing Shiliao], 3. a parte, vol. 4.

27 BOXER, Charles Ralph, A Missão do Capitão Gonçalo Sequeira de Sousa ; TEIXEIRA, Manuel, Quatrocentos Anos de Esforço Missionário dos Jesuítas em Macau , Macau, 1964 [ambos em chinês].

28 CHEN Gongyin, ob. cit., p. 21; WANG Yongsou, ob. cit., p. 9.

29 QU Dajun, "Macau", in Fora das Poesias de Wengshan, vol. 9.

30 HUANG Bolu, Zheng Jiao Feng Bao [正教奉褒],3. a ed., Xangai, Ci Mu Tang, 1904.

31 FEI Chengkang, ob. cit., p. 128.

32 TAI Aoduo, "Mapa da Cidade de Macau" [泰奥多·德里布], "Revista de Cultura", Macau, (13-4) 1993, p. 27 [versão chinesa].

Nota do Editor: Tai Aoduo é a transliteração fonética chinesa do nome Theodore (de Bry — c. 1527-1598) e o mapa, intitulado "Amacao" (gravura, 25,6 x 33,2 cm) — um dos primeiros planos ocidentais da cidade de Macau —, foi publicado na edição latina da obra Petits Voyages (Francoforte do Meno, 1607, 8.a parte) pela família de Theodore de Bry após o desaparecimento deste.

33 TANG Xianzu, "Encontro", "Atracação no Rio Huai", in O Quiosque das Peónias [牡丹亭, Moudan Ting], Pequim, Literatura Popular, 1963.

34 ZHANG Zengming, "História da Fachada da Igreja de São Paulo", in Episódios de Macau; também publicado no "Diário de Macau" [澳門日報, Aomen Ribao ], Set.1959.

35 YIN Yuanjin, Exemplares Merecimentos do Vice-Rei de Pingnan [平南王元功德範, Pingnan Wang Yuan Gong Cui Fan], vol. 2, acerca da solicitação, adiantada pelo vice-rei, para a corte decidir se "os bárbaros" de Macau podiam ficar ou deviam abandonar a localidade.

36 WU Xingzha, "Proposta para Acabar com a Perniciosa Administração do Vice-Rei", in HAO Yulin, Crónica Geral de Cantão [廣東通志, Guangdong Tongzhi ],1731.

* Professor catedrático de História e director do Departamento de Investigação Cultural de Hong-Kong e Macau, anexo ao Instituto de Investigação Cultural e História da China, na Universidade de Jinan.

desde a p. 87
até a p.