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ALGUMAS HIPÓTESES SOBRE A IMPORTAÇÃO DO ÂMBAR-CINZENTO NA DINASTIA MING

Fei Chengkang *

"Bu jue ru si xi hai long,/ Da yu chun zhang tu fu rong,/ Qian jin yi pian hun xian shi,/ Yuan de wei yun hujiu chong" é um poema escrito no fim de 1591 pelo grande poeta da dinastia Ming, Tang Xianxu, que se referia à Repartição Imperial de Análise do Ambar-Cinzento de Xiangshan (Colina Odorífera) e, em particular, à origem desse precioso produto utilizado em perfumaria. Em português, o seu significado seria aproximadamente o seguinte:

"Incontestáveis dragões marinhos brincam divertidos,/Peixes gigantescos, tão inchados na Primavera, que exalam flores de hibisco./ Um monte de taéis de oiro destinados à extravagância/ Para manter sem parar o fumo aromático no Palácio Imperial."

Naquela altura, Tang Xianzu havia sido exonerado por ter criticado alguns mandarins mais importantes, e foi transferido para Xuwen. Aproveitando a oportunidade, visitou Cantão, Zhongshan e Macau. Até hoje, porém, ainda não se sabe a exacta localização da Repartição Imperial de Análise do Ambar-Cinzento de Xiangshan. Por conseguinte, também não se sabe onde teria sido composto tal poema. Teria sido em Xiangshan ou Macau? O certo é que o tema está muito relacionado com Macau.

Hoje não é fácil compreender o poema porque, por um lado, os portugueses que chegavam a Macau e aí se fixavam, introduziam na China, desde a dinastia Ming, quantidades de ópio que era utilizado como simples fármaco. O ópio tinha também o nome de fu rong; facto que levou alguns investigadores a concluir que fu rong, no poema, se referia a ópio. Por outro lado, "peixes gigantescos" foi interpretado como designação dos navios portugueses que transportavam tal medicamento, dando assim azo à hipótese de que a Repartição Imperial de Análise de Xiangshan se dedicava à compra do ópio. Mas com tudo isto fica ainda por explicar a expressão "Incontestáveis dragões marinhos brincam divertidos". São evidentemente pouco pertinentes as ilações.

A meu ver, as referências a alguns documentos das dinastias Song, Yuan e Ming ajudarão a clarificar as razões de o governo Ming gastar tanto dinheiro para adquirir o âmbar-cinzento.

"Bujue ru si xi hai long,/Da yu chun zhang tu fu rong " conta a origem do âmbar-cinzento, versão que a mentalidade em voga nessas dinastias julgava correcta. Segundo os Registos dos Países Estrangeiros, de autoria de Zhao Rushi, da dinastia Song; o Registo das Ilhas Estrangeiras, compilado por Wand Da Yuan, da dinastia Yuan; as Viagens pelo Estrangeiro, de autoria de Feixin, da dinastia Ming; as Receitas das Ervas Medicinais, escrito pelo famoso médico Li Shizhen; e o Livro de Geografia, de Gu Yanwu, havia uma ilha chamada Banas dos Dragões, a oeste de Samatra. "Desde que o céu esteja aberto, muitos dragões aparecem à volta da ilha, a provocar ondas e a segregar saliva na orla." As substâncias segregadas eram consideradas o âmbar-cinzento.

Os primeiros dois versos constituem a síntese desses registos, que nos dizem ainda que o âmbar-cinzento era dividido em três categorias: a primeira, chamava-se fanshui (à flor da água) e os que sabiam nadar iam recolher quando os dragões segregavam tal preciosidade; a segunda, denominada shensha (infiltrada na areia), ficava na praia por longo tempo, depois de se solidificar; e a última, com o nome de yushi (engolida por peixes), depois de absorvida, os peixes expeliam, vindo a seguir a misturar-se com a areia. Dessas três categorias só a primeira podia ser utilizada em perfumaria.

De acordo com outras fontes, o yushi também se subdividia em dois tipos: um já está esclarecido; acerca do outro, vejamos o pormenor interessante que era assim descrito: "À beira do mar há flores, como as de hibisco, que desabrocham durante a Primavera e o Verão. Quando murchas, caem na água, e são ingeridas por peixes grandes. Destes, os que tenham sorvido saliva de dragões ficam tão cheios que, com a cabeça à superfície da água, vomitam as flores tragadas. O resultado deste processo é usado em perfumaria." A descrição é suficiente, sem dúvida, para se interpretar "(...) peixes gigantescos, tão inchados na Primavera, que exalam flores de hibisco". Com certeza, o âmbar-cinzento é apenas a matéria extraída dos intestinos dos cachalotes, em vez de baba de "dragões marinhos", e os peixes grandes que levantam a cabeça para cuspir saliva são cachalotes, em vez de peixes que engolem baba de dragões do mar. Indiscutivelmente, não era fácil, para as pessoas da altura, decifrar a origem do âmbar-cinzento sem a observação visual e portanto factual.

Os últimos dois versos ("Um monte de taéis de oiro destinados à extravagância,/ Para manter sem parar o fumo aromático no Palácio Imperial") manifestam a oposição popular ao comportamento absurdo do governo Ming. Desde o final do século xv, o número de comerciantes do Sudoeste da Ásia, que vinham à China negociar, estava a diminuir à medida que o domínio português se estendia a pouco e pouco para Oriente, por vários motivos. Sobretudo após os portugueses terem ocupado Malaca, um lugar estratégico para as viagens marítimas, foi cortada imediatamente a ligação directa entre a China e Samatra, produtora de âmbar-cinzento. Não foi concretizado, portanto, o desejo que, desde 1545, o imperador Ming Shizong alimentava — o de ter um "bolo odorífico" para dez mil anos feito de âmbar-cinzento.

Segundo os registos de Ming Shizong, este deu, em 1555, ordem ao Ministro das Finanças, dizendo:"-- Há mais de dez anos que não vejo entrar na Corte o âmbar-cinzento. Não tem trabalhado ao meu serviço devidamente. Localize imediatamente onde se produz e informe-me a fim de mandar buscá-lo." Os mandarins do Ministério ficaram com tanto medo que mandaram de imediato ir procurá-lo nos portos abertos ao exterior. O preço era de 1200 taéis por meio quilo. O governo de Guangxi foi o primeiro a conseguir comprar 11 liang (medida chinesa; 16 liang equivale a meio quilo) de âmbar-cinzento, que foram enviados a Pequim, onde o imperador Ming Shizong e outros descobriram que era falso. Enfurecido, o soberano chinês publicou o édito imperial: "Daqui por diante, obrigam-se a entregar o verdadeiro." Mais tarde, os mandarins de Cantão encontraram nos ancoradouros abertos ao exterior, incluindo Macau, 17,25 liang. As análises realizadas na Corte provaram que se tratava de verdadeiro âmbar-cinzento. A partir daí, o governo central subiu mais uma vez o preço desse produto precioso, para 1600 taéis por meio quilo. Simultaneamente, foi estabelecida uma Repartição Imperial de Análise de 耺bar-Cinzento em Xiangshan, cuja função era evitar que se adquirisse âmbar-cinzento falso. Infelizmente, um material tão dispendioso era queimado na Cidade Proibida só para gerar um fenómeno extraordinário: "O fumo verde voa no ar sem se dispersar." Por isso, não é de admirar que o poeta Tang, ciente das condições de vida do povo, usasse a pena para exprimir a sua indignação.

Por fim, não deixarei de salientar que o grande interesse do governo Ming no âmbar-cinzento teria sido um dos motivos do estabelecimento dos portugueses em Macau. O ano de 1555, quando o imperador Ming Shizong estava irritado por não ver o âmbar-cinzento, foi precisamente o momento em que os portugueses começaram a estabelecer-se em Macau, a fim de negociar com os chineses. A ira do soberano só desapareceu quando se adquiriu em Macau algum âmbar-cinzento. Talvez por terem medo de ser punidos, os mandarins de Cantão adoptaram, junto dos "funcionários de Macau", uma atitude de tolerância em relação ao estabelecimento destes, que podiam na altura trazer para a China o produto precioso que o Imperador cobiçava. O poema de Tang Xiangzu, que reflecte a vida extravagante do governo Ming, poderia também ser uma prova desta minha hipótese.

Revisão de texto por Raul Gaião.

* Investigador no Instituto de Investigação Histórica da Academia de Ciências Sociais de Xangai, especialista em História de Macau e autor, entre outras publicações, de Macau: Quatrocentos Anos.

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