Encontro de Culturas

MACAU PONTE DO INTERCÂMBIO CULTURAL ENTRE A CHINA E O OCIDENTE DO SÉCULO XVI AO SÉCULO XVIII

Huang Qichen*

"Empereur de la Chine." Extraído de: DU HALDE — Description de la Chine, vol. 2, p. 96. AH/LR 49.1

O intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente tem uma origem remota, não obstante, podemos afirmar que, mais recentemente, as trocas culturais da China com o Ocidente foram iniciadas com a entrada dos Portugueses em Macau, na altura em que o Território lhes foi arrendado, em 1553, ano 32 do reinado de Jiajing da dinastia Ming. Posteriormente, chegaram à China os Espanhóis, Holandeses e Ingleses, que começaram a estabelecer relações económicas, políticas e culturais com o Império do Meio tendo desempenhado um papel importante no desenvolvimento das culturas envolvidas neste processo. No período histórico entre meados do século XVI e finais do século XVIII, Macau, sendo uma zona especial do território chinês alugada aos Portugueses, era não só um porto de trânsito comercial entre o Ocidente e o Oriente, mas também ponte de ligação e interpenetração cultural entre a China e os emissários dos países ocidentais que ali aportavam. O presente artigo visa lançar alguma luz sobre o processo e as leis, hoje delineáveis, do intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente registado neste período. O termo "cultural" é utilizado neste artigo no seu sentido mais restrito, abrangendo a filosofia, as ciências, a tecnologia, a literatura, as belas-artes, a música e a religião, bem como tudo o que pertence à esfera dos valores morais.

I O JESUÍTA ENQUANTO INTERMEDIÁRIO NO INTERCÂMBIO CULTURALENTRE A CHINA E OCIDENTE

A rota do comércio foi simultaneamente via de intercâmbio cultural. Logo depois de 1553, ano em que os portugueses chegaram a Macau e o Território lhes foi arrendado, foram abertas três rotas de comércio internacional, nomeadamente, Macau--Goa-Lisboa, Macau-Nangasaque e Macau-Manila--México. Em consequência, os comerciantes do Ocidente, designadamente de Portugal e Espanha começaram a acorrer a Macau na mira de enriquecerem. A par dos comerciantes, chegaram também os Jesuítas, que através de Macau começaram a penetrar na China, com o fito de estabelecer missões. Gregório Gonzales foi o primeiro sacerdote católico a chegar a Macau em 1556, ano 35 do reinado de Jiajing. Em 1560 e 1561, nos anos 39 e 40 do reinado de Jiagin, chegaram sucessivamente o Padre Baltasar Gago, que estivera a missionar no Japão. Francisco Perez, o P. Manuel Teixeira e o Irmão André Pinto, que construíram missões no território e aí estabeleceram, em 1565, ano 44 do reinado de Jiajing, uma sede da Companhia, que posteriormente passaria a ser o Colégio de São Paulo. Em 1568, ano 2 do reinado de Longqing, chegaram a Macau João Baptista Ribera e Pedro Boaventura Rivera. Segundo uma estatística incompleta, em 1568 já se encontravam em Macau mais de dez jesuítas, que tinham chegado ao Território para estabelecer missões.

Em virtude do crescimento das actividades missionárias em Macau, o Papa Pio V nomeou Bispo de Macau, Melchior Carneiro, que ali chegou em Maio de 1568 para presidir às missões públicas. Em Macau, Melchior Carneiro estabeleceu a igreja dos lázaros, que servia como base de missão à Santa Casa da Misericórdia. O Hospital de S. Lázaro e o Hospital de S. Rafael procuravam converter os chineses de Macau ao catolicismo, acolhendo crianças abandonadas e tratando doentes.

Tomando em consideração o desenvolvimento das missões públicas, e a pedido do rei português D. Sebastião, o Papa Gregório XIII promulgou uma bula, a 25 de Janeiro de 1576, ano 4 do reinado de Wanli, em que ordenava o estabelecimento da Diocese de Macau, que administrava os assuntos missionários da China, Japão e An'nan (o actual Vietname), encontrando-se directamente subordinada ao Bispo de Goa. Macau convertia-se assim na primeira base da religião católica no Extremo Oriente.

Em 1578, ano 6 do reinado de Wanli, o P. Alexandre Valignano, na sua qualidade de Visitador da Companhia de Jesus no Oriente, deslocou-se a Macau para se inteirar do andamento do trabalho missionário. Uma vez informado de que o principal motivo pelo qual alguns jesuítas não conseguiam entrar na China para estabelecer missões, vendo-se obrigados a ficar em Macau, era não saberem chinês, dirigiu uma carta ao Superior da Índia, em Goa, Vicente Ruiz, pedindo e recomendando com entusiasmo que lhe mandasse Miguel Ruggieri, que defendia a utilização da língua nas missões da China, para missionar em Macau. Obtida a autorização, Miguel Ruggieri instalou-se em Macau, a 22 de Julho de 1579, ano 7 do reinado de Wanli. Ali aprendeu a língua chinesa com um pintor de pintura tradicional chinesa. Ao mesmo tempo, o Bispo Melchior Carneiro dava-lhe a conhecer o cerimonial chinês.

"Quando se avistar com um superior, tem de ajoelhar-se, tem de tocar o solo com a testa em sinal de reverência, mantendo-se assim durante algum tempo; quando se fala de terceiros, tem de utilizar-se um tom de elogio; quando se fala de si próprio, tem de utilizar-se palavras e frases humil-des."1

Em Macau, Miguel Ruggieri levou dois anos e dois meses para aprender a língua chinesa e conseguiu dominar doze mil palavras, e conhecer as cerimónias mais usadas na China. Aproveitando a oportunidade de acompanhar os comerciantes portugueses à feira de Cantão, que tinha lugar duas vezes por ano, no Verão e no Outono, Ruggieri começou a inteirar-se da situação no interior da China e a contactar funcionários chineses. Foi nessa altura que pediu autorização para residir no interior de Guangdong e estabelecer missões na província. Em 1580, ano 8 do reinado de Wanli, com autorização do funcionário local de Guangdong, este jesuíta ficou hospedado em Cantão, "num hotel que anualmente acolhia o enviado da Tailândia à China para pagar o tributo"2.

O governador de Guandong e Guangxi, Chen Wenfeng, indivíduo ambicioso e ávido de riquezas, mandou um enviado a Macau a fim de convidar os funcionários portugueses a visitá-lo em Zhaoqing, na qualidade de comerciantes. As autoridades portuguesas enviaram logo Miguel Ruggieri, que na altura se encontrava em Cantão, a visitar o governador de Zhaoqing, como funcionário português, mas na qualidade de comerciante, conforme solicitado, e levando consigo preciosas ofertas de produtos oriundos da Europa. Miguel Ruggieri foi assim posteriormente autorizado a residir em Zhaoqing, tendo em 1582, ano 10 do reinado de Wanli, regressado a Macau, onde se encontrou com outros membros da Companhia, Francisco Paio e Mateus Ricci, que moravam em Xiangshanwan, "onde aprendiam a língua chinesa e liam livros em chinês"3. Em 18 de Dezembro do mesmo ano, Ruggieri levou Francisco Pasio para Zhaoqing, e em Setembro do ano seguinte, convidou Mateus Ricci par se lhe juntar, indo viver com eles para o Templo de Tianning e dedicando-se à missão. Este terá sido o primeiro passo para a entrada dos Jesuítas no interior da China, com vista ao estabelecimento de missões.

No entanto, Miguel Ruggieri e Mateus Ricci não estavam satisfeitos com a missão em Zhaoqing. Em 1586, ano 14 do reinado de Wanli, a convite do novo Governador, Guo Yingpin, Miguel Ruggieri deslocou-se para Shaosing, em Zhenjiang, para ali iniciar a sua actividade missionária, tendo Mateus Ricci ficado a missionar em Zhaoqing.

Mateus Ricci tinha trazido consigo alguns artigos da Europa, raros na China tais como mapas e um relógio de sol (instrumento astronómico e relógio que batia as horas), objectos esses que ofereceu aos funcionários locais de Zhaoqing, conquistando-lhes assim a simpatia, o que lhe valeu a ajuda do prefeito Wan Pan.

Em 1584, ano 12 do reinado de Wanli, com a autorização deste governador, Mateus Ricci construíra uma igreja e a sua residência, junto da torre de Chongning, a leste de Zhaoqing. Esta foi a primeira igreja de estilo europeu que os Jesuítas construíram no interior da China. A este templo cristão, ofereceu Wang Pan uma tábua horizontal com a inscrição: "Templo das Flores Santas". Em 1589, ano 17 do reinado de Wanli, o governador Li Jiwen quis apoderar-se da residência de Mateus Ricci. Este, em vez de lha vender, pediu em compensação licença para construir nova residência em outra cidade. O Governador acabou por autorizar o pedido de Ricci, que assim construiu outra residência em Shaozhou (Shaoguan), para o que lhe fora gratuitamente cedido um terreno próximo ao rio Beijing.

Em 1590, ano 18 do reinado de Wanli, Mateus Ricci construiu em Shaozhou nova residência e igreja ao estilo europeu. Desde então, aproveitando as condições favoráveis que Shaozhou possuía, enquanto ponto de ligação nos transportes entre o Sul e Norte, foi expandindo continuamente as suas actividades missionárias para Norte.

Em 1594, ano 22 do reinado de Wanli, com o pretexto de dar assistência médica ao filho de Shi Xing, vice-ministro das Forças Armadas, Ricci partiu pela primeira vez rumo a Pequim, porém, quando entrou em Nanquim, depois de ter passado por Meling e Nanchang, não foi bem recebido pelos funcionários locais. Regressou assim de imediato a Nanchang, onde foi acolhido por um médico chinês que conhecera em Shaozhou, em casa de quem ficou alojado.

Em 1597, no ano 25 do reinado de Wanli, Alexandre Valignano nomeou Ricci superior, incumbindo-o de se deslocar a Pequim, a fim de se avistar com o imperador Shenzhong e pedir-lhe autorização para residir e missionar na capital. Em Setembro de 1598, ano 26 do reinado de Wanli, graças à recomendação de Wang Zhongming, ministro dos Ritos de Nanquim, Mateus Ricci e Lázaro Cattaneo conseguiram chegar a Pequim. Precisamente nessa altura era desencadeada pelos japoneses a guerra de invasão da Coreia, pelo que Ricci não foi autorizado a avistar-se com o imperador Shengzong e regressou logo a Nanquim,

Em 1600, ano 28 do reinado de Wanli, por recomendação do católico chinês Qi Taisu, conheceu Zhu Shilin, um funcionário do Ministério dos Ritos, de Nanquim, que lhe deu um passe rumo à capital e o apresentou a um eunuco, de apelido Liu, que conduzia barcos de seda em direcção a Pequim. Este concordou em levar consigo Ricci, que assim se deslocava de novo à capital chinesa. Em 24 de Janeiro de 1601, ano 29 do reinado de Wanli, graças a minuciosas disposições deste eunuco, Ricci avistou-se com o imperador Shengzong a quem presenteou com uma imagem do Senhor, duas da Virgem Maria, uma de Deus e uma cruz embutida de pérolas. Ricci ofereceu ainda ao imperador dois relógios que batiam as horas, um atlas dos países e dois instrumentos musicais ocidentais. Recebidos os presentes, o imperador Shengzong concedeu uma audiência a Ricci e tratou-o como hóspede de alta categoria.

Em 1605, ano 33 do reinado de Wanli, graças à mediação de Zhao Binjing, do Ministério dos Ritos, Mateus Ricci foi autorizado a mudar da Pensão dos Estrangeiros (Siyguan) para o leste de Xuanwumen, onde comprou uma grande casa com quarenta quartos, que denominou "Beijing Huiyuan" — a actual Igreja do Sul, ou Nantang. Esta passou a ser o centro das actividades missionárias da capital.

Lázaro Cattaneo, que tinha assumido em Nanquim o cargo máximo da Companhia de Jesus nesta cidade, a convite de Xu Guangqi e Li Zhizao, deslocara-se, em 1608, ano 36 do reinado de Wanli, a Xangai, Hanzhou e Jiading, para ali missionar. Até à data a acção missionária no interior do país, ou seja, a penetração através de Macau por parte dos jesuítas, permitira já criar uma situação positiva para os missionários. As estatísticas revelam que em dezoito anos, desde a conversão do primeiro católico em Zhaoqing, por Ricci até 1611,o número de chineses convertidos ao catolicismo em Cantão, Zhaoqing, Shaozhou, Nanquim, Nanchang, Hangzhou, Xangai, Jiading e Pequim atingira os dois mil e quinhentos4. Em Macau, Zhaoqing, Shaozhou, Nanchang, Nanquim e Pequim tinham sido construídas igrejas, onde viviam treze padres europeus e sete irmãos chineses. Esta situação permitiu, por assim dizer lançar os alicerces que tornariam possível a posterior expansão docatolicismo na China.

O sucesso com que Ricci e outros missionários penetraram através de Macau, no interior da China e estabeleceram missões, entusiasmou o Geral da Companhia de Jesus, que enviou a partir de então cada vez maior número de membros da sociedade para a China e sempre através de Macau.

Para facilitar a actividade dos jesuítas recém-chegados, era indispensável que estes aprendessem a língua e a escrita chinesa bem como o cerimonial. Alexandre Valignano apresentou assim uma proposta ao Geral da Companhia de Jesus, em Roma, pedindo autorização para o estabelecimento em Macau de uma universidade destinada a preparar e treinar os recém-chegados, que seriam enviados a missionar no interior da China e no Japão, Em 1594, ano 22 do reinado de Wanli, o Provincial da Companhia de Jesus em Goa, Antonio de Quadros, autorizou o pedidode Alexandre Valignano e encarregou os superiores jesuítas de Macau de ampliar o Colégio de São Paulo, convertendo-o numa universidade, onde se passou a ministrar o ensino de disciplinas como o Chinês, o Latim, a Teologia, a Filosofia, a Matemática, a Astronomia, a Física, a Medicina, a Retórica e a Música. A mais importante destas disciplinas era, evidentemente, o Chinês, escrito e falado. Esta foi a primeira universidade que a Companhia de Jesus criou no Extremo Oriente tendo-se tornado uma via através da qual se propagava a cultura ocidental na China e a cultura chinesa no Ocidente.

Nos mais de cento e oitenta anos que decorreram de 1594, ano 22 do reinado de Wanli da dinastia Ming, a 1779, ano 44 do reinado de Qianlong da dinstia Qing, o Colégio de São Paulo funcionou sempre como base (de reino) onde se preparavam os jesuítas que iam entrar na China e no Japão para ali exercerem trabalho missionário. Segundo uma estatística, dos quatrocentos e trinta missionários jesuítas que se deslocaram de Lisboa para Macau, duzentos aprenderam o chinês neste colégio, e desses duzentos, cento e trinta foram mandados missionar no interior da China.5

Devido ao direito de protecção da religião católica de que Portugal gozava no Oriente, a maioria dos franciscanos, dominicanos e agostinhos que entraram na China para missionar passaram, tal como os jesuítas por Macau. Os imperadores Kangxi e Qianlong chegaram assim ao ponto de tomar a decisão de que, para missionar na China, "tinha de morar-se mais de dois anos na igreja católica em Macau, em Guandong... e aprender a língua chinesa"6. Do mesmo modo que os missionários, as verbas para as obras de divulgação da fé católica no interior da China, a serem atribuídas àsdiversas igrejas, eram também introduzidas no continente através de Macau. Macau constituía assim a porta de acesso à China, não só para a Companhia de Jesus, mas também para as outras ordens religiosas que para o Império do Meio queriam ir missionar.

Rosto de: ROGEMONT, Francisco, S. J. Relaçam do estado politico e espiritual do Imperio da China, pellos annos de 1659, atè o de 1666 / escrita em Latim pello P. Francisco Rogemont da Cõpanhia de lesus...; traduzida por hum religioso da mesma Companhia de lesus. — Lisboa: na officina de Ioam da Costa, 1672. — [6] p.; 20 cm AH/LR 53 Extraído de: As ruínas de S. Paulo: um monumento para o futuro, p. 134.

Devido à intensificação da actividade missionária no interior da China por parte dos jesuítas, o número de católicos chineses aumentou pro-gressivamente, de forma significativa, nos cento e oitenta anos desde finais da dinastia Ming a inícios da dinastia Qing. Estatísticas revelam que em 1585, ano 13 do reinado de Wanli, havia em toda a China vinte católicos. No ano seguinte, esse número aumentou para quarenta, e em 1589, ano 17 do reinado de Wanli, aumentou para oitenta. Em 1605, ano 33 do reinado de Wanli, aumentou bruscamente para mil; em 1615, ano 43 do reinado de Wanli, aumentou para cinco mil; em 1636, ano 9 do reinado de Chongzhen, aumentou para trinta e oito mil; em 1650, ano 7 do reinado de Shunzhi da dinastia Qing, aumentara já para cento e cinquenta mil; em 1644, ano 3 do reinado de Kangxi, registou-se novo e significativo aumento, para duzentos e cinquenta mil; e em 1735, ano 13 do reinado de Yongzhen, o número dos católicos chineses cifrava-se em trezentos mil7.

Nesse mesmo período, foram construídas inúmeras igrejas do país, havendo, nos últimos anos do reinado de Chongzhen, igrejas espalhadas por todas as treze buzhengshis (divisão administrativa a nível provincial) do país; em 1667, ano 6 do reinado de Kangxi, o número e igrejas jesuítas no país era de 159; em 1660, ano 17 do reinado de Shunzhi, havia treze igrejas franciscanas; em 1664, ano 3 do reinado deKangxi, havia vinte e uma igrejas dominicanas. Estas igrejas encontravam-se dispersas por quarenta municípios e distritos, nomeadamente Pequim, Zhengding, Baoding e Heijian, pertencentes à divisão administrativa do Norte, subordinada directamente ao poder central; Jinan, na província de Shaodong; Jiangzhou e Puzhou, na província de Shanxi; Xi'an e Hangzhou, no Oeste do Shanxi; Kaifeng, na província de Henan; Chengdu, Paoning e Chongqing, na província de Sichuan; Wuchang, no Huguang; Nanchang, Jiachang, Ji'an and Ganzhou, na província de Jiangxi; Fuzhou, Tingzhou, Yanping, Jianning e Shaowu, na província de Fujian; Hangzhou, na província de Zhejiang; Nanquim, Yangzhou, Zhenjiang, Huai'an, Shanhai, Songjiang, Changshu, Suzhou, Jiading, Taichang, Kunsham e Chongming, no Jiangnan; e Macau, Zhaoqing e Shaozhou na província de Cantão8.

A envergadura da difusão católica na Chinaera notável, se antendermos a estes dados.

O objectivo dos jesuítas que para a China se deslocavam para missionar era "fazer com que os chineses, com os outros povos cristãos, reconheçam e venerem Deus que é a verdadeira Divindade"9. No entanto, "as pessoas que vieram para o Oriente eram, na sua maioria, personagens inteligentes e generosas, [...] e o conteúdo dos seus livros, na sua maioria, tratava daquilo que os chineses nunca tinham dito"10; "o jesuíta italiano Mateus Ricci, e outros, que missionavam através do ensino de conhecimentos científicos, trouxeram [para a China] conhecimentos que os chineses não possuíam e que mesmo no Ocidente eram ainda recentes"11.

Os jesuítas esforçaram--se, assim, por investigar a cultura chinesa, tendo-a dado a conhecer e difundir nos seus respectivos países na Europa. Esse conhecimento desempenhou um importante papel no desenvolvimento do período das luzes entre a burguesia europeia; por outro lado os chineses de mente aberta aprendiam com os jesuítas, absorvendo conhecimentos científicos, tecnológicos e culturais que promoviam o desenvolvimento das ciências na China. Ambas as partes se iam assim enriquecendo através destes contactos.

Rosto de: MÉMOIRES CONCERNANT L'HISTOIRE, LES SCIENCES... Mémoires concemant 1'histoire, les sciences, les arts, les moeurs, les usages, etc. des chinois / par les missionnaires de Pekin. — A Paris: Chez Nyon, Libraire, 1776-1777. — 2 vol.; 25 cm AH/LR 57

II A DIFUSÃO DA CULTURA CHINESA, ATRAVÉS DE MACAU, NOS PAÍSES DA EUROPA OCIDENTAL

A difusão da cultura chinesa no Ocidente tem uma longa história. Após meados do século XVI, como os missionários jesuítas que iam penetrando no interior da China, através de Macau, precisassem de dominar a língua do país e conhecer a ideologia confucionista, o estudo do idioma chinês, assim como a tradução e interpretação das obras clássicas confucionistas foram ganhando cada vez maior importância. Foi assim que as obras clássicas confucionistas começaram a circular e a ser difundidas nos países da Europa Ocidental.

Em finais do século XVIII (nos reinados de Qianlong e de Jiaging), uma verdadeira febre dos estudos sinológicos alastrou pela Europa, passando dos Jesuítas aos intelectuais europeus em geral. Nas universidades começaram a realizar-se frequentemente conferências sobre o chinês, tendo surgido sociedades académicas especialmente dedicadas à sinologia. A cultura chinesa começava assim a exercer uma forte influência sobre a cultura europeia.

l. A IDEOLOGIA CONFUCIONISTA ABALOU A FILOSOFIA CLÁSSICADA EUROPA OCIDENTAL

Para os missionários jesuítas que entravam na China com o objectivo de divulgar a fé Cristã tornava-se imprescindível conhecer as religiões tradicionais da China — o confucionismo, o budismo e o tauismo. Jesuítas famosos como Mateus Ricci mostravam um apreço particular pela filosofia confucionista; faziam investigações sobre a vida do Mestre, traduziam e interpretavam as obras clássicas confucionistas e escreviam livros dando a conhecer a filosofia confucionista nos seus países.

Em 1681, ano 20 do reinado de Kangxi, o jesuíta belga Filipe Couplet deu a conhecer as obras clássicas confucionistas aos países da Europa Ocidental, através da sua obra Confucius Sinarum Philosophus, dividida em quatro partes: "Carta de Filipe Couplet dirigida ao rei francês Luís XIV", "Sobre a história e principais ideias das obras interpretadas", "Biografia de Confúcio" e "Daxue", "Zhongyong" e "Lunyu". Esta obra foi facilmente aceite pelos intelectuais ocidentais. Depois, Francisco Noel escreveu Philosophia Sínica e traduziu o Sishu (Os Quatro Livros), Xiaojing (O Livro da Piedade Filial) e Youxue (Ensinamentos para as Crianças), dando a conhecer em França os resultados dos seus estudos da ideologia confucionista.

Os jesuítas que regressaram de Macau à Europa ofereceram as obras clássicas confucionistas ao alemão Gottfried Wilhem Leibniz, que se dedicava ao estudo da Filosofia Clássica, despertando nele um interesse profundo pelo estudo da Filosofia Chinesa. Em 1715, ano 54 do reinado de Kangxi, o filósofo alemão escreveu uma obra titulada Sobre a filosofia chinesa onde expunha exaustivamente aos países da Europa Ocidental a filosofia e cultura da China, elogiando a sua grandiosidade:

"Entre nós, ninguém acreditava que existisse no mundo uma nação com uma moral mais perfeita e princípios de procedimento mais avançados do que os nossos. A China, país do Oriente, veio acordar-nos. Quanto à prática da Filosofia, os europeus são muito inferiores aos chineses."

Leibniz apelou ainda às personagens cultas da Europa Ocidental:

"Cheguei mesmo a concluir que temos de pedir à China para nos enviar pessoas capazes de nos orientar sobre a meta e prática da teologia natural"12.

E foi assim que, absorvida a idelogia deísta do confucionismo, Gottfried Wilheem Leibniz criou o percepcionismo, filosofia clássica da Alemanha, que transmitiu ao seu discípulo Christian Wolff. Este sistematizou ainda mais a Filosofia Racional, tendo subdividido a filosofia em ontologia, cosmologia, psicologia, teologia natural, moral, económica e política, e considerou que todos os princípios da filosofia podiam ser estabelecidos através de métodos dedutivos matemáticos.

O sistema filosófico de Christian Wolff foi aceite por Emmanuel Kant, que criou a verdadeira filosofia clássica da Alemanha, como hoje é conhecida.

2. A DIFUSÃO DAS OBRAS CLÁSSICAS CHINESAS NO OCIDENTE

Paralelamente à sua actividade missionária na China, os Jesuítas foram traduzindo e publicando as obras clássicas chinesas e fazendo-as circular entre os intelectuais da Europa.

Em 1593, ano 31 do reinado de Wanli, Matteo Ricci foi o primeiro a traduzir os Quatro Livros (Sishu) para latim, intitulando-os Tetrabi-blion sinense de Moribus. Ricci enviou a sua obra para Itália, onde foi publicada. Posteriormente, os jesuítas Prosper Intorcetta e Ignatius da Costa traduziram de novo os Quatro Livros, também sob o título de Tetrabiblion sinense de Moribus tendo o Daxue sido interpretado como Sapientia sinica. A sua publicação teve lugar em Jiangchang, em 1662, ano l do reinado de Kangxi. Traduziram ainda o Zhongyong, sob o título Sinarum Scientia-politico--Moralis, tendo-se publicado estas duas obras em Cantão e Goa, respectivamente em 1667 e 1669, ou seja, nos anos 6 e 8 do reinado de Kangxi.

Joan-Baptista Regis traduziu o Yijing, sob o título de I-King, Antiquissimus Sinarum Liber, que veio à luz em França, em 1839. Actualmente estão conservados na Biblioteca do Vaticano catorze manuscritos diferentes do Yijing em chinês.

Em 1770, ano 35 do reinado de Qianlong, Antonio Goubi traduziu o Shujing e publicou-o em Paris. Outros jesuítas traduziram também, ou compilarem, um número considerável de dicionários em chinês que enviaram para os países europeus, onde foram dados à estampa. Mencione-se ainda Martin Martini, que traduziu e compilou a Grammatica Sinica. E em 1728, ano 6 do reinado de Yongzheng, José-Maria de Prémare escrevia Notitia Linguae Sinicae, com treze mil exemplos. Basílio e Glemona compilou um dicionário chinês-latim. E estas obras contribuíram enormemente para que entre os povos europeus se acelerasse a aprendizagem da língua e cultura chinesas.

3. A DIFUSÃO DA LITERATURA CHINESA NO OCIDENTE

A obra em quatro volumes Description Géographique, Historique, Chronologique, Politi- que et Physique de L'Empire de la Chine et de la Tartarie Chinoise, publicada em Paris, da autoria do jesuíta J. B. du Halde, apresentava sistematicamente as ciências sociais da China aos países europeus, e era na altura considerada uma enciclopédia sobre a China. No terceiro volume desta obra, incluíam-se traduções de famosas obras literárias chinesas, nomeadamente, L' Orphelin de La Maison de Tchao, tragédie Chinoise e prosas seleccionadas do Guwen Guanzhi (Apreciação de Prosas Antigas).

Em 1761, ano 26 do reinado do Qianlong, veio à luz, em Inglaterra, uma edição em inglês do romance Haoqiuzhuan, a que se juntaram ainda outras obras literárias, nomeadamente Sumário do teatro da China, Colectânea de provérbios e ditos populares chineses e Poesias escolhidas do chinês. Foram assim, apresentados aos países da Europa Ocidental as jóias da literatura chinesa, o que teve considerável influência no Iluminismo europeu do século XVIII. Goethe escreveria então, baseando-se em Orphelin de La Maison de Tchao, tragédie Chinoise e no Guwen Guanzhi, a peça teatral Elpenor, que comoveu a Europa e foi altamente elogiada por personagens do meio intelectual, nos mais diversos domínios.

4. A DIFUSÃO DA MEDICINA CHINESA NO OCIDENTE

Durante as suas práticas missionárias na China, muitos jesuítas, atraídos pela extraordinária medicina tradicional do Império do Meio e pelos produtos medicinais usados na farmocopeia chinesa, iniciaram estudos e investigações neste domínio, tendo traduzido ou compilado obras da medicina tradicional chinesa, para que fossem divulgadas nos países europeus. A edição francesa de Diagnose através da apalpação do pulso na China veio à luz em 1671, ano 10 do reinado de Kangxi. No III volume da supracitada obra de Halde, publicavam-se também traduções do Maijing, clássico da diagnose através da apalpação do pulso, do Bencao Gangmu. Compêndio de Ciência Médica do Shennong Bencaojing, compêndio de Ciência Médica de Shennong da Lista dos médicos famosos e da Colecção dos medicamentos, que davam a conhecer aos países europeus, os métodos particulares da medicina chinesa.

Desde então, a medicina chinesa passou a ser uma fonte de novos conhecimentos medicinais e um novo ramo de estudos na Europa Ocidental, tendo exercido profunda influência na medicina, zoologia, botânica e na teoria da evolução das espécies. No século XIX, Darwin, na sua obra The Descent of Man, citava do Bencao Gangmu dados sobre a formação das cores nos peixes dourados. Este clássico chinês tinha sido traduzido para alemão, francês, inglês, latim e russo, no início da dinastia Qing, a fim de explicar a casualidade no problema da sobrevivência das espécies. No segundo capítulo, "Escolha artificial", da sua obra Variação dos animais e plantas em condições domésticas. Darwin referiu muitas vezes que aquela obra editada pelos jesuítas no século passado fora compilada principalmente a partir da grande obra enciclopédica da China antiga. (O Bencao Gangmu)13. Um estudo revelou que se encontram nas obras de Darwin cento e quatro citações sobre os sucessos da medicina chinesa e as teorias chinesas da zoologia e da botânica14, o que demonstra a profunda influência que estes ramos do conhecimento exercem sobre a biologia moderna e a teoria da evolução de Darwin.

5. A DIFUSÃO DO ARTESANATO E AS BELAS-ARTES DA CHINA NO OCIDENTE

As mercadorias tradicionais chinesas, tais como a seda, a porcelana e os objectos lacados, que começaram a ser transportadas para a Europa depois de meados do século XVI, através da rota Macau-Goa-Lisboa, eram muito apreciadas nos países europeus. Muitas peças foram copiadas, outras objecto de estudo e teses, ou tema para livros especializados. O artesanato e os produtos das belas-artes da China começaram assim a circular, em número sempre crescente, nos países europeus. Os franceses Chardin e Pedro China-neau, por exemplo, abriram em 1677, ano 167 do reinado de Kangxi, uma fábrica, conseguindo produzir, após uma adaptação da tecnologia chinesa, objectos de porcelana azul e branca, de baixa dureza, com motivos de flores.

Em cima: "Nôce chinoise." DU HALDE — Description de la Chine, vol. 2, p. 142. AH/LR 49.1
Ao centro: "Obseques des chinois." DU HALDE —Description de la Chine, vol. 2, p. 149. AH/LR 49.1
Em baixo: "Cortege d'un viceroy, toutes les fois qu'il sort de son palais." DU HALDE — Description de la Chine, vol. 2, p. 35. AH/LR 49.1

Em 1717, ano 56 do reinado de Kangxi, o jesuíta padre d'Entrecolles, que estava a missionar em Jiangxi, enviou para França uma amostra de caulino, e em 1750, ano 15 do reino de Qianlong, o duque de Turegon mandava explorar o caulino em França; em 1768, ano 33 do reinado de Qialong, a fábrica de porcelana de Sèvres conseguiu fabricar, pela primeira vez, porcelana de alta dureza, e quase simultaneamente, os Ingleses abriam em Bow a "Fábrica de Porcelana da Nova Cantão", com trezentos artífices e operários, que conseguia produzir porcelana chinesa, com equipamento importado de Cantão.

Foi pela mão dos Jesuítas que a tecnologia para o fabrico do papel de parede foi introduzida nos países europeus, e em 1788, ano 53 do reinado de Qianlong, a França conseguia fabricar papel de parede da China. Em 1734, ano 12 do reinado de Yongzhen, foi publicada em Inglaterra uma obra sobre o papel de parede da China. Graças também aos jesuítas, a arquitectura e a arte pictórica chinesas foram divulgadas nos países europeus.

Em 1757, ano 22 do reinado de Qianlong, depois de uma visita de inspecção à China, o arquitecto inglês William Chambers editou a obra Designs of Chinese Buildings, Furniture, Dresses, Machines and Utensils, apresentando de forma sistematizada as artes da arquitectura, mobília e ornamento do vestuário da China. Escreveu ainda A Description of Oriental Gardening, em 1772, onde elogiava a esplêndida arte da jardinagem chinesa:

"A arte de jardinagem dos chineses é deveras incomparável. No domínio da arte, os europeus não podem rivalizar com os sucessos do Oriente. Poderão, quanto muito, absorver ao máximo o seu brilho, como se viesse do Sol."

Resumindo, poderá dizer-se que os jesuítas que missionaram na China entre meados do século XVI e finais do século XVIII, foram, de facto, os propagadores e dviulgadores da cultura chinesa nos países europeus. As suas obras deram a conhecer o grande país que a China era, com a sua cultura desenvolvida e próspera. O imperador era perspicaz e competente, o povo obedecia a conceitos morais bem estabelecidos e a cultura tinha uma longa história e uma profundidade nunca alcançada nos países europeus. Assim, os intelectuais e pensadores dos países europeus tomaram em grande consideração a cultura chinesa, e uma vaga de estudos sínicos começou a ganhar corpo, ajudando a dar forma ao Iluminismo burguês europeu do século XVIII. Houve logo, nessa altura, quem na Europa tomasse como arma a filosofia idealista confucionista da dinastia Song para atacar a autocracia da Europa, enquanto outros tomavam como arma o ateísmo da filosofia idealista confucionista da dinastia Song para se opor à Igreja. Daqui se pode ver a enorme influência que a cultura e ideias da China exerceram na cultura dos países europeus.

No domínio da tradução e compilação de obras clássicas e religiosas da China, os jesuítas desempenharam um papel preponderante e, segundo estatísticas incompletas, nos duzentos anos que decorreram de 1593, ano 21 do reinado de Wanli, até ao século XVIII, os missionários judeus tinham já traduzido para línguas ocidentais mais de sete dezenas de obras chinesas.

III A DIFUSÃO NA CHINA, ATRAVÉS DE MACAU, DAS CIÊNCIAS E CULTURA DO OCIDENTE

Seguindo o princípio de que para "ir missionar na China, [...] e pregar a santa fé, é preciso livros"15, os jesuítas trouxeram grandes quantidades de obras dos países ocidentais. Em 1620, ano 48 do reinado de Wanli, por exemplo, quando Nicolau Trigault chegou a Macau, trouxe "mais de sete mil livros bem decorados"16, que dali enviou para o interior da China. Destes livros, mais de quinhentos estão hoje conservados na Biblioteca de Pequim. Entre estas sete mil obras, "há livros sobre a hidráulica, [...] há livros sobre a matemática, [...] há livros de anais e mapas de países estrangeiros onde estão registados oseu folclore, planícies e montanhas perigosas. Há livros sobre a medicina, que analisam os problemas do sangue e pulso do corpo humano e apresentam métodos de tratamento. Há livros sobre os instrumentos musicais de cordas e sopro, todos engenhosos. Há livros sobre a física, que expõem completa e detalhadamente as leis e princípios que residem tanto nas coisas como nos fenómenos, livros destinados aos principiantes. Há livros sobre geometria, que estudam o quadrado, a circunferência, o plano e a recta, conhecimentos básicos para fabrico de instrumentos e objectos. Os livros acima mencionados não existiam no nosso país"17. Com efeito, estes livros tratavam dos amplos conhecimentos científicos modernos, na Astronomia, Calendário, Hidráulica, Matemática, Geografia, Física, Geometria, Medicina e Música, tendo promovido sem dúvida o desenvolvimento científico e tecnológico na China.

"O suporte com que os jesuítas conseguiram estabelecer-se na China, foi a matemática."18 Comecemos pois pela Matemática a apresentar na divulgação na China das ciências e cultura do Ocidente.

1. MATEMÁTICA

Em 10 de Maio de 1605, ano 33 do reinado de Wanli, Mateus Ricci indicou no seu relatório dirigido ao Papa, em Roma, que se devia utilizar a Matemática para conquistar na China a vontade do povo, a favor das obras missionárias19. Ricci compilou assim, numa linguagem sucinta e clara, o Qiankun Tyiy (In Sphaeram João de Sacrobosco Commentarius) em dois volumes, destinando o primeiro volume exclusivamente à Matemática, nomeadamente à linha, ao plano, à circunferência e à elipse, sendo a primeira obra de Matemática da época moderna do Ocidente a ser introduzida na China. Em 1606, ano 34 do reinado de Wanli, Ricci ditou e Xu Guangqi traduziu o Elementorum Libri, da autoria de Euclides, em seis volumes, "o primeiro volume refere-se ao triângulo, o segundo à linha, o terceiro à circunferência, o quarto às formas inscritas na e circunscritas à circunferência e o quinto e o sexto às proposições"20. Esta obra veio apresentar à China os conhecimentos elementares da Matemática da altura. Em 1607, ano 35 do reinado de Wanli, Ricci e Xu Guangqi traduziram a obra Princípios de Medição, divulgando os conhecimentos da medição do triângulo recto. Em 1608, ano 36 do reinado de Wanli, Ricci ditou e Li Zhizao traduziu o Trattato delle Figure Issperimetre, confirmando e aprofundando os teoremas expostos no Elementorum Libri. Em 1613, ano 41 do reinado de Wanli, Ricci ditou e Li Zhizao traduziu a Epitome Arithmeticae Practicae, onde se expunham as proposições, a progressão por diferença e a extracção, iniciando assim a introdução na China da aritmética moderna do Ocidente. Posteriormente, Ricci e Xu Guangqi escreveram a obra Similaridade e dissimilaridade da medição e o Teorema de Pitágoras, expondo os métodos de medição do triângulo recto.

Jesuítas Mateus Ricci, Adão Schall e Ferdinand Verbiest. Extraído de: DU HALDE — Description de la Chine, vol. 3, p. 87. AH/LR 49.2

Depois de Ricci, em 1631, ano 4 do reinado de Chongzhen, Júlio Aleni ditou e Zhai Shigu anotou os Métodos principais da geometria; João Terrenz traduziu a Grande Medição e Tábua das Secantes, respectivamente em 1629 e 1631, ano 2 e 4 do reinado de Chongzhen. Em 1744, ano 9 do reinado de Qianlong, Jerónimo Rho traduziu Os teoremas completos da medição e O cálculo por meio de pauzinhos; Nicolau Smogolenski escreveu O logaritmo proporcional e Tianbu Zhenyuan; Pedro Jartoux escreveu A proporção entre a circunferência do círculo e o seu diâmetro e Método melhorado para o cálculo do seno e do inverso.

Todas estas obras exerceram grande influência no desenvolvimento da matemática moderna da China. Desde meados do século XVI até ao século XVIII, eram praticados na China o cálculo com o ábaco, o cálculo escrito, o cálculo por régua e o cálculo com pauzinhos, tendo os três últimos sido introduzidos através do Ocidente e pertencendo à Matemática moderna.

Desde então, os eruditos chineses começaram a aprender e a estudar a Matemática moderna do Ocidente e a combiná-la com tradicionais métodos de cálculo da China, tendo surgido, em consequência, matemáticos que dominavam ao mesmo tempo a matemática chinesa e a ocidental, assim como obras sobre esta disciplina.

Estudos em curso revelaram já que no início da dinastia Qing, havia pelo menos 112 eruditos chineses que se dedicavam ao estudo da Matemática moderna do Ocidente21, e que escreveram um número considerável sobre a fusão dos conhecimentos da Matemática chinesa e ocidental. Mei Wending, por exemplo, que conhecia bem a matemática chinesa e ocidental, escreveu O cálculo com pauzinhos, obra em três volumes. As bases da trigonometria plana, em cinco volumes, O triângulo escrito no arco, em cinco volumes, Acerca da Equação, em seis volumes, O triângulo recto, em um volume, Solução da geometria, em um volume, e Suplemento da geometria, em quatro volumes. Wang Sichan escreveu Os novos métodos de Xiao'An, em seis volumes; Li Zhiquan escreveu um compêndio, denominado Geometria concisa, em quatro volumes; Du Zhigeng escreveu Discussão sucinta da geometria, em sete volumes; Nian Xiayo escreveu A Adaptação do logaritmo, e Tábua dos logaritmos, ambos em um volume; Mao Zhondan escreveu Ideias não maturas sobre o tri ângulo recto, em um volume; Chen Xu escreveu Sobre o triângulo recto, em dez volumes; Wang Yuanjun escreveu A extensão do triângulo recto, em um volume; Chen Xu escreveu Sobre o triângulo recto, em dois volumes e, Conhecimentos elementares sobre o triângulo recto, em dez volumes; Wang Yuanjun escreveu A extensão do triângulo recto; Chen Iu escreveu O compêndio de cálculo do Ocidente, em quatro volumes, Dai Zhen escreveu Dez livros sobre os métodos de Cálculo por lâminas de bambu e Sobre o triângulo recto e a secante, em três volumes; Jiao Xun escreveu Somar, subtrair, multiplicar e dividir, em oito volumes, Soluções da extracção, em um volume, Notas sobre os arcos, em dois volumes, Notas sobre o círculo,, também em dois volumes, e Notas sobre a elipse, em um volume.

Carta autógrafa do Pe. Johann Adam Schall von Bell (1591 -1666), em Latim, sobre a reforma do Calendário chinês, ao Vice-Provincial da China, Manuel Dias Junior. Nesta carta refere-se aos métodos usados no estabelecimento da cronologia chinesa.

Todas estas obras alicerçam a Matemática moderna da China.

2. ASTRONOMIA E CALENDÁRIO

A astronomia e o calendário têm uma longa história na China, podendo os primeiros estudos neste domínio remontar a dois mil anos atrás, altura em que surgiram a esfera armilar e os primeiros livros sobre o calendário. Não obstante, como não era muito científico, o calendário chinês precisava de ser elaborado anualmente,

Foi Mateus Ricci que introduziu na China o actual calendário gregoriano, revisto e estabelecido pelo Papa Gregório XIII em l de Março de 1582, e que tinha por base o calendário juliano. Em Sobre a esfera armilar, o primeiro volume do Qiankun Tiyi, atrás citado, Ricci expunha em detalhe: "As sombras do Sol, Lua e Terra provocam eclipses solar e lunar; dos movimentos do Sol e Lua resultam sombras em conformidade com a proporção da Terra, e do Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vénus e Saturno, sendo um fenómeno antes ignorado e raramente interpretado, pelo que merece ainda ser explicado em detalhe."22

Em Zhaoqing, Ricci compos mapas, construiu uma esfera armilar, um globo terrestre, um aparelho lançador das sombras solares e relógios que batiam as horas, apresentando à China os conhecimentos científicos da astronomia do Ocidente. Ricci escreveu ainda o Jingtiantan onde enumerava e descrevia, em verso, os astros já determinados pelos países ocidentais, a fim de facilitar a sua observação.

Depois de Ricci, em 1613, ano 41 do reinado de Wanli, Sabbattino de Ursis ditou e Xu Guangqi escreveu o Jianping Yishou; Ursis ditou ainda, e Zhjou Ziyu e Zhuo Erkang escreveram, o hiadodushuo obra destinada a confirmar a teoria de que "a terra é redonda e pequena"23, em 1615, ano 43 do reinado de Wanli, Manuel Diaz escreveu Discussões sobre o céu, reconfirmando a teoria de que a Terra é redonda.

Documentos manuscritos de Antoine Gaubil, considerado por muitos como o mais erudito dos missionários jesuítas na China. Documentosautógrafos da sua "Histoire Abregée de 1'Astronomie Chinoise".

No período de 1630 a 1644, do ano 3 do reinado de Chongzhen ao ano primeiro do reinado de Shunzhi, João Adam Schall von Bell, famoso pela apresentação na China da astronomia e calendário do Ocidente, escreveu dezasseis obras relativas à astronomia, como Análise dos eclipses observados, Tábua de oito linhas e Mapa das duas estrelas em movimento ao norte e sul do Equador, para citar apenas algumas. Fernando Verbiest fabricou nove aparelhos astronómicos entre os quais se contaram os teodolitos da elíptica, do Equador e do horizonte e uma esfera armilar, aparelhos que foram substituir os velhos instalados no observatório de Pequim. Escreveu também a Colectânea de instrumentos astronómicos e astrometria, em dezasseis volumes, nas quais apresentava detalhadamente os métodos de fabrico dos instrumentos astronómicos da época moderna do Ocidente, a sua montagem e uso bem como os dados astronómicos com estes instrumentos. Compilou ainda o Calendário perpétuo de Kangxi, em trinta e dois volumes, com a previsão dos dados astronómicos para os dois mil anos posteriores ao reinado de Kangxi, obra que forneceu importantes pontos de referência para a astronomia.

Estudos ainda em curso revelaram que, em duzentos anos os Jesuítas já tinham escrito no total, mais de cinquenta obras relativas à astronomia e fabricado trinta e quatro instrumentos astronómicos, o que revela bem as dimensões e a profundidade da divulgação na China da então moderna astronomia do Ocidente.

No reinado de Wanli, sob a influência da moderna astronomia e do calendário do Ocidente foi proposta ao imperador a revisão do Calendário de Datong, tendo-se levantado discussões a seu respeito. O Calendário de Shoushi, da autoria de Guo Shoujing, da dinastia Yuan, estipula que o ano tem 365,2425 dias, com apenas vinte e seis segundos a menos em relação ao tempo de que necessita a Terra para completar uma revolução em torno do Sol. Este era, de facto, o calendário mais científico dos inícios do século XIV. No entanto, durante o reinado de Chenghua, da dinastia Ming, o Imperador Xianzong substituiu-o pelo Calendário de Datong, que apresentava uma grande diferença de erro, pelo que exerceu influência negativa na agricultura. Muitas pessoas pediram então que se criasse um departamento encarregado de rever o calendário chinês de acordo com o calendário do Ocidente. Em 1613, ano 41 do reinado de Wanli, Li Zhizao, subdirector do Taipusi (Departamento Administrativo das Coudelarias) de Nanquim, apresentou ao Imperador Shenzong o memorando Traduzir o calendário do Ocidente e outros livros, onde dizia: "Descobri que os vassalos que vieram dos países do Ocidente, Diogo de Pantoja, Nicolau Longobardi, Sabbatino de Ursis, Manuel Dias, entre outros (...) conhecem bem o calendário, e os livros que trouxeram dos seus países são numerosos. Há livros sobre a astronomia que expõem detalhadamente os fenómenos do Céu e da Terra, assim como as teorias das mudanças dos fenómenos naturais. Há livros sobre o relógio de Sol, que se constrói no chão ou sobre a parede, com marcas a indicar as vinte e quatro divisões do ano solar; apesar do diferente fabrico, mantêm-se sempre em conformidade com o Céu"24. Em 1629, ano 2 do reinado de Chonzhen, o Imperador Chongzhen mandou criar o "departamento do Ocidente", sito na escola de Shoushan, em Xuanwuemennei, na cidade de Pequim. Integrado por Li Zhizao, João Terrenz, Nicolau Longobardi, João Adam Schall von Bell e Jerónimo Rho, tinha como inspector o ministro dos Ritos, Xu Guangqi (que, depois da sua morte, foi substituído por Li Tianjing) e como adjunto Li Zhizao. Este departamento tinha a tarefa de rever o calendário.

Em 1635, ano 8 do reinado de Chonzhen, veio à luz o novo calendário, intitulado Calendário de Chongzhen ou Novo Calendário do Ocidente, que, na dinastia Qing, passou a ter o nome de Novos métodos do calendário. Este calendário foi feito com base nos conhecimentos sobre astronomia e calendário na altura existentes no Ocidente e recorrendo aos modernos métodos científicos da Europa. Tratava-se de uma enciclopédia da astronomia e matemática, de elevado valor científico; neste calendário, eram apresentadas "soluções, métodos, desenhos, tábuas, análises, exposições e calendários, tudo de profundidade e em conformidade com as leis do céu, a descobrirem o oculto, contendo toda a essência do calendário da Europa"25.

O imperador Kangxi deu particular atenção ao calendário. Ao descobrir que o velho calendário não primava pela exactidão, decidiu firmemente adoptar o ocidental. Convocou então para o seio da corte os jesuítas que conheciam o calendário do Ocidente, nomeadamente Chirislaian Herdtricht Christ, Felipe Maria Grimaldi e Tomás Pereira, para que estes lhe falassem da astronomia e do calendário ocidental a qualquer das vinte e quatro horas do dia. O imperador nomeou ainda sucessivamente quinze jesuítas para os cargos de director e subdirector do departamento da astronomia, podendo citar-se nomes como os de João Adam Schall von Bell, Fernando Verbiest e Inácio Kogler.

Graças ao grande interesse demonstrado pelo imperador pelo calendário do Ocidente, espalhou-se entre os intelectuais uma autêntica febre, à escala nacional, de estudo e investigação do mesmo, tendo surgido em grande número astrónomos, calendaristas e publicações sobre esta matéria. O Hungai Tongxian Tushuo, da autoria de Li Zhizao. foi a primeira obra chinesa a produzir no país, de modo sistematizado, os conhecimentossobre a moderna astronomia do Ocidente. Desde então, a teoria ocidental que defendia a esfericidade da Terra e afirmava que a "Terra gira", veio pôr em causa a tradicional teoria chinesa do "Céu redondo e Terra quadrada", tal como disse Liu Xianting na época: "A teoria de que a Terra é redonda começou a ser conhecida só depois da chegada de Mateus Ricci ao Oriente."26

Nos reinados de Kangxi e de Qianlong, eram numerosos os eruditos que conheciam bem a astronomia do Ocidente, e que escreveram livros sobre o assunto. Faziam parte desse número Xue Fengzho, que traduziu obras de Nicolau Smogolenski; Ruo Yongyii, que escreveu Algumas perguntas sobre a astronomia; Rou Jiexuan, autor de Novas ideias sobre a astronomia; Jiang Yong, que escreveu o Yimei, e Wang Sichan, pai das obras Novos métodos de Xiao' an e Sobre o calendário.

3. GEOGRAFIA E CARTOGRAFIA

Quando viveu em Macau e Zhaoqing, Mateus Ricci pendurou na parede do seu quarto um Mapa dos Países que tinha trazido consigo. O prefeito de Zhaoqing gostou imenso deste mapa, devido ao seu detalhe, e pediu a Ricci para o traduzir. Ricci fez assim uma cópia do mapa acrescentando--lhe notas em chinês. Intitulado Mapa das terras, montanhas e mares, foi o primeiro mapa da autoria do missionário jesuíta, e marcou o início da introdução na China da geografia e cartografia do Ocidente.

Em 1602, ano 30 do reinado de Wanli, a pedido do imperador Shenzong, Mateus Ricci mediu as longitudes elatitudes de Nanquim, Pequim, Hang-zhou e Xi'an e fez um mapa especial intitulado Mapa completo dos países do Universo. A fim de agradar a Shenzong, Ricci colocou a China no centro do mapa. Este foi o primeiro mapa-mundo da China, traçado segundo os métodos cartográficos, de longitude e latitude, da Europa e os conhecimentos científicos sobre os cinco continentes (Ásia, Europa, África, Américas do Sul e Norte e Antártida) e as cincozonas (a tropical, a temperada do Sul, a temperada do Norte, a fria do Sul e a fria do Norte), e permitiu aos chineses alargar os seus conhecimentos nesta área.

Mapa do Império do Meio (Zhongguo Tu). Original manuscrito de um dos mais famosos mapas da China, o primeiro produzido pelos Jesuítas para darem a conhecer a China à Europa. Atribuído a Michael Piotr Boym, jesuíta polaco entrado na China em 1643.

Em 1605, ano 33 do reinado de Wanli, Mateus Ricci compilou mais três volumes para o Qiankun Tiyi, expondo não apenas a teoria da esfericidade da Terra, mas também conhecimentos sobre a geografia dos cinco continentes e as cinco zonas climatéricas. A obra do missionário italiano punha ênfase particular na explicação dos motivos da formação das quatro estações do ano, do dia e da noite.

As longitudes e latitudes que Mateus Ricci usou nos seus mapas apresentam apenas diminutas discrepâncias em relação aos dados actuais; o raio da Terra, segundo Ricci determinou, seria de 6 689 quilómetros, o que se aproxima dos actuais 6 367 quilómetros; e os nomes dos países e dos cinco continentes, bem como as suas teorias sobre a geografia das cinco zonas de clima divididas com base nos Pólos Norte e Sul e nos trópicos de Câncer e Capricórnio, mantêm-se invariáveis e são usadas ainda hoje.

Outros jesuítas escreveram também obras a expor detalhadamente a geografia, produtos, clima, folclore e costumes populares dos diversos países, assim como teorias várias sobre a geologia, geografia e esfericidade da Terra. De particular importância foram obras como o Atlas do Ultramar, que Didaco de Pantoja fez para o imperador Shenzong; Zhi Fang Waiji, em seis volumes, da autoria de Julius Aleni, datado de 1623, ano 3 do reinado de Tianqui; o Atlas do Mundo, de 1672, ano 11 do reinado de Kangxi, ambos da autoria de Fernando Verbiest, podendo referir-se ainda o Atlas Actualizado do Mundo, da autoria de Miguel Benoist.

Segundo dados estatísticos, nestes duzentos anos, os jesuítas compuseram um total de quarenta e três obras geográficas e cartográficas, incluindo um atlas nacional e dezassete atlas provinciais, nomeadamente da Mongólia, Zhili, Heilongjiang, Shandong, Shanxi, Shaanxi, Gansu, Henan, Jiangnan, Zhejiang, Fujian, Jiangxi, Guangdong--Guangxi, Sihuan, Yunnan, Guizhou e Hubei--Hunan. Pode dizer-se que foram estas obras que iniciaram os estudos sobre a cartografia na China.

Influenciado pela geografia e cartografia do Ocidente, em 1708, ano 47 do reinado de Kangxi, o Imperador mandou organizar uma equipa de cartógrafos composta pelos jesuítas Joaquim Bouvet, João Baptista Régis, Pedro Jartoux e Xavier Eherenbert Fridelli e pelos eruditos chineses He Guandong e Ming Antu, que levaram dez anos, de 1708 a 1718, a percorrer as diversas pro

víncias do país para finalmente traçarem o Huangyu Quantu ou Huangyu Quanlantu -- Mapa completo dos Territórios do Imperador —, à escala de 1:1 400 000, utilizando os mais modernos méto-dos: o levantamento topográfico de trânsito, o trigonométrico e o de projecção trapezoidal. Este era na altura o atlas mais exacto e o que requerera mais trabalho em todo o mundo. Não era apenas "o melhor de entre os atlas existentes na Europa"27. Em 1718, ano 57 do reinado de Kangxi, este altasdividido em 41 mapas foi impresso, com chapas de bronze, na Europa, pelo jesuíta Mateus Ripa. Um exemplar desta edição está hoje conservado e exposto no Museu do Palácio Imperial de Xhenyang, sob o título de Mapa Secreto dos Territórios unifi-cados da Corte Interior Qing. Em 1760, ano 25 do reinado de Qianlong, este imperador mandou Félix da Rocha, José d'Espinha e Miguel Benoist compor a obra Territó-rios Nacionais do Imperador Qianlong, também conhecida como Atlas da China de Qianlong, à es cala 1:1 500000. Este novo atlas que incluía 104 mapas e apresentava ainda maior exactidão do que o já cita do Huangyu Quantu, vinha demonstrar que a carto-grafia na China se encontrava já entre as maisavançadas no mundo28.

4. MEDICINA E MATÉRIA MÉDICA DO OCIDENTE

A introdução na China da medicina e ciência médica do Ocidente foi iniciada com o estabelecimento do hospital de medicina ocidental em Macau, pelos jesuítas. Em 1569, ano 3 do reinado de Longqing, Melchior Carneiro angariou fundos em Macau para abrir "um hospital para todos, crentes ou não crentes"29. Este terá sido o primeiro hospital de medicina ocidental na China, a que se chamava "yrenmiao"30 literalmente "casa onde se tratam os doentes", nas palavras de Zhang Rulin. O hospital baptizado de Santa Casa da Misericórdia ou de Baimahang, tinha unidades de medicina interna e de cirurgia. Em medicina interna, os doentes eram submetidos a exame da cor da urina, para além de serem diagnosticados através da apalpação do pulso. Os medicamentos aplicados eram todos preparações líquidas, o que promoveu a introdução na China da prática ocidental de preparação dos medicamentos por destilação. Xu Guangqi apreciou muito os medicamentos ocidentais, do que deixou prova explícita: "Quanto à aplicação dos medicamentos ocidentais [...] O que se toma é sempre a essência dos medicamentos, podendo penetrar-se nos órgãos internos, incluindo o coração, fígado, baço, pulmões, rins, estômago, vesícula biliar, intestinos e bexiga"31. Para os doentes submetidos a intervenções cirúrgicas, "havia 安哆尼. medicamentos famosos de há muito usado na cirurgia" no ocidente, aplicava-se ainda "蘇合油. óleo de cravo-da-Índia, óleo de sândalo e óleo de flores de osmanto, que eram medidos ao frasco; e o óleo 永片油 medido à colher"32.

Em 1755, ano 20 do reinado de Qianlong, os franciscanos abriram também um hospital em Macau33. Em 1820, ano 25 do reinado de Jiaqing, João Livingstone, médico da Companhia Inglesa das Índias Orientais, abriu um hospital de medicina ocidental em Macau; outro médico, de nome Tomás Ricardson Colledge, abriu em Macau um hospital de oftalmologia que, segundo levam a crer registos hoje existentes, deu assistência gratuita a seis mil doentes em cinco ou seis anos.

Entretanto, a vacinação contra a varíola foi também introduzida no interior da China através de Macau. Em Outubro de 1803, ano 8 do reinado de Jiaqing, o Governador da então colónia inglesa de Bombaim ofereceu uma quantidade de vacinas contra a varíola à Companhia Inglesa das Índias Orientais, que foram aplicadas a título experimental, e pela primeira vez em Macau, mas sem resultados satisfatórios. Em 1809, ano do reinado de Jiaqing, o cirurgião Alexandre Pearson recebeu de Manila nova remessa de vacinas contra a varíola e aplicou--as, desta feita com sucesso, em Macau, o que levou a escrever um artigo sobre o assunto. Na altura, Zheng Chongqian, um comerciante de Cantão, que se encontrava em Macau, traduziu e transcreveu o artigo do cirurgião inglês, intitulando-o A espantosa vacinação contra a varíola e publicando-o no interior do país.

Em 1805, ano 10 do reinado de Jiaqing, Alexandre Pearson deslocou-se para Cantão, no intuito de aí exercer a medicina e, com verbas oferecidas por Wu Binjian, Pan Youdu e Lu Guanheng, que eram os homens mais ricos da localidade, estabeleceu o departamento de vacinação contra a varíola, em Yanghang Huiguan. Ali se prestavam serviços de vacinação de oito em oito dias, tendo no total sido vacinado um milhão de pessoas num período de trinta anos. Qiu Xi fazia frequentes viagens entre Macau e Cantão para praticar a vacinação contra a varíola, tendo desde então aumentado muito o número das pessoas vacinadas, como indicam os Registos sucintos da vacinação da varíola: "As pessoas que ali acorriam atingiam as centenas."34

Devido ao seu notório efeito, a vacinação contra a varíola divulgou-se rapidamente em todo o pais. Em 1828, ano 8 do reinado de Daoguang, o estrangeiro Pan Shicheng estabeleceu um departamento de vacinação em Nanhai Hiuguan, em Pequim dirigido por Yu Xingu, natural de Cantão, muito concorrido pelos médicos locais que queriam dominar os princípios e prática da vacinação. Desde então, a vacinação contra a varíola começou a ser praticada em todo o país e a ser bem acolhida e elogiada entre o povo, do que há testemunho num poema da autoria de Wu Bingjian, natural de Nanhai:

"O homem corrige o Céu que é incompetente.

A vontade do Céu submete-se ao homem.

No Estrangeiro, a origem da vacinação

contra a varíola, No Sul do país introduzida e popularizada.

Prevenida a doença aberto o apetite,

Expulso o desastre recuperada a saúde.

Ignorantes os pais espantam-se,

Mas seus bebés estão sãos e salvos.

Com perícia Qiu vacina [...]35"

Entretanto, as teorias da medicina e a matéria médica do Ocidente foram também introduzidas na China. Isto deveu-se a Mateus Ricci, que, em 1594, ano 22 do reinado de Wan Li, escreveu, no capítulo "Yuanbenpian" do Registo dos Países do Ocidente, obra em um volume: "O lugar da memória encontra-se na cavidade craniana, sob o osso occipital por trás da fontanela..." Dava-se deste modo o primeiro passo para a introdução da neurologia na China. Em seguida, foi Joanne Terrenz que fez dissecações patológicas clínicas depois da sua chegada a Macau, em 1620, ano 48 do reinado de Wanli. No ano seguinte, baseando-se nas teorias de Andreas Vassalius, pioneiro da dissecação na Europa, escreveu Análises Sucintas sobre o Corpo Humano, em dois volumes, o primeiro destinado à apresentação dos ossos, musculatura, pele, artérias e veias, sangue e nervos, e o segundo à descrição do centro nervoso, boca, olhos, nariz, língua, centro nervoso dos membros, acção e fala, indicando--se detalhadamente as formas e posições dos órgãos. Este o início da introdução na China na dissecação do corpo humano. Mais tarde, Jacobus Rho e Nicolaus Longobardi traduziram e compilaram a obra Explicação Ilustrada do Corpo Humano, onde apresentavam sistematicamente o coração, fígado, baço, pulmões, rins, estômago, vesícula biliar, intestinos, bexiga, vasos sanguíneos, urina, útero, embrião, e umbigo, através de 28 capítulos e 21 gravuras. Esta obra, irmã das Análises Sucintas sobre o Corpo Humano contribuiu significativamente para o aperfeiçoamento dos conhecimentos sobre a dissecação entre os chineses.

Durante o reinado de Kangxi, a medicina ocidental entrou na sua fase prática, na China. Em 1693, ano 32 do reinado de Kangxi, o imperador padeceu sucessivamente de paludismo, tumor nos lábios e palpitações. O jesuíta Joanes de Fontaney curou-o do paludismo aplicando-lhe cinchonina e tratou-lhe do tumor nos lábios e das palpitações com a ajuda de outros medicamentos ocidentais. Desde então o imperador Kangxi passou a ter mais confiança na medicina e nos produtos da farmacopeia ocidental, tendo nomeado um número considerável de jesuítas especializados em medicina ocidental para serem seus médicos pessoais na corte. A este respeito, diz um registo histórico que "Kangxi caiu em estado de profundo sofrimento, com o coração débil a palpitar muito rápido, estando à beira da morte. Luo De aplicou-lhe medicamentos e curou-o, e foi nomeado médico do Imperador da Corte Interior"36.

Com a divulgação da medicina ocidental e sob a sua influência, surgiram na China não poucos médicos e cientistas bem sucedidos nessa área. Wang Honghan, por exemplo estudou e abserveu a essência das teorias da medicina ocidental expostas nas obras Descrição da sexologia de Júlio Aleni. Kangji Gezhi de Afonso Vagnoni e Zhuzhi Qunzheng de João Adam Schall von Bell, e escreveu, em 1688, ano 27 do reinado de Kangxi, a obra Medicina Original, a primeira obra chinesa sobre medicina ocidental, tendo-se tornado o primeiro médico chinês de medicina ocidental; Wang Qingren assimilou as teorias da dissecação que Mateus Ricci, Jerónimo Rho e Nicolau Longobardi expuseram respectivamente em Análise Sucintas sobre o Corpo Humano e Explicações Ilustradas do Corpo Humano e escreveu, em 1830, ano 10 do reinado de Daoguang, a obra Correcção da Medicina, em dois volumes, em que expunha a teoria da determinação das causas da doença e processos de tratamento, através da autópsia dissecativa. As suas teorias e técnica tomavam por base a combinação da medicina ocidental com a chinesa, de forma a tomar esta mais científica.

5. FíSICA

A física moderna do Ocidente foi introduzida na China também pelos jesuítas. Chegado a Macau, João Terrenz ditou, em 1627, ano 27 do reinado de Tianqi, e Wang Zheng traduziu e ilustrou a obra Explicações Ilustradas dos aparelhos Estranhos do Extremo Ocidente, em três volumes, em que se expõem os princípios básicos da física moderna, tais como as leis da gravidade, a gravidade específica, a alavanca, a roldana de retomo, a espiral e o plano oblíquo, assim como os métodos de aplicação da mecânica. Esta foi a primeira obra a introduzir a moderna física de engenharia do Ocidente na China. «O engelho com que se fizeram estes aparelhos é o melhor de todos, tanto no passado como hoje[...] tudo o que está registado neste livro é vantajoso à vida do povo. »37

João Adam Schall von Bell, que em 1620, ano 48 do reinado de Wanli, trouxera um telescópio para Macau, escreveu em chinês, em 1626, ano 6 do reinado de Tianqi, Sobre o telescópio, onde apresentava detalhadamente as funções, princípios e técnicas de fabrico deste instrumento óptico, dando assim início à introdução na China da moderna ciência da óptica do Ocidente.

Em 1634, ano 7 do reinado de Chongzhen,provocando grande comoção nos domínios científicos da China. No início da dinastia Qing, o telescópio já estava amplamente divulgado em Macau, tal como escreveu Gu Dajun: «pelo telescópio, pode ver-se o cume da torre, a quinze quilómetros de distância, com as campainhas e cordas nítidas e todos os traços dos caracteres distinguíveis. »38Quanto à hidráulica, Sabbatino de Ursis escreveu, em 1612, ano 40 do reinado de Wanli, Hidráulica do Grande Ocidente, obra em seis volumes, onde apresentava os princípios essenciais da moderna engenharia hidráulica da Europa e expunha, pela primeira vez na China, o «método de extracto e acumulação de água»39. Estudada a obra de Sabbatino de Ursis, e com base nos conhecimentos originários da China sobre a hidráulica, Xu Guangqi escreveu o Livro Completo da Agricultura, em sessenta volumes: do volume XII ao xx, o autor inspirou-se na Hidráulica do Grande Ocidente, expondo de maneira sistemática e prática os métodos tecnológicos de construção de reservatórios no Ocidente.

6. ARQUITECTURA

Foi com a construção de igrejas em Macau que os Jesuítas introduziram na China a arquitectura do Ocidente. Segundo uma estatística, de 1561 a 1755, ou seja, do ano 40 do reinado de Jiaqing ao ano 20 do reinado de Qianlong, os Jesuítas construíram igrejas em Macau, nomeadamente a Igreja de São Paulo, a de São Lázaro, a de São José e a de Nossa Senhora do Amparo. A maioria destas igrejas eram, à data, construções modernas segundo o modelo do Ocidente, «de três andares, erguidas ao alto, de forma redonda, triangular, quadrangular, hexagonal ou octogonal, ou assemelhando-se a flores e frutas, todas com o telhado em forma de espiral»40. A mais representativa é a Igreja de São Paulo. Na sua fachada havia dezasseis pilares a suportar o telhado, que era redondo no centro e em forma de pirâmide. Esta construção resultava da combinação do tradicional estilo arquitectónico chinês de salão profundo, do estilo arquitectural clássico e, ao mesmo tempo, do barroco. Em 1835, ano 15 do reinado de Daoguang, a Igreja foi atingida por um relâmpago e destruída pelo incêndio subse quente, mas a fachada de pedra mantém-se ainda hoje de pé, constituindo o símbolo de Macau e sendo um ponto de interesse turístico. Na dinastia Qing, as construções comerciais de «Shisanhang» foram concebidas, em geral, segundo o estilo desta igreja.

Quanto à arquitectura europeia introduzida no interior da China, a mais típica é a do Jardim da Longa Primavera (Changchunyuan), no Palácio Yuanmingyuan. O Changchunyuan foi projectado em 1747, ano 12 do reino de Qianlong, pelo jesuíta italiano José Castiglione e construído pelo francês J. Denis Attiret e por P. Miguel Benoist, que conseguiram combinar de modo perfeito o barroco italiano e o francês. O chamado «Xiyanglou», edifício ocidental, projectado por Castiglione, era composto de doze magníficas construções ao estilo arquitectónico da Europa Ocidental, em que eram importantes os jogos de água em chinês denominados Dashuifa, e uma certa «harmonia, estranha e interessante», o Xieqiqu; outros pontos de interesse eram o Chushuilou «Edifício de acumulação de água», Huayuanmen, «Porta do jardim», Yangquelong, «Gaiola dos pardais», Fangwaiguan, «Templo de Fangwai», Haiyuantang, «Pavilhão de Haiyan», Yuanyingguan, «Templo de Yuanying», Guanshuifa, «Ponto donde se contemplam as águas», Xingting, «Quiosque do passeio», Xianfashan, «Colina da perspectiva» e Hudong Xianfahua, «Pinturas da perspectiva no leste do lago». Neste palácio-jardim tipicamente chinês, podiam ver-se um repuxo ao estilo de Versalhes e Saint-Claude e uma série de construções barrocas. O Yunmingyuan era, à data, uma construção sem precedentes na história mundial da arquitectura dos jardins palacianos. Numa carta dirigida, em 1743, ano 8 do reino de Qianlong, a M. d'Asant, J. Denis Attiret enaltece o Yuanmingyuan como sendo «O Jardim dos Jardins». Na introdução duma poesia composta para elogiar o Yuanmingyuan, o imperador Qianlong escreveu: «Utilizando o método hidráulico do Ocidente, introduz-se água no salão para accionar a ventoinha. A água parece um instrumento musical [...] cordas nem orifícios de sopro, de longe ouve-se a sua música, que faz reverdecer e dá vitalidade às paisagens. »41 Em 1933, Qi Gu escreveu Vestígios das construções de estilo eu- ropeu do Yuanmingyuan, onde expunha sistematicamente os estilos e particularidades da arquitectura europeia das construções do Yuanmingyuan. Esta obra foi particularmente bem acolhida nos meios da arquitectura.

7. LINGUíSTICA E FONÉTICA

Na escrita chinesa utilizam-se caracteres, e não letras, tendo cada carácter uma pronúncia diferente. Para superar as dificuldades do estudo do chinês encontradas nas missões, os jesuítas Mateus Ricci e Miguel Ruggieri compilaram, em 1584, ano 12 do reinado de Wanli, o Dicionário Português-Chinês, tendo marcado todas as palavras de chinês com notas fonéticas em caracteres romanos, de modo que se pode pronunciar logo cada carácter quando lido. Este foi o primeiro caso de anotação de caracteres chineses com o alfabeto romano. Nas notas fonéticas de Ricci e Ruggieri, utilizam-se 26 consoantes, 43 vogais, 4 «sons secundários» e 5 acentos de tons. Cada carácter foi marcado com consoantes e vogais e um dos cinco acentos: «qingping», «zhuping», «shang», «qu» e «ru»42 escreveu em Pequim a obra Milagre das Letras do Ocidente, o primeiro livro a utilizar letras latinas para transcrever foneticamente os caracteres chineses. Em 1625, ano 5 do reinado de Tianqi, Nicolau Trigault escreveu o Xiru Ermuzi, um dicionário chinês em três volumes, com notas fonéticas, obra mais sistematizada ainda do que a de Ricci, romanizando também os caracteres chineses. Este dicionário é composto de três partes: «introdução à tradução», «lista fonética» e «lista dos caracteres componentes». O dicionário foi ordenado segundo a forma, pronúncia e significado de cada carácter, «o primeiro volume destinando-se à escrita e às ideias dos tradutores; no segundo, estão coleccionados os caracteres chineses, ordenados segundo a pronúncia; no último, os caracteres chineses estão ordenados conforme o número dos traços dos caracteres componentes, acompanhados de notas fonéticas em letras romanas»43. Este dicionário, em que se pode encontrar um carácter a partir da sua pronúncia, utilizou no total 29 letras a representarem diversos fonemas, nomeadamente cinco vogais, vinte consoantes e quatro consoantes usadas noutros países (mas não usadas na China). Um carácter desconhecido pode assim pronunciar-se, com este dicionário, juntando a respectiva consoante à vogal. Este dicionário não só veio facilitar aos europeus a aprendizagem do chinês, como também exerceu profunda e directa influência na fonética dos caracteres chineses. Na tábua fonética de Tongya, Fang Yizhi cita quatro vezes o Xiru Ermuzi. Nos primeiros anos da República da China, os linguistas Li Jinxi, Qian Xuantong, Zhao Yuanren e Lin Yutang lançaram um apelo para que se utilizassem as letras do alfabeto romano na transcrição fonética dos caracteres chineses, o que constitui uma influência evidente do dito dicionário.

8. FILOSOFIA E MORAL

Em Maio de 1617, ano 45 do reinado de Wanli, teve lugar o chamado conflito de Nanquim, em que o jesuíta Afonso Vagnoni foi detido por Shen Que e expulso para Macau, onde viveu dois anos que dedicou a escrever a obra Perguntas e Respostas sobre a Filosofia, em dois volumes, e o Kongji Gezhi, a divulgar as teorias filosóficas dos quatro elementos do Universo, nomeadamente o Fogo, o Ar, a Agua e a Terra. Vagnoni foi, com estas obras, o primeiro ocidental a introduzir na China a filosofia grega do Ocidente.

Em 1623, ano 3 do reinado de Tianqi, Júlio Aleni escreveu uma obra titulada Descrição da sexologia, onde expunha os princípios filosóficos que procuravam explicar o funcionamento da alma, o sentimento, o sonho, a filosofia e a psicologia. Francisco Furtado e Li Zhizao traduziram e editaram conjuntamente duas obras, o Huanyouquan, em seis volumes, e Análise das Teorias Famosas, em dez volumes, sendo a primeira dedicada à exposição dos pontos de vista sobre a interpretação do universo, segundo Aristóteles, e a segunda aos pon-tos de vista da moral.

Tratava-se das obras mais sistematizadas sobre a filosofia da Europa Ocidental que foram introduzidas na China. No entanto, devido à forte e profunda implantação das teorias confucionistas, a influência que a filosofia da Europa Ocidental exerceu na China foi insignificante.

51. Tampo de arca com vista de Macau. Trabalho chinês de encomenda portuguesa, séc. XVIII. Madeira lacada e dourada, 50x87 cm C. A. C.

Extraído de: As ruínas de S. Paulo: um monumento para o futuro, p. 54.

52. Panorâmica de Macau / artista desconhecido. Trabalho macaense da lª metade da séc. XIX. Insc.:"VISTA DE PRAYA PIQUENA". Óleo sobre tela, 46x61,5 cm

Francisco Hipólito Raposo Extraído de: As ruínas de S. Paulo: um monumento para o futuro, p. 158.

Panorâmica de Macau / artista desconhecido. Trabalho macaense da 1ª metade do séc. XIX ins.: "C. DE... MO... R. MATA DE PENHA". Óleo sobre tela, 46x61,5 cm Francisco Hipólito Raposo Extraído de: As ruínas de S. Paulo: um monumento para o futuro, p. 122.

Macau. Trabalho cantonense do século XIX. Pintura a têmpera de ovo sobre papel, 20x28 cm A. H. U.

Extraído de: As ruínas de S. Paulo: um monumento para o futuro, p. 123.

Panorâmica de Macau / artista desconhecido. Trabalho macaense do séc. XIX. Insc.:"MACAU". Óleo sobre tela, 45,5x58,5 cm A. H. U., nō invō 3425

Extraído de: As ruínas de S. Paulo: um monumento para o futuro, p. 125.

Panorâmica de Macau / artista desconhecido. Trabalho macaense do séc. XIX. Óleo sobre tela, 44,6x58,7 cm Lisboa, C. P.

Extraído de: As ruínas de S. Paulo: um monumento para o futuro, p. 123.

9. BELAS-ARTES

Quando se deslocou para Macau, Mateus Ricci trouxe um retrato de Nosso Senhor e dois da Virgem Maria e em 1600, ano 28 do reinado de Wanli, ofereceu-os ao imperador Shenzong, como já atrás se fez referência. Este foi o primeiro caso de introdução de obras das belas-artes europeias na China. Gu Qiyuan, que viveu nessa época, comparou estas pinturas de tema religioso às pinturas chinesas e considerou que as ocidentais eram feitas segundo o princípio da perspectiva, possuindo qualidades que a pintura chinesa não tinha44.

Castiglone ditou e o matemático Nian Xiyao escreveu a obra Perspectiva óptica, expondo sistematicamente à China os conhecimentos e técnicas da perspectiva óptica da pintura ocidental45. Mais tarde, um número crescente de pintores chineses começou a estudar e absorver as vantagens da pintura ocidental, combinando a perspectiva com os métodos tradicionais da pintura chinesa e criando um novo momentum nas belas-artes da China. Podemos dar como exemplo o caso de Zeng Qiong, natural de Fujian, que, aplicando a perspectiva na sua pintura, aumentou a energia da pincelada antes de colorir e dar os retoques finais às sombras. Os retratos da sua autoria parecem vivos, e os seus métodos artísticos, singulares. Zeng, com o seu estilo artístico, criou a chamada escola de Jiangnan, ou do Sul do rio Yangtsé. Os seus discípulos Xie Bin, Guo Xun, Xu Yi e Shen Shao, desenvolveram os métodos de Zeng Qiong, tendo aperfeiçoado consideravelmente a sua arte pictórica. Durante o reinado de Kangxi, Jiao Bingzhen, funcionário do departamento administrativo das coudelarias natural de Jining, e Leng Mei, Tang Dai, Chen Mei e Luo Fumin adoptaram também a perspectiva na pintura. Surgiram assim muitas pinturas com estilo misto do Ocidente e da China. Consequentemente, em 1778, ano 43 do reinado de Qjianlong, viria a ser publicado no Xiqing Yanpu, «Colectânea de Pinturas dos Qing Ocidentais», em 24 volumes, da autoria da Men Yingzhao. As pinturas desta colectânea atingiram um nível técnico muito elevado apresentando convexidades e concavidades, ou seja, jogos de chiaro-scuro, e as pessoas retratadas parecem vi vas. Mais tarde, mesmo as belas-artes populares foram amplamente influenciadas pela arte do Ocidente. Em 1747, ano 12 do reinado de Qianlong, por exemplo, as gravuras enseridas no romance Xixiangji «O Sonho do Pavilhão do Ocidente», foram classificadas como sendo de «um estilo similar ao da pintura ocidental». De facto, no capítulo 92. ō dessa obra, o personagem Feng Zyiying pede à família Jia para lhe vender um biombo decorado com uma pintura chinesa de estilo particular, que obedece às leis da perspectiva característica da pintura do Ocidente.

10. MÚSICA

A música ocidental foi introduzida na China igualmente com a chegada dos Jesuítas a Macau, como descreveu Wang Linheng:

«Um estrangeiro em Macau [...] fabricou um baú, instalou nele centenas de sheng (instrumento de sopro feito de tubos de cana) e palhetas, ou centenas de cordas, e montou um mecanismo a accioná-lo. Quando uma pessoa sopra no seu orifício, soam centenas de palhetas: quando uma pessoa toca nesse mecanismo, soam centenas de cordas, e os seus ritmos, rápidos ou lentos, são harmoniosos, e os sons, claros e agradáveis. »46 Na altura, o órgão era vulgar nas igrejas de Macau. A este respeito lê--se em documentos que nos deixou a história:

«Na Igreja de São Paulo há um órgão, instalado num baú revestido de pele, com uma dezena de tubos de vento ligados com cordas de seda e uma caixa de ar; quando se dirige um sopro ligeiro para a caixa de ar, o baú emite sons claros e ritmados, muito agradáveis, a acompanharem versos.>>47

Trata-se dum dos instrumentos de grande envergadura do Ocidente. Quando Mateus Ricci chegou a Macau, trouxe um instrumento musical ocidental «que tem três chi (um metro) de largurae cinco chi de comprimento, e setenta e duas cordas de ouro, prata ou aço, ligadas todas aos pilares, emitindo sons [...] quando se toca nelas»48. Chegando a Pequim, Mateus Ricci ofereceu este instrumento musical ao Imperador Shengzong, e escreveu um livro de Instruções do Instrumento Ocidental para que ele pudesse tocá-lo. O imperador Shengzong mandou quatro pessoas aprender a tocá--lo. Ao imperador Shengzong, Mateus Ricci ofereceu ainda outro instrumento: «de fabrico diferente do da China, de cordas de aço e ferro, toca-se com uma pequena chapa em vez dos dedos e os sons produzidos são mais claros e melodiosos»49.

Para além de Mateus Ricci, os jesuítas Tomás Pereira, Teodoro Pedrini, Floriano Buhar, João Walter e Diogo de Pantoja também conheciam perfeitamente a música ocidental. Nos primeiros anos do reinado de Kangxi, Fernando Verbiest recomendou Tomás Pereira ao imperador, e em 1674, ano 13 do reinado de Kangxi, este convocou-o em Macau para lhe prestar serviços na corte interior em Pequim, e certa vez ofereceu-lhe um brocado como prémio, devido ao facto de Tomás Pereira saber tocar peças de música chinesa. O imperador gostava da música ocidental e convocou Teodoro Pedrini para o Palácio Imperial a fim de este ensinar teoria musical aos príncipes. Os anais históricos registam que, «em 22 de Junho do ano 53 do reinado de Kangxi, o chefe Zhang Qilin transmitiu o seguinte édito imperial:"que o ocidental Teodoro Pedrini ensine os seus discípulos a tocar e o que é mais importante, lhes dê a conhecer a essência das teorias musicais. Se eu precissasse de pessoas que soubessem tocar, que tipo de pessoas escolheria? Vejam esta criança, que nem sequer conhece as seis notas dó, ré, mi, fá, sol, e lá! O que é que ele lhe ensinsou? Digam explicitamente a Teodoro Pedrini que ensine bem, que lhes ensine as teorias musicais importantes fundamentais»50. Assim, Teodoro Pedrini viveu cinco anos servindo no Palácio Imperial, dedicando-se especialmente ao ensino da teoria musical ocidental aos príncipes. As notas dó, ré, mi, fá, sol e lá, referidas pelo imperador Kangxi, eram as seis notas usadas naquela altura.

As sete notas «dó, ré, mi, fá, sol, lá e si», que hoje se usam, evoluíram das seis notas introduzidas no Ocidente. Para facilitar o ensino da teoria musical aos príncipes, em 1713, ano 52 do reinado de Kangxi, Teodoro Pedrini escreveu, em cooperação com Tomás Pereira, o Lu Zhengyin (Temperamento Musical), em três capítulos: «Zhenglü Shenyin», («Temperamento correcto»), «Hesheng Dingyue», («Determinação da tonalida de»), e «Xieyunu Duqu» («Harmonia dos sons»), sendo este último especialmente destinado às teorias musicais do Ocidente, designadamente, a composição e o uso do pentagrama da música ocidental, que assim era introduzido na China.

Devido ao seu gosto pela música do ocidente, em 1699, ano 38 do reinado de Kangxi, o imperador criou na corte uma pequena banda de música ocidental, tendo Tomás Pereira como primeiro músico, e dela fazendo parte também os jesuítas Leopoldo Liebsteins e Slaviczek.

Entretanto, os instrumentos de sopro e cordas, e a música orquestral do Ocidente, foram também introduzidos na China, podendo, à data, ser ouvidos nas igrejas de diversas localidades. Zhao Yi, que descreveu detalhadamente como era bem acolhida a música orquestral na igreja de Pequim, disse:

«Há um edifício onde se executa música, onde um velho, de barbas grandes, está sentado a tocar um instrumento, acompanhado por sheng, xiao (flauta de bambu vertical), qing (antigo instrumento de percussão de pedra preciosa), flautas de bambu, sinos, tambores, nao (pratos) e zhuo (antigo instrumento militar, em forma de sino). »51

Para desenvolver a música orquestral, alguns jesuítas introduziram as teorias musicais do Ocidente na composição de músicas chinesas. Florano Buhar e João Walter, por exemplo, compuseram 16 obras de música ocidental e chinesa para serem executadas na corte. Em 1760, ano 25 do reinado de Qianlong, os jesuítas organizaram uma banda que executou na corte a ópera Cecchina, amplamente divulgada, na altura, em Roma e por toda a Europa.

O que se mencionou neste artigo procurou, com certo detalhe, referir a introdução na China da cultura do Ocidente, durante o período de 1584 a finais do século XVIII. Trata-se de informações recolhidas nas diversas obras da autoria dos jesuítas. Segundo uma estatística incompleta, durante este período, os jesuítas escreveram um total de 187 obras científicas e culturais variadas, sem contar com as obras de teor cristão. Destas 187 obras, 102 foram publicadas durante a dinastia Ming e 85 durante a dinastia Qing. Destas, 62 encontram-se conservadas na Biblioteca de Xujiahui, em Xangai.Como testemunho do intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente, estas obras continuam a ser hoje um tesouro de inestimável valor para o estudo e investigação do processo do intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente.

(Publicação autorizada pela Direcção dos SAFP)

NOTAS

1 Registos da Missão Católica na China no Século XVI, de Pei Huaheng, tradução de Xiao Junhua, p. 188.

2 Biografia dos Jesuítas que chegaram à China, de Frei Laizhi, tradução de Feng Chengjung, p. 34.

3 Col ectânea das Histórias Não Oficiais do Reinado de Wanli, de Shen Defu, vol 30.

4 Histórias das Missões Católicas na China, de De Lixian, p. 60.

5 História Concisa do Cristianismo na China, de Wang Zihixin, p. 101.

6 Documentos Diplomáticos entre Kangxi e Roma; Nota da Detenção do Ocidental Fang Jijue pelo Governador de Fujian, Ya De, de Chen Heng, Arquivos Militares, p. 5.

7 História do Intercâmbio Cultural entre a China e o Ocidente, de Shen Fuwei, p. 373 e seg.

8 História Concisa do Cristianismo na China, de Wang Zhixin, p. 125 a 128.

9 Zhongguo Congbao, Colectânea de jornais da China, ano 1836.

10 Países Estrangeiros —Itália, no vol. 326 da História da Dinastia Ming.

11 Os Três Grandes Movimentos de Libertação Ideológica, de Zhou Yang, artigo do Guangming Ribao, de 8 de Maio de 1979.

12 História do Intercâmbio Cultural entre a China e o Ocidente, p. 449, onde Shen Fuwei cita a Ópera Omuia T IV, Part. I pp. 78-86, da autoria de Dentens.

13 Colectânea dos Comentários do Norte, N. [deg] 4 de 1981, p.109.

14 Divulgação da Cultura Chinesa no Ocidente e sua Influência sobre Darwin, de Pan Jixing, artigo publicado na revista Ciências, de Outubro de 1959.

15 0 Padre Matteo Ricci e a Sociedade Chinesa da Altura, de Pei Huaheng, tradução de Wang Changshe, vol. 2, p. 216.

16 "Daivipian", de Yang Tingiun, em Biografia do Senhor Yang Qiyuan, da autorida de Yang Zihen'e.

17 Obras Completas de Xu Wending, vol. 60.

18 Biografia de Johann Adam Schall von Belll, de Wei Te, tradução de Yang Bingchen, vol. 2. p. 2422.

19 Correspondência de Matteo Ricci, vol. 2, p. 275 e 276.

20 Siku Quanshu Zongmu Tiyao, vol. 106, Astronomia e Matemática; Agricultura; vol. 115, Catálogo dos Aparelhos Estranhos e Livros.

21 Biografia de Três Eruditos, de Zhu Kebao.

22 Supra, 20.

23 Supra, 20.

24 Biografia de Li Zhihizao, vol. 1, pp. 118-119, inBiografia das Personagens Históricas da Religão Católica na China de Fang Hao.

25 Supra, 20.

26 Notas de Guangyang, de Liu Xianting, vol. 2.

27 História da Ciência e Tecnologia da China, da autoria de Li Yuese, vol. 5, p. 235.

28 Huangchao Jingshiwen Sanpion, vol. 49.

29 Lettre de 1575 dans Lettere, pp. 215a 217.

30 "O Território de Macau" in Registos de Macau, vol. 2, de Yin Guangren e Zhang Rulin.

31 Citado em Colectânea dos Comentários sobre a História da Religião Católica na China, de Fang Hao, vol. l, p. 118 e 119.

32 Supra, 30.

33 Registos Históricos da Divulgação da Religião Católica na China, p. 31 da Colectânea de Documentos.

34 Na "Introdução" de Qiu i, autor de Vacinação contra a Varíola, livro de Medicina de Chen Xinyuan, pag. 1.

35 Poesias Escolhidas de Yuan Linmo, de Wu gingyong, vol. 2.

36 As Relações entre Kangxi e a Companhia de Jesus Registadas nas Obras Publicadas no Ocidente n. ō 4 do Semanário da Cultura, História e Geografia, de 19 de Março de 1941, do jornal Saodangbao.

37 Supra, 20.

38 Novas Palavras de Guangdong, de Qu Dajun, Território de Macau.

39 Supra, 20

40 Supra, 30.

41 História do Intercâmbio entre a China e o Ocidente, de Xiang Da, p. 95.

42 Contributos dos Jesuítas para a Fonética, de Luo Changpei, vol. l da Colecção do Instituto de História e Linguística da Academia Central de Investigações.

43 Sumário das Obras Traduzidas pelos Jesuítas durante as Dinastias Ming e Qing de Xu Zongyi, p. 321.

44 Palavras Superabundantes do Hóspede, de Gu Qiyuan, vol. 6.

45 «Livros em Chinês Conservados em Oxford», in Revista da Biblioteca de Beijing, da autoria de Xiang Da, vol. 10, n. ō 5 (1936).

46 Yue Jian Pian em Registos dos Estrangeiros, de Wang Linheng, vol. 3.

47 Supra, 30.

48 Complemento dos Documentos Históricos de Yejiang, vol. 120.

49 Pengchuang Xulu, de Feng Shike, citado por Fang Hao em História do Intercâmbio da China e Ocidente, vol. 5, p. 3.

50 Kangxi e Theodoricus Pedrini, publicado no Semanário da Cultura, História e Geografia, do jornal Saodangbao, 23 de Abril de 1941.

51 Zihanpu Zaji, de Zhao Yi.

*Professor-adjunto da Faculdade de História da Univeridade de Zhongshan, em Cantão.

desde a p. 153
até a p.