Atrium

EDITORIAL

Luís Sá Cunha

1994. Assinalam-se este ano os quatrocentos anos da fundação do Colégio de S. Paulo. Justo título de orgulho para a Cidade do Nome de Deus na China, que erigiu numa das suas sete colinas a primeira Universidade de tipo ocidental em toda a Ásia.

Mas o Colégio da Igreja da Madre de Deus tem que ser visto como pronta consequência de uma vasta operação inter-civilizacional -- a política de acomodação cultural, estrategicamente intuída por Francisco Xavier, desenhada e prosseguida por Valignano e genialmente realizada por Mateus Ricci.

Passando por Macau, e durante três Séculos, sobretudo de 1582 a 1773, sucessivas gerações de missionários Jesuítas protagonizaram o mais alto movimento da Evangelização Católica e do mútuo conhecimento de Civilizações assinalado na História.

Referindo-se à política de acomodação cultural dos Jesuítas, o historiador alemão Wolfgang Reinhard considerou-a como a excepcional via alternativa ao brutal etno-centrismo da expansão europeia sobre a Terra.

Joseph Needham, o maior sinólogo deste Século, como tal galardoado pelo Governo da República da China, classificou o papel dos Jesuítas na Corte de Pequim como o mais exemplar fenómeno de encontro de culturas registado na História.

Coincidentemente, e falando em Macerata em 1982, no IV Centenário da chegada de Mateus Ricci à China, o Papa João Paulo II reconheceu que foi o "tão vasto e profundo conhecimento da cultura clássica chinesa" que permitiu ao missionário italiano transformá-lo "numa ponte entre as Civilizações Europeia e Chinesa".

Ainda hoje não foram ultrapassados, nem se esgotaram, o desígnio e a praxis do projecto jesuíta iniciado em Macau nos finais do Século XVI.

Quando paira sobre o Século XXI a ameaça da implosão geral dos blocos culturais/ civilizacionais, ainda hoje essa experiência recupera actualidade, como memorável episódio nos esforços mundiais de transculturação.

Com este número, exclusiva e merecidamente dedicado aos Jesuítas, pretende a RC, voz do Instituto Cultural de Macau, prestar-lhes homenagem: como instituição admirável e plêiade de valores individuais excepcional, na história dos homens e na moção relacional das suas culturas diversas.

Homenageá-los, rememorando e consagrando o Passado, e perspectivando e vaticinando o Futuro. Sobre o terem consagrado Macau como palco universal, ficam para sempre os Jesuítas ligados ao seu momento fundacional, como projecto municipalista luso-asiático que começou por ser e como tal se escorou pelos séculos. Os Jesuítas foram o terceiro lado de um triângulo de interesses coincidentes que gerou este porto autárcico, forjado da aliança pragmática entre comerciantes e moradores luso-asiáticos, comerciantes e classe política de Cantão, e ideais evangelizadores jesuítas. Os Jesuítas foram, neste equilíbrio triádico, a força estabilizadora da sociedade nascente e a sua cobertura diplomática para o interior.

É muito do seu exemplo que ainda hoje perdura, caracteriza e vocaciona Macau -- que, por isto e lúcido desígnio da grande nação chinesa, continuará a ser no Futuro o lugar de encontro entre a China e a Europa, porta de intercâmbio de Ciência, Tecnologia e Humanismo.

Luís Sá Cunha

Director da Revista de Cultura

desde a p. 3
até a p.