Antropologia

A CONSTRUÇÃO DA IMORTALIDADE: O CONTROLO SOCIAL DA VIDA E DA MORTE EM MACAU

Francisco Moita Flores*

1. Nada inquieta tanto o Homem como essa realidade inelutável e in-sondável que é a Morte. E de tal forma essa inquieta-ção revive e permanece viva que Morin1 considera que o património colecti-vo, construído nas longas durações da História, só toma sentido em função da morte. Receio, medo, pâ-nico, ou esperança na eter-na vida do espírito, ou in-dignação e perplexidade, ou horror e repúdio, ou cu-riosidade, as mais desen-contradas emoções e pos-turas preenchem um mun-do de inquietações e incer-tezas que coexistem em cada um dos vivos. Porém, nada mais natural, rotina que se multiplica diaria-mente, nada tão omnipresente no tecido social do que esta coabitação com aqueles que todos os dias morrem, e que, de certa forma, confirmam a inevitabilidade da nossa própria morte.

O cipreste, o Anjo da Morte, o crucifixo parecem projectar para a dimensão cósmica transcendente a Confiança da Morte como um mero instante de uma vida concebida para ser eterna. (Cemit6rio dos Prazeres/Lisboa.)

Talvez seja essa a maior das inquietações -sabermos que vamos mor-rer, isto é, que independen-temente das crenças e espe-ranças, no nosso futuro, num momento imprevisível e desconhecido, o nosso cor-po perderá o "tónus" bio-logicamente organizado, e entrará no irreversível pro-cesso de putrefacção. Pen-samos que é esta definitiva certeza que afasta os ho-mens, e em particular os in-vestigadores (com algumas recentes excepções) do es-tudo dos cemitérios, espaço de corrupção de corpos, local privilegiado para alimentar visões de fantas-mas, almas penadas, tugúrio de bruxarias e feitiços que exorcizam espíritos malignos e esconjuram de-mónios. Mas no limite de todas as inseguranças e temores que sentimos ao atravessar as portas de um cemitério é a certeza de que ali iremos parar, em dia e hora que não sabemos, que obsta ao des-bloqueamento de preconceitos para tornar o cemi- tério em objecto a ser questionado meto-dologicamente.

Porém, se aceitarmos que o poder absoluto da morte nos comanda pensamentos e comporta-mentos, é natural que o cemitério nos surja como a objectivação desses pensamentos e comportamen-tos, traduzidos em discursos arquitecturais e iconográficos que, mais do que nos confrontar com os mortos, nos coloca perante as atitudes dos vivos para com a morte.

Assim, como afirma Vincent Thomas2, démystifier la mort, ses pompes et ses ocuvres peut aider à mieux comprendre le sens de la vie, e se à análise antropológica associarmos a espessura histó-rica das rupturas e permanências, que integra a lei-tura diacrónica espaço-temporal, das atitudes peran-te a morte, trazemos à luz alguns dos suportes cultu-rais que emergem do viver sociabilitário e que sobredeterminam a solidificação dessas mesmas re-lações de sociabilidade, ritualizando a necessidade de sentir que, apesar da morte individual, a Vida se perpetua através da continuação do corpus social.

Visto desta maneira, o cemitério surge-nos como um dos suportes fundamentais da memória histórica dos últimos duzentos anos, pensando, com Reis Torgal3, que "esta memória histórica resulta de uma multiplicidade de fontes, que vão desde conhe-cimentos espontâneos transmitidos tradicionalmente ao longo de gerações até ao contacto com o quotidi-ano, directa ou indirectamente (hoje a influência dos mass media é avassaladora), ou à história aprendida a partir da infância e ao longo da vida, na escola, na família, na rua". Assim, a memória histórica individual plasma-se na memória histórica co-lectiva, e não é possível dissociar uma da outra, porque se a atomização do conhecimento se potencia e reactualiza na memória colectiva esta, por sua vez, influi e condiciona as variantes de evo-cação e esquecimento que cada uma valora.

Pagina anterior : A mesma cruz, ao invocar a martírio cristológico, procura que esse momento supremo do Novo Testamento seja ritualizado em cada um que morre. Morte e ressurreição são indissociáveis e estão subjectivamente incorporadas neste símbolo religioso(Cemitério de S. Miguel/Macau.)

Desmistificar a morte torna-se, pois, numa necessidade metodológica para melhor entender como, impossibilitados de conhecer o nosso fim existencial, concorremos para construir um discurso histórico-antropológico, que mitigando angústias e medos, veio valorizar mundividências que negam esse acto fundamental e definitivo da vida humana e, simultaneamente, nos mostrou que a multiplicidade das leituras teleológicas sobre as fi-nalidades da existência prospectivou encenações mágico-religiosas, incorporadas na diversidade de símbolos que polvilham os espaços cemiteriais. Aos vivos devemos os mármores, epitáfios, estátuas, ruas e praças, igrejas e orações, as flores que mur-cham e a flora que persiste, e reproduzem a relação entre as pulsões do imaginário e as formas como objectivamos a ideia de morte, numa "incessante troca que existe ao nível do imaginário entre pulsões subjectivas e assimiladoras e as intimações objectivas que emanam do meio económico e soci-al"4. Esta relação, no que respeita à emergência da decoração cemiterial, é a manifestação de um discurso simbólico que incorpora subjectivamente as impossibilidades dos vivos perante a inevitabilidade da morte e sem a qual não é possível 'ler' os sinais da memória histórica, incrustados nas múltiplas evi-dências que se revelam ao investigador. É que os mortos, para além das problematizações que permi-tem nas áreas da biologia, medicina, nas crenças e religiões, são uma realidade social e condicionam posturas culturais que se traduzem numa linguagem complexa, ritualizada e mitificada, cristalizadas em símbolos que, pela imediata observação sugerem o fim da vida biológica e questionam a fundamenta-ção ôntica da existência. Por outro lado, presentificam significações ocultas que, se desnuda-das e aprofundadas, indicam como o poder do símbolo "é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das ou-tras formas de poder"5 que se identifica com o poder da morte. É, pois, neste contexto onde a morte se manifesta no tecido social pela mensagem simbóli-ca: desde a estatuária que embeleza as cidades imortalizando os seus heróis, à cruz que encima as páginas necrológicas dos jornais, aos ciprestes que de longe nos adivinham cemitérios, ao vestido ne-gro de viúvas, às gravatas pretas, aos molhos de crisântemos e rosas nas floristas, às oficinas de canteiros, às agências funerárias e respectivas via-turas no incessante vaivém pelas ruas da cidade, que nos apercebemos da omnipresença dessa reali-dade que a todo custo procuramos iludir -o Poder da Morte.

A PRESENÇA-AUSÊNCIA DA MORTE

A morte romântica "Fala-se" no feminino. O desejo de anular os efeitos pu-trefactivos da terra conduz à marmorização e à evidência de uma relação psicoafectica entre o vivo e morto que procura fazê-lo retomar ao mundo dos vivos. Os epitáfios em discurso directo, as fotografias inscrevem-se nessa estratégia ilusória onde a morte é negada. (Cemitério de S. Miguel.)

Tendo em conta a formulação de Vincent Thomas6, também pensamos que as tipologias das formas de morrer, o significado do falecimento e ritos funerários, o tratamento dos cadáveres e de-pois das ossadas, as condutas de desgosto e o traba-lho de luto, a sublimação panteónica de certos mor-tos, assim como o nascimento do espírito religioso integram um lado feixe sócio-cultural cuja leitura compreensiva e critica é fundamental para desmi- tificarmos o preconceito macabro e lúgubre com que se argumenta contra a reflexão socio-tanatológica.

O que nos importa nesta reflexão é a explora-ção do discurso articulado do símbolo e da morte, que atravessa a ornamentação funerária e perceber como daí se extrai a possibilidade de encontrar um espaço, biológica e administrativamente organizado, destinado à putrefacção dos corpos e do qual a mais forte emanação é a presença da Vida. A morte tor-nou-se dentro da mundividência romântica que promana do racionalismo liberal um fenómeno perturbador da teoria da afirmação do indivíduo e neste quadro condicionado pelas posturas religiosas herdadas do Antigo Regime, a sobrecomposição dramática do espectáculo necrolátrico colidiu com o discurso iluminista dos militantes liberais, republi-canos e socialistas que, ao abrigo das prevenções higienistas, expropriaram à Igreja a tutela dos mor-tos, e pela criação dos cemitérios entregaram tal prerrogativa ao poder monárquico-constitucional e, mais tarde, republicano.

Fernando Catroga7 mostrou claramente como se desenvolveram estas estratégias, ditadas pelos novos modos de equacionar a vida e a mor-te, que a partir dos meados do século XIX se desenvolveram, ao nível ideológico e político, tendo como objecti-vo a secularização da Morte dentro de um quadro que nas finalidades últi-mas procurava a laicização das estru-turas do Estado demo-liberal. De acordo com a abordagem daquele his-toriador a emergência do cemitério romântico assinalou o surgimento de tensões que recriavam mundi-vidências que integravam novas for-mas de entender a Morte e pugnavam por teleologismos afastados da soteriologia cristã, reinterpretando a ideia da imortalidade através da eternização do morto, presentificado como vivo, pela incorporação subjectiva na memória colectiva8. Esta postura, defendida pelos doutrinadores republi-canos com particular destaque para Teófilo Braga, radicava-se na euforia que o positivismo e depois o cientismo de final de século procurava inculcar nas mentalidades, que a partir do progresso científico seria possível preservar a vida e se não era possível sonhar a imortalidade física, estavam criadas as condições para aumentar a esperança de vida e, si-multaneamente, revivificar a sociedade pela consa-gração dos mortos na memória dos vivos. Este tipo de religiosidade cívica colidia com a ancestral cren-ça, enraizada na tradição judaico-cristã, desenvolvi-da e reformulada pela Igreja segundo o dualismo vida e morte, corpo e alma, e que escatologicamente apontava para a redenção dos crentes no Dia do Apocalipse. E é esta confrontação que vemos cres-cer no interior dos cemitérios românticos através de uma arquitectura funerária que se irá plasmar em discursos iconográficos diversificados e, até, em conflito, projectando perante a morte as preocupa-ções sociais, culturais e políticas que dominavam os vivos.

Desta forma, as novas necrópoles9 reproduzi-am as tensões das cidades dos vivos e, na sua orga-nização iriam reproduzir as mesmas estratégias ur-banísticas que obedeciam às estra-tificações sociais. Vencida a existên-cia da vala comum, símbolo da morte anónima típica do Antigo Regime, o sepultamento individualizado dos corpos obedecia à afirmação do ideário liberal, e à necessidade de identificação civil que a quantificação da Nação exigia. Vemos, assim, no desenvolvimento do nosso século aprofundar as soluções avançadas a partir da legislação de Rodrigo Fon-seca Magalhães10, e, hoje, a visita aos tradicionais cemitérios românticos permite-nos a leitura histórica da luta política, da confrontação entre dife-rentes posturas, laicas e/ou religiosas perante a morte, e esclarece, baliza e demonstra que o espectáculo necro-látrico corresponde ao exorcismo das angústias dos vivos perante a sua própria morte.

NEGAÇÃO DOS MORTOS E NEGAÇÃO DA MORTE

O século XIX marca uma profunda inversão de ver, sentir e pensar a Morte. O discurso cristão que durante séculos assegurara a gestão das angústias e alimentara as esperanças redentoras era con-frontado com as várias correntes de pensamento que alimentadas pelo racionalismo iluminista provoca-vam a revaloração dos limites do Sagrado e do Pro-fano. Os deísmos, o próprio positivismo (que Comte via como religião da qual era o Sumo Pontífice) articuladas com as teorias de Lamarck, Darwin e desenvolvidas pelo evolucionismo de Spencer ou pelo naturalismo de Haeekel prospectivavam dife-rentes estratégias teleológicas que, no conjunto, co-lidiam com os postulados reducionistas que entendi-am a Morte dentro do dualismo corpo e alma e pug-navam pela problematização da consciência da finitude invocando argumentos que integravam o Homem em ciclos mais vastos da compreensão da vida individual e social. Porém, não se deve enten-der do que fica exposto que o desenvolvimento da secularização da morte, indissociável das afirma-ções políticas liberais e de processos de descris- tianização do poder secular, conseguiram ao nível da iconografia tumular representar claras linhas de descontinuidade. É que "o sagrado e a laicidade es-tão sujeitos, a nível de experiência histórica, a inter-ferências que dão origem a fenómenos mistos geral-mente definíveis com grande dificuldade e conheci-dos nos seus extremos, como 'laicização do sagra-do' e, no ponto oposto, como "sacralização da ori-entação laicista"11.

O epitáfio é um discurso carregado de apelos simbólicos e dramáticos. A preocupação teleológica inscrita nas mensagens procura, directa ou, indirectamente, criar a certeza da imortalidade. (Cemitério de S. Miguel.)

Dentro deste quadro, a Igreja sendo obrigada a reformular o discurso de salvação12, onde à luz do individualismo liberal consagrava a valoração da salvação individual em detrimento da redenção co-lectiva dos vivos e dos mortos típica do Antigo Re-gime, não deixava de influenciar as mundividências secularizadas que se haviam afirmado no combate anti-clerical e anti-congreganista. É assim que a afirmação do racionalismo laico tendeu, ao legiti-mar outros traçados ontológicos de cariz metafísico e transcendental como forma de encarar a Morte, ainda que revalorizando os limites do imaginário que separavam a sacralidade da profanidade, evi-denciou que "o regresso da instância laicista à área do sagrado implica a recuperação de uma medida do transcendente que pertence, com uma correspondên-cia mais ou menos precisa, às religiões tradicio-nais"13.

Desta forma podemos compre-ender que as interacções entre a Igre-ja, a secularização e o laicismo, parti-cularmente no que respeita, para o caso português, às manifestações arquitecturais que prospectivavam o ideário maçónico, indissociável da afirmação do liberalismo e do republicanismo, como mostrou Fer-nando Catroga14, se tomem, na maio-ria dos casos num imbricado de sím-bolos onde se confunde a soteriologia cristã com a iconografia maçónica15.

A morte não inibe a continuação dos vínculos afectivos que unem os vivos. Seja a família, seja um grupo mais vasto - neste caso os Salesianos - a ressurreição é uma expectativa dos vivos que configura o reencontro no Além. A mesma estratégia preside à construção dos jazigos ou sepulturas de família. (Cemitério de S. Miguel.)

É no caldo destas tensões que se vai materializando o Cemitério Romântico. A sobrecomposição dra-mática da Morte, que a literatura ro-mântica e ultra-romântica exar-cerbara, elegendo-a como um dos momentos cruciais das narrativas em prosa e em verso, acabaria por confi-gurar uma paisagem cemiterial que reflectia estas tendências e, simulta-neamente, plasmava a crença na per-petuidade da Vida. Na verdade, o escamoteamento da terra, símbolo da corruptibilidade dos corpos, e a proli-feração da obra tumular assente no crescimento de jazigos e sepulturas marmorizadas veiculava a revalora-ção da morte circunscrita à intimida-de da família e, por outro lado, iludia a presença do morto, presentificado na memória como vivo. É neste con-texto que se inscreve, por um lado o recurso à ins-crição nos frontispícios dos jazigos da designação de 'Jazigo de Família' e, por outro, surge o epitáfio em que 'o vivo fala com o seu morto', evocando amor, saudade, esperança de reencontro, sendo as mais das vezes em discurso directo. Isto é, para o vivo as palavras escritas traduzem-se em palavras ouvidas, como se o exercício de evocação trouxesse o cadáver para os níveis da comunicação falada. É, nos seus limites, a negação da morte, a inaceitabilidade do decesso, e a recusa do vivo em assumir essa realidade definitiva que é morrer16.

A. O CONTROLO SOCIAL DA VIDA E DA MORTE

Desde a segunda metade do século XIX na sequência da revolução pasteuriana e da introdução das metodologias experimentalistas de Claude Bernard, que assistimos à crescente intervenção do médico na organização da vida social, não só pelos dispositivos tecnológicos e terapêuticos que domina para obstar ao avanço da doença, mas também pelo recurso à definição das políticas de prevenção sani-tária. As grandes vitórias obtidas contra doenças in-fecto-contagiosas tais como a varíola, a tuberculose, a raiva, estabeleceram nas populações um novo tipo de crença no poder do médico o que se traduziu, no terreno das mentalidades em modificações significa-tivas, que reequacionaram as atitudes perante a vida e a morte. Sobretudo as campanhas higienistas leva-das a efeito por Ricardo Jorge, Câmara Pestana, Sousa Martins, Miguel Bombarda contra a peste, a tuberculose, vieram a pôr em questão não só os vári-os critérios como se pensava a saúde pública como interveio na forma de pensar a cidade, as políticas urbanísticas, revolucionando a arquitectura e a enge-nharia que projectavam as cidades sujeitas às pres-sões demográficas que no final do século se regista-ram por toda a Europa.

Lisboa não foge à regra. Entre 1870 e 1930 duplicou a população e a construção da nova cidade veio a obedecer a critérios sanitários que incorpora-vam preocupações de salubridade das novas habita-ções, com a construção de amplas redes de esgoto, água e gestão cuidada do lixo.

Este breve resumo histórico procura elucidar como a intervenção hipocrática invadiu territórios até então fora das tradicionais áreas de actuação médica, e conduziu à organização do Estado onde a preocupação higienista ganhou uma função regula-dora das sociabilidades e legitimou a execução de políticas de prevenção sanitária que determinaram o melhor controlo da população e das suas condições de vida.

Não nos alonguemos mais. Importa-nos, neste momento, no que concerne a Macau perceber como, para além das flutuações já assinaladas nas variações da natalidade e da mortalidade17, a crescente medica-lização da comunidade diferenciou e precisou os quadros nosológicos do território, garantindo maior eficácia no combate à doença.

A Direcção de Serviços de Estatística e Cen-sos de Macau possui informação única sobre este movimento medicalista18. A leitura diacrónica de di-versos resultados, desde 1950 até 1991, mostra-nos claramente como a saúde e a morte foram paulatina-mente sendo apropriados pela administração públi-ca, regulando comportamentos, reorganizando as so-ciabilidades, modificando os paradigmas mentais e culturais em que assentava a comunidade macaense.

A.1- A SAÚDE EM MACAU

A reflexão sobre a saúde pública em Macau é uma questão demasiado complexa para ousarmos desenvolvê-la neste pequeno trabalho. É que com a crescente burocratização do aparelho de Estado e das polítióas sectoriais que directa ou indirectamen-te influem na organização urbana e populacional com vista à profilaxia nosológica não é possível di-ferenciar, sem uma cuidada e morosa investigação, as condicionantes que influem sobre a prevenção sanitária.

O conceito de saúde pública é um produto do século XIX19. A crescente influência do positivismo, introduzido em Portugal por Teófilo Braga e Júlio de Matos20, e a propagação do cientismo21 - que se afirmou sobre os postulados filosóficos daquela doutrina - que defendia a pos-sibilidade de compreender e controlar os fenómenos naturais e a própria existência do homem através do recurso à ciência, tendo como paradigma o modelo das ciências naturais. Este optimismo científico, ainda que confiando com alguma ingenuidade no determinismo, consolidou a ideia de que a saúde individual não passava da atomização da saúde co-lectiva influindo-se reciprocamente. Esta atitude é largamente tributária dos rápidos avanços que no campo da biologia, da química e da medicina se operavam desde a segunda metade do século XIX. A tomada de consciência, graças à aplicação do mi-croscópio, que no meio ambiente viviam milhões de seres - bacilos, virus, bactérias, fungos, etc. - que eram directamente responsáveis por grande número de doenças e mortes foi determinante na formulação do conceito de saúde pública. Isto é, uma vida sau-dável (onde saúde significava ausência de doença) só era possível num am-biente suficientemente asséptico, reflexão que sobredeterminava a ne-cessidade de controlar o nível de purificação das águas, de assegurar rápi-dos escoamentos de de-tritos através de redes de esgotos fechados e sem qualquer contacto com as populações, ao mes-mo tempo que defendia a exigência de habita-ções construídas em bons níveis de salubrida-de, a necessidade de ga-rantir boas e seguras condições de trabalho, para além de vastas campanhas de vacinação (a descoberta das vaci-nas contra a raiva e a va-ríola provocaram outra grande revolução da profilaxia), procurando, deste modo, conter o avanço das doenças, e em particular das infec-to-contagiosas.

Percebe-se, por esta breve resenha, como saúde pública se tornou sinónimo de prevenção sanitária e é neste princípio que assenta toda a política higienista que se desen-volveu e ampliou durante o nosso século.

Compulsando os dados fornecidos pela Direc-ção de Serviços de Estatística e Censos claramente compreendemos como o mesmo tipo de prevenções determinou o ordenamento das instituições intervenientes da organização da saúde pública de Macau e, por detrás dos números apresentados, po-demos captar a maneira como foram valoradas as questões que temos vindo a colocar.

Vejamos, então, alguns dos indicadores que deverão ser tomados em conta não só para explicar como o crescente controlo médico fez diminuir a mortalidade, mas também para perceber que a estra-tégia higienista con-dicionou as sociabilida-des e as posturas perante a vida e a morte.

Se cotejarmos o movimento noso-ne-crológico de 195022 com as informações estatísti-cas de 199123, desde logo se percebem algu-mas indicações nuclea-res para comprovar o que afirmámos.

Em 1950, nos es-tabelecimentos de saúde de Macau foram tratadas 1 162 tuberculoses de várias etiologias (com predomínio da tubercu-lose do aparelho respira-tório com 1 030 casos), 39 doenças de transmis-são sexual (sífilis e gonorreias), 543 situa-ções de desinteria, difte-ria e tosse convulsa, 411 doentes devido à utiliza-ção de águas contamina-das (tifos, bilharziose, filariose e outras), para além de 208 doenças in-fecciosas e parasitárias, exceptuando a influenza. Deste grupo nosológico de 2 363 indivíduos morre-ram 466, número que constitui 25,8% do total de óbitos ocorridos em 1950.

A identificação do cemitério como um "Campo Santo" implica, ao nível do imaginário, a construção de uma geografia da religião. No cemitério católico de S. Miguel existe, por este motivo, um outro pequeno cemitério onde estão sepultados protestantes.

Se atentarmos agora nos números de 1991, em-bora não possamos controlar o número de doentes de- vido à alteração das categorias utilizadas para siste-matizar os quadros nosológicos, sabemos que o mes-mo conjunto de doenças apenas matou 43 indivíduos, representando 2,1% das mortes que aconteceram na-quele ano.

Que pensar desta comparação, que outras sonda-gens intercalares possivelmente confirmarão?

Na verdade logo nos surge a ideia que a vul-garização da penicilina a partir da segunda metade do nosso século foi um instrumento fundamental para a regressão absoluta e relativa destes números. Não duvidamos. Porém, se consultarmos o movi-mento noso-necrológico das doenças infecciosas e parasitárias de 1970, constatamos que 135 indivídu-os morreram, correspondendo a 8,9% dos óbitos ocorridos para esse ano, apesar da vulgarização te-rapêutica do antibiótico.

Esta redução substancial de óbitos que ocor-reram nos últimos vinte anos encontra-se necessaria-mente concatenadas com outras condicionantes, en-tre as quais a melhoria das condições de habitabili-dade24, as novas formas de apropriação do território onde a salubridade das águas e dos esgotos deu sal-tos significativos, e, sobretudo, o aperfeiçoamento técnico-científico do conhecimento médico, a me-lhoria dos equipamentos hospitalares, a diferencia-ção especializada dos serviços médico-sanitários possibilitando a diminuição dos casos idiopáticos, estarão no conjunto explicações que esclarecem esta regressão das infecto-contagiosas.

Porém, outra variável importante explica a re-dução dos quadros noso-neurológicos. Referimo-nos à vacinação. Compulsando os números disponíveis, na informação censitária, referentes aos últimos qua-renta anos, verificamos o seguinte:

ANO                           VACINAS              POPULAÇÃO
1950......................... 48 585.....................25,9
1970.........................108 765.....................43,7
1990.........................123 251......................---
1991.........................226 808.....................63,8

Não podemos dissociar a rápida progressão deste meio profiláctico, particularmente nos últimos dois anos, para a retracção das infecto-contagiosas. Por outro lado, este aumento massivo da vacinação tem outra leitura que merece algumas considerações. Estamos, no nosso entender, perante uma modificação de condutas por parte da população de receptividadeà propaganda e informação sobre a prevenção sanitária. Se é certo que as exigências de uma Administração que reproduz as funções higienistas intrínsecas à própria organização do estado, obrigam à vacinação co-mo condição de ingresso na carreira pública e outros sectores da vida comunitária, o aumento dos valores absolutos que se registam são necessariamente correlatos da predisposição de largos sectores da popu-lação para aceitar tal prática. Quer isto dizer que o desenvolvimento das políticas de saúde estão impreg-nadas de uma forte componente demopédica que mo-difica, no plano individual, comportamentos e é indissociável da relação dialógica que assegura a coe-são das solidariedades verticais em função dos valores da vida e da saúde.

Pensamos que os censos e o movimento estatís-tico estão em condições de fornecer elementos funda-mentais para a compreensão mais complexa da saúde pública macaense. Gostaríamos de pensar que as hipóteses que aqui deixámos, pudessem conduzir a resulta-dos mais completos e coincidentes com a política sani-tária que condiciona a vida da população no território. É um campo de trabalho que espera o seu investiga-dor. Assim a Administração compreenda o verdadeiro alcance destes estudos para que em 1999, no momento de todos os saldos, percebermos a importância da in-tervenção política portuguesa sobre Macau.

A.2 -NASCER EM MACAU

Outra das questões que vamos levantar, urgindo para a sua cabal compreensão outro profundo trabalho de campo, respeita às condições de maternidade, da assistência matemo-infantil e dos esforços para debe-lar os fenómenos etiopatogénicos que determinam a mortalidade infantil, como se sabe, um indicador inter-nacional de avaliação de desenvolvimento.

Não nos vai interessar sobremaneira a flutuação global da população durante o período considerado porque não iremos aqui reflectir sobre as taxas de vari-ação demográfica já que é pouco relevante para aquilo que queremos mostrar. Importa-nos verificar se, de acordo com a investigação estatística, percebemos como a assistência matemo-infantil funcionou.

Tomemos os seguintes indicadores:

NADO-VIVOS NASCIDOS NO TERRITÓRIO: 
1950............................................. 4 576
1970............................................. 2 676
1980............................................. 3 384
1991............................................. 6 832
NADO-MORTOS: 
1950..............................................75
1970.............. a) não existe informação
1980..............................................39
1991..............................................46
ÓBITOS DE CRIANÇAS COM MENOS DE UM ANO: 
1950..............................................172
1970.............................................. 77
1980.............................................. 68
1991.............................................. 51

Correlacionando os valores apresentados em função do conjunto de nado-vivos, verificamos que as duas situações necrológicas apresentadas estão em regressão. Vejamos como se colocam em termos percentuais:

               NADO-MORTOS      ÓBITOS C/MENOS DE 1 ANO
1950............. 1,63%.................. 3,7%
1970.............  -- ................... 2,8%
1980............. 1,15%.................. 2,0%
1991............. 0,67%.................. 0,7%

É clara a regressão das duas situações ne-crológicas. Se o conjunto de condicionantes que temos vindo a levantar explicam este fenómeno, não é menos importante a influência dos esfor-ços que integram os cuidados de saúde matemo--infantil.

Assim, para o ano de 1990, os 6 872 nascimen-tos que ocorreram no Território foram realizados em unidades hospitalares"25, acompanhadas ou por enfer-meiros ou por médicos o que se traduz da absoluta "medicalização" do parto, situação que pressupõe a existência de recursos hospitalares de assistência ámãe e ao nascituro inexistentes fora deste contexto.

Se chamamos a atenção para este facto, deve-se à constatação estatística que podemos fazer sobre os poucos números disponíveis. No entanto, sabemos que em 1950, do total de 5 330 nado-vivos, 4 576 nasceram em estabelecimentos de saúde. Isto signifi-ca que, naquele ano, em cada 100 crianças, 14 nasci-am noutros locais, possivelmente na habitação da mãe. Por outro lado, o nível de cuidados e especiali-zação dos serviços hospitalares permite compreender que, hoje, o parto tenha aí o seu lugar privilegiado. 18 médicos especializados em Ginecologia e Obste-trícia, 21 especializados em Pediatria dão garantias de êxito a um normal nascimento, factor que pensa-mos aliciante para a procura em exclusividade daque-las unidades de saúde.

Como se vê, mesmo a este nível, é possível cap-tar os complexos fenómenos da prevenção, funcionando em interacção, e onde a informação e a cultura sanitária das mulheres grávidas joga um papel decisivo.

B. MORRER EM MACAU

Todos os homens têm consciência da sua fínitude biológica, todos aspiram à imortalidade26 e ne-nhum pode conhecer a sua própria morte. No momen-to em que poderia acontecer a apreensão racional do fenómeno as capacidades cognitivas perdem-se irreversivelmente, impossibilitando a sua compreensão gnosiológica. Apenas conhecemos a morte do Outro27 e nela prevemos o nosso próprio óbito. Presos nesta cadeia de impossibilidades, sufragando esperanças de atingir um sentido eterno para a existência, titubeantes entre a incerteza, o medo e a possibilidade da nadificação, construímos teias de crenças, supersti-ções, fés e explicações ontológicas que se não nos garantem a imortalidade do corpo, permitem sonhar a eternidade do espírito. É nesta ambiguidade entre a inevitabilidade do fim e a necessidade de afastar para longe o espectro da morte que, afinal, o hospital ganha a sua verdadeira dimensão. Curar é legitimar a crença em maior esperança de vida e se o médico ocupa, na actualidade, o papel de último reduto no combate pela vida, nem sempre foi assim. A bruxa, o adivinho, o curandeiro são figuras que ocuparam esse lugar e nem devemos pensar que falamos de coisas do passado. O adivinho, mágico alquímico que desvenda futuros e assegura felicidades, o mestre de fong sói que previne o mal e organiza o espaço e o tempo abrindo as portas às bem-aventuranças, vivem e condicionam o quotidi- ano macaense a tal ponto que pensar o Território sem este tipo de intervenção mágico-divina é preverter o sentido humano e social que o identifica culturalmen-te. Estes gestores da crença, da superstição, titulares da prospecção do amanhã pelo recurso a misteriosos se-gredos e conhecimentos cuja origem se perde na milenar memória chinesa traduzem socialmente a ne-cessidade do homem querer conquistar a certeza que amanhã está vivo e a morte é um momento longínquo, algo de indefinível colocado algures num horizonte intemporal que se perde na distância e que as pulsões da vida impõem às crenças na amortalidade.

Ao constatar este tipo de fenómenos não pre-tendemos ajuizá-los em função da sua credibilidade, mas sublinhar a sua presença como um dado sociológico importante que reflecte componentes fundamen-tais da vida macaense: a teia de superstições, crenças, de múltiplas manifestações onde se imbricam elemen-tos sagrados e profanos, sem estrutura religiosa defini-da, o hibridismo ritualístico que captamos nos templos disseminados pela cidade, onde tradição, invocação do divino associado a gestos mágicos carregados de sim-bolismo são um dos cimentos fundamentais das socia-bilidades.

Curiosamente este comportamento social e mental é captado nos Censos/91 por omissão28. Ao diferenciar a população residente em termos de opção religiosa, 61% do total aparece inscrito como não ten-do religião. Na verdade, não podemos considerar esta onda de crenças, superstições, com múltiplos e diversi-ficados rituais invocativos dos diferentes deuses que habitam o imaginário da população como uma reli-gião, suportada por instituições hierarquizadas, ideológica e doutrinariamente fundamentadas. Quase diría-mos que estamos perante manifestações deístas teleologicamente dirigidas a uma concepção panteísta da existência. Existe religiosidade sem religião e aqui é possível de constatar com maior evidência do que nas sociedades ocidentais como as manifestações es-pontâneas do divino excedem largamente os limites escatológicos das religiões tradicionais.

O fenómeno é de tal modo multicomplexo que o termo fong soi alberga a maior parte destas posturas fideístas que assentam na concepção imanentista do homem e da natureza, indissociando e relevando as interacções que se estabelecem entre ambos, assumin-do-os como evidência global do divino. Bem diferente é a perspectiva teológica cristã, sobretudo a partir das formulações doutrinárias de Descartes. Porém, no con-texto das sociabilidades orientais, através dos censos, podemos perceber como o movimento fideísta se toma favorável a uma concepção panteísta do Universo e que se traduz num tropismo crescente que desloca os "sem religião" para a assunção da religião budista - que se suporta sobre a mesma mundividência - o mesmo ocorrendo com os que se consideram cristãos. O movimento é lento mas inexorável, e uma das con-clusões mais surpreendentes que o estudo censitário capta é a crescente descristianização da comunidade que recebeu a unção baptismal. A poderosa corrente cultural e religiosa oriental impõe-se mau grado a inter-venção missionária, que conseguindo alguns êxitos nas faixas etárias mais baixas, perde crescentemente o con-trolo religioso dos crentes conforme avança a idade.

Pode-se dizer que o catolicismo e o fong soi alimentam o budismo, e por outro lado, a corrente budista e as religiões cristãs são atravessadas pelas crenças e superstições dos "sem religião". Para corro-borar tal afirmação basta consultar os cemitérios chi-neses e de S. Miguel. A par de símbolos religiosos que tipificam os crentes budistas e cristãos, as referências do fong soi atravessam as mesmas sepulturas.

Vejamos como se processa a transferência reli-giosa, tendo por base a informação censitária:

IDADE  RELAÇÃO CATÓLICA  RELAÇÃO CATÓLICA  RELAÇÃO SEM RELIGIÃO 
          COM BUDISMO             SEM RELIGIÃO          COM BUDISMO
  0 -- 4.....0.40....................0.06...................0.15
  5 -- 9......0.50....................0.10...................0.21
 10 --14......0.54....................0.15...................0.29
 15 --19......0.44....................0.12..................0.26
 20 --24......0.35....................0.09..................0.25
 25 --29......0.39....................0.09..................0.24
 30 --34......0.43....................0.10..................0.25
 35 --39......0.43....................0.12..................0.29
 40 --44......0.41....................0.14..................0.35
 45 --49......0.40....................0.14..................0.34
 50 --54......0.30....................0.12..................0.40
 55 --59......0.37....................0.16..................0.42
 60 --64......0.38....................0.15..................0.48
 65 --69......0.33....................0.16..................0.49
 70 --74......0.32....................0.18..................0.56
 75 --79......0.21....................0.04..................0.47

Os cemitérios românticos foram pensados como Museus, lugar privilegiado da evocação, objectivação da memória, palco da história.

O busto de Nicolau Mesquita, herói da autonomia macaense, continua a presentificar a memória deste militar liberal que a revolução "um, dois, três" varreu do largo do Leal Senado. O cemitério transformou-se nesse espaço que perpetua aquilo que a efemeridade política devastou.

(Cemitério S. Miguel.)

O aprofundamento destas séries em cruza-mento com outras variáveis, nomeadamente como a mobilidade migratória e a influência dos diversos instituintes religiosos virá a enriquecer a reflexão. No entanto, e face à simples relação que apresenta-mos verifica-se que a maior influência católica fun-ciona até ao limite de 15 anos, o que deve estar intimamente ligado ao ensino e ao maior controlo religioso que é possível realizar através dos estabele-cimentos escolares. A partir daí entra em perda irreversível sendo interessante um estudo mais aprofundado sobre esta questão para perceber os movimentos religiosos.

No âmbito deste pequeno estudo, apenas aqui trazemos estas considerações como hipóteses de tra-balhos diferenciados, mas sobretudo para explicar como os territórios indefinidos, nos quais se joga a contradição entre a consciência da finitude e a exi-gência de fundamentações metafísicas para os traça-dos ontológicos que não se esgotam na morte, são tão fluidos como a própria sociedade macaense em permanente mutação.

Mas se podemos captar neste movimento reli-gioso parte significativa das relações do sagrado e do profano, das flutuações das crenças, das preocu-pações escatológicas da população, as possibilidades de apreender fenómenos mais objectivos dos com-portamentos são mais evidentes a partir de outras abordagens.

Na verdade, pensemos a comunidade chine-sa, a macaense ou a portuguesa, é sabido do vínculo psicoafectivo que une as famílias ao moribundo e como a morte é vivida e sentida no interior do agre-gado familiar29. É esta postura um dos traços carac-terísticos da morte romântica, cuja sobrecomposição dramática objectivada nos rituais funerários - os pesâmes à família, o luto da família, a proliferação de jazigos e sepulturas familiares - enquadra mudividências que prospectivam a anulação da ideia de ruptura dos elos que unem os vivos e os mortos. É no interior desta estratégia que, particu-larmente a partir da segunda metade do século XIX, com a crescente afirmação do liberalismo e do ro-mantismo, enquanto sua expressão cultural domi-nante, o moribundo é assistido nos últimos momen-tos pela família - entendendo-se este conceito como parentes mais próximos - que vigia, vela e cuida dele, procurando esbater a dor e potenciando as solidariedades afectivas preparando um contexto de forte sentimentalidade e emoção para o momento do falecimento. Enquanto este ritual "pré-fúnebre" se prepara, nesta perspectiva emocional, quase em simultâneo procura-se escolher as roupas que servi-rão de mortalha, sondar preços de urnas e valor dos terrenos para compra de jazigos ou sepulturas, cui- dando de detalhes e pormenores que no seu conjun-to expressam a construção de uma aparelhagem mental que, inscreve a vivência da morte no interior da família, revela a preocupação em negar a sua função desvastadora e amputadora. Vestir o morto, fechar-lhe os olhos, envolvê-lo por um caixão, apre-sentando-o aos visitantes que vão colaborar nas cerimónias fúnebres de mãos postas, nas quais mui-tas vezes pende um terço ou um crucifixo, integra essa função mágica e ilusória que procura reintegrar o morto no ciclo da vida. A própria semântica tem essa função catársica. Não se fala do cadáver (pala-vra que sugere putrefacção), mas do corpo, do cor-po que "dorme" o sono eterno, ou que "repousa" em paz. E quando for sepultado, não estará no inexorável ciclo da decomposição: encontra-se na "última morada", descansa em paz entre o "esplen-dor da luz perpétua" "espera o dia da ressurrei-ção"30. É evidente que esta ritualidade, onde se ins-creve o movimento necrolátrico de inspiração romântica, está afectado por uma profunda religiosi-dade onde se procuram relevar os fundamentos teleológicas que garantem a imortalidade da exis-tência. Os epitáfios são escritos em discurso directo, como se em vez de um monólogo estivéssemos pe-rante um diálogo, as fotografias revivificam o morto e, sobretudo, no cemitério de S. Miguel Arcanjo, a construção dos sinais religiosos denunciam a soteriologia cristã como a opção dominante da mai-oria dos defuntos e sua família.

No entanto, sob as influências das doutrinas neo-iluministas, com destaque para o positivismo e o cientismo, ao longo do século constatamos a cres-cente medicalização da sociedade que vem a culmi-nar, como mostram os resultados de 1991 com a ruptura a diversos níveis das formas de entender a vida e a morte. O processo é complexo e não é aqui a sede para a sua análise. Porém, devemos deixar assinalado que sob a crença no valor da ciência, se foi incutindo aos poucos a ideia que a medicina, graças aos sucessivos e rápidos avanços, poderia controlar o fenómeno nosológico e, inclusivé, criar as expectativas sobre a possibilidade de controlar a própria morte31.

Esta postura teorética para além dos proces-sos que desencadeou ao nível da secularização e laicização da sociedade, incentivou a confiança no poder do médico e elegeu o hospital como o centro simbólico que representava o travão final, a barreira que opunha a vida e a morte.

O avanço da luta liberal reproduziu nos cemitérios as preocupações secularizadoras e laicistas. A proliferação de jazigos sem simbólica religiosa cristã permitiu a evidência de outros tipos de religiosidade cívica que procurava fazer coincidir eternidade com o não esquecimento.

O que aqui dizemos é confirmado pelos Cen-sos/91 e pelo Anuário Estatístico/1991. Se consultar-mos o movimento estatístico de 1950, verificamos que dos 1 808 óbitos desse ano, 626 indivíduos morreram fora do hospital32. Embora não se especifique o local onde ocorreu a morte, não será exagerado admitir que a esmagadora maioria aconteceu nos alojamentos em que residiam. Tendo em vista este número, cerca de 35% do total, como hipótese de trabalho seria interes-sante de analisar como evoluiu esta percentagem até 1991. Caso se confirme os postulados que anterior-mente afirmámos, por certo, que o investigador que compulse este tipo de informação chegará à conclusão que o hospital, funcionando como o centro reprodutor da vida (vimos que é nele que ocorrem todos os nasci-mentos em Macau) é também o lugar para a morte neste final de século. É que a aceleração do tempo, o crescente ritmo de produtividade e exigências do au-mento do lucro, conferiu uma dimensão diferente aos rituais funerários. Assiste-se nas sociedades modernas à transferência do moribundo do seio da família para o centro tecnológico e asséptico do hospital. Os ritos de dor e psicoafectivos, exprimindo uma simbólica de continuidade da vida e o sentir a morte como um au-têntico assassinato33 que amputa a família de um dos seus átomos, são substituídos pelo diagnóstico, por complexos aparelhos de recuperação, transformando o que vai morrer num emaranhado de tubos, cada vez mais isolado do mundo, entregue à solidão que a visita rotineira do médico quebra uma ou duas vezes por dia34.

Um aspecto do cemitério cristão de Hong Kong. Em primeiro plano um jazigo com simbólica maçónica e à direita uma sepultura ortodoxa.

A coexistência de várias dimensões do sagrado e do profano é típica dos cemitérios.

A morte medicalizando-se, desumaniza-se. O que vai morrer é acompanhado como mais um caso, cujo estudo evolutivo é fundamental para as ruptu-ras epistemológicas que constatamos no campo da medicina.

É evidente que estamos a colocar proble-mas. É necessário proceder a investigações atura- das sobre a comunidade chinesa, cujas mun-dividências orientalistas, diferem das atitudes ro-mântica e neo-iluminista típicas da morte ociden- tal. No entanto, estamos em crer que foi no campo da saúde, da prevenção sanitária, da necessidade de reacção aos processos nosológicos que condu-zem à aceleração do fim da vida que a cultura oci-dental mais influiu nos processos sociabilitários da sociedade macaense.

Se é certo que a leitura diacrónica do movi-mento estatístico nos permite uma visão mais alargada do problema, onde percebemos a evolução da própria medicina - em 1950 ainda são conside-rados 54 curandeiros como integrando os quadros de saúde35 - e que o Anuário Estatístico de 1991 (pp. 91 e sgs.) confirma com uma clareza inequívoca. À excepção da Acunpuctura, tida como especialidade médica e que é o sinal civilizacional oriental que marca especificidades culturais próprias, não pode-mos deixar de chamar a atenção, não só para a siste-matização dos cuidados de saúde diferenciados (p. 91) e a sistematização de categorias nosológicas apre-sentadas. É desde logo claro, que para o período considerado diminuiu o número de casos idio-páticos, isto é, sem diagnóstico e as alterações nosográficas são substanciais. O imperialismo das doenças infecto-contagiosas e parasitárias típicas de regiões subdesenvolvidas e que dominava a nosologia e necrologia dos anos 50, é substituído pelas doenças isquémicas do coração e cerebrovasculares, logo seguidas dos neoplasmas (cancros).

Esta constatação, que uma simples leitura do movimento estatístico de 1950 e 1991 nos mostra, é por si mesma a evidência das modificações operadas quer no exterior - através das políticas sanitaristas - quer no interior dos hospitais graças ao crescente grau de aperfeiçoamento médico.

Mas tomemos três indicadores para demons-trar a primeira hipótese, ou sejam os resultados de 1950, 199036 e 1991, tendo como referência as cau-sas de morte de maior persistência.

                                           1950      1990     1991
·DOENÇAS INFECCIOSAS   ...................0.25.....0.03.....0.02
·NEOPLASMAS  ..............................0.08.....0.19.....0.20
·DOENÇAS CARDIOVASCULARES, 
CEREBROVASCULARES
E DO APARELHO CIRCULATÓRIO  ...........   0.09....0.63.... 0.60

É inequívoca a inversão das tendências e põe a claro múltiplos factores37. O esforço vacínico, a intervenção do antibiótico nas diversas terapias, os avanços registados em especialidades importantes para este campo nosológico, tal como a corrente-mente chamada medicina tropical, a descontaminação das águas (que obriga a um minu-cioso estudo das redes e tratamento e preocupações camarárias com a distribuição de água), as melhorias ao nível das condições de habitabilidade, a melhor consciência da higiene individual e públi-ca são por certo alguns dos condicionantes das questões que apresentamos. Mas por outro lado, ve-rificar-se-á que a "explosão" de neoplasmas e das doenças vasculares coloca dois tipos de problemas. O primeiro que se prende com a ausência de um saber hipocrático correcto sobre a etiopatogenia do cancro. O segundo obriga à profunda reflexão sobre as alterações comportamentais, alimentares e sociabilitárias do quotidiano macaense que vieram a determinar "grosso modo" esta subida em flecha das doenças vasculares. É um trabalho por fazer e que espera o seu historiador. A história recente de Macau, assim como fragmentos importantes do seu passado continuam na penumbra do esquecimento, e só a recuperação dessa memória colectiva permiti-rá compreender as atitudes mentais, as continuida-des que se estruturam nas longas durações do tempo e assinalar as rupturas que marcaram o reordenamento das sociabilidades, as novas práticas rituais e simbólicas perante esses dois momentos tão fundamentais e tão íntimos que são o nascimen-to e a morte.

Pensar a existência, seus percursos e finalida-des, não é um mero exercício académico e científi-co. Inscreve-se num contexto global e complexo que, se bem compreendido, é a objectivação de um saber profundo sobre os quotidianos dos homens. Afinal os grandes actores deste diálogo entre com-portamentos sociais e investigadores que decorre num campo - neste caso Macau - determinado pelas coordenadas do tempo e do espaço. Tempo de vida e espaço para viver são noções indissociáveis do tempo da morte e do espaço para os mortos. Reflectir sobre os territórios que emergem das interacções entre estas noções, que cada um incor-pora nos seus universos oníricos em função das ma- trizes culturais específicas, integra-se no maior dos contributos para a reactualização do conhecimento sobre a sociedade macaense.

A MORTE ROMÂNTICA PENSADA EM PORTUGUÊS NO ORIENTE

É no interior do quadro de valores que temos vindo a desenvolver, que o Cemitério de S. Miguel Arcanjo em Macau ganha uma importância funda-mental no contexto mais alargado da intervenção cultural portuguesa em terras do Oriente. Na verda-de, com excepção de alguns casos pontuais38, este espaço cemiterial corporiza e sintetiza as posturas, que a partir do arranque do movimento liberal e do romantismo como a sua matriz cultural mais domi-nante, os portugueses assumiram nesta região e que traduzem as influências recebidas dos centros reprodutores de novas atitudes culturais situados em Portugal e em países como a França e a Alemanha.

Já se sabe, que os diversos desenvolvimentos teoréticos que emergiram da irrupção do racio-nalismo no quadro do pensamento iluminista, de origem alemã e francesa, são indissociáveis de todos os ulteriores desenvolvimentos que forjaram a com-plexidade cultural portuguesa que particularmente após 1870 se produziu entre as élites culturais39.

Como vimos os cemitérios reflectem esses múltiplos desenvolvimentos, particularmente no que concerne aos de Lisboa, Coimbra e Porto. Porém, no caso de Macau, a singularidade não resulta tanto da articulação destas emergências no cemitério de S. Miguel, naturalmente decorrentes da expansão dos ideários, através dos jornais e dos movimentos migratórios de portugueses para esta parte do mun-do, mas sobretudo como a cristianização e, posteri-ormente, secularização da morte em Macau, que foi incorporando elementos íntrinsecos às mun-dividências orientais, sem perder de vista os teleologismos que caracterizavam as doutrinas e ideias em confronto em Portugal.

É assim que podemos constatar que as mani-festações necrolátricas tipicamente românticas fo-ram incorporando elementos iconográficos que de-nunciavam o fascínio dos portugueses pelas atitudes mentais dominantes nesta faixa do globo. O surgimento de símbolos como o dragão, do respeito pelas regras do fong soi, a construção de sepulturas evitando geometrias demasiado poligonais e prefe-rindo a circularidade são exemplos dessa "orientalização". No entanto, se tais práticas coinci-dem e não colidem com a sobrecarga dramática sobredeterminada pela visão romantizada da morte, é interessante notar que aqueles que optavam, de acordo com os ideiais vividos durante a vida, pela construção de sepulturas onde se podem assinalar os sinais da descristianização da morte, nomeadamente a proliferação das pirâmides e dos obeliscos40, pro-curando materializar mundividências secularizadas das formas de entender a Vida e Morte, também assumem os mesmos sinais tanatológicos ori-entalizantes.

O cemitério de S. Miguel é na actualidade o produto deste caldo multicomplexo de atitudes, re-flexões, crenças e teleologismos. É sobretudo um dos fundamentais suportes da memória, como qual-quer outro cemitério, traduzindo uma concreção in-dispensável para a compreensão e estudo da memó-ria histórica de Macau, para além de registos iconográficos únicos que perturbações políticas des-truíram na geografia identificadora de Macau com processos de sociabilidades próprios. É o caso de Nicolau Mesquita, herói de Passaleão, e uma refe-rência histórica fundamental da luta da autonomia macaense contra o poder dos mandarins chineses no século XIX. Destruída a estátua que o perpetuava na memória dos vivos durante os episódios revolucio-nários que ficaram conhecidos como a revolução do "1,2,3", por representar no quadro da propaganda maoísta um símbolo do colonialismo, a morte foi mais generosa para com aquele ilustre militar. No cemitério de S. Miguel existe, ainda hoje, o seu úni-co busto na sepultura secularizada que os amigos lhe decidiram erigir nos finais do século XIX.

Desta forma, preservar este espaço territorial de Macau (infelizmente não classificado como pa-trimónio histórico) é assegurar a presença da influ-ência portuguesa em particular e da cultura ociden-tal em terras do Oriente, trazida a partir dos cais de Lisboa. Não existe na cidade do Nome de Deus de Macau maior concentração dos símbolos e projec-ções mentais do que foi a vida e a morte, pensada em português, nem tão pouco é possível compreen-der o que por aqui fizémos, construímos e sedimentámos quer no interior das nossas próprias estratégias culturais quer no quadro das interacções que se produziram ao longo de séculos de coexis-tência de comunidades formadas a partir de suportes socioantropológicos tão diferentes.

NOTAS

1 Edgar Morin, O Homem e a Morte, Lisboa, Ed. Euro-pa-América.

2 Cf. Louis-Vincent Thomas, Mort et Pouvoir, Paris, Ed. Payot, 1978, p. 9.

3 Cf. Reis Torgal, História e Ideologia, Coimbra, Minerva-História, 1989, p. 20.

4 Apud, Gilbert Durand, Estruturas Antropológicas do Imaginário, Lisboa, Ed. Presença, 1989, p. 29.

5 Apud Pierre Bourdieu, O Poder Simbólico. Lisboa, Ed. Difel, 1989, p. 15.

6 Cf. Louis-Vincent Thomas, Anthropologie de la Mort, Paris, Ed. Payot, 1975, pp. 44 e sgs.

7 Cf. Fernando Catroga, A Militância Laica e a Descristianização da Morte em Portugal. 1865 -1911,2 vols., Coimbra, 1989. Este estudo pioneiro problematizou e desenvolveu os vários planos que, ao nível das ideias, fizeram emergir as correntes de pensamento que sob o impacto do positivismo e cientismo postularam uma nova forma de entender a morte, a partir da afirmação do poder liberal, e criaram as condições para o aparecimento do cemitério ro-mântico. A importância desta obra, única na historiografia portuguesa, releva, ainda, da demostração cabal que faz da afirmação de que é correlata a ligação entre a morte e ó poder político. Na verdade mostra até que ponto a consolidação do poder monárquico-constitucional e depois do poder republi-cano foi indissociável do poder de controlo da Morte com a sua progressiva laicização e, como ao nível da luta política se manifestou a necessidade da sua apro-priação como forma de resolução da questão religiosa que a derrota dos valores do Antigo Regime impunha.

8 Idem, Ibidem.

9 A palavra é de etimologia grega, derivando de nekrópolis que significa a cidade dos mortos.

10 Cujo Decreto mais significatico é de 1835, em que entrega às Câmaras Municipais a gestão cemiterial.

11 Apud "O Sagrado/Profano", Enciclopédia Einaudi, Lisboa, Imp. Nacional, 1987, p. 131 - 132.

12 A este propósito v. Michel Vovelle, La Mort e l'Occident, de 1300 à nous jours. Paris, Ed. Gallimard, 1983, pp. 534 e ss.

13 Apud "O Sagrado e o Profano", op. cit., p. 32.

14 Tivemos acesso, pela particular deferência e amizade do Prof. Doutor Fernando Catroga ao 1. ō volume da sua obra O Republicanismo em Portugal, da Forma-ção ao 5 de Outubro de 1910, Coimbra, Fac. de Letras, 1991, onde é desenvolvida e esclarecida a íntima relação entre o movimento republicano, a Maçonaria e a Carbonária, para a eclosão da República em 1910. Do mesmo autor, veja-se 4 Maçonaria e a Restaura-ção da Carta Constitucional em 1842, o Golpe de Estado de Costa Cabral, separata da Revista de His-tória das Ideiais, vol. 7, Faculdade de Letras, Coim-bra, 1985.

Veja-se, ainda, João Alves Dias, A República e a Maçonaria (O Recrutamento Maçónico na Eclosão da República Portuguesa), separata da Nova História, n. ō 2, 1981, Dezembro, pp. 31 - 73, e entre as várias obras de Oliveira Marques sobre a Maçonaria, tenha-se particular atenção ao Dicionário de Maçonaria Portuguesa, 2 vols. Lisboa, Ed. Delta, 1986, onde é possível identificar grande número dos principais dirigentes dos regimes liberal e republicano, como elementos iniciados na Ordem Maçónica.

15 Se exceptuarmos o conjunto de túmulos mandados erigir por Alfredo Guisado, que integrava a vereação republicana de 1924, e onde pontifica a ausência da simbologia hagiolátrica, verificamos que a esmaga-dora maioria dos jazigos anteriores a este período e com referências maçónicas, contêm sinais de cristianização indesmentíveis, chegando alguns, como é o caso do Jazigo de Rodrigo Fonseca Magalhães, no Cemitério dos Prazeres, que foi Grande Administra-dor do Grande Oriente Lusitano e responsável pela legislação cemiterial liberal, a obedecerem a regras de construção eminentemente católicas.

16 Sobre este fenómeno da negação da morte, v. Phillipe Ariés, O Homem Perante a Morte, Ed. Europa-Amé-rica, 1988, p. 306 e ss.

17 Cf. Censos 91, alguns aspectos de situação demográfica de Macau, Macau, Serviços de Estatísti-ca e Censos.

18 Veja-se, sobretudo, Censo da População Relativo ao Ano de 1950, Macau, Imprensa Nacional, 1953; Esta-tísticas Demográficas, 1990, Macau, Direcção de Serviços de Estatísticas e Censos, Anuário Estatísti-co, 1991, Macau, Direcção de Serviços de Estatística e Censos de Macau, e, finalmente, XIII Recenseamen-to Geral da População e III Recenseamento Geral da Habitação, Macau, DSES, 1992.

19 Acerca da discussão sobre este conceito, veja-se Ri- cardo Jorge, Hygiene Social applicada à nação portugueza, Porto, Livraria Civilização, 1985; do mesmo autor, Demographia e Higiene na cidade do Porto, 1 - Clima, População - Mortalidade. Porto, editado pela Repartição de Saúde e Hygiene da Câma-ra do Porto, 1893.

20 Que entre 1878 e 1881 dirigiram a revista O Positivismo.

21 Que teve em Miguel Bombarda um dos principais doutrinadores. Veja-se deste autor, A Consciência e o Livre Arbítrio, Lisboa, parceria António Maria Perei-ra, 1902; A Sciencia e o Jesuitismo Replica a um padre sabio, Lisboa, parceria António Pereira, 1900; A Bio-logia na Vida Social. Discurso inaugural do anno academico 1900 - 1901, Lisboa, Sociedade de Ciên-cias Médicas de Lisboa, 1900.

22 Cf. Censo da População relativo ao ano de 1950, Macau, Imprensa Nacional, 1953, pp. 37 e segs.

23 Cf. Anuário Estatístico, Macau, Direcção de Servi-ços de Estatística e Censos de Macau, 1991, pp. 38 e sgs.

24 O cotejo entre as condições de habitabilidade que os Censos 91 evidenciam com outras fontes de informa-ção podem conduzir a conclusões bem interessantes sobre esta relação com a melhoria global da saúde pública.

25 Cf. Estatísticas Demográficas, 1990, Macau, DSEC, 1990, p. 33. Nasceram 4 191 crianças no Hospital de S. Januário e 2 681 no Hospital de Kiang Wu.

26 Sobre esta questão veja-se Edgar Morin, O Homem e a Morte, Lisboa, Ed. Europa-América, s/d.

A propósito da problemática sobre a morte, veja-se Jankelevitch, La Mort, Paris, Flammarion, 1967, e Louis Vincent-Thomas, l'Anthropologie de la Mort, Paris, Payot, 1979.

28 Cf. XIII Recenseamento... (já cit.), Quadro 24.

29 Para as atitudes perante a morte, no quadro romântico, veja-se Philipe Ariés, O Homem Perante a Morte.

Lisboa, Ed. Europa-América, s/d; e, ainda Michel Vovelle, La Mort et l'Occident, de 1300 à nosjours, Paris, Gallimard, 1987.

30 As expressões entre comas foram retiradas de epitálicos inscritos no cemitério de S. Miguel.

31 Cf. Fernando Catroga, A Militância Laica... (já cit.), 2. ō vol.

Cf. Censo da População relativo ao ano de 1950, p. 45.

33 Como defende J. Ziegler, Les Vivants et la Mort, Paris, Seuil, 1975.

34 Veja-se a este propósito Vicent Thomas, La Mort en Question, Paris, Harmattan, 1992.

35 Cf. Anuário Estatístico, 1970, Macau, p. 38.

36 Para este ano veja-se Estatísticas Demográficas, 1990, já cit., p. 42 e sgs.

37 Chamamos a atenção para a ausência de números que mostrem a evolução da SIDA em Macau. Como se sabe o rastreio desta infecto-contagiosa sui generis começou a ser realizado em larga escala há muito pouco tempo, o que justifica a sua falta de expressão no Anuário Estatístico. No entanto é um trabalho de campo que urge levar a efeito, tendo em conta a rapidez de contaminação e o alarme social que existe em torno da sua propagação.

38 Com excepção de Hong Kong onde nos vários cemité-rios é possível captar os ritmos mentais que denunci-am uma postura romantizada da ideia da morte, e dos cemitérios filipinos, com particular destaque para o cemitério de Manila (aos quais não é estranha a prolongada colonização espanhola), não encontramos outros locais no Oriente onde possamos perceber como através do tempo histórico as diferentes opções culturais e mentais que foram sendo aí projectadas até ao nosso tempo.

39 Para além da ironia queirosiana que captamos em alguns dos seus escritos, nomeadamente do belíssimo traba-lho Um génio que era um Santo, Antero de Quental ln Memoriam, Porto, Mathieu Lugan, 1986, onde ironiza sobre a influência da cultura francesa sobre a modifi-cação cultural portuguesa que a partir da década de 60 sacudiu os pensadores portugueses, devemos, por mera referência cronológica recordar a célebre "Ques-tão Coimbrâ" que opôs o grupo de Coimbra, liderado por Antero de Quental ao grupo dos intelectuais de Lisboa, comandados por Feliciano Castilho, assumin-do a disputa intelectual tais extremos que conduziu à realização de um duelo o próprio Antero e Ramalho Ortigão (sobre as atitudes sobre estes acontecimentos, veja-se António José Saraiva e Óscar Lopes, História da Cultura Portuguesa, Porto, Porto Ed., 1966, 6. ḁ Ed., e Francisco Moita Flores, As Mortes de Antero de Quental, autópsia de um suicídio, Coimbra, 1991, sep. Rev. História das Ideias. Não devemos esquecer no quadro desta topografia cronológica as Conferên-cias do Casino, 1870, realizadas sob a liderança de Antero de Quental, assim como a irrupção do positivismo sob o impulso de Teófilo Braga durante a década de 70.

40 Que o militantismo laico apropriou como forma de se opôr ao tradicional jazigo e sepultura carregada de ícones que evocavam o martírio cristológico (cf. Fran-cisco Moita Flores, Os Cemitérios de Lisboa - entre o Real e o Imaginário).

*Licenciado em História; autor de diversos trabalhos científi-cos, especializou-se na temática da morte. Prepara o douto-ramento nesta área, na Faculdade de Letras de Coimbra.

desde a p. 61
até a p.