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AS MISSÕES PORTUGUESAS NA CHINA SÉCULOS XVIII E XIX A DIOCESE DE PEQUIM

Acácio Fernando de Sousa*

INTRODUÇÃO

Associada à expansão político-comercial portugue-sa do século XVI para Orien-te, estendia-se, igualmente, o braço eclesiástico enviando missionários que congrega-vam duas componentes: a convicta evangelização no ideário mais puro de apoiar e cativar as populações ditas pagãs a voltarem-se para a Suprema Verdade e, tam-bém, o objectivo ideológico mais pragmático de conse-guir núcleos nativos "ami-gos" que facilitassem a fixa-ção desta gente que acabava de chegar.

Chegados os Portu-gueses à Índia em 1498, pas-sados dois anos já se confirmava a inexistência de uma representativa comunidade cristã, como se chega-ra a pensar, e com a fixação militar vieram os Jesuítas, os Franciscanos e depois os Dominicanos, que irradia-ram pelo Malabar, Coromandel, ou pelo Golfo de Bengala até Malaca.

Joaquim de Souza Saraiva, Bispo de Pequim.

Por meados do sécu-lo XVI jé estes novos ex-ploradores ocidentais se tentavam fixar nas costas chinesas, passando por Lingpo, Zhanzhou, Liam-pacao, antes de Macau; após S. Francisco Xavier, é de 1556 a notícia da entra-da do missionário Fr. Gaspar da Cruz na China com o propósito de evan-gelizar, seguindo-se a ele novas levas, tanto de padres portugueses como de es-trangeiros, mas todos sob a tutela daqueles únicos euro-peus aqui sediados àquele tempo.

Vista a necessidade de estruturar e de controlar o processo de missionação, D. João III conseguiu em 1558, o reconhecimento por parte do Papa Paulo IV do Padroado Português do Oriente que funcionava como um departamento religioso dependente, do ponto de vista administra-tivo, directamente do rei, isto é, da política ultrama-rina portuguesa e só depois do exclusivo na deter-minação de onde pregar, por quem e o quê.

Não sendo todo o historial do Padroado o que nos interessa aqui e agora, apenas referiremos que em pouco tempo ele provocou duas outras situ-ações. Uma, através, ora dos sentimentos pios dos padres e frades, ora e sobretudo, pelos conhecimen-tos científicos dos jesuítas, que foram conseguindo uma área de influência junto à corte do Filho do Céu, apesar dos maiores avanços ou recuos, isto é, da melhor receptividade ou também, muitas vezes, das proibições e outros tormentos. Outra, tendo a percepção disto mesmo, as demais potências europeias interessadas no estabelecimento primor-dialmente comercial na China, procuravam fazer chegar os seus missionários a Pequim, tanto quanto possível à margem do Padroado.

Em pouco tempo estabeleceram-se ali várias Missões e estalaram os conflitos, o mais duradouro dos quais, apaixonante e também devastador para a imagem e consequente fixação pacífica do Cristia-nismo, foi a célebre questão dos Ritos Sínicos, que desde os meados do século XVII até aos finais do século XVIII opôs o pragmatismo da estratégia de adaptação dos Jesuítas e Franciscanos, aos ortodo-xos Dominicanos e depois também aos Lazaristas franceses e propagandistas italianos, que acusavam os primeiros de permissividade e relaxação ao per-mitirem no acto litúrgico interferências de tradição chinesa.

A DIOCESE DE PEQUIM E MACAU

A diocese portuguesa de Pequim fora criada em 1690 mas, quase 100 anos passados, aquela mitra encontrava-se grandemente debilitada, em re-sultado das permanentes querelas entre as várias Missões católicas, assim como pela abrupta saída dos jesuítas não havia muitos anos, mas que resul-tou na imediata quebra de influência científica jun-to da corte imperial, ao que se juntavam ainda as periódicas purgas em relação aos estrangeiros, como efeito da política isolacionista do Império do Meio. Certo é que os padres portugueses mantive-ram de 1774 em diante a importante presidência do Tribunal das Matemáticas1, mas a influência dimi-nuía, tanto mais que as Missões estrangeiras não se cansavam de apregoar a ruína e o descrédito do Padroado Português, e funcionando a prelatura pequinense como porta-voz dos interesses de Ma-cau, aqui a situação não era melhor.

O século XVIII fora um século de retrocesso para o lado português, em termos de autonomia po-lítico-administrativa, tendo Macau sido sujeito à in-terferência directa da justiça chinesa, enquanto a própria cidade dispensava o seu ouvidor2, tudo em resultado da colisão entre os interesses dos merca-dores macaenses, as divergências de negócio com os mercadores de Cantão e os mandarins vizinhos3, acompanhado do descalabro da força militar.

Perante este estado de coisas e dentro da re-forma geral da política ultramarina portuguesa da rainha D. Maria I, em 1783, o seu Secretário de Estado Martinho de Melo e Castro assinou uma sé-rie de "Provisões" para o Estado Português da India, que incluíam Macau, o Padroado e consequentemente, a diocese de Pequim.

A ideia geral era predominantemente políti-ca. Era necessário fundamentar a presença portu-guesa neste pedaço da costa Sul da China, seguindo uma política "prudente e de equilíbrio" em relação ao Império Celestial e às potências europeias que rondavam a região, cujo potencial bélico era in-comparavelmente superior. Para isso eram nomea-dos um novo governador, com atribuições para uma retirada gradual de poderes a um Senado demasiado autónomo, na perspectiva da Coroa portuguesa, e um novo ouvidor4, ao mesmo tempo que era tam-bém nomeado um novo bispo para Pequim, D. Ale-xandre Gouveia.

A nomeação deste franciscano implicava rí-gidas instruções sobre a sua actuação como embai-xador dos interesses portugueses na corte imperial enquanto, em simultâneo, deveria restaurar a auto-ridade episcopal e do Padroado perante as preten-sões estrangeiras, não deixando de se mostrar con-ciliador no plano espiritual5. Por outro lado, com a escassez de padres para missionarem em regiões tão vastas como o eram as três dioceses portugue-sas na China (Macau, Pequim e Nanquim), os pro-blemas agravavam-se quando, exceptuando alguns curtos períodos de tolerância, sobrevinham as proi-bições à catequização que levavam ao risco perma-nente das perseguições e do martírio, o que só não acontecia na cidade de Macau e aos padres aceites na corte pequinense pelos seus conhecimentos de pintura, astronomia, cirurgia e relojoaria6. Tornava--se assim urgente, no olhar do novo bispo, dar con- tinuidade à substituição dos Jesuítas (depois do gol-pe de Pombal à Companhia de Jesus) por homens que garantissem a mesma qualidade científica.

De facto, na capital do império chinês viria a ser a Congregação de S. Vicente de Paulo a colmatar a saída da Companhia de Jesus. Conheci-dos não só na pregação e na assistência aos pobres mas, também, pelos seus conhecimentos matemáti-cos, seriam os homens desta comunidade fundada havia apenas algumas dezenas de anos e ansiosa por crescer, que se perfilariam para substituir os Jesuítas, frequentemente distinguidos pelo impera-dor com graus de mandarins pelo seu vasto saber e, sobretudo, pela elaboração de calendários de gran-de precisão. Os Lazaristas portugueses foram, efec-tivamente e a um momento, a grande esperança do Padroado para manter a sua influência em Pequim, na passagem do século XVIII para ȯ século XIX.

Confrontado com a progressiva diminuição de argumentos de carácter político, ao contrário das outras potências que os vinham ostentando de for-ma a que as posições portuguesas ficassem cada vez mais isoladas, D. Alexandre, nesta sequência, via-se ainda a braços com as sucessivas crises moti-vadas pelas já referidas rivalidades missionárias, o que fazia com que a própria influência junto ao Filho do Céu viesse sendo abalada.

Foi neste sentido que em 1803 enviou um emissário a Portugal buscar, entre outros, um padre da Congregação da Missão que o viesse coadjuvar nas tarefas cada vez mais difíceis da diocese de Pequim e na organização da recentemente aberta Missão da Coreia7. A escolha recairia num ainda jovem padre, de 39 anos, Joaquim de Sousa Saraiva em quem, tanto na bula de nomeação como na ante-rior proposta régia, se depositavam vastas esperan-ças para um profícuo trabalho, sendo-lhe, desde logo, atribuída a titularidade honorífica de Tipassa e a coadjuvação de Pequim com a garantia de futu-ra sucessão8.

O IMPEDIMENTO NO INGRESSO DO NOVO BISPO DE PEQUIM

A expectativa inicial de uma curta perma-nência em Macau, antes de seguir viagem para Pe-quim, acabaria por se tomar numa espera angustiante e definitiva. Certo é que em 1801 já se pres-sentia um novo agudizar das tensões entre as várias Missões católicas no Extremo Oriente. Tanto as-sim, que diversos pedidos para a ida de mais padres ou bispos portugueses, são acentuados desde a pri-meira hora do governo diocesano de Alexandre Gouveia9, com os padres sediados em Tonquim a denunciarem a preponderância das missões espa-nholas, com um bispo nomeado por Roma à revelia do Padroado Português10.

Perante este ambiente, natural seria que, mais tarde ou mais cedo, um problema sério surgis-se, como parece ter sucedido. Segundo o relato de uma testemunha ocular, teriam sido essas rivalida-des que desencadearam uma terrível perseguição à cristandade na China11.

Diz o padre João Gomes, que assistiu ao de-sencadear deste processo que viria a impedir a en-trada de D. Joaquim na sua cátedra episcopal, que tudo se deveu às desconfianças entre as várias mis-sões estrangeiras em Pequim e ao abuso de um "propagandista", o padre Adeodato, em aproveitar um mensageiro de Macau para enviar um mapa de províncias religiosas que já estariam "entregues" ao Padroado Português mas que, estranhamente, a Propagação da Fé continuava a reclamar12. Se os padres católicos eram tolerados, a correspondência para o exterior era vigiada de perto, sendo de todo proibida a circulação de quaisquer mapas. Na verda-de, a corte imperial sempre suspeitou haver interes-ses políticos por detrás da simples catequização e daí as grandes restrições à difusão da doutrina cristã13.

Ao regressar, o dito mensageiro terá sido in-terceptado e perante a recusa do padre Adeodato em se denunciar, ilibando os outros, as retaliações não se fizeram esperar. Continua o padre João Pin-to Gomes que, no meio de torturas, mortes, abjurações e confiscação de bens eclesiásticos, foi proibida a impressão e distribuição de livros e em Maio de 1805 saíram os decretos imperiais que ex-pulsavam Adeodato e restringiam a acção dos pa-dres ao interior das suas igrejas em Pequim, sem participação de crentes chineses. Fora, mais uma vez, proibida a difusão do catolicismo na China sob pena de drásticas sanções, sendo aparentemente desmantelada a estrutura da Propaganda Fide e ape-nas permitido o Islamismo, Lamaísmo e Budismo.

Naturalmente, todos estes episódios relata-dos pelo padre João Pinto Gomes viriam a ser a causa mais próxima para a interdição e pretexto para o impedimento da entrada de D. Joaquim de Sousa Saraiva em Pequim, mas existiam igualmen-te outras razões mais profundas.

Internamente, o imperador Kia-Kim (1796 -1820) debatia-se com dificuldades na manutenção de um extenso império que nunca abdicara das suas reivindicações regionais face ao centralizador po-der manchu, de onde sobressaíam problemas políti-cos sérios nas ricas províncias do Sul, no Tibete e na Mongólia. Externamente, nas relações com os vizinhos estados tributários, nem sempre pacíficas, a situação agravava-se com o assédio dos potenta-dos económicos estrangeiros que passavam das ve-lhas ambições da Companhia das Índias Orientais holandesa — V. O. C.14, aos novos interesses france-ses, ingleses, americanos e russos, todos procuran-do o predomínio sobre o comércio marítimo e a estipulação dos monopólios do chá, aljôfar, para além do contrabando do ópio.

Dentro deste quadro, o sinocentrismo e xe-nofobia chinesa, aproveitados pelas redes de intriga palaciana dos cortesãos eunucos e diversos mandarins, facilmente faziam despoletar a hostili-dade contra o intruso estrangeiro, na maior parte das vezes arrogante não só ao nível das pretensões políticas como das próprias relações sociais quoti-dianas. A fronteira entre o campo político, o econó-mico e o religioso não podia ser mais ténue e já vimos como as missões sediadas em Pequim eram lidas como entidades de influência política, como as instruções dadas a D. Alexandre Gouveia consti-tuíam um caso paradigmático15.

Com estas razões D. Joaquim quedou-se em Macau, aguardando a possibilidade de ocupar a sua diocese, consolando-se com as palavras do bispo titular que em Novembro de 1805 lhe escrevia: "terá V. Ex.a já sabido do estado da perseguição e os inconvenientes e as dificuldades da vinda de V. Ex.a para esta corte, o que não deve desanimar V. Ex.a... esperamos que a tempestade de Pequim vá amainando"16, falando-lhe, ainda, na protecção de "alguns régulos da família imperial" e assegurando que, após o iminente regresso do imperador, ausen-te de Pequim, tudo se resolveria.

Em Agosto do ano seguinte, volta a escrever--lhe sossegando-o: "V. Ex.a vá tendo paciência até chegar o tempo que julgo não distará. Entretanto vá aprendendo algumas palavras chinas ao modo pequinense"17. Contudo, esta expectativa sempre frustada manter-se-ia para além da morte de D. Ale-xandre. Em Macau, D. Joaquim fica a viver no Se-minário de S. José, agora entregue à Congregação da Missão que, assim, adquire um professor brilhan-te para as disciplinas de Filosofia e Matemática.

O facto foi que D. Joaquim passou quase despercebido pela política activa, não assumindo propositadamente as conotações diplomáticas que foram atribuídas ao cargo com a nomeação do seu antecessor D. Joaquim fora ficando em Macau, aguardando pacientemente que a hora do seu in-gresso em Pequim chegasse e terá sido entre 1808 e 1810 que mais expectativas criou e também que as viu ruir. Foram, na verdade, dois anos de grandes convulsões e indecisões.

Nesse período, há notícia de D. Joaquim ter sido chamado várias vezes a tomar voz activa nos Conselhos do Senado se Macau, o que lhe poderia trazer algum protagonismo e, eventualmente, forçar uma estratégia política convincente para as autori-dades chinesas permitirem a sua entrada18. Afinal, participando, D. Joaquim optou pela descrição, convencido que a sua neutralidade em todos os as-suntos melhor o favorecia, mesmo na sua imagem junto às autoridades sínicas.

A DIOCESE DE PEQUIM GOVERNADA A PARTIR DE MACAU

Tendo, em Setembro de 1808, recebido a no-tícia da morte de D. Alexandre Gouveia, ocorrida a 6 de Julho anterior, sendo, portanto e desde então, bispo titular de Pequim19, entre 1808 e 1810 a teia de intrigas que envolveram o governador de Macau, Lucas de Alvarenga, o Senado, regido na sombra pelo ouvidor Arriaga, a corte portuguesa e o repre-sentante de Kia-Kim no Guangdong, a propósito da captura do rebelde Kam-Pau-Sai, levaram a que o bispo e o próprio príncipe português se convences-sem que a retomada da cátedra pequinense estaria a ser tratada oficialmente e com iminentes possibili-dades de concretização, o que não corresponderia à verdade20.

De facto, D. Joaquim continuaria a tentar go-vernar a diocese à distância, através do procurador Nunes Ribeiro, por ele nomeado e já residente em Pequim ao tempo do seu antecessor. É este Nunes Ribeiro que em Maio de 1809 lhe escreve anunci-ando que a corte pequinense queria afastar, definiti-vamente, os europeus, com o novo argumento que, uma vez que os missionários não tinham filhos, os bens adquiridos no império eram canalizados para as suas pátrias de origem, em prejuízo da que os acolhera21. Era, na verdade, mais um rude golpe nas já ténues esperanças de quem queria recompor a jurisdição episcopal, mesmo quando já se revela-vam outras indicações sobre a rápida diluição des-sas aspirações22.

Do Rio de Janeiro, onde estava transitoria-mente sediado, o regente de Portugal, pressentin-do a derrocada de uma das mais importantes dioceses do seu Padroado, escrevia amiu-dadamente questionando sobre o estado da situa-ção, recebendo sempre respostas evasivas por par-te do Senado que afirmava, geralmente, que as negociações decorriam a bom ritmo apesar de, pelo menos em 1811, a Câmara de Macau já ter recebido uma resposta clara dos representantes imperiais, a confirmar a recusa da presença de D. Joaquim Saraiva na capital chinesa, pois estando proibida a catequização e indo só por assessoria científica, a corte deixara de precisar de matemáti-cos estrangeiros. Contudo, em Macau suspeitava--se que a esta atitude não seria alheia a interven-ção dos padres propagandistas italianos ultima-mente, e de novo, muito próximos do imperador23, pelo que se adivinhava cada vez mais o término da diocese portuguesa de Pequim.

Agravando toda esta situação, D. Joaquim e o seu procurador Nunes Ribeiro desentendem-se quanto à melhor forma de apoiar os cristãos catecúmenos infiltrados na Coreia desde 1800 por acção de D. Alexandre Gouveia24. A questão é gra-ve, os dois padres têm ideias diferentes mas, sobre-tudo, ambos estão muito manietados no apoio a dar, tanto que em 1812 o bispo escreve pela 2. vez ao seu soberano, pedindo a resignação e a entrada oculta de um outro bispo na China, pois ele já era conhecido e a diocese sem um governo próximo não só não produzia uma eficaz acção pastoral, como os missionários facilmente caíam na indisciplina25. Não conseguimos saber se houve al-guma resposta a esta missiva, mas certo é que o bispo não resignou apesar de ser óbvio que já desis-tira da sua diocese.

A mitra de Pequim assemelhava-se a um bar-co sem mestre, encontrando-se o prelado cada vez mais impossibilitado e angustiado em Macau, tanto que nem chegou a ter conhecimento de cartas escri-tas em Outubro de 1817, chegadas a Macau apenas em Março do ano seguinte, noticiando o fim das perseguições na China a troco de quatro ou cinco mil taéis pagos pela Igreja. Informavam ainda da emissão de decretos, curiosamente trazidos a Arriaga pelo novo mandarim Kam-Pau-Sai26, pe-dindo outra vez matemáticos europeus para a corte imperial. Tão auspiciosas novas não as pudera sa-ber D. Joaquim, pois "em 18 de Fevereiro de 1818 às 4 e meia da manhã faleceu o Exm.ō bispo de Pequim, só ungido por ter caído em apoplexia", com 52 anos de idade27.

Sepultado no altar-mor da Igreja de S. José em Macau, após a sua morte e até 1841 outros bis-pos foram nomeados, mas nenhum deles confirma-do. Veríssimo Monteiro Serra entrara já na China e quando foi eleito sucessor de D. Joaquim em 1818, pediu ao imperador para vir à Europa. A autoriza-ção foi-lhe concedida com a condição de não re-gressar, o que, efectivamente, veio a acontecer. Coincindindo com um novo agravamento dos con-flitos com a Propaganda Fide, aproveitou então para vender várias propriedades da diocese, em Pe-quim, perfazendo 6 000 taéis que terá deixado para governo da mesma, a partir de Macau28.

A mitra de Pequim caminhava para o ocaso, acompanhando o declínio do Padroado Português que não conseguia afirmar a sua primazia face às outras missões estrageiras do Oriente. Finalmente, em 25 de Novembro de 1841, apresentou-se D. João da França de Castro e Moura que acabaria, ele próprio, por recusar a permanência na China devido à circunstância de a Cúria Romana se. recusar a confirmá-lo como bispo, outorgando-lhe tão só, o vicariato apostólico29. Tratara-se, afinal, do último acto de Portugal naquele episcopado.

NOTAS

1 Ouvidor — juiz com grau académico. Este cargo esteve suspenso em Macau, cerca de 60 anos até 1785.

2 As desavenças comerciais conjuntamente com a fraqueza militar portuguesa e a nova política manchu, levaram, no século XVIII, a uma nova presença de autoridade chinesa no território de Macau.

3 Este ouvidor era Lázaro da Silva Ferreira que trazia novas atribuições de exercício de poder conjunto com o gover-nador, de modo a controlarem o Senado, tarefa que não atingiu os objectivos inicialmente previstos.

4 Manuel Múrias, Instrução para o Bispo de Pequim, Lisboa, Ag. Gr. Colónias, 1943.

5 São diversos os documentos que mostram o interesse da corte de Pequim por astrónomos, matemáticos, cirurgi-ões e pintores. Apesar das diferenças entre os calendários ocidental e chinês, é claro o entusiasmo com que a corte via a elaboração dos mesmos, a previsão de eclipses e a fabricação de relógios. Entre outros é elucidativa a "cha-pa" em que o mandarim de Heong Shan, em 5.11.1800, pedia a Macau o envio de 3 astrónomos para Pequim, facilitando assim a ida de Caetano Pires, José Nunes Ribeiro, e Veríssimo Monteiro Serra. V. Arquivos Naci-onais/Torre do Tombo (AN/TT), Chapas Sínicas, n.ō 372, ou o pedido já feito em 28.4.1785 por aquele bispo de Pequim, existente nos AN/TT, Arquivos das Congre-gações, n.ō 502.

6 D. Alexandre Gouveia abrira a Missão da Coreia a título de comissão pessoal, em 1800, 7 — AN/TT, Bulas, maço 58, n.ō 3.

7 AN/TT, Bulas, maço 58, n.ō 3.

8 Pedido de D. Alexandre acima citado, in AN/TT, Arq. das Congreg., n.ō 502.

9 Em 1801, o P.e Filipe do Rosário e outros fazem ao Nuncio Apostólico, o pedido de um bispo português para Tonquim. V. AN/TT, Arq. das Congreg., n.ō 1139.

10 P.e João Pinto Gomes, Breve Relação de huma terrível perseguição contra a Santa Religião Cathólica e seus operários sucedida no império da China na Corte de Pekim em 1805 composta por uma testemunha ocular..., Porto, 1839, pp. 9-10. O autor relata neste pequeno livro a sua visão sobre as razões que levaram à interdição do catolicismo, em 1805 e exalta as virtudes de D. Alexandre Gouveia que procurara, já em 1800, expandir o cristianis-mo à península coreana.

11 Idem, ibidem.

12 Idem, ibidem.

13 V. O. C. = Verenigde Oostindinsche Compagnie.

14 Manuel Múrias, op. cit.

15 P.e Manuel Teixeira, Arquivos da Diocese de Macau, vol. I, Macau, Miss. Padr., 1970, carta de D. Alexandre Gouveia a D. Joaquim de Sousa Saraiva, pp. 69 - 70.

16 Idem, ibidem, pp. 71 - 72.

17 Arquivos de Macau, 3. Série, vol. IV, Macau, Imp. Nac.,1965, pp. 373-381.

18 p.e Manuel Teixeira, Arquivos da Diocese de Macau, p. 73.

19 As provisões régias de 1783 de D. Maria I e assinadas pelo seu ministro Martinho de Melo e Castro foram as reformas para o ultramar português alternativas às ante-riores, pombalinas. Por razões diversas e nem sempre abonatórias, tiveram um profundo eco em Macau servin-do, por exemplo, de estandarte a Lucas José de Alvarenga, um governador caído em desgraça, que as publicou em Memória sobre a expedição do governo de Macau em 1809 e 1810 em socorro do Império da China, Rio de Janeiro, 1828, p. 44 e seg.

20 p.e Manuel Teixeira, Arquivos da Diocese de Macau, p. 121. O argumento era, apenas, mais um pretexto forçado para evitar a presença dos agentes da missionação, isto é, de uma nova ideologia de difícil controlo na perspectiva das autoridades chinesas.

21 Havendo alguns apontamentos esparsos sobre esta ques-tão, Monsenhor Manuel Teixeira afirmou-nos, categori-camente, ter visto documentos comprovativos e hoje desaparecidos.

22 Arquivos de Macau, vol. I, n.ō 5, Macau, Out. 1929, pp. 283 - 284.

23 P.e Manuel Teixeira, Macau e a sua Diocese: a Missão na Coreia, vol. XVI, Macau, Miss. Padr., 1979, pp. 150 -153.

24 Idem, ibidem. D. Joaquim Saraiva lamentava o facto da indisciplina do clero na China, por falta do bispo no lugar que lhe era próprio.

25 Idem, Arquivos da Diocese de Macau, pp. 138 - 139.

Trata-se de uma informação do Diário Noticioso do P.e Leite, o que parece confirmar informações do isuspeito José Inácio de Andrade, Memória dosfeitos macaenses contra os piratas da China e entrada violenta dos ingleses na cidade de Macau, Lisboa, 1835, p. 26, onde revela os favores recebidos por Kam-Pau-Sai após a sua captura, o que é mais uma achega para os que defendem não ter sido este um simples pirata mas, antes, um rebelde político que acabou por se integrar no regime manchu.

26 O Diário Noticioso do P.e Joaquim José Leite foi publica-do nos Arquivos da Diocese de Macau, pp. 113 - 273, informando Monsenhor Manuel Teixeira ser hoje desco-nhecido o paradeiro do original.

27 Idem, ibidem, p. 141.

28 Idem, Macau e a sua Diocese, vol. III, pp. 692 - 693.

29 João Feliciano Marques Pereira, Ta-Ssi-Yang-Kuo, I Sé-rie, vol. I e II, Lisboa, J. Bastos, 1889 - 1890, p. 8.

*Mestrando em Estudos Luso-Asiáticos pela Universidade de Macau. Bolseiro da Fundação Macau.

desde a p. 33
até a p.