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MATTEO RICCI E JOÃO RODRIGUES, DOIS ELOS DE INTERPENETRAÇÃO CULTURAL NA CHINA E NO JAPÃO

Benjamim Videira Pires*

Página anterior: Mateus Ricci ladeado do pregador Paulo Sÿ (In "China qua sacris qua profanis (...), de Athanasius Kircheri, 1667).

Desde S. Francisco Xavier, que faleceu na madrugada de 3 de De-zembro de 1551, na "Baía dos Por-tugueses" em Sanchoão, 35 jesu-ítas, 22 franciscanos, 1 domi-nicano e 1 agostinho tinham procurado em vão estabelecer--se no interior da China, sem o conseguirem. O motivo foi dito ao P.e Francisco Perez, S. J., com toda a cortesia e no meio da eti-queta da embaixada de Gil de Góis a Cantão, em 1564: "Não sa-biam a língua chinesa".

Por isso, Pompílio (mais tarde, Miguel) Ruggieri e Matteo Ricci, chegados a Macau, respectivamente a 20 de Julho de 1579 e 7 de Agosto de 1582, apenas fundado o catecumenado de S. Martinho de Tours, em 1580, nas vizinhanças das actuais Ruínas de S. Paulo, graças à dáidiva dum comerciante italiano, dedicaram-se afincadamente ao estudo da difícil língua de Confúcio. O seu pri-meiro mestre foi Filipe Mateus, escolhido entre os jerubaças ou intérpretes oficiais do incipiente "Porto do Nome de Deus", como o referido P.e Perez, fundador da primeira residência da Companhia de Jesus, em De-zembro de 1565, chama já a Macau.

Ruggieri foi o grande precursor de Ricci, com as suas repetidas idas a Cantão (poucos dias antes de 3 - 4 - 1580, 2 vezes antes de 3 - 4 - 1581, em Abril - Maio de 1582 com Alonso Sanchez, S. J.) e a Shiu-Hing, na companhia do ouvidor Matias Penela. Os dois foram recebidos, em meados de Maio de 1582 por Wang P'an (王泮) prefeito ou governador da cidade, rodeado duma escolta de 300 oficiais e soldados. Mandou o Tai-yan aproximar do trono a Ruggieri e demonstrou-lhe muito afecto e familiaridade, chegando a acariciar-lhe a barba.

Aos 27 de Dezembro de 1582, na companhia de Francesco Pasio, S. J., voltava Ruggieri a Shiu-hing, onde celebrou a primeira missa, no dia 10 de Janeiro de 1583. Oito meses mais tarde, introduzia finalmente Matteo Ricci, aos 10 de Setembro de 1583, data em que receberam autorização para habitar na cidade, que era a residência de Verão do Vice-Rei do Kuantung e. Kuangsai.

Principiaram os dois sacerdotes a vestir-se como bonzos, rapavam o cabelo e cortavam a barba, não se dando ainda conta de que o Budismo caíra já em descrédito, na China. Este erro corrigi-lo-ia Ricci, 8 anos mais tarde em Sio-Chow ou Kuk-kong, cidade onde falecera, em 713, o "sexto patriarca" (lôk-chou) do Budismo Ch'an ou Zen, Hui-neng, com 76 anos, que era natural de Ta-chien, perto de Cantão, e teve 5 discípulos. A seita fundada pelo monge índio Bodhidarma propagou-se, no fim da dinastia Ming, ao Japão, onde floresceu até hoje.1

AS PRIMEIRAS OBRAS EM CHINÊS E A ADAPTAÇÃO CULTURAL

O primeiro livro chinês impresso em xilografia em Macau, por Ruggieri, foi o Dez Man-damentos do Decálogo.

Sobre um rascunho do jesuíta espanhol Pedro Gomez, superior de Macau, Ruggieri, em 1581, por-tanto ainda em Macau, redigiu também o primeiro Catecismo em chinês. Antes do fim de No-vembro de 1584, o livro foi re-tocado, com o auxílio de um le-trado, que "estava em casa", oriundo de Fuquien, casado e pai de família, que passara no exame imperial e, em Maio de 1584, veio residir com os dois pa-dres italianos. Recebeu o baptismo, pela mão do P.e Francisco Cabral (21 -10 - 1584) e recebeu o nome de Paulo. De-pois, foi um apóstolo. Em breve, o Catecismo teve milhares de cópias que chegaram até à Cochinchina.

Em 1595, Ricci trabalhava noutro Catecismo "muito mais a propósito e melhor ordenado", que publicaria apenas em 1603, com o título T'ien-chu shih-i (天主事宜).

Em 1584, Ricci necessitava de intérprete, o re-ferido sino-luso Filipe Mendes, que o acompanhou em Shiu-hing. Em 1585, lia e escrevia já regularmente sem intérprete e, em 1595, fez as primeiras tentativas de traduzir obras de Epitecto e de Cícero para chinês. O P.e Álvaro Semedo, porém, escreve que, 10 anos depois de entrar na China, ainda necessitava do auxílio dum letrado. "A natureza não anda aos saltos"...

Em 1591, com o auxílio de literatos chineses, traduziu para latim os clássicos Quatro Livros com o comentário de Cháng Chu-cheng, grande secretário e tutor imperial de Wan-li (Mán-lek), nos primeiros dez anos do seu longo reinado.

A comunidade de Shiu-hing (1583 - 1584) compunha-se de quatro pessoas: Ricci, Ruggieri, o Ir. Baltasar (ou Gonçalo) e o Intérprete chinês Filipe Mendes, que vestia à europeia.

O verdadeiro Deus dos cristãos recebeu o nome de "Senhor do Céu", dado por um catecúmeno, João Chan (陳), em Julho ou Agosto de 15832. Foi aprovado pelos missionários e adopta-do até ao presente. Era o nome de Devapati (Senhor dos Deuses), título de Indra, que os tauistas empre-gavam. Antes da introdução do Budismo na China este vocáibulo era conhecido pelos chine-ses como um dos oito Senhores (da Terra, da Guerra, do princípio femi-nino Yn, do masculino Yam, da lua e das 4 estações) ao qual sacrifi-cou o imperador Ch'i (始) Wong Tai da dinastia Chin. O termo originou-se no fim do sé-culo XII a. C.. Ricci, apenas muito mais tarde soube da sua provável origem budista ou pagã; o uso estava introduzido e não o modificou, a fim de não perturbar as consciências.

A residência de Shiu-hing, em estilo europeu, terminada em Maio de 1585 com o dinheiro de Macau, que Ruggieri veio buscar, custou mais de 200 mil taéis ou 6 mil ducados.

O prefeito Wan P'an escreveu em artísticos caracteres, que se conservam, um belo frontispício para a igreja. A imagem inicial de N. a Sr. a (T'ien--chu Seng Mou Neung Neung) foi substituída pela do Salvador, a fim de evitar confusões. No cimo da casa, erguia-se uma cruz de madeira.

Na sala de visitas, expuseram-se relógios, que os chineses chamaram "campaínhas automáticas", muitos globos terrestres e alguns celestes de latão, muitos relógios do sol, prismas de Veneza (pedra preciosa sem preço estabelecido) quadros ocidentais enviados de Roma, das Filipinas, Espanha e Japão, livros ricamente encadernados e dourados, de arqui- tectura e cosmografia, e a Bíblia Poliglota de Anvers (8 vols.) com mapa de ouro, meridianos, dois relógi-os para o imperador Mán-lek, que quis ver o segun-do e mais perfeito mapa-mundi de Ricci, em princí-pios de 1608; mas Ricci nunca viu o imperador.

De 10 de Setembro de 1583 até l de Agosto de 1589, os padres registaram somente 80 baptismos e apenas dois de pessoas de distinção.

A casa de Shiu-hing enchia-se de visitas de mandarins, que vinham à cidade visitar o Vice-Rei, mas a garotada, com as suas diabruras danificou-lhe os vidros e janelas e chegou a fazer-lhe perder a paciência. Ricci voltou a Macau desanimado e foi ainda o santo bispo Melchior Carneiro Leitão que o convenceu a voltar.

Portanto, o método de Ricci era "sem abandonar o povo simples, con-centrar todas as forças e energias nos dirigentes da sociedade, que na China eram os mandarins e os literatos."Era, portanto, um método de acomodação cultu-ral, aliás tão antigo e sempre novo como o de S. Paulo: "fa-zer-se tudo para todos, a fim de lucrar a todos para Cristo"3 ou "entrar com a deles para sair com a nossa".

Empregara-o Xavier no Ja-pão, e no Oriente, Valignano, Henrique Henriques, Nobili, João de Brito e outros.

Aprofundar e adoptar todos os aspec-tos de verdade que existem, em qualquer cultura, e nunca impor o modelo externo do Ocidente. Acomo-dar-se, sem trair a fé e a moral cristãs. É a única alternativa à expansão étnico-cêntrica dos grandes conquistadores militares de todos os tempos.4

A TRANSFERÊNCIA PARA SIO-CHOW OU KÔK-KÓNG E O PROGRESSO NA ADAPTAÇÃO CULTURAL (29-8-1589 A 18-4-1591)

O Vice-Rei de Cantão, Wu wen-hua, mudou para Nanquim e foi substituído, em 1587, por Wu Shan, governador do Kuangsi, que faleceu poucos meses depois, de pura velhice. Sucedeu-lhe Lau chi--chai, "homem cruel, ambicioso e amigo do dinhei-ro", que mandou logo restaurar totalmente o palácio onde o seu antecessor morrera.

Dando ouvidos às muitas intrigas contra os missionários europeus, expulsou-os da cidade, con-fiscou-lhes a casa, em l de Agosto de 1589, mas permitiu-lhes que partissem para o norte da provín-cia, Sio-Chow ou Kôk-Kóng.

A viagem foi dura e iniciou-se no dia 15 de Agosto do mesmo ano. O P.e António de Almeida, S. J., porém, "jovem de rara virtude e fervor santo" que já acompanhara Ruggieri ao Chekiang e ao Kuang-si, chegou muito doente e daí voltou a Ma-cau, onde permaneceu até fins de 1589. Recaiu doente, em Sio-Chow, aos 11 de Outubro de 1591, e faleceu edificantemente oito dias depois, sendo os seus ossos provavelmente trasladados para Macau, em Dezembro de 1593.5

Dirigiram-se, primeira-mente, os missionários, para o grande mosteiro Kong Hao (光孝), onde viviam mil monges e estava sepultado, como disse-mos, o Sexto Patriarca (Lôk Chou), Hui--neng, do Budismo Chan ou Zen. Aí permaneceu Ricci uma noite, observando tudo e, no dia seguinte, encaminhou-se para a cidade, bastante maior que Shiu-hing.

Com a aprovação de Valignano, re-solveram não chamar-se "bonzos" (和尚), deixar crescer a barba e o cabelo, mudar o trajo para o dos letrados, vestir de seda nas visitas dos mandarins e construir uma residência e a sua igreja ao estilo chi-nês. O edifício terminou em Outubro-Dezembro de 1590.

Tiveram a consolação de ver entrar na Com-panhia, em l de Janeiro de 1591, os primeiros ir-mãos jesuítas chineses de Macau, que lhes foram mais tarde de grande utilidade: Sebastião Fernandes (que pronunciou em português a sua fórmula dos votos, documento que se conserva, perante o italiano Nicolo Longobardi, S. J.) e Francisco Martins (Wong Meng-Sa), que foi morto em Cantão, pela fé, em 20 de Janeiro de 1606.

Ricci, de Janeiro a Junho, dedicou-se à tradu-ção para chinês dos Elementos de Geometria, de Euclides, com o auxílio do Dr. Paulo Siu Kuan-chi, obra que terminou só em Agosto-Outubro de 1606. O recrutamento de católicos, em Sio-Chow, continua lento, com apenas 22 baptismos, em 15 de Dezembro de 1592. Encontram a terminologia chinesa para sacer-dote (abandonado o道士por神父), bispo, Europa, Atlântico, Roma e muitas outras palavras. Em Dezembro de 1591, Ricci começa a tradu-ção latina dos clássicos Quatro Livros, que termina a 15 de Novembro do ano imediato. O P. e Francisco de Petris, S. J., que chega cer-ca do dia 20 de Dezembro de 1591, falece em 5 de Novembro de 1593, mas substitui-o o P. e Lázzaro Cattaneo. De Novembro a Dezembro de 1591, Ricci dá, pela primeira vez, em chinês os Exercícios Es-pirituais de S.to Inácio de Loyola. Assim, à medida que avançam para Pequim, progri-dem, em Ricci e seus compa-nheiros, -- aos quais se juntou, em Nan-cham (南昌), o Pe. João Soeiro, S. J. que lhe recebeu a profissão solene, em 1.1. 1956 -- o domínio da língua e a adaptação cul-tural. Em 4 de Setembro de 1592, sobe Ricci à dignidade de Superior da Missão. Encontra--seem Nanquim (Março - Abril de 1600) com Ch'ui Kuong-K'ai (徐光啓) natural de Zi-Ka-Wei, subúr-bio de Xangai, um dos letrados que mais o auxiliaria no futuro. Notando que os letrados do Kuangtung tendi-am a negar a imortalidade da alma, em contraste com os do centro da nação, concluiu que a escola neo-confucionista substituíra a anterior concepção teísta do Céu pela teoria dum universo impessoal e puramente material (lie Ch'i). Em Nanquim, nos debates com o budista San Huai (Huang Hung-en, 1545 - 1608) e em Pequim com Huang Hui chin-shi (1589), tutor do príncipe herdeiro Chu Ch'ang-lo (1582 - 1620), Ricci caiu na conta de que a argumentação dos chineses não se construía sobre definições absolutas mas sobre uma descrição fluida da realidade. Não há dúvida de que Ricci e a plêiade de Jesuítas seus sucessores prestaram à China um enor-me contributo, nos ramos da ciência geográfica, as-tronómica e matemática, bem como nas artes e na política. À hora da morte de Ricci, em 1610, no interi-or da China, contavam-se 16 jesuítas (6 padres e 8 irmãos chineses) e 25.000 católicos, entre os quais vários célebres mandarins. A messe evangélica não foi espectacular, mas a árvore plantada deitaria raízes sólidas e daria fru-tos, que perduram. ^^JOÃO RODRIGUES, O INTÉRPRETE (1561-1633) Na sua bela biografia, cujo título pusemos em nota de roda-pé, Michael Cooper, S. J., consi-dera Rodrigues o maior missio-nário do Japão. Nasceu por volta de 1561, em Sernancelhe, vila situ-ada nas margens do Távora e distante cerca de 25 milhas da ci-dade de Lamego, Beira Alta. Possi-velmente descendia de D. Flâmula Rodrigues, senhora do castelo da vila, no século X. Deixou Portugal, jovem de 12 ou 13 anos, e nunca mais lá voltou. Por isso, apesar de ter passado mais de 50 anos na Ásia, refere-se à sua terra com afecto e saudade. Chegou a Nagasáqui, Japão, provavelmente no barco de Domingos Monteiro (4 - 7 - 1577), passando por algumas ilhas do arquipélago Riu-Kiú ou Léquias. Depois de uma breve visita a Macau, Rodrigues passou 33 anos consecutivos no País do Sol Nascente. A figura principal do Japão na política era, então, Oda Nobunaga, que dominava metade das 66 províncias, principiando a unificar a nação, que Tokugawa Yeyasu completaria, na batalha de Sekigahara (21-10-1600). Em 1580, com 19 anos, iniciou Rodrigues o estudo do Japonês, em Funai. Na companhia de 12 jovens japoneses e 8 portugueses, iniciou o novicia-do de jesuíta em Usuqui, feudo de Bungo, recebendo algumas aulas de Valignano. No outono de 1581, inicia o estudo das humanidades greco-latinas, du-rante 2 anos, e seguidamente o estudo da Filosofia, que interrompe com encargos diplomáticos. Tam-bém teve de interromper, a Teologia, em Nagasáqui, por deveres diplomáticos na corte. Foi o principal intérprete de Valignano, na sua esplêndida embaixada em nome do Vice-Rei da Índia com Hideyoshi, que ficou encantado com ele e o escolheu para intérprete oficial, cargo que Yeyasu prorrogaria. Com 35 anos, entre Abril e Julho de 1596, com outros 5 jesuítas, Rodri-gues foi ordenado sacerdote, em Macau, por D. Pedro Martins; a 21 de Julho, voltou com os recém--ordenados, na nau de Rui Men-des de Figueiredo, para Naga-sáqui. O Intérprete acompa-nhou o bispo numa audiência com Hideyoshi, no seu castelo de Fushimi, a 3 ou 4 milhas de Meaco, no dia 16 de Novembro. Hideyoshi em 20 - 3 - 1597, em nome dos bugyo de Nagasáqui, determinou que todos os Padres fossem expulsos de Nagasáqui, excepto Rodrigues e os que se tornassem necessários para o comércio com Macau. Ele teve também sempre liberdade para residir em qualquer parte. Acompanhou de perto e consolou os 26 mártires de 5 - 2 - 1597. Em Abril de 1598, o Taiko ou Kwampaku (Regente) foi particularmente generoso com Rodri-gues, em Meaco (Abril de 1598), oferecendo-lhe um crucifixo e uma cruz de marfim com relíquias e pa-ramentos da carga apreendida ao barco San Felipe, naufragado em Hirado, a 20 de Outubro. Aos 37 anos, era um dos 4 consultores do reitor de Nagasáqui, P. e António Lopes, S. J., Superi-or há 17 anos e com mais de 21 anos de residência no Japão. Os padres idosos (nomeadamente Organtino) não viam com bons olhos a vida diplomática de Ro-drigues, por outro lado utilíssima à missão e ao co-mércio com Macau. O Intérprete visitou, pela última vez, Hideyoshi, no seu leito de morte, falando-lhe da vida eterna e do baptismo, recebendo dele kimonos de seda. Faleceu o grande Taiko, aos 16 de Setembro de 1599, parece que depois de compor esta nostálgi-ca poesia: "Oh! caio como o orvalho, dissipo-me como geada! Mesmo o castelo de Osaka é um sonho dentro doutro sonho!" Rodrigues foi nomeado Procurador da Mis-são em 1598 e pronunciou a sua profissão solene, em Nagasáqui, em 10 de Junho de 1601. A sua fórmula escrita guar-da-se ainda em Roma (Ass. Lus. III, f. 24). Tokugava Ieyasu no-meou-o seu agente comercial em Nagasáqui e foi este cargo que lhe trouxe os maiores dis-sabores, invejas e calúnias, que conduziram à sua saída do Ja-pão para Macau, em 1610. O bispo D. Luís Cerqueira foi o seu principal crítico, mas os seus inimigos figadais foram Murayama Toan e Sahyoe Hasegava, que, no juízo do visitador Francisco Vieira, "o perseguiram injustamente e o forçaram a deixar o Japão"6, aos 49 anos. Recorde-se que Rodrigues recomendou Toan a Ieyasu! Entretanto, os altos cargos ainda lhe deixaram tempo e forças para produzir a sua obra-prima de 240 fólios, a Arte de Língoa de Japam, iniciada em 1604 e terminada em 1608. É aqui, e no resumo que compôs já em Macau (1620), Arte Breve da Língoa Japoa, que revela os seus conhecimentos profundos, ainda hoje válidos, desse difícil idioma e da sua vasta literatura. Compõe-se a Arte Breve de 3 secções: 1) de-clinações de nomes e pronomes e conjugação de verbos; 2) rudimentos das oito partes da linguagem;3) sintaxe e estrutura da língua. Observa que o japo- nês não é uma língua inflectida e não tem casos. Os verbos não se conjugam. O seu sistema de pronúncia japonesa, por meio de letras latinas e portugueses, é o antecedente do actual sistema Hepburn de romanização. Os actuais filólogos japoneses admitem a pro-núncia de Rodrigues. A 2a parte da sua gramática é a mais original (os erros linguísticos comuns dos estrangeiros e a dificuldade em traduzir o português para japonês). Opina que o idioma da capital é o melhor e deve ser imitado no que respeita à pronúncia e ao vocabulá-rio. Nisto se especializou o P.e Gaspar Vilela S. J.. Apresenta mesmo poesia chinesa traduzida para japonês, a história do Budismo, Tauísmo e Confucionismo, na China, e uma avalanche de ou-tras informações úteis.7 Em 1615, Rodrigues aparece como pregador e consultor do Provincial, na Cidade do Nome de Deus, pregador e ajudante do procurador. Desde Junho de 1613 a Julho de 1615, viajou pela China a investigar, em profundidade, os ensinamentos das seitas da China, para as refutar. Entrava, portanto, na arena da adaptação cultural em que Ricci e seus sucessores estavam empenhados. Fala dos Nestorianos e Judeus, na China. Possivelmente ele visitou as 5 principais resi-dências e, em 1615, esteve em Pequim. Apesar do seu criticismo da terminologia a-doptada por Ricci e companheiros, assistidos por le-trados de categoria, Rodrigues não conseguiu fazer vingar os seus pontos de vista. A grave Questão dos Ritos, afinal era uma desavença sobre a terminologia dos Jesuítas e só em 1932 Pio XI a aprovou. Depois da publicação da sua Arte Breve, em Macau, em 1620, o Intérprete foi encarregado, a pe-dido do Visitador, Jerónimo Rodrigues, e do provin-cial do Japão, Francisco Pacheco, de escrever a Historia da Igreja de Japam. Vários o auxiliaram no trabalho (Afonso Lucena, Martinho Hara, Matos e Pires), tendo principiado em 1620 e terminado (a 1ª parte) dois anos depois (os primeiros 20 anos - 1549 - 70); e continuou a narração até 1590. O resto per-deu-se. Em 1628 vemo-lo novamente na China, e por isso, a obra ficou incompleta. Em 1633, João Rodrigues faleceu inesperada-mente e deixou a sua obra incompleta. Não nos referimos à sua última aventura pela China dentro, na Companhia do Visitador, André Palmeiro, e com um destacamento em auxílio dos Ming e pomos aqui um ponto final à nossa narrativa.

3 Bíblia do Novo Testamento, Epístola 2ª aos Cors. 9, 22.

4 Charles E. Ronan, S. J., and Bonnie B. C. co-editors, The Jesuits in China, 1582 - 1773, East meets West, Loyola University Press, Chicago, 1988.

5 D'Elia, S. J., obra citada, II, p. 224.

6 M. Cooper, O. C., p. 260.

7 Idem, ibid., fs. 220 - 238.

* Lic. Literatura Portuguesa e Filosofia (Univ. Lisboa).

Orientalista e investigador da História Portuguesa no Oriente e da Missão Jesuítica na Ásia com dezenas de títulos publica-dos. Governador da Associação Internacional dos Historiado-res da Ásia e Sócio da Academia Portuguesa de História.

desde a p. 5
até a p.