Desde S. Francisco Xavier, que faleceu na madrugada de 3 de De-zembro de 1551, na "Baía dos Por-tugueses" em Sanchoão, 35 jesu-ítas, 22 franciscanos, 1 domi-nicano e 1 agostinho tinham procurado em vão estabelecer--se no interior da China, sem o conseguirem. O motivo foi dito ao P.e Francisco Perez, S. J., com toda a cortesia e no meio da eti-queta da embaixada de Gil de Góis a Cantão, em 1564: "Não sa-biam a língua chinesa".
Por isso, Pompílio (mais tarde, Miguel) Ruggieri e Matteo Ricci, chegados a Macau, respectivamente a 20 de Julho de 1579 e 7 de Agosto de 1582, apenas fundado o catecumenado de S. Martinho de Tours, em 1580, nas vizinhanças das actuais Ruínas de S. Paulo, graças à dáidiva dum comerciante italiano, dedicaram-se afincadamente ao estudo da difícil língua de Confúcio. O seu pri-meiro mestre foi Filipe Mateus, escolhido entre os jerubaças ou intérpretes oficiais do incipiente "Porto do Nome de Deus", como o referido P.e Perez, fundador da primeira residência da Companhia de Jesus, em De-zembro de 1565, chama já a Macau.
Ruggieri foi o grande precursor de Ricci, com as suas repetidas idas a Cantão (poucos dias antes de 3 - 4 - 1580, 2 vezes antes de 3 - 4 - 1581, em Abril - Maio de 1582 com Alonso Sanchez, S. J.) e a Shiu-Hing, na companhia do ouvidor Matias Penela. Os dois foram recebidos, em meados de Maio de 1582 por Wang P'an (王泮) prefeito ou governador da cidade, rodeado duma escolta de 300 oficiais e soldados. Mandou o Tai-yan aproximar do trono a Ruggieri e demonstrou-lhe muito afecto e familiaridade, chegando a acariciar-lhe a barba.
Aos 27 de Dezembro de 1582, na companhia de Francesco Pasio, S. J., voltava Ruggieri a Shiu-hing, onde celebrou a primeira missa, no dia 10 de Janeiro de 1583. Oito meses mais tarde, introduzia finalmente Matteo Ricci, aos 10 de Setembro de 1583, data em que receberam autorização para habitar na cidade, que era a residência de Verão do Vice-Rei do Kuantung e. Kuangsai.
Principiaram os dois sacerdotes a vestir-se como bonzos, rapavam o cabelo e cortavam a barba, não se dando ainda conta de que o Budismo caíra já em descrédito, na China. Este erro corrigi-lo-ia Ricci, 8 anos mais tarde em Sio-Chow ou Kuk-kong, cidade onde falecera, em 713, o "sexto patriarca" (lôk-chou) do Budismo Ch'an ou Zen, Hui-neng, com 76 anos, que era natural de Ta-chien, perto de Cantão, e teve 5 discípulos. A seita fundada pelo monge índio Bodhidarma propagou-se, no fim da dinastia Ming, ao Japão, onde floresceu até hoje.1
AS PRIMEIRAS OBRAS EM CHINÊS E A ADAPTAÇÃO CULTURAL
O primeiro livro chinês impresso em xilografia em Macau, por Ruggieri, foi o Dez Man-damentos do Decálogo.
Sobre um rascunho do jesuíta espanhol Pedro Gomez, superior de Macau, Ruggieri, em 1581, por-tanto ainda em Macau, redigiu também o primeiro Catecismo em chinês. Antes do fim de No-vembro de 1584, o livro foi re-tocado, com o auxílio de um le-trado, que "estava em casa", oriundo de Fuquien, casado e pai de família, que passara no exame imperial e, em Maio de 1584, veio residir com os dois pa-dres italianos. Recebeu o baptismo, pela mão do P.e Francisco Cabral (21 -10 - 1584) e recebeu o nome de Paulo. De-pois, foi um apóstolo. Em breve, o Catecismo teve milhares de cópias que chegaram até à Cochinchina.
Em 1595, Ricci trabalhava noutro Catecismo "muito mais a propósito e melhor ordenado", que publicaria apenas em 1603, com o título T'ien-chu shih-i (天主事宜).
Em 1584, Ricci necessitava de intérprete, o re-ferido sino-luso Filipe Mendes, que o acompanhou em Shiu-hing. Em 1585, lia e escrevia já regularmente sem intérprete e, em 1595, fez as primeiras tentativas de traduzir obras de Epitecto e de Cícero para chinês. O P.e Álvaro Semedo, porém, escreve que, 10 anos depois de entrar na China, ainda necessitava do auxílio dum letrado. "A natureza não anda aos saltos"...
Em 1591, com o auxílio de literatos chineses, traduziu para latim os clássicos Quatro Livros com o comentário de Cháng Chu-cheng, grande secretário e tutor imperial de Wan-li (Mán-lek), nos primeiros dez anos do seu longo reinado.
A comunidade de Shiu-hing (1583 - 1584) compunha-se de quatro pessoas: Ricci, Ruggieri, o Ir. Baltasar (ou Gonçalo) e o Intérprete chinês Filipe Mendes, que vestia à europeia.
O verdadeiro Deus dos cristãos recebeu o nome de "Senhor do Céu", dado por um catecúmeno, João Chan (陳), em Julho ou Agosto de 15832. Foi aprovado pelos missionários e adopta-do até ao presente. Era o nome de Devapati (Senhor dos Deuses), título de Indra, que os tauistas empre-gavam. Antes da introdução do Budismo na China este vocáibulo era conhecido pelos chine-ses como um dos oito Senhores (da Terra, da Guerra, do princípio femi-nino Yn, do masculino Yam, da lua e das 4 estações) ao qual sacrifi-cou o imperador Ch'i (始) Wong Tai da dinastia Chin. O termo originou-se no fim do sé-culo XII a. C.. Ricci, apenas muito mais tarde soube da sua provável origem budista ou pagã; o uso estava introduzido e não o modificou, a fim de não perturbar as consciências.
A residência de Shiu-hing, em estilo europeu, terminada em Maio de 1585 com o dinheiro de Macau, que Ruggieri veio buscar, custou mais de 200 mil taéis ou 6 mil ducados.
O prefeito Wan P'an escreveu em artísticos caracteres, que se conservam, um belo frontispício para a igreja. A imagem inicial de N. a Sr. a (T'ien--chu Seng Mou Neung Neung) foi substituída pela do Salvador, a fim de evitar confusões. No cimo da casa, erguia-se uma cruz de madeira.
Na sala de visitas, expuseram-se relógios, que os chineses chamaram "campaínhas automáticas", muitos globos terrestres e alguns celestes de latão, muitos relógios do sol, prismas de Veneza (pedra preciosa sem preço estabelecido) quadros ocidentais enviados de Roma, das Filipinas, Espanha e Japão, livros ricamente encadernados e dourados, de arqui- tectura e cosmografia, e a Bíblia Poliglota de Anvers (8 vols.) com mapa de ouro, meridianos, dois relógi-os para o imperador Mán-lek, que quis ver o segun-do e mais perfeito mapa-mundi de Ricci, em princí-pios de 1608; mas Ricci nunca viu o imperador.
De 10 de Setembro de 1583 até l de Agosto de 1589, os padres registaram somente 80 baptismos e apenas dois de pessoas de distinção.
A casa de Shiu-hing enchia-se de visitas de mandarins, que vinham à cidade visitar o Vice-Rei, mas a garotada, com as suas diabruras danificou-lhe os vidros e janelas e chegou a fazer-lhe perder a paciência. Ricci voltou a Macau desanimado e foi ainda o santo bispo Melchior Carneiro Leitão que o convenceu a voltar.
Portanto, o método de Ricci era "sem abandonar o povo simples, con-centrar todas as forças e energias nos dirigentes da sociedade, que na China eram os mandarins e os literatos."Era, portanto, um método de acomodação cultu-ral, aliás tão antigo e sempre novo como o de S. Paulo: "fa-zer-se tudo para todos, a fim de lucrar a todos para Cristo"3 ou "entrar com a deles para sair com a nossa".
Empregara-o Xavier no Ja-pão, e no Oriente, Valignano, Henrique Henriques, Nobili, João de Brito e outros.
Aprofundar e adoptar todos os aspec-tos de verdade que existem, em qualquer cultura, e nunca impor o modelo externo do Ocidente. Acomo-dar-se, sem trair a fé e a moral cristãs. É a única alternativa à expansão étnico-cêntrica dos grandes conquistadores militares de todos os tempos.4
A TRANSFERÊNCIA PARA SIO-CHOW OU KÔK-KÓNG E O PROGRESSO NA ADAPTAÇÃO CULTURAL (29-8-1589 A 18-4-1591)
O Vice-Rei de Cantão, Wu wen-hua, mudou para Nanquim e foi substituído, em 1587, por Wu Shan, governador do Kuangsi, que faleceu poucos meses depois, de pura velhice. Sucedeu-lhe Lau chi--chai, "homem cruel, ambicioso e amigo do dinhei-ro", que mandou logo restaurar totalmente o palácio onde o seu antecessor morrera.
Dando ouvidos às muitas intrigas contra os missionários europeus, expulsou-os da cidade, con-fiscou-lhes a casa, em l de Agosto de 1589, mas permitiu-lhes que partissem para o norte da provín-cia, Sio-Chow ou Kôk-Kóng.
A viagem foi dura e iniciou-se no dia 15 de Agosto do mesmo ano. O P.e António de Almeida, S. J., porém, "jovem de rara virtude e fervor santo" que já acompanhara Ruggieri ao Chekiang e ao Kuang-si, chegou muito doente e daí voltou a Ma-cau, onde permaneceu até fins de 1589. Recaiu doente, em Sio-Chow, aos 11 de Outubro de 1591, e faleceu edificantemente oito dias depois, sendo os seus ossos provavelmente trasladados para Macau, em Dezembro de 1593.5
Dirigiram-se, primeira-mente, os missionários, para o grande mosteiro Kong Hao (光孝), onde viviam mil monges e estava sepultado, como disse-mos, o Sexto Patriarca (Lôk Chou), Hui--neng, do Budismo Chan ou Zen. Aí permaneceu Ricci uma noite, observando tudo e, no dia seguinte, encaminhou-se para a cidade, bastante maior que Shiu-hing.
Com a aprovação de Valignano, re-solveram não chamar-se "bonzos" (和尚), deixar crescer a barba e o cabelo, mudar o trajo para o dos letrados, vestir de seda nas visitas dos mandarins e construir uma residência e a sua igreja ao estilo chi-nês. O edifício terminou em Outubro-Dezembro de 1590.
Tiveram a consolação de ver entrar na Com-panhia, em l de Janeiro de 1591, os primeiros ir-mãos jesuítas chineses de Macau, que lhes foram mais tarde de grande utilidade: Sebastião Fernandes (que pronunciou em português a sua fórmula dos votos, documento que se conserva, perante o italiano Nicolo Longobardi, S. J.) e Francisco Martins (Wong Meng-Sa), que foi morto em Cantão, pela fé, em 20 de Janeiro de 1606.
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