Depoimento

MACAU... UMA CERTA IDENTIDADE?

João Vicente Massapina*

Slide de Joapquim de Castro.

OUrbanismo e a Salvaguarda do Património Edificado, são hoje, no limiar do século xxi, disciplinas e conceitos sempre presentes nos planos e nas grandes opções governamentais.

Saber proteger, porquê proteger, como proteger e para quem proteger, são questões que implicam um conhecimento profundo do Património Edificado, dos processos de restauro, das metodologias que deverão nortear a elaboração de estudos e projectos de renovação urbana e das suas existências sociais.

No passado, e nomeadamente em Portugal, a protecção de edifícios e conjuntos construídos foi selectiva, realizando-se verdadeiras operações de cosmética para proteger o antigo ou o bonito e tipicamente turístico, como é o caso da Vila de Óbidos.

Macau, que não sofreu as grandes destruições da última guerra e esteve sempre longe das grandes decisões do poder central de Lisboa, reunia apesar de tudo, todas as condições para que o crescimento do seu tecido urbano, fosse atempadamente planeado e estudado por forma a criar condições de habitabilidade para toda a população e tendo em conta o espaço físico disponível -- 20 km2 aproximadamente.

A História Social e Urbana de Macau é, aliás um exemplo típico de uma cidade que tem crescido ao sabor de grandes interesses económicos, bem recebidos com certeza, se esses interesses são postos ao serviço dos cidadãos.

Contudo, esse crescimento acelerado, foi feito, nomeadamente desde o início dos anos oitenta à custa de muitas destruições e demolições de edifícios, que poderiam ter sido reabilitados, concedendo-lhes novas utilizações e usos, e planeando-se atempadamente espaços adequados para novas expansões da cidade.

As novas expansões, como os aterros do ZAPE e do NAPE, terrenos conquistados ao mar, tiveram, em meu entender, aspectos bastante nocivos no Planeamento Urbanístico da cidade, "cortando-lhe" todo o diálogo com o rio e o mar, contrariamente ao que tem sido implementado nas cidades mediterrânicas e ribeirinhas.

Muito foi escrito e publicado sobre o crescimento e a história da cidade de Macau, mas o certo é que a história de uma cidade não se faz exclusivamente pela compilação de datas e de factos, faz-se também pela interligação de todos os agentes interessados na sua evolução harmoniosa, onde a Administração do Território deverá sempre funcionar como árbitro de todas as decisões.

A cidade de Macau, cresceu assim espontaneamente, face aos interesses dos privados, que também são fonte de riqueza para esta terra, mas cujos objectivos não deverão sobrepor-se às necessidades públicas, visto que não é admissível continuar-se a destruir o nosso ambiente natural e urbano.

A identidade desta cidade, a sua escala urbana, os seus hábitos, costumes e tradições, têm sistematicamente sido substituídos por outros conceitos de urbanismo, onde os sinais exteriores de riqueza, são privilégio adquirido e uma maneira muito incaracterística de estar na vida.

Haverá tempo e espaço.., para que os ambientes urbanos sejam projectados e reencontrem os conceitos de qualidade desejáveis?

Os meios técnicos postos à disposição da população servirão para o estabelecimento de uma desejável qualidade de vida?

A cidade, assim como a habitação, traduz uma maneira de viver, onde o homem e a mulher são o princípio e o fim, e é isto que se traduz na identidade social, cultural e política dos aglomerados urbanos.

A recente demolição do Convento das Carmelitas, onde será construído um edifício que irá mais uma vez adulterar a paisagem e silhueta da cidade, o exemplo urbanístico do NAPE, os exageros e atentados construídos, praticados na baixa da Taipa, a construção nova e de duvidosa qualidade arquitectónica no casco antigo, nomeadamente perto das Ruínas de São Paulo e no Largo do Senado e as frentes construídas na Praia de Hac-Sa, são exemplos que futuramente deverão ser evitados, pois são situações que não abonam nada a favor da identidade da cidade de Macau.

Enfim, não se pretende manter a cidade, num amplo e desértico espaço museológico, como, e muito bem, transmitia recentemente o presidente do Leal Senado; pretende-se sim, Planear, Programar, Ordenar e Salvaguardar o Território de Macau, com instrumentos flexíveis e dinâmicos.

Se não se efectivar este conceito tão simples de Planeamento Urbanístico, se não se sensibilizarem os poderes públicos que detêm a gestão urbana da cidade e, sobretudo, se o exercício da profissão de Arquitecto não conciliar os aspectos económicos com a Obra de Arquitectura, então, a exemplo de tantas outras, esta cidade perderá para sempre a sua identidade, mesmo que persistam esforços, por parte da Administração em reabilitar, no pouco que pode, os conjuntos edificados existentes, esses sim, símbolos de um passado recente, e verdadeiros exemplos de uma Carta de Identidade Urbana.

* Arquitecto. Licenciado pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, em 1980. De 1982 a 1990, desenvolveu a sua actividade em vários municípios do Alentejo, especialmente na área do Planeamento e Desenvolvimento Urbanístico, tendo exercido a profissão em regime liberal, durante os três anos seguintes. Desde 1994, trabalha no Leal Senado de Macau.

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