Urbanismo/Arquitectura

A VELHA ALDEIA DE MONG HÁ QUE EU CONHECI

Ana Maria Amaro *

"(...) Oque é hoje a cidade de Macau, era, no seu início, uma pequena península, quase toda árida e escassamente coberta de relva, cercada de inóspitas ilhas e apenas ligadas por uma língua de terra à ilha de Héong San.

Habitações havia poucas, sabendo-se que no vale de Móng Há moravam algumas famílias, entre as quais duas originárias de Fôk Kin, uma de apelido Tsum (Sam), outra de apelido Hó.

Havia também dois pagodes, pretendendo cada qual para si a primazia da antiguidade: o pagode da Barra ou Má Kok-Miu — Templo da Deusa Á-Má e o Tin Hau Seng Mou Miu, Templo da Deusa Rainha Celestial (...) (Pe. Manuel Teixeira, 1940)"1

Esta aldeia de Móng Há, que foi um dos primitivos núcleos de povoamento de Macau, de acordo com as fontes chinesas, parece datar do século XIII. No entanto, a história da sua fundação vive, apenas, na tradição oral, nos raros chôk pou de antigas famílias locais2 e em mais ou menos vagas descrições constantes de raras obras chinesas.

Do chôk pou da família Sam consta a seguinte notícia da fundação da primeira aldeia de agricultores da Província de Macau:

A província de Fôk Kin a nordeste de Kuong Tong constituída pelos distritos de Chiu Chau e Cheong Chau, no início da Dinastia Ün (元朝), foi invadida pelo exército do novo imperador, que tudo devastava à sua passagem, de acordo dinastia Song, era originário de um clã das províncias do sul e pai da própria favorita real.

O exército revigorado do fundador da nova dinastia, comandado pelos generais Man Heong3 e Chiau Chau acabou, porém, por destroçar os últimos núcleos de resistência.

Os súbditos leais ao antigo imperador, bem como todos os seus familiares, foram decapitados por ordem do novo monarca4.

Interior do Templo de Lin Fong, nos anos 1960. Foto da autora.

As famílias dos pacíficos agricultores das aldeias do Meio Dia, principalmente aquelas a que pertenciam os generais perseguidos, resolveram, em pânico, emigrar mais para o sul,adiante da avalanche invasora, em busca de abrigo nas numerosas ilhas desertas do falso delta do Rio de Cantão.

Em barcos frágeis desceram o rio e procuraram um lugar com bom fong soi5

E eis que surgiu a um dos grupos de emigrantes O Ninho de Andorinha nas várzeas abrigadas da Península de Macau.

Por outro lado, a configuração auspiciosa da terra a lembrar uma folha de loto, cuja haste, representada pelo istmo de ligação com a ilha de Héong San6, bem como a disposição das colinas, naquela zona, em forma de flor de loto, com um cume de ouro7, prometiam aos fuquinenses uma nova era de ventura e de prosperidade.

Uma vez escolhido o local para a edificação da aldeia, na vertente da colina abrigada e voltada a Sul8, à beira das várzeas semi-alagadas, próprias para cultivar arroz, em breve os recém-chegados ergueram os primeiros casebres de bambu, cobertos de palha, que mais tarde reforçaram com pranchas de madeira.

Faltava dar um nome à aldeia que nascia e a saudade foi quem escolheu. Móng Há Chün — Aldeia que contempla Á Mun — uma permanente lembrança da sua província abandonada.

É de notar, porém, que acerca do nome da aldeia de Móng Há, é possível admitir várias hipóteses:

A primeira consiste na tradução literal da expressão:

Móng -- olhar de longe, contemplar, esperar (ter esperança) e Há--verão, que poderá traduzir-se por Verão Esperançoso ou Contemplando o Verão.

Considerando que, algumas vezes, em documentos chineses dos sécs. XVII a XVIII, Há aparece sob a sua forma, que significa um grande edifício e constitui a primeira letra da palavra Á Mun (Amoy) capital da Província de Fôk Kin, a expressão Móng Há traduzir-se-á por Edifício Esperançoso, Contemplando o Edifício ou, o que é mais lógico, Contemplando (de longe Á Mun o que equivale a esperando pelo regresso) a Á Mun.

Parece-nos, porém, que a expressão contemplando Á Mun é aquela que mais poderá aproximar-se da ideia original dos fundadores da aldeia, de acordo com o que foi registado pelos antepassados dos Sam no seu chôk pou. Contudo, nalguns escritos do século passado e mesmo em certos documentos chineses9 aparece a expressão Wóng Há indistintamente empregada em vez de Móng Há. Significando Wóng florescente, brilhante, próspero e glorioso, a expressão Wóng Há poderá traduzir-se, neste caso, por Verão Próspero ou Florescente ou Próspera ou Florescente Aldeia (considerando Há não como "verão" mas como designativo do local), o que faria corresponder a aldeia de Móng por assim dizer, a uma segunda Há Mun.

Esta troca do ideograma Móng por Wóng não é rara em chinês, já que, aproximando-se a fonia, os chineses costumam empregar alguns termos por outros desde que sejam mais auspiciosos, o que é o caso de Wong Há.

Aliás, em Kau Long (Heong Kong), a zona comercial de Móng Kóc é também designada indistintamente por Wóng Kóc, sobretudo em referências escritas.

De reparar, ainda, é o facto de terem os portugueses chamado ermida de Nossa Senhora da Esperança à igreja (se não a primeira, pelo menos uma das primeiras) por estes construída no Campo. Ao que parece, foi sob o signo da Esperança que Macau acolheu os filhos do Ocidente e do Oriente que a demandaram. Pura coincidência?

Na altura em que os primeiros horticultores chegaram a Macau, a península não oferecia o seu actual aspecto geomorfológico. De superfície muito menor, as suas colinas eram ligadas apenas por pequenos aterros, na sua maioria pantanosos, e era invadida, pelo lado de Patane, por um braço de mar que, formando o que veio a ser o canal de San, chegava até à vizinhança da aldeia de Móng Há.

Esta falsa ribeira era conhecida por Tam Chong Mei10 e constituía, a sul, o limite natural do primitivo aldeamento. Além deste braço de água, delimitavam a povoação, a leste, a colina de In Vó — (futuro Monte da Guia), conhecida actualmente em chinês por Tong Móng Ieóng11; Sá Kong o Boião de Areia — a este e as colinas de Kam Kôk San — Monte do Crisântemo de Ouro — e Lin Fong — Pico do Loto — a norte12.

Agricultores, os fundadores da aldeia, começaram a arrotear as várzeas para seu próprio sustento e talvez para trocas com os pescadores do pequeno núcleo já existente aquando da sua chegada, no outro extremo da península.

Segundo o chôk pou da família Sam os primeiros habitantes de Móng Há pertenciam aos clãs dos Hó e dos Sam seguidos pelos Hói, Cheong, Lam e Chan.

Entregues ao trabalho dos campos, sem lhes ser possível produção lucrativa, para além do seu próprio sustento, os habitantes de Móng Há viviam em paz e, portanto, contentes, quando um dia dois pequenos pastores, que se encontravam guardando algumas cabras, que pastavam as magras ervas dos fraguedos à beira do rio, viram, a boiar nas águas, que então vinham tocar o sopé da colina do Cume de Ouro, uma pequena estatueta esculpida em madeira, representando a compassiva Kun Iâm, a Deusa da Misericórdia. Devotamente a recolheram e a levaram para o povoado13.

Prenúncio de ventura!

Em terra firme, próximo do local onde aparecera, a pequena estátua foi entronizada e venerada com pivetes e orações. À sua volta foi armado, com três pequenas pedras aparelhadas, um pequeno e simples santuário em forma de nicho, que lembrava as ombreiras duma porta, como se dum verdadeiro templo se tratasse.

Nasceu, assim, o primeiro templo de Macau dedicado à Misericordiosa Kun Iâm Pou Sat, que ouve todas as orações14.

Nesta época, a aldeia rural de Móng Há era constituída por um punhado de pobres casebres alcandorados na vertente sul do arco montanhoso do Cume do Ouro, muitos dos quais perduraram, aliás, até ao século XIX (figs. 3 e 4).

A actividade económica em Móng Há era então semelhante à das aldeias rurais chinesas contemporâneas, baseando-se na cultura do arroz e do cangcong15 praticada nos terrenos baixos e alagados em regime de cooperação simples.

Nos primeiros tempos não se verificava, certamente, a comercialização dos produtos, vivendo a comunidade em regime de auto-subsistência.

A unidade de produção era constituída pelo conjunto de famílias recém-chegadas, sendo o seu trabalho comunitário, com repartição assegurada por via de partilha16. Esta primeira fase deve ter correspondido a um primeiro período de duração, impossível de determinar, relacionado com a preparação do solo e adaptação do grupo à nova terra.

A concepção tradicional chinesa de pequena exploração familiar visa a acumulação individual, baseada na ética confucionista, o que teria dado lugar, logo que se tomou possível, por melhoramento das condições do solo local, à produção de excedentes e a trocas com a população piscatória de Á Má Ou e, por seu intermédio, com outros núcleos implantados em ilhas mais ou menos afastadas. Estas trocas, em breve se teriam transformado em vendas, o que, inevitavelmente, conduziria à própria modificação do regime de trabalho, vindo a acentuar-se durante a fase pré-capitalista que antecedeu a fundação da cidade portuguesa na zona sudoeste da Península de Macau.

Moradora de Móng Há a caminho do Templo de Kun Iam (1960).

No território, então despovoado do arvoredo que mais tarde o revestiu17, os agricultores que fundaram a aldeia de Móng Há contaram quase exclusivamente com os recursos da terra como meio de produção e de criação de gado e com a sua própria força de trabalho.

Antes da chegada dos portugueses e da fundação da cidade cristã, a estrutura sócio-económica da aldeia rural de Macau, assentava, pois, na exploração da terra como objecto e meio de trabalho, utilizando técnicas tradicionais de orizicultura e sendo os instrumentos de produção nuns casos individuais e noutros colectivos.

Esta estrutura apoiava-se na unidade de produção familiar, na qual a propriedade dos meios de produção pertencia aos mais velhos: ao chefe da família ou do clã — o homem mais idoso (avô ou bisavô) da família extensa tradicional chinesa, que partilhava a casa grande comum. O poder político e jurídico pertencia, por outro lado, ao mais velho e mais considerado dos homens da aldeia, acolitado por uma espécie de conselho de moradores, eleitos, também, pelos residentes e escolhidos de acordo com a prática das mais nobres virtudes da moral confucionista.

Entretanto, o império chinês vinculava a sua ocupação efectiva do território e efectuava a unificação das províncias do Sul. Com esta ocupação e divisão política das terras do império, passaram a ser nomeados magistrados para governarem os vários distritos, magistrados estes de maior ou menor categoria18 de acordo com a maior ou menor importância da região.

Nas aldeias, contudo, os anciãos continuavam a ser os detentores do poder político, sujeitando os diferendos, apenas nos casos mais graves, ao tribunal do respectivo magistrado, conhecido em Macau por mandarim. As fontes chinesas19 registam que, já no século XVI, havia em Héong San (ilha do distrito a que pertence Macau) um magistrado oficial, ao qual os habitantes da região estavam sujeitos e pagavam foro.

Já havia, portanto, nesta altura, uma autoridade chinesa usufruindo de tributos pagos pela aldeia rural de Móng Há20. Como estava determinado, o chefe da aldeia teria passado, então, a ser escolhido por esta autoridade provincial, sob proposta dos seus habitantes, continuando, pois, a aldeia a constituir uma povoação de facto senão de jure. Ao chefe da aldeia cabia fazer as contas, recolher os impostos, dirigir os empreendimentos comuns, tais como. o traçado de estradas ou caminhos, e gerir os celeiros comunitários, uma vez que os arrozais continuavam a ser explorados em comum, contrariamente às hortas. Este chefe devia saber ler e sozinho, ou com a ajuda de homens justos, seus conterrâneos, conhecedores das velhas tradições, devia procurar resolver todas as querelas e desavenças entre os habitantes da sua aldeia, a quem deveria escutar e aconselhar. Só em último caso, como atrás se disse, apresentava os diferendos à justiça oficial, representada pela pessoa do magistrado.

Sendo o produto da exploração da terra, com excepção do trabalho do arrozal, exclusivo de cada agregado familiar, em breve começaram a definir-se os pequenos e médios agricultores, reflectindo-se a riqueza que cada um conseguia acumular nas suas casas de tijolinho mais ou menos vastas, mais ou menos ornamentadas, de que hoje ainda podemos encontrar vestígios em Móng Há, embora infelizmente muito poucos.

O pequeno comércio teria surgido também, na aldeia, como consequência imediata, não só ligado primeiro a simples formas artesanais, como as que ainda actualmente se encontram nos bairros da cidade essencialmente ocupados pelos chineses, mas também à comercialização de excedentes frutícolas e ostras moídas (chunambo) extraídas das rochas litorais, comercialização principalmente feita por via fluvial.

Pode comprovar-se o progressivo desenvolvimento económico da aldeia de Móng Há, porque não só este foi assinalado, como mandam a piedade e a devoção tradiciohais chinesas, pela construção dos primeiros templos de Macau, erigidos em honra das divindades protectoras mais estimadas, mas também pelos melhoramentos e ampliações naqueles feitos, sempre registados em lápidas, que hoje podemos ver incrustadas nas suas paredes.

Junto ao Istmo, na base da Colina do Loto, fundeavam pequenos barcos, sobretudo sampanas, segundo reza a tradição oral, junto a um grande bloco rochoso onde se acendiam pivetes e velas de culto, venerando-se, possivelmente Tou Tei, O Espírito do solo21 e a própria Tin Fei, protectora dos mareantes22, à qual, cerca de 1592, de acordo com a data registada numa lápida do actual templo, se ergueu um primeiro santuário que passou a ser o terceiro templo budista de Macau23. Tin Fei Miu foi o seu primeiro nome24, nome que se perdeu, porém, a partir do século XIX, quando, após um incêndio, o templo foi reconstruído, passando a ser designado por Lin Fong Miu — Templo da Colina do Loto.

Entretanto a Dinastia Ün liderada pelos mongóis, chegara ao fim, e os Meng da etnia han chinesa, triunfantes, de novo impunham as suas leis nas várias províncias do Grande Império do Meio. Mais uma vez Macau se tomou local de abrigo de muitos refugiados.

O bonzo Séak Cheng Tai Si, magistrado que procurara na condição religiosa refúgio contra as perseguições dos seus adversários, recorrendo à protecção conferida pelos seus votos, foi para Macau e, com um pequeno núcleo de companheiros, fundou uma modesta bonzaria próxima da pequena capela de Kun Iâm, na aldeia de Móng Há25.

Consta do chôk pou dos Sam que foi nesta altura, no reinado de Cheng Tak Wóng no ano de Teng Mei26, que chegaram ao delta do rio de Cantão os famosos bárbaros do Ocidente.

Após um tufão dos que frequentemente assolam Macau, fugidos à tempestade, três barcos estrangeiros, um holandês, um mouro e um português, buscaram sucessivamente abrigo na Porta da Baía 27

A breve trecho os dois primeiros levantaram âncora, ao passo que o navio português permaneceu. Os portugueses aparentavam ser comerciantes.

Desmantelado o barco pelo tufão, e molhadas as fazendas, os bárbaros desceram a terra e contactaram com os descendentes dos Kai fixados na Povoação da Barra, nos terrenos da futura Praia do Manduco. Pediram autorização ao chefe do clã para levantarem pequenas barracas onde se abrigarem e também para permanecerem até secarem as mercadorias. A licença foi-lhes concedida provisoriamente28.

Nos primeiros tempos, os portugueses exerciam o seu comércio em Liang pó, de onde acabaram por ser expulsos, sendo incendiada a sua feitoria29.

Contudo, nos primeiros anos do reinado de Ká Cheng (1522-1567) consta que as autoridades chinesas, tanto civis como militares, por serem elevados os lucros que usufruíam com o comércio português, requereram o reatamento das transacções comerciais.

Sino de um dos templos de Móng Há.

Na obra chinesa Héong San Un Chi pode ler-se (Livro VI, pp. 3 e 4) que "já na dinastia Meng, no reinado de Long Cheng (1567-1572) os portugueses tinham chegado a Héong San, sendo na altura famoso na província de Cantão um comerciante, bárbaro do ocidente, conhecido por Ao Pá Tou30.

Perto de Macau vivia um magistrado responsável pelo governo e pela justiça dos pequenos povoados locais, denominado Lam Fu, que permitiu aos portugueses a construção de casas, arrendando-lhes o terreno por 500 barras de prata anuais.

Por instrução deste magistrado, o seu superior Wong Hang, no 14. ° ano de Ká Cheng (1536), pediu superiormente autorização para que o ancoradouro de Long Pak Ou31 fosse transferido para Ou Kéang mediante o pagamento duma taxa anual de 200.000 kâm (onças de prata)32

No 32. ° ano de Ká Cheng (1554), não tendo sido ainda concedida tal autorização, os comandantes dos barcos portugueses pediram verbalmente que lhes fosse emprestada a terra de Hou Kéang para secar todos os artigos molhados pela água. O Hói Tou, sub-prefeito da defesa marítima, Wóng Pak, autorizou esta pretensão e, assim, começou a construir-se, com palha e bambu, o povoado português, num terreno ribeirinho na baixa de Patane.

Consultando a História da Dinastia Meng, sabe-se que o rendimento anual proveniente dos direitos Hou Kéang (Macau) era de 20.000 taéis além do foro de 500 taéis, verba cuja origem era, porém, desconhecida33. Fosse qual fosse a forma de cedência da terra, fundou-se, assim, no século XVI, a cidade cristã do Nome de Deus na China34 — primeiro entreposto comercial do Ocidente em terras do Celeste Império.

Os habitantes de Móng Há assistiram à chegada e ao estabelecimento dos portugueses na zona sul da Península com uma certa curiosidade, a que se sucedeu o receio, que contagiou as próprias autoridades distritais. E foi assim que no 2. ° ano de Man Lek (1575), pouco depois da fixação dos portugueses em Macau, foi construída pelos chineses uma barreira, no istmo, então denominado Pedúnculo de Flor de Loto para defesa contra os estrangeiros que ali se haviam fixado, ocupando uma das mais importantes vias de penetração para Cantão35.

Esta região vizinha de Móng Há teria passado, assim, a povoar-se também, aumentando as permutas e o rendimento das hortas, o que, sem dúvida, a par do crescimento da cidade cristã, incrementou o seu desenvolvimento, atraindo agricultores de vários pontos da Província de Cantão, que se vieram juntar aos fuquinenses no amanho da terra nem sempre pródiga.

Em meados do século XVII, consta que residiam já nos aldeamentos de Macau cerca de 7.000 chineses36 (Ljungstedt, 1836).

Talvez por isso, quando no 35. ° ano de Man Lek (1608), o magistrado da Província Pun O Long, juntamente com representantes de mais cidades vizinhas, pediu a expulsão de todos os estrangeiros de Macau, não conseguiu o seu intento. O comércio prosperava e muitos eram já os chineses nele directamente interessados.

O século XVII foi decorrendo, sucedendo-se, na aldeia, os acontecimentos mais variados, muitos dos quais ficaram transformados em lenda, neblina de deturpações, que a transmissão de outiva, no decorrer de alguns séculos, não pôde jamais evitar.

Na cidade cristã, os portugueses, com o auxilio dos escravos trazidos de Goa, de Malaca, de Timor e de África, entre os quais dominavam os cafres37 arroteavam também o solo intramuros em pequenas hortas individuais, sendo notável pelo seu tamanho, fertilidade e variedade de espécies, a Horta do Colégio dos Jesuítas conhecido por S. Paulo do Monte38 Com espécies hortícolas levadas de Goa e talvez também do Reino, enriqueceram-se e multiplicaram-se as hortas cristãs e provavelmente tornou-se necessário o trabalho assalariado dosjapões refugiados em Macau e dos próprios chineses39 que, entretanto, tinham procurado trabalho na Cidade, nela se tendo instalado sobre aterro novo na região do Bazar, no antigo ancoradouro do Porto Interior, onde, posteriormente, abriram lojas para comerciarem com os portugueses40.

Das hortas portuguesas algumas sementes e estacas de novas espécies vegetais teriam sido levadas, certamente, para a aldeia extramuros.

Com a introdução de novas espécies e o desenvolvimento da cidade cristã, que oferecia cada vez melhor mercado, as hortas de Móng Há teriam necessariamente proliferado, expandindo-se pelo Campo 41.

A atracção do Mercado da cidade, bem como os serviços prestados em casa dos portugueses, além do comércio em regime de intermediários, a que se dedicavam alguns chineses, provocaram, como seria de esperar, uma extraordinária alteração na estrutura sócio-económica das aldeias extramuros que, entretanto, se expandiam para sul, pela baixa da colina da Guia (antigo Monte Chaúl)42 em direcção ao Tap Séac e à muralha da cidade43.

A cultura do arroz foi abandonada por ser difícil e pouco rendosa, já que a água dos charcos era por demais salobra, a qualidade do arroz (variedade de bago vermelho) inferior e a produção em quantidade insuficiente para abastecer não só as aldeias que aumentavam, mas também a cidade. Os pântanos começaram a ser entulhados e a policultura alimentar, em regime intensivo, obrigada a utilizar estrumes fortemente azotados para enriquecer solos enfraquecidos, passou a ocupar não só os membros das antigas famílias, como muitos forasteiros que, cada vez em maior número, chegavam, atraídos pela cidade.

Entretanto, a mão de obra agrícola autóctona diminuía, pois os filhos dos aldeões começavam a desempenhar lugares remunerados como amas, artífices, criados, empregados comerciais e línguas (intérpretes), além de outros serviços municipais.

A força do trabalho, que o amanho das hortas absorvia, passou, assim, a ser desviada, vendida aos habitantes da cidade, mediante salários irrisórios44. Ao mesmo tempo, começou nas aldeias, por falta de mão de obra, a adoptar-se o regime de assalariamento. Surgiram, assim, os jornaleiros e os criados agrícolas.

Uma construção portuguesa recente, após as expropriações, e algumas casas da aldeia trepando a colina.

Os numerosos forasteiros, para quem a cidade nem sempre era generosa, viam-se forçados a procurar trabalho nas hortas do Campo como último recurso. Muitos ocuparam terrenos vagos,pagando o foro ao mandarim da Casa Branca 45, explorando novos baldios, e construindo aí os seus casebres miseráveis.

O arroteamento destes terrenos vagos, em grande parte ocupados por sepulturas, veio, assim, a tornar-se difícil, principalmente devido à falta de água e à pobreza dos novos solos ainda não trabalhados, deixando de oferecer, a breve trecho, motivo de atracção para novos agricultores das regiões da vizinha China, que podiam vir a Macau transaccionar muitos dos seus produtos, principalmente por via marítima e pelos caminhos de pé-posto que ligavam as duas principais portas da Cidade aos aldeamentos periféricos, ultrapassando através do Istmo a Porta do Cerco46. Não poucos chineses, por isso, teriam demandado outras paragens.

Depois do século XVI, só por altura de 1720 Macau passou a gozar de certa prosperidade por incremento do movimento portuário, consequência também de algumas regalias concedidas pelas autoridades chinesas, mas esta prosperidade, que era dura pela forte dependência a que obrigava, foi de curta duração47.

No decurso de 1724, após várias pressões dos mandarins, os chineses estipularam que a população de Macau não poderia crescer, nem seria lícito a nenhum estrangeiro ali estabelecer-se48.

Verificou-se, então, rápido declínio da cidade de Macau49. A população decresceu notavelmente e, como consequência, o progresso hortícola dos espaços cultivados extramuros não foi grande no decurso do século XVIII; no início do século XIX, calculava-se em 8.000 o número de habitantes chineses de Macau, número que apenas excedia em 1.000 o número estimado nos fins do século XVII50.

No século XVIII, a Casa do Mandarim e o templo de Lin Fong, onde, antes, os magistrados chineses estranhos à terra se instalavam por ocasião das suas visitas, eram as mais imponentes construções chinesas de Móng Há. Este último apresentava o mais fino trabalho esculpido em pedra, jardins povoados de árvores frondosas e tanques com lotos, descendo até ao rio, onde um pequeno ancoradouro lhe dava acesso. Ali residiam os mandarins quando vinham a Macau tratar de assuntos políticos ou para mero recreio51.

Os aldeamentos do campo enviavam todos os dias para a cidade, através das portas que se lhes abriam, frescos e mão-de-obra que na sua maioria recolhia à noite ao Campo.

Um certo equilíbrio económico e demográfico parece, aliás, ter-se estabelecido e. mantido na aldeia até finais do século XVIII.

Entretanto, foi fundado o templo de Kun Iâm anexo à Bonzaria da Associação de Beneficência Pou Chai Sin Ün no Monte do Caranguejo, onde a tradição conta que a Misericordiosa Kun Iâm se refugiou um dia em Macau.

Este templo é, hoje, aliás, um dos cartazes mais importantes do Território.

Nas primeiras décadas do séc. XX, em 1825, os ingleses começaram a construir uma estrada através do Campo para servir o recinto das corridas de cavalos que pretendiam instalar em Macau52. A este plano opôs-se o Mandarim de Móng Há em 1826. E a partir daí as pressões mandarinais acentuaram-se53.

Nessa altura, fruto do empobrecimento que a cidade já conhecera no século anterior, as tensões continuavam a fazer-se sentir em Macau a par e passo com a decadência dos costumes e com o proliferar de ódios, intrigas, latrocínio (...)54.

Nas aldeias chinesas os ecos desta instabilidade faziam-se sentir e contavam os residentes que os próprios funcionários da Câmara invadiam frequentemente a aldeia de Móng Há e dali levavam criação ou frutas, e importunavam as mulheres, e que outros europeus e luso-descendentes também o faziam de passagem para os terrenos baldios onde iam caçar. As brigas passaram a ser frequentes.

Em 1838, o Governador Gregório Pegado, apoiado pelo Ouvidor, chegou a planear a eliminação do chinas vadios e outros que incomodavam a cidade (...)55 quebrar as casas que os chinas tinham feito de novo no Patane, fazer despejar a Aldeia de Mohá para se por tudo no antigo estado, atitude que mereceu a desaprovação do Leal Senado, por se temer uma natural reacção. Em carta de 29 de Dezembro de 1838, o Senado queixou-se ao Reino deste arriscado projecto, o que mereceu do Conselho Ultramarino a Provisão de 29 de Maio de 1839,segundo a qual Sua Majestade a Rainha (D. Maria II) determina que o Procurador não terá autorização para abrir chapas nem para fazer coiza alguma ou responder a elas sem participar a esse Senado.

Esta provisão contribuiu para enfraquecer ainda mais ó poder do Governador de Macau e promover o incremento do estado caótico em que o território na altura se encontrava.

Três anos depois de fundada a Colónia de Hong Kong, uma vez terminada a Guerra do Ópio, Macau foi considerado porto franco56 e assistiu-se, então, ao início de uma das mais tristes páginas da sua história comercial.

Abolida a escravatura, o governo inglês promoveu a famosa emigração dos cules e muitos foram os que se aproveitaram da ocasião para fazer passar por Macau muitas destas verdadeiras vítimas do logro e da cobiça de aventureiros sem escrúpulos.

Nesta altura pululavam os malfeitores, os vadios e os oportunistas tanto em Macau como nos arredores. No mar proliferava a pirataria. Na cidade degladiavam-se egoísmos e cobiça57. A corrupção, o vício e o desregramento assolavam a maioria dos portugueses. Os chineses atentos e apreensivos criticavam e pressionavam as nossas autoridades. Foi neste estado moralmente decadente que Ferreira do Amaral, em 1846, encontrou o território cujo governo lhe fora confiado.

O governador Ferreira do Amaral tinha como objectivos principais consolidar a posição e os direitos de Portugal em Macau, moralizar os costumes e prover às necessidades da cidade em crescimento; para isso, mandou urbanizar a zona do Campo, na maioria constituída por baldios semeados de hortas e sepulturas, premeditando fazer espraiar a cidade por todo o terreno peninsular até à Barreira do Istmo.

Obras de abertura de novas ruas em Mong Há.

A primeira coisa a fazer era abrir arruamentos e para isso, no intuito de não serem violadas as sepulturas, conhecido o transcendente respeito que os chineses têm pelos seus mortos, pretendeu que se procedesse à sua remoção, mandando publicar os respectivos editais.

Da leitura desses documentos datados de l de Abril de 1848, 5 de Maio do mesmo ano e 3 de Janeiro de 1849, facilmente se pode deduzir que o Governador Ferreira do Amaral não conhecia a mentalidade chinesa nem a versão histórica da fundação da aldeia de Móng Há.

Às autoridades chinesas, como seria de esperar, tais disposições desagradaram tanto quanto aos horticultores do Campo. E assim se gerou o conflito que viria a culminar com o assassinato do Governador português. A agravar as hostilidades sucedeu que o ano agrícola foi mau; as incursões dos portugueses que se apoderavam de vários bens de consumo nas aldeias de Móng Há e Long Tin (principalmente criação, quando iam caçar extramuros, chegando a insultar por assédio sexual as mulheres chinesas) aumentaram, bem como se sucederam incêndios, tufões graves e epidemias.

A partir daí os habitantes das aldeias de Long Tin e de Móng Há começaram a cair em desgraça. Muitos chineses crêem, ainda hoje, que foram as almas erradias dos seus mortos desalojados, clamando vingança, que provocaram a série de desastres ocorridos e a brusca decadência dos seus povoados.

Nesta data já havia em Móng Há um conjunto de ruas, becos e pátios dos quais os mais importantes eram a Rua do Norte, a Rua do Touro e o famoso Largo do Pagode, fronteiro ao Kun Iâm Ku Mun, próximo do Largo do Arvoredo, povoado por frondosas falsas árvores de pagode.

Cerca de 1849, quando os portugueses começaram a derrubar as muralhas da cidade e a expandir-se pelo Campo, os homens abastados da aldeia de Móng Há (o núcleo mais florescente extramuros) enviaram uma carta ao mandarim governador de Cantão a pedir que mandasse alguém a Macau para apurar quais eram os verdadeiros limites da área arrendada aos portugueses, pois estes, uma vez chegados à aldeia, no decurso dos seus projectos de urbanização, exigiriam taxas e aforamentos, aos quais ficariam sujeitos58.

Nesse mesmo ano de 1849, depois de ter sido recusada pelo Governador de Macau audiência ao emissário chinês cobrador do foro, a tensão aumentou, culminando com a expulsão do mandarim de Móng Há, que foi residir para a Casa Branca, próximo da Porta do Cerco59. Chegou então a altura de a aldeia de Móng Há, pela mão dum dos seus filhos, da família Sam, um dos fundadores da aldeia, intervir directamente na História de Macau.

O governador Ferreira do Amaral foi assassinado perto da Porta do Cerco quando por ali passava num dos seus habituais passeios a cavalo, acompanhado pelo seu ajudante de campo. É tradição oral entre os chineses de Macau que foi um horticultor de Móng Há, de apelido Sam, quem lhe cortou a cabeça e a mão, que levou para a China60. Segundo uns, tal acto foi consequência do vivo desagrado dos moradores de Móng Há ao verem as suas várzeas cortadas por arruamentos, os túmulos dos seus antepassados violados pela urbanização dos terrenos baldios e perante a série de infelicidades que se acumularam sobre o povoado, como um terrível incêndio que destruiu numerosas habitações, começando num denso bambual, e que atribuíram, também, ao governador de Macau. A verdadeira causa do descontentamento dos habitantes de Móng Há, certamente industriados contra Ferreira do Amaral, não só por elementos do Leal Senado como pelo próprio mandarim, está expressa no ofício n. ° 233 de 22 de Abril de 1848 assinado pelo próprio governador e dirigido ao Ministro e Secretário do Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar61.

Neste ofício, aquele Governador dá conta das medidas adoptadas em relação aos chinas que disfrutam terrenos no Campo aquem da Porta do Cerco, afim de os obrigar a legalizar a sua posse por títulos passados pelo governo português. Na altura foi publicado um edital para esse fim.

Com este edital, Ferreira do Amaral fez com que o Mandarim da Casa Branca perdesse a face, a pior ofensa que podia fazer-se a um chinês. E seria inevitável uma violenta reacção do ofendido para recuperar a face perdida. No entanto, o Governador português socorreu-se de uma manobra de certo modo injusta mas feliz que contrabalançou um pouco a sua atitude arrogante para com o magistrado chinês.

Ao numerar as casas de Móng Há foi poupada a propriedade dum subordinado do Mandarim, pelo que se obteve o privilégio desejado de se abrir a Porta do Cerco, então fechada pelos chineses como represália, segundo consta de um outro oficio do próprio Ferreira do Amaral (Arquivo Histórico Ultramarino — Maço l — Miscelânea — Sala 12).

Fechada a Porta do Cerco, a cidade ficava privada do abastecimento de víveres e essa era uma das armas de que se serviam os mandarins para forçar as entidades portuguesas a curvar-se às suas imposições.

Além destas medidas drásticas e dos interesses por elas feridos, lesivos da tão prezada face dos chineses, e que podem bem justificar o assassínio do Governador João Maria Ferreira do Amaral pelos moradores da aldeia de Móng Há, existe, a favor desta tese, na Bonzaria de Kun Iâm Tong, um poema atribuído ao mandarim que planeou a morte de Ferreira do Amaral segundo no-lo afirmou o então chefe da Bonzaria Wai Ian.

Receando represálias, após a ocupação do Passaleão (pequena fortificação chinesa próxima da Porta do Cerco) pelos portugueses e de toda a série de ocorrências em tão dramática época da História de Macau, vendo grande parte das suas várzeas e das suas próprias casas destruídas, muitos chineses, habitantes de Móng Há, emigraram para a vizinha China.

Entretanto, agravaram-se na aldeia decadente os conflitos e as desgraças; e os velhos moradores que tinham ficado admitiam, até, que a própria zona ocidental do povoado, era morada de Kwâi, espíritos maléficos; sobretudo o velho Largo do Arvoredo, hoje desaparecido.

Velhas casas da aldeia de Mong Há, por altura das expropriações.

Muitos dos habitantes de Móng Há que haviam fugido por ocasião da morte do Governador Ferreira do Amaral não voltaram. Tufões sucessivos, como os dos anos 1836,1854 1862,1867 e 1874 que ficaram tristemente célebres, destruiram as hortas, as casas e o arvoredo. As ruas, que os portugueses iam abrindo após a expropriação de casas e de várzeas, iam fazendo baixar sucessivamente o número de agricultores por alienação do espaço... A cidade crescia destruindo o campo.

Em 1862, depois de uma terrível epidemia de cólera, registou-se na aldeia, em 20 de Dezembro, um novo e pavoroso incêndio, considerado o mais desastroso de Macau depois do que destruiu grande parte do Bazar em pleno coração da cidade cristã62.

Em 1864, a atribuição de novos impostos fez emigrar mais moradores, dando um dos últimos mais rudes golpes à aldeia de Móng Há.

Em 1873 concluíram-se várias estradas nos terrenos do Campo63, através das povoações que se haviam multiplicado como consequência da forte atracção da cidade cristã que fora ponto de convergência de agricultores e comerciantes, principalmente oriundos das regiões vizinhas, ansiosos por mais produtivos lucros e trabalho melhor remunerado, ou simplesmente fugidos às revoltas que agitavam, nesta altura, as províncias do sul da China.

Nesta data, os aldeamentos que praticamente viviam da horticultura estavam, porém, condenados.

Em 1878 era já considerada como uma área urbana, toda a área disponível até à Porta do Cerco, o que consta do Relatório do então Governador de Macau, Carlos Eugénio Correia da Silva (Paço de Arcos)64 Contudo, o último e decisivo golpe na aldeia de Móng Há foi-lhe dado em 1901 pelo Governador José Maria Horta e Costa que declarou "de utilidade pública e urgente as expropriações dos prédios, casebres e barracas existentes nas várzeas de Móng Há" (B. O. n. ° 30 de 27/7/1901).

A partir da leitura das datas das reconstruções e das mais frequentes e significativas ofertas de crentes nos templos de Móng Há, é possível relacioná-las com grandes flagelos que aterrorizam a população mais crédula: 1848 foi um ano em que Macau foi assolado por um terrível tufão, tal como aconteceu, depois, em 1848 e em 1871. Foi também a recta final do Governo do tão odiado governador português. Contudo, as reconstruções de templos e capelas que se sucederam a 1869, talvez se possam relacionar com o afluxo à aldeia de numerosos refugiados por ocasião das revoltas de Peng Lam e das contínuas perturbações políticas que se sucederam na China.

Por outro lado, o interregno que se verificou de 1821 a 1862 parece-nos relacionado com o êxodo de muitos dos habitantes de Móng Há, quando da expansão da cidade cristã extramuros e após a acção governativa de Ferreira do Amaral. Em 1909 repetem-se as ofertas, devidas, talvez aos recém chegados fugidos às revoltas de 1878 que se verificaram no território chinês.

O século XX caracterizou-se pelo declínio da aldeia; tremores de terra, tufões, expropriações, um segundo incêndio e o plano de urbanização do Governador Tamagnini Barbosa. O receio de que todos os males fossem devidos aos espíritos insatisfeitos que viviam na Montanha e no Largo do Arvoredo, muitos deles desalojados das suas sepulturas pelas estradas recém abertas, e que, sedentos de vingança, causavam aos habitantes da aldeia tamanhas infelicidades, levou a devoção de quantos residiam em Móng Há e cujo número decrescia, sobretudo no que respeitava aos agricultores, a fazerem uma subscrição para elevar o mais recente dos templos da aldeia ou para ampliar o mais antigo. Foi então que, em 1918, no 34. ° ano de Kuong Sói, foi construída a capela de Seng Wong e ampliado o templo de Kun Iâm Ku Miu. Mas Seng Wong, o "Deus das Cidades" protector das povoações chinesas, paredes meias com a compassiva Deusa da Misericórdia que trouxera a Móng Há a profecia do seu futuro progresso económico que a chegada dos "bárbaros do Ocidente" concretizou, de nada valeu à decadente aldeia.

As expropriações levadas a cabo em 1901 prosseguiram praticamente sem interrupção.

Em 1902, procedeu-se, finalmente, à expropriação das várzeas desta aldeia para continuação da avenida que recebeu o nome daquele governador, até à Estrada Coelho do Amara165. Nestas transacções difíceis, porque os chineses viviam do produto das suas hortas, e não queriam abandoná-las, interveio o milionário Lou Lim Iôk que comprou, como se fossem para si, muitos dos terrenos que o Governo pretendia, ocupando, apenas, uma pequena área com o seu palacete e famoso jardim, adquirido nos anos 1970 pelo Governo de Macau, com fins turísticos66.

Muitos chineses, ainda hoje censuram, por isso, severamente, o seu compatriota.

Os habitantes de Móng Há alarmaram-se, naturalmente, com a invasão da sua aldeia pelos bárbaros do Ocidente. Em 1874 (4. ° ano de Kuong Sói), de acordo com a inscrição que consta numa placa sonora suspensa no pátio interior foi construído para protecção do acesso ocidental à aldeia um templo dedicado a Sin Fong, nos, novos aterros de San Tei. Em 1918, no 34. ° ano de Kuong Soi, foi construído o Templo de Seng, mais capela do que templo, anexo ao mais antigo santuário local -- Kun Iâm Ku Miu, o qual foi também ampliado, segundo consta de uma lápide gravada, ali existente.

Mas Seng Wong, a divindade protectora das cidades muralhadas, paredes meias com a compassiva deusa da Misericórdia que trouxera a Móng Há a profecia do seu futuro próspero do ponto de vista económico, e que a chegada dos portugueses concretizou, de nada valeu à decadente aldeia.

Na primeira década do século XX a aldeia de Móng Há era já uma povoação morta. A actividade hortícola praticamente terminara. Na aldeia restavam poucos fogos, sendo na sua maioria casebres e casas elementares de tijolinho. Os espaços cultivados persistiam, porém, a sul das habitações, nas áreas mais alagadas, ao mesmo tempo que se começavam a pontilhar de verde os aterros periféricos da cidade.

Foram essas últimas casas as que ainda conhecemos em Macau nos anos 1950/1970.

Traçado dos novos arruamentos.

Nos fins do século passado havia nos bairros suburbanos 5 aldeias ou povoações chinesas:

1. Long Tin Chün, aldeia da Várzea do Dragão que nos anos 1950-60, se situava diante do chamado Quartel da Flora, onde ficavam as ruas Alves Roçadas, Leôncio Ferreira e António Basto.

2. Chü Tau Chün, a aldeia da Cabeça de Porco, nome que lhe advinha dum bloco rochoso que lembrava a cabeça dum suíno e que situava na Rua da Pedra, atrás da Gruta de Camões, voltada para NNO.

3. Sá Kong, o Boião de Areia, de que restava nos anos 1950-70 a Travessa dos Lírios, próxima do Mercado Vermelho.

4. A Povoação de Santi, com os templos de Sin Fong e Lin Fong, que começava na Estrada Coelho do Amaral e acabava na Estrada do Istmo, e que em 190567 tinha apenas 10 prédios, 2 poços públicos, 2 templos chineses e 1 estação policial.

5. Móng Há Chün, com os dois templos de Kun Iam, Hong Kong Miu ou Ou Chan Kuan (Kong Ngau Kai) com a Escola S. Francisco Xavier; começava na Rua da Bandeira e acabava no Largo do Pagode.

Pelo Cadastro das Vias Públicas de Macau, de Euclides Honor Rodrigues Viana (1905)68, sabe-se que ainda nesta data existiam em Móng Há:

1. O Largo do Arvoredo (Sü Sam Lei), com 4 prédios e 8 barracas, situado na Rua do Norte.

2. O Largo do Pagode de Móng Há. Móng Há Miu Chin Tei, fronteiro ao Pagode de Móng Há, com 4 prédios, e que começava nas ruas da Bandeira e do Touro e acabava na Estrada contínua ao Cemitério dos Protestantes (actual Cemitério de Nossa Senhora da Piedade de Móng Há).

3. Largo das Tábuas (Pan Cheng Kong Tei) com 10 prédios e uma porta lateral. Começava na Travessa do Bálsamo e acabava na Rua do Norte.

4. Estrada de Móng Há (Móng Há Má Lou), que começava na Estrada Ferreira do Amaral e acabava no Pagode de Móng Há.

5. Rua das Amas (Má Kai), com 7 prédios e 2 barracas, que começava na Rua do Touro e acabava na Travessa dos Velhos.

6. Rua da Bandeira (Kei Kai), com 14 prédios e uma porta lateral que começava no largo do Pagode de Móng Há e acabava na Rua do Touro.

7. Rua da Cana situada em Long Tin Chün e conhecida em chinês por Long Tin Seac Kai, com 13 prédios e 6 barracas, e onde se situava a Travessa do Carneiro.

8. Rua das Hortas (Tin Kai), com 21 prédios e 1 poço público, que se localizava na Rua da Bandeira e dava acesso às várzeas.

9. Rua de Long Tin Chün (Long Tin Chün Kai), com 12 prédios, 1 porta traseira e 2 poços públicos, começava na Estrada Adolfo Loureiro e acabava na Av. Horta e Costa.

10. Rua do Norte. Conhecida em chinês por Pak Pin Kai (tradução literal), tinha 15 prédios e um pagode: Kun Iâm Tong, além dum poço público. Começava na Rua do Touro e acabava na Estrada do Istmo.

11. Rua do Passadiço, (Tong Ku Kai), com 4 prédios e 1 porta lateral, onde ficava o templo ancestral (chi tong) da Família Hó (Hó Si Chong Chi).

12. Rua do Rebanho (Kuan Toi Kai). Situava-se num dos extremos de Móng Há, em Sá Kong, antiga colina que servia de cemitério aos moradores da povoação. Tinha 44 prédios, 1 porta lateral e 1 barraca. Começava na Avenida Horta e Costa em frente da Rua de Lucao.

13. Rua do Touro (Kong Ngau Kai). Esta e a Rua do Norte eram, noutros tempos, as mais importantes ruas de Móng Há. No princípio do séc. XX tinha, apenas, 10 prédios e um templo chinês, o On chan kuan (actual Hong Kong Miu). Começava na Rua da Bandeira e acabava no Largo do Pagode de Móng Há.

14. Rua da Várzea (em Long Tin Chun). Nesta rua, que descia de Móng Há ao longo da baixa ocidental da colina da Guia, ficava uma pequena capela dedicada às divindades locais promotoras da felicidade, pelo que era também conhecida por Fok San Chac Kai. Tinha 7 prédios e 3 portas laterais e uma travessa: a Trav. do Carneiro.

TRAVESSAS

15. Travessa do Bálsamo (Veng On Sec Hong), com 10 prédios, começava no Largo das Tábuas e acabava na Travessa do Búzio.

16. Travessa do Búzio (Kop Hung), com 21 prédios, começava na Travessa do Toucado e acabava no Beco dos Pássaros.

17. Travessa do Cano (Hang Ku Hong) (em Long Tin Chün), tinha apenas l prédio e 12 barracas na vizinha Rua da Cana.

Quando chegámos a Macau foi precisamente para Móng Há que fomos residir. Era uma casa de dois pisos na Avenida Conselheiro Ferreira de Almeida, que fazia esquina com a avenida conhecida em chinês por Ngá Lin Fong (Av. Ouvidor Arriaga), ao lado da antiga Escola Sôk Kei.

Via-se, da nossa varanda, o Templo de Kun Iâm e um grande baldio alagado que se estendia até às "Barracas Metálicas" do outro lado da avenida fronteira ao Bairro Albano de Oliveira de vivendas de dois pisos que hoje, infelizmente, já não existem, mas que eram ocupadas por funcionários portugueses (europeus e da terra).

Foi por isso que, muito cedo, descobrimos e estudámos o jardim de Lou Lim Iôk, nos anos 1960, o pequeno templo de Kun Iâm Chái ou Kun Iâm Ku Mui, o ainda majestoso templo de Lin Fong, e os de Hong Kong Miu e de Sin Fong; visitámos os chi tong (capelas ancestrais) dos Cheong e dos Hó e penetrámos pela Rua dos Lírios no que restava da velha aldeia de Móng Há.

Aí nos contaram velhas histórias, nos mostraram as suas cozinhas tradicionais e os esgotos cobertos por lages perfuradas, poço velho no sobre-elevado pátio de Yong Lôk, onde vivera toda a família de um abastado carpinteiro, as ruas do Caracol e do Pano, e do Gafanhoto, e nos falaram nos terríveis kwâi do Largo do Arvoredo.

Porém, nos meados do séc. XX a antiga topografia da aldeia estava praticamente irreconhecível.

Uma rua do que restava da Aldeia de Móng Há em 1960.

Descendo-se para a Travessia do Búzio, que tinha o aspecto de duas patas de rã, por seis irregulares degraus em pedra, podia encontrar-se, ainda, um pequeno recanto bloqueado, que correspondia ao antigo Largo das Tábuas, onde residiam alguns carpinteiros, que empilhavam às suas portas as tábuas que trabalhavam e vendiam.

A seguir, erguia-se o velho pátio Iong Lóc onde residiu toda a família do empreiteiro Fong Song. Inflectindo para oeste, entrava-se na Travessa do Pano, que evocava a antiga família fuquinense de apelido Pou.

Passámos pela Travessa do Gafanhoto, ainda nos anos 60 muito estreita e pequena, e pelo Beco do Caracol que desembocava na Rua Madre Terezina. A Travessa do Bálsamo e o Beco do Botão entrecruzavam-se contornando pequenas casinhas e liu chái sem data aparente. Caminhando sempre para sul, ultrapassámos dois velhos prédios de dois pisos, em estilo antigo, e desembocámos na Travessa do Colchete, que dava acesso ao outro extremo do Pátio leong Lóc.

Havia ainda restos das ruas do Norte, do Passadiço e do Touro, que ia dar à Travessa do Pastor, que ainda hoje existia embora transformada, e ao Largo do Pagode, adiante do qual a majestosa casa de Chim Fong desapareceu69.

Se entrássemos na aldeia pela Travessa do Búzio e voltássemos para a direita, passávamos entre casas antigas até encontrarmos um bloco de edifícios novos, cujas fachadas se alinhavam na Rua da Madre Terezina. Contornando o último dos blocos antigos e inflectindo à esquerda, encontrávamos a Travessa do Bálsamo que era atravessada pelas Travessas do Gafanhoto e do Búzio, e pelo Beco do Botão. Caminhando sempre para diante ultrapassávamos dois velhos prédios de dois andares em estilo antigo e encontrávamos a Travessa do Colchete, que dava acesso ao sobre-elevado Pátio Iong Lók, já citado, onde se abria um profundo poço que abastecia a vizinhança duma água límpida e considerada de bom sabor. Descendo os seus 5 toscos degraus em pedra desembocávamos num largo fechado por construções recentes: o antigo Largo das Tábuas.

Retrocedendo, alcançávamos de novo a Avenida Coronel Mesquita, subindo uma pequena rampa irregular onde se encontravam blocos graníticos de antigas construções demolidas.

Nos restos das ruas do Norte e do Touro, absorvidas pela Av. Coronel Mesquita, restavam ainda as travessas das Amas e do Pastor e a Travessa da Tecedeira na qual alguns moradores falavam num beco adjacente que, em 1925, ficava à esquerda da Esquadra Policial n. ° 6 de Móng Há, e onde existiam, apenas, algumas barracas.

Observando os antigos mapas de Macau pode, facilmente, verificar-se a grande'dificuldade que há hoje em chegar-se, a partir deles, a uma conclusão sequer aproximada acerca da localização das casas do Mandarim e dos moradores mais abastados da aldeia de Móng Há.

Tais construções encontravam-se, porém, na área abrangida pela aldeia, ocupando certamente baldios não cultivados, para aquém do pântano de Móng Há (aliás não referido nos antigos mapas)70 e certamente não muito próxima nem das muralhas da cidade cristã nem da falsa ribeira do Patane cuja vizinhança, pela sua insalubridade não deveria convir a tão ilustres moradores.)

Visitámos, contudo, nos anos 1960-70 duas casas lindíssimas, em tijolinho, que se erguiam mais ou menos adiante do Kun Iâm Tong. Parece terem pertencido à antiga família Chün ou Cho, da qual viviam, ainda, descendentes junto do Seminário no Bairro de São Lourenço. Outra velha casa em estilo chinês, que pertenceu, sem dúvida, a uma família abastada, situava-se na esquina da Avenida Conselheiro Ferreira do Amaral com a Estrada Adolfo Loureiro, parecendo ter sido incluída, posteriormente, no grande e famoso Jardim de Lou Kau ou Lou Lim Iok, já que não é de crer que a ter sido mandada erigir por aquele milionário, não tivesse ficado dentro dos altos muros que vedavam de olhares indiscretos a sua propriedade.

Uma hipótese que os habitantes da aldeia admitiam quanto à localização da casa do último Mandarim de Móng Há era ter sido ela na apalaçada casa de Tong Lai Chün, propriedade em grande parte ocupada e transformada pelas Madres Canossianas que ali edificaram os seus Asilos da Santa Infância e de S. Francisco Xavier. Era ali, de facto, que alguns antigos moradores afirmavam ter sido a antiga residência do chótong de Macau.

O estudo dos chó tong de Móng Há, forneceu-nos também alguns dados sobre as famílias mais importantes da aldeia.

Não sendo propriamente templos, os chó tong eram edificações destinadas ao culto dos antepassados. Eram constituídos por um altar ou nicho onde se enfileiravam as estelas dos falecidos elementos de cada Família, cujos espíritos eram assim perpetuados e propiciados com oferendas nas datas do calendário budista destinadas à veneração dos mortos. São vulgarmente conhecidos por "templos dos antepassados".

Havia, dantes, na aldeia de Móng Há, os chó tong dos Hó, dos Chan, dos Hôi, dos Cheong, dos Sam e dos Pou, que se situavam quase todos nas vizinhanças do Kun Iâm Ku Miu, isto é, na zona central do aldeamento, que foi mais profundamente amputada para o traçado da Av. Coronel Mesquita.

Em 1954, o chó tong dos Pou fora demolido há poucos anos e situava-se diante do n. ° 4 da Rua Madre Terezina, rua que vai desembocar na Avenida Coronel Mesquita mesmo em frente do Kun Iâm Ku Miu.

Os outros chó tong situavam-se nas proximidades da actual Avenida Ouvidor Arriaga, com excepção do chó tong da Família Sam.

O chó tong dos Hó foi demolido por ocasião das primeiras principais expropriações mas voltou a ser edificado no local onde nos anos 1960 ainda o encontrámos, fora do alinhamento da Avenida Coronel Mesquita -- entre os prédios n.os 34 e 36.

Começo da urbanização da antiga zona de Mong Há. Vêem-se ainda os arroteamentos das várzeas.

Em tijolinho, no estilo típico das antigas casas chinesas, sombreado pelo que restava dum vetusto bambual de folha fina, com decorações em estuque já bastante deterioradas na frontaria e dois poemas delidos ladeando um velho fresco meio desaparecido, sobre a porta, gravada no granito, podia ler-se:

何氏宗祠

Perto, viam-se alguns degraus em pedra duma antiga rua ou moradia, talvez da velha Rua do Norte. Este chó tong, tal como o chó tong da Família Sam que lhe ficava próximo, já não se destinava ao fim para que havia sido criado. Apenas perpetuam os Seng (apelidos) de duas das mais importantes famílias fundadoras da povoação de Móng Há. O chó tong dos Hó, aliás, estava ocupado por uma família modesta, a quem servia de residência. Permitiram-nos a entrada e pudemos ver, ao fundo do pequeno compartimento central, o altar onde se enfileiravam cerca de três dezenas de tabuletas, enegrecidas pelo tempo e pela poeira que as cobria em dois degraus sucessivos e que os ocupantes respeitosamente conservavam. Eram as estelas da Família Hó, dispostas segundo a tradicional ordem chou mou.

Adiante, sobre uma mesa de sacrifício já sem cor, sobressaía um conjunto de duas jarras, dois candelabros e um perfumador em barro vidrado verde claro. Não havia pivetes nem velas, nem sequer lamparinas. Nenhuma luz bruxuleava no altar. Não havia ofertas. Mantinham-se as estelas por uma questão de respeito, já que nas estelas residem os espíritos que elas representam. E o mulherio, sobretudo, não se arrisca a afrontar o mundo das trevas.

Sobre esse altar, podia ver-se, ainda, uma placa que, outrora, deveria ter sido vermelha e onde, a preto, estavam escritos três caracteres praticamente ilegíveis.

TEMPLO DE SIN FONG

Quando a aldeia cresceu, em função dos muitos refugiados que na segunda metade do séc. XIX acorreram a Macau vindos da China, os incipientes aterros periféricos começavam a contornar a Península. A Sudoeste da aldeia, numa das suas entradas pelo litoral ficava San Tei (Novo Terreno ou Terra Nova em tradução literal). E foi nesse local de fácil acesso, que foi erguido, então, um novo templo em honra de Sin Fong, uma divindade tutelar.

Este templo data, pelo menos, do 4° Ano de Kuong Sör (18...) pois existem neles ofertas com essa data inscrita.

Este templo (Sin Fong Miu) bem como Lin Fong Miu, outrora à beira da água e frequentemente inundado, não pertenciam propriamente à povoação de Mong Há, mas sim à chamada povoação marginal de Santi (ou San Tei)

SAN TEI HÓ PIN CHÜN

Perdido nos confins da velha aldeia de Mong Há, entre as últimas casas que restam perdidas entre prédios recentes, no seu extremo ocidental, podemos encontrar, no extremo da actual travessa Coelho do Amaral, o Sin Fong Miu. A ruela que fica mas traseiras do Cinema Lido e é depois limitada por um antigo muro, tem, ainda, por entre o empedrado irregular do seu solo lajes perfeitamente circulares que tapavam os antigos escoadouros, então já de diferente utilização, pois, dantes, não existia o muro nem os aterros fronteiros nos meados deste século já povoados de casario.

O templo parece ter sido fundado no reinado de Tou Kuong, há mais de uma centena de anos, segundo a inscrição que pode ler-se na placa sonora, peça que deve ter sido doada por ocasião da sua fundação. Porém, todos os vestígios antigos desapareceram, menos esse teng. pedra sonora de ferro suspensa no pátio interior, que se ia desfazendo em ferrugem, saudosa talvez das antigas percussões. Todo o templo inspirava compaixão. Pobreza. Eram apenas as espórtulas dos humildes habitantes das redondezas que permitiam a sua conservação. Duas refugiadas, mãe e filha, cuidavam de templozinho e por isso, apesar de tudo ser pobre, revelava asseio e desvelo.

O templo era decorado por cortinados de cretone florido chinês, de pouco mais de uma pataca a jarda, que mãos haviam ornamentado com lantejoulas num contraste gritante, a par dos fán, faixas laudatórias também de pano da algodão. Quanto às estátuas das divindades eram esculpidas em madeira e berrantemente pintadas de novo, o que deixava dúvidas quanto à sua antiguidade. A conservadora explicou, mostrando o vão vazio das placas dos doadores que haviam desparecido e que por isso mais parecia, devido ao degrau de base, uma velha porta entaipada, que o templo fora assaltado e roubado o seu recheio. Uma vez roubaram cinco peças, entre elas um incensório com gravações antigas e que então se encontrava na 2°.Capela, e também as estátuas da 1°. Capela. Contudo, as divindades têm poderes tão sobrenaturais, que a conservadora não se apercebeu do seu roubo porque as suas imagens continuaram a figurar nos respectivos nichos. Só uma das estátuas, a da divindade que se encontrava à entrada do templo, e à qual iam ímpetrar protecção as mães dos rapazes com instintos para roubar, os ditos teddy-boys, afim de que estes se modificassem, não se deixou roubar. Tornava-se pesada.

Ninguém conseguiu deslocá-la. Só quando, muito mais tarde, a polícia veio entregar algumas das peças roubadas, as crédulas conservadoras se aperceberam do que havia sucedido.

À porta, um velho leão em pedra, muito erodido, parecia deslocado. É possível que tenha vindo doutro templo ou residência abandonada onde deixou o seu complemento simétrico. O templo estava pintado de verde claro e conservava num muro, num desafio ao tempo, um baixo relevo em estuque de delicado trabalho onde ainda se podiam distinguir peónias e flores de ameixieira. Este era, aliás, o mais belo lavor de todo o recinto. O rodapé de granito e os umbrais da porta, os painéis de estuque em baixo relevo, onde apenas, mais se adivinhava do que via uma paisagem rochosa, dominada por flores e folhagem, atestavam realmente, que a primeira construção do templo chinês era antiga e ditada pela devoção.

Se o primeiro golpe na Aldeia de Mong Há foi o grande incêndio nos bambuais, causado segundo uns pelo descuido de algumas devotas que queimavam papéis votivos e segundo outros atribuído aos portugueses, dentro do seu plano de saneamento e, ainda, de acordo com a opinião doutros velhos residentes, resultado da vingança dos aldeãos rivais de Sá Kong, outros desaires se lhe seguiram, tal como a morte do Governador Ferreira do Amaral que fez emigrar para lá da Porta do Cerco algumas famílias que receavam represálias. Contudo foram, sem dúvida, as expropriações e os aterros levados a efeito pelas equipas das Obras Públicas que deram os últimos golpes na velha aldeia de Mong Há.

Foi todo este valioso património arquitectónico de Macau, que a Aldeia de Mong Há representava, que foi esquecido. Perdeu-se. Perdeu-se, assim como se perderam muitas outras jóias construídas, que eram marcos vivos da história, pelos portugueses e chineses lado a lado. Progresso é, infelizmente, na maior parte dos casos, encarado como crescimento, por aqueles para quem o capital conta mais do que outros valores bem mais preciosos. Valores à lembrança dos quais muitos chamam, depreciativamente, revivalismo: como se revivalistas possam ser os testemunhos da memória.

Aspecto da velha lagoa, em vésperas de extinção.

Pormenor de uma planta da Cidade e Porto de Macau por B. Barker (reedição da Direcção dos Serviços de Turismo, 1986).

Aqui pode ver-se o desenvolvimento da aldeia de Móng Há e a extensão das suas várzeas, bem como a importância do Templo de Ling Fong nos finais do século XIX.

Projecto para o traçado da Avenida Coronel Mesquita.

Linhas mestras dos novos arruamentos de Mong Há, nos primeiros anos do século XX.

CARTA 1 - Mapa dos primórdios da península de Macau, ande se demarcam as "ilhas" que inicialmente constiuíam o território.

CARTA1 -MACAU NAS IORIGENS - Sobreposição ao levantamento feito em 1865 pelo engōW. Read.

NOTAS

1 Pe. Manuel Teixeira, Macau e a sua Diocese -- I-- Macau e as suas ilhas, , Macau, 1940, p. 73 (citando Peter Mundy -- The travels of Peter Mundy, Hakluyt Society, London. 1919. Vol. III, Parte I, p. 164).

2 Chôk pou é um arquivo, transmitido de geração em geração e por vezes recopiado, onde as antigas famílias chinesas registavam os principais acontecimentos da sua linhagem, principalmente nos antigos tempos, quando um ramo se separava do seu clã. Este arquivo foi posto à nossa disposição, por especial deferência do então chefe da família Sam, Mestre Sam Hôi, médico tradicional, residente em Macau, na Estrada Coelho do Amaral, n. ° 6.

3 É possível que se trate duma deturpação do nome do general Man T'in Cheong que acompanhou o último Imperador dos Song na sua fuga para as províncias do Sul onde organizou, com Cheong Sai Kit, o último reduto de defesa, em 1279. Man T'in Cheong tornou-se bonzo mendicante passando a errar pelas províncias do Sul após a morte do seu Imperador, quando os exércitos mongóis, vitoriosos, ocuparam toda a área de Cantão e Fôk Kin, impondo as suas leis e semeando o terror entre os partidários da dinastia cessante. Os fundadores da aldeia muralhada de Kam Tin, nos novos Territórios da Colónia de Hong Kong, foram também imigrantes, fugidos às tropas mongóis nos fins da Dinastia Song (960-1279), o que nos leva a admitir como autêntico o que se encontra registado no chôk pou da Família Sam.

4 Este uso antigo da Anulação da Família por eliminação dos parentes próximos era um dos castigos mais drásticos, indo de encontro ao que de mais sagrado os chineses consideravam, de acordo com a moral confucionista, e com as suas concepções religiosas: a perpetuidade do nome que garante a paz no Além aos Antepassados que partiam.

5 Literalmente traduzido por vento e água, representa uma corrente auspiciosa mais ou menos sobrenatural, a que hoje se pretende atribuir um antigo conhecimento empírico dos campos electromagnéticos, já que os geomantes ou vedores faziam uso de uma curiosa complicada bússola. Julgavam os chineses que a localização e a orientação das localidades ou das próprias residências e mesmo dos túmulos exerciam notável influência sobre os seus ocupantes e respectivos familiares. É um vestígio conceptual de antigos cultos ctónicos

6 Actual Chong San em homenagem ao Dr. Sun Iat Sün, aliás Chong Seng Sin

7 Kâm Kôk — antiga designação do ponto mais alto da colina de Móng Há

8 Antigo uso chinês que consistia em construir casas nas encostas soalheiras, em degraus, sem se encobrirem umas às outras.

9 Héong San On Chi, pp. 281 e 323.

10 Em linguagem popular era conhecida por Hám Chéong Mei, devido ao teor em sal das suas águas. Era um braço de rio que penetrava na península até ao Largo das 3 Luzes (Sam Ngan Tang).

11 Contempla o Sol a Oriente.

12 Estas colinas constituem um só arco montanhoso, conhecido por colina de Móng Há, arco que apenas se interrompe a leste para dar lugar a duas pequenas elevações — Montanha Russa (antigo Monte da Bela Vista) e D. Maria, cujo ponto mais alto não ultrapassa 59 metros.

13 Segundo uma velha lenda citada por Jaimo do Inso (Cenas da vida de Macau, Cadernos Coloniais VII - n. ° 70, p. 23, Ed. Cosmos, Lisboa) tal facto teria ocorrido na população piscatória da Barra, onde uma imagem de Kun Iâm aparecera a boiar sobre uma flor de loto, donde o nome auspicioso dado, então, a Macau, de "Terra do Loto".

14 Este templo é o actual Kun lâm Ku Miu — ver AnaMaria Amaro — Kun Iâm Ku Miu, sep. do Boletim Luís de Camões, n. os. 4 e 5 de Abril e Maio, Macau, 1967.

15 Cangcong, nome local macaense de hong chói ou tong chói nome chinês de Ipomea aquatica Font.

16 A cultura do arroz foi desde os mais remotos tempos, na China, uma cultura feita em regime comunitário, o que a necessidade de mão de obra numerosa sempre exigiu.

17 O povoamento florestal foi racionalmente iniciado em 1877 (Boletim Oficial de 27 de Novembro de 1879) sob a égide do governador Tomás de Sousa Rosa.

18 A categoria era dada pelo grau dos exames: distrital, provincial ou na capital, conforme a importância do local onde, sucessivamente, cada candidato os realizava e pelas classificações neles obtidas, expressas por listas seriadas.

19 Héong San On chi -Descrição Monográfica do Distrito de Héong San e Ou Mun Kei Leoc —Descrição Monográfica de Macau, obs. citadas da maior parte da aldeia, tinham, ao que afirmam alguns descendentes de famílias antigas ali residentes, cerca de 200 anos. Alguns informadores citam como provável residência mandarinal a grande casa em estilo chinês palaciano que foi demolida para construção da Escola das Irmãs Canossianas.

20 Esta autoridade foi transferida para Macau ao que se supõe, no séc. XVII, quando o desenvolvimento da cidade portuguesa passou a justificá-lo. Consta das fontes chinesas que, mercê do desenvolvimento da cidade e do progressivo aumento da população chinesa e da consequente multiplicidade de casos mais ou menos graves, que envolviam aqueles, no 8. ° ano de Kin Long (1743) o posto da prefeitura de Siu Heng foi substituído pelo Prefeito Civil e Militar de Defesa da Costa, com sede na muralhada cidade de Chin San, o qual era dependente do Assistente do Magistrado Distrital com sede transferida para Móng Há (Ou Mun Kei Leoc). Segundo o relatório de Chi Uno magistrado distrital, Léong Man Chön de grau Ün Seng, que veio a Macau no séc. XIX para estudar o problema da delimitação das fronteiras desde o 8. ° ano do reinado de Kin Long (1743) até ao 29. ° ano de Tou Kuong (1743), ficou a residir em Móng Há para tratar dos negócios chineses, (Héong Sam Ün Chi, p. 284). O local onde se erguia a sua casa bem como a repartição onde desempenhava as suas funções, é hoje praticamente impossível de determinar com exactidão, embora algumas das velhas casas de tijolinho tenham resistido às demolições após expropriação.

21 Tou Tei um dos patronos dos agricultores, além de San Nong, o Divino Agricultor, o 3. ° dos Três Imperadores, da primeira e lendária dinastia da História Chinesa (2205-1765 a. C.).

22 Concubina Celestial, heterónimo de Néong Mà ou A Má.

23 Templo do Istmo Lin Fong Miu. O actual Kun Iâm Ku Mui seria ainda, nessa altura, uma pequena capela.

24 Talvez por este novo templo ser o segundo a ser erigido, em Macau, a Tin Fei, (a mesma divindade conhecida por Néong Má, cujo primeiro templo fora construído na Barra), foi durante muito tempo designado por Pagode Novo.

25 O actual templo grande de Móng Há — Kun Iâm Tong, um dos locais mais privilegiados dos roteiros turísticos de Macau. No reinado de Tin Kai (1621-1627) já existia o Mosteiro de Pou Chai Sin Ün pois no 3. ° ano desse reinado foi adquirido um terreno anexo que serve actualmente de cemitério dos bonzos segundo consta de uma lápida que ali se encontra.

26 Parece haver aqui uma certa discordância: tendo o reinado de Cheng Tak Wong decorrido de 1506 a 1521, o ano de Teng Mei, do ciclo sexagenário mais próximo, corresponde ao ano de 1547, que se inclui no reinado seguinte do Imperador Ká Cheng (1522-1567).

27 Ou Mun Porta da Baía, ou Porta do Ancoradouro, nome dado a Macau devido às condições do seu porto. É de notar que este termo só depois da dinastia Ün (12801367) passou a ser usado na China para assinalar Macau nas cartas geográficas. Antes, esta península era conhecida por Ou Kéang (Espelho das Ostras), como consta da obra Héong San Ün Chi.

28 Estas informações condizem com o que se encontra registado nas Tábuas das Crónicas dos Meng (trad. do Pe. Manuel da Missão Portuguesa de Cantão, Siu Heng, West River, China), cujo manuscrito se encontra nos papéis do espólio de João Feliciano Marques Pereira (Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, Secção de Reservados).

29 Segundo Fr. Gaspar da Cruz, que passou por Cantão em 1556 (...) Os chinas que andavam entre os portugueses e alguns portugueses com elles, vieram a desmandar de maneira que começaram a fazer grandes furtos e roubos, e matar alguma gente. (...) in Tratado das Couzas da China e de Ormuz, p. 27.

30 Rafael Perestrelo (?) — Hipótese baseada na transcrição chinesa (homofónica).

31 Lampacau dos autores portugueses.

32 Segundo consta do livro Ou Mun Kei Leoc, o foro do terreno de Macau era 500 taeis em prata sendo cobrado pelo distrito de Héong San. De acordo com os documentos portugueses, o foro do chão parece ter por origem uma peita dada ao mandarim de Cantão pelo que se chamava até, a esta quantia, "peita" ou "peitada". O problema do foro é, aliás, um assunto ainda discutido pelos historiadores.

33 Registado no Fu Lek Chün Sü — Livros completos de Estatística — impressos na dinastia Meng, reinado de Man Lek (1573-1620).

34 Este nome oficial foi conferido à Cidade de Macau pelo vice-rice da Índia, Dom Duarte de Menezes em 1568.

35 Héong San Ün Chi, livro VII, p. 8.

36 A. Ljungstedt, —An Historical sketch (...), Boston, 1836.

37 Nome geral dado aos escravos levados da costa oriental de África. Pe. Francisco Cardim — Descrição de Derrota dos holandeses — 24 de Junho de 1622 e Pe. Francisco de Sousa (1546) — Oriente Conquistado — e Papéis de D. Francisco de Mascarenhas — manuscrito da Biblioteca e Arquivo e Distrito).

38 Manuscritos da Biblioteca da Ajuda — Jesuítas na Ásia; e Pe. Montanha —Aparatus para a História de Macau Arquivo Histórico Ultramarino.

39 C. R. Boxer — Macau na época da Restauração, Macau, 1940, e Pe. Manuel Teixeira — Os Macaenses, Macau, 1981.

40 O Bazar foi construído em 1788 —Memórias sobre a franquia do Porto de Macau — Manuscritos de João Feliciano Marques Pereira — Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, Secção de Reservados.

41 Campo — nome português e anglo-indiano atribuído ao terreno extramuros de uma cidade.

42 Também impropriamente designado por Monte Charil, deturpação muito divulgada da primitiva designação de Monte Chaúl em memória da colina da cidade indiana daquele nome, que a colina da Guia fazia lembrar.

43 A muralha da cidade parece ter sido construída entre 1556 e 1623. (Manuscritos da Biblioteca e Arquivo Distrital de Évora; Papéis de D. Francisco de Mascarenhas, fols. 178, 179 e 184).

44 Ainda em 1960 uma empregada doméstica recebia, em Macau, o equivalente a 150$00 — 200$00 por mês e uma empregada de fabriqueta 5$00 a 10$00 diários.

45 Lugar próximo da Porta do Cerco, em território china, onde residia um magistrado encarregado dos negócios de Macau de grau superior ao de Móng Há.

46 Apesar do bom mercado que aos produtos hortícolas oferecia a cidade de Macau, muito terreno extramuros, aliás, as zonas de arroteamento mais difícil, ofereciam ainda, no século XIX, um aspecto desolador.

47 Nos meados do século XVII a prosperidade da cidade de Macau declinara. Os assaltos dos holandeses aos barcos portugueses em nome da sua hostilidade com os espanhóis de quem Portugal esteve dependente de 1580 a 1640; a queda de Malaca, os revezes sofridos no Japão e a expulsão de todos os portugueses e Iuso-nipónicos ali residentes com cessação de todo o comércio bem como a chamada guerra com Timor consumiu vidas e bens obrigando a sucessivos empréstimos e à utilização de cabedais chineses. Só por volta de 1720, com a abertura do comércio com a Cochinchina e com Manila passou o território a gozar de breve prosperidade.

48 Esta proibição, porém, foi transitória. Artur Levy Gomes — Esboço da História de Macau, Macau, 1926 (2. a ed.).

49 O facto de professarem muitas raparigas em Macau, naquela época, é apontado por vários historiadores como uma das causas do declínio demográfico, paralelo ao declínio económico e à saída de muitos portugueses.

50 A. Ljüngsted — Historical sketch of the Portuguese Settlements in China (...), Boston, 1836.

Segundo o Cod. 278, ff. 2v da Biblioteca Nacional de Lisboa — Secção Ultramarina —(citado por Frazão de Vasconcelos in A Aclamação de El Rei D. João IV em Macau, sep. n. ° 53 do Boletim Geral das Colónias, 1929, p. 46) em 1643 havia, em Macau, mais de 2.000 marinheiros portugueses. Domingos Maurício Gomes dos Santos, in Macau — Primeira Universidade Oriental do Extremo Oriente in Anais da Academia Portuguesa de História — Série II — 17 — 1968 p. 203 e seguintes), citando António Franco — Imagem da Virtude... em O Noviciado de Coimbra, I (Évora 1719 — p. 682 e segts.), afirma que em 1562 Macau tinha 500 a 600 habitantes e em 1576, 5.000 almas com 800 portugueses num estado moral miserável, (citando Fortunato de Almeida — História da Igreja em Portugal III (Coimbra 1912, pp. 83 84). Cfr. Levi Maria Jordão — Bullariam Patronatus I (Lisboa, 1869, pp. 243-246). É de comparar com o que registou A. Bocarro: 850 portugueses casados com 3 a 6 escravos cada, sendo os melhores, os cafres. Outros tantos casados naturais da terra. Muitos marinheiros. Muitos mais solteiros que receiam a justiça. (A. Bocarro — Manuscrito da Biblioteca Municipal e Arquivo Distrital de Évora — Cod. CXV/2-1).

51 Lápida incrustada numa parede da alanorte da antiga bonzaria anexa a Lin Fong Miu espaço que em 1967 foi adaptado a escola primária.

52 As corridas de cavalos tiveram mais-tarde grande popularidade em Macau nas primeiras décadas do século XX (Boletins Oficiais de 1924, n. ° 27 e n. ° 29 de 1930 e n. ° 19 de 1932). O Macau Jockey Club foi inaugurado em 6 de Setembro de 1931 e encerrado cerca de 10 a 15 dias antes de começar a Segunda Grande Guerra Mundial (informação do Reverendo Monsenhor Manuel Teixeira).

53 Contudo, em 1830 a população portuguesa e estrangeira aumentou consideravelmente no território em consequência da proibição pelo Vice-rei de Cantão de residirem mulheres europeias naquela cidade.

54 Tenente-coronel José Luís Marques, Breve memória acerca dos assinalados feitos dos dois heróis da autonomia de Macau — Amaral e Mesquita, Macau, 1920.

55 Os chineses criminosos eram expulsos para Macau, ou para ali fugiam à justiça dos mandarins. Os cafres fugiam aos amos para o Campo e daí faziam terríveis incursões nocturnas, de onde a tradição das histórias de cafre e cafra dos antigos macaenses (Manuscritos de J. F. Marques Pereira — Sociedade de Geografia de Lisboa, Secção de Reservados).

56 Decreto de 20 de Dezembro de 1845 — Manuscritos do Arquivo Histórico Ultramarino — Caixa 42 — Maço 44.

57 Extrato do Jornal Revolução de Septembro, n. ° 1916, de 2 de Agosto de 1848, publicado, por ordem em superior, no Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor, vol. III, n. ° 20, de 21 de Outubro de 1848.

58 Héong Sam Un Chi — Relatório enviado para Pequim por Chong Chi Tong, governador das províncias dos dois Kuong: Kuong Tong e Kuang Sai.

59 Nessa altura, as aldeias rurais de Móng Há e Long Tin Chün pagavam ainda imposto à perfeitura de Heong San sobre as suas váezeas (de 4 de keng superfície), casas e lucros obtidos em negócios, segundo estava registado na Prefeitura. Porém, em 1849 (29. ° ano de Tou Kuong) foi mandado retirar de Mong Há o magistrado chinês que aí vivia para tratar dos negócios dos seus compatriotas e que passou, desde então, a residir em Pak Seak, no distrito de Chin San — tr. de Heong Sen Un Chi, livro VI, pp. 9 e 10.

60 Esta tradição oral encontra-se registada no chôk pou dos Sam que, exactamente por isso, mais nos interessou consultar. O nome registado neste chok pou é Sam Má Mei.

Dum manuscrito inédito dum macaense contemporâneo, Francisco António Pereira da Silveira (Col de Res. da Soc. de Geografia de Lisboa), consta o nome de Lin Chin Leong, como o presumível assassino do Governador Ferreira do Amaral. No entanto, o autor do manuscrito admite não ser aquele o verdadeiro assassino, muito embora o nome seja o mesmo do China de Mohá, cujo pai sofrera a queima da barraca em Junho por Amaral.

61 Ref. A 66/848 / 2716. ° — Macau, sala 15 — 2. a Secção — Miscelânea, Maço 1 — 1839 a 1858, Arquivo Histórico Ultramarino.

62 1863 — Os chineses duma localidade próxima de Macau, a nordeste do Istmo, fizeram uma procissão como há 40 anos se não fazia. Com prévia licença da Autoridade Superior entraram em Macau e percorreram a aldeia de Móng Há e a cidade cristã durante três dias. Gastaram 40 000 patacas em ornamentos, fatos, umbelas, palanquins e bandeiras bordadas a mate e ouro, de trabalho primoroso, custando cada uma 300 taéis. O séquito era composto de mais de 1000 chineses todos de Shou Ui. Ficaram hospedados na cidade a expensas dos negociantes chineses, não tendo havido perturbação da ordem pública. Esta procissão parece ter sido organizada para afastar as más influências e esconjurar os espíritos maléficos que haviam provocado em Macau e nas regiões vizinhas uma terrível epidemia de cólera que causara pelo menos uma centena de mortes.

63 Estrada Nova de Maria II (1.800 m); Estrada da Porta do Cerco (800 m); Estrada do Quartel do Batalhão de Infantaria do Campo da Guia (750 m). A Estrada da Porta do Cerco foi construída sobre o antigo caminho de pé-posto que ligava aquela área com a aldeia de Mong Há e se bifurcava em direcção à cidade, o que consta, já, de cartas de Macau do século XVIII (Relatório do Governador Visconde de São Januário, Mss. do Arquivo Histórico Ultramarino).

64 Relatório do Governador de Macau, Carlos Eugénio Correia da Silva (31 de Dezembro de 1876 a 28 de Novembro de 1879), p. 36. Secção de Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa.

65 B. O. n. ° 26 de 19 de Agosto de 1902.

66 Ana Maria Amaro, O Jardim de Lou Lim Ioc, separata do "Boletim do Instituto Luís de Camões", Macau, 1967.

67 Cadastro de Vias Públicas de Macau, Euclides Honor Rodrigues Viana, Macau, 1905.

68 Ob. cit., em 67. Edição da Tipografia Noronha, 1906, Macau.

69 As ruínas desta casa foram referidas pelo Dr. Silva Mendes num dos seus escritos.

70 É possível que estivesse em tempos antigos ligado ao braço de mar que, bifurcado, avançava para a aldeia vindo de Patane.

* Doutorada pela F. C. S. H. da Universidade Nova de Lisboa; professora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas. Departamento de Antropologia. Membro de várias instituições internacionais, v. g. a "International Association of Anthropology".

desde a p. 107
até a p.