Urbanismo/Arquitectura

SANKIU

Armando Azenha Cação*

ANTECEDENTES

Inicialmente a península de Macau foi constituída por quatro ou cinco ilhas distintas (ver Carta l):

a principal que ia da Barra, pela Penha, S. Lourenço, Santo Agostinho e Sé até ao Monte de S. Paulo e ao morro de Camões, onde terminava no Patane. Do Monte estendia-se até ao antigo Hospital de S. Rafael e a S. Lázaro, ao antigo monte de S. Miguel. Sem grandes rigores, que poderão ser tratados em outro trabalho, pode dizer-se que era banhada desde o Templo de A-Má ao do Patane num traçado que seguia pela Praia do Manduco até à Alfândega (ao fundo da Praça de Ponte e Horta), com uma ligeira inflexão, e daqui em direcção ao Largo do Senado, Misericórdia, S. Domingos, traseiras das Ruas de N. a s. a do Amparo, Tercena e Faitiões até ao Tarrafeiro quase junto ao actual Largo da Igreja de Santo António, continuando, sempre próximo do morro de Camões, até ao Pagode do Patane. Dos lados Norte e Nascente era banhada nas proximidades das actuais Rua do Patane, Rua Coelho do Amaral e Rua Adolfo Loureiro até ao Jardim Lou Lim Ioc, seguindo pela actual Av. Cons. Ferreira de Almeida e pela Rua do Campo até à Rua Formosa. A Sul era banhada pela Praia Grande até ao Bom Parto, com uma reentrância no Chunambeiro e daí, até à Barra, acompanhava sensivelmente a actual Avenida da República e Rua de S. Tiago.

Admito que se trate de duas ilhas, mais tarde ligadas entre a Sé e o Monte: a ilha da Guia e dos morros de S. Jerónimo e S. Francisco, que da Praia de Cacilhas se estendia até aos penedos existentes no limite da Praia Grande, em frente a S. Francisco.

Era banhada pelo mar nos terrenos da actual ZAPE e, do lado oposto, nas proximidades das actuais Av. Sidónio Pais, Rua Ferreira do Amaral, Rua Horta e Costa e junto à cerca do antigo convento de Santa Clara até S. Francisco;

— a ilha de Mong-Há, que começava junto ao Pagode de Lin Fong e abrangia os morros de Mong-Há, da Montanha Russa, e de D. Maria e se estendia até Ma Cau Seak por um afloramento rochoso que mais tarde serviu de base à construção do muro do reservatório de água (ao lado da actual Rua dos Pescadores).

Era banhada, sensivelmente nos actuais locais da Av. Coronel Mesquita, parte final da Av. Almirante Lacerda, entre o canil e o pagode de Lin Fong, Estrada do Arco e daqui, sempre junto à montanha e às instalações da CEM e ao pagode de Tin Hau, continuando pelos penedos, que, do outro lado, levavam à actual Praia de Cacilhas e daqui à Av. Cor. Mesquita; — a ilha Verde.

EVOLUÇÃO ATÉ AO SÉC. XVI

O facto de Macau se localizar num delta, com elevada deposição de sedimentos, em especial a Oeste, provocou assoreamentos entre as ilhas, que viriam a ficar interligadas:

— as duas primeiras, entre o Monte e a Guia, sensivelmente entre o fim da Rua da Colina e o antigo Hospital de S. Rafael, onde foi começado o antigo cano real (de esgoto);

— a segunda e a terceira no local designado por Praia de Cacilhas, ficando também Mong-Há ligada ao Continente por um estreito istmo entre o pagode de Lin Fong e a Porta do Limite;

— a ilha Verde só há pouco mais de 100 anos (1891/2) ficou ligada a Mong-Há através de um istmo artificial, desenvolvido pelo Conselheiro Custódio Miguel Borja, na sequência do projecto das obras do porto da autoria do Capitão de Engenharia Adolpho Loureiro, que expressamente se deslocou a Macau para a execução do referido projecto.

A consolidação da Praia de Cacilhas obrigou à separação entre o Porto Exterior e o Porto Interior contribuindo para o rápido assoreamento do que viria a constituir as várzeas de Mong-Há, sensivelmente na baía compreendida entre a Avenida Coronel Mesquita, a Avenida da Flora (mais tarde Sidónio Pais), até à Rua do Campo e daqui, pelos baixos de S. Lázaro e Tac Seac, um troço abrangendo as Ruas de Adolfo Loureiro, de Coelho do Amaral e do Patane até ao Pagode.

As nascentes de água de Mong-Há (junto ao templo de Kun Iam) e da encosta da Guia (em local onde existiram 3 fontes, hoje desaparecidas, mas próximas da saída do túnel rodoviário que atravessa a montanha e as provenientes do local onde se encontra o Jardim Vasco da Gama) (ver Carta 2, 3 e 4) ajudaram à dessalinização dos terrenos e à sua aptidão para a agricultura, originando a fixação de uma população que se estabeleceu no que viria a constituir a aldeia de Mong-Há e que se dedicava ao cultivo do arroz, base essencial da alimentação. À beira-rio as várzeas eram inundadas consoante as cheias e as marés.

A água naturalmente saída de Mong-Há e, em especial, da Guia, encaminhava-se por pequenas valas, sendo que o percurso das principais não se afastava muito das actuais Rua Pedro Coutinho e Estrada Adolfo Loureiro até perto do local onde começa a Rua da Barca, em que se juntavam para dar origem a uma ribeira que ia desembocar no Porto Interior — a Ribeira do Patane.

MACAU À CHEGADA DOS PORTUGUESES

O estabelecimento dos portugueses em Macau, em paz e com consentimento chinês, após várias experiências mal sucedidas na costa do Império, começou naturalmente nas proximidades do Patane e da sua ribeira que permitia a aguada.

A Ribeira do Patane como local para abastecimento de água potável trazia uma vantagem acrescida ao porto interior, que por sua vez era abrigado dos ventos dominantes e fortes dos tufões que passavam próximos, em especial os do início do tufão.

Apenas o monte da Penha dispunha de mais algumas nascentes naturais (para o Lilau, Barra e Tanque do Mainato), mas de pouco significado e de difícil acesso (excepto a do Lilau).

Rapidamente o estabelecimento cresceu e se tornou cidade, graças ao comércio com a China e o Japão. E não era necessário proceder à construção de muralhas ou fortalezas. Apenas uma cerca, de que ainda existe um pequeno troço, foi executada pelos jesuítas: da Praia Pequena ao morro de S. Paulo, envolvendo a Igreja de N.a S.a do Amparo, junto ao mar, e, em cima, a Igreja da Assumpção de Nossa Senhora, o Colégio de S. Paulo, parte do que foi a Fortaleza, a horta e as casas da Companhia.

EVOLUÇÃO APÓS 1622

Após o ataque holandês, a cidade foi fortificada e muralhada nos locais mais convenientes:

CARTA 2 — TAP SEAC EM 1895 - Povoação de Tap Seac com o antigo traçado na encosta do cemitério. - Pane da povoação de Long-tin-chün foreira ao pagode de Mong-há e mais tarde saneada. - Traçado previsto da futura Avenida (Conselheiro Ferreira de Almeida). - Estrada da Flora (Av. Sidónio Pais) - Várzeas no local do actual campo desportivo, a uma cota muito interior. - Linhas de água provenientes do actual Jardim Vasco da Gama e da encosta da Guia que se dirigiam para a Estrada de Adolfo Loureiro.

Foi executado um troço de muralha entre o Forte do Bom Parto e a Penha; outro impedia o acesso à Praia de Cacilhas, ligando a Guia a D. Maria.

Mas a principal muralha ligava S. Francisco a S. Jerónimo, onde inflectia e, por S. João, seguia para a Fortaleza do Monte. Daqui seguia pelo actual limite do Pátio do Espinho com a Rua Tomás Vieira (onde existe ainda em grande extensão) até Santo António, contornava o cemitério protestante e, a meia encosta entre a Rua do Patane e o morro de Camões, dirigia-se para as proximidades do Pagode do Patane, onde terminava junto ao rio. Este último troço ao longo do actual Jardim de Camões era em pedra e daí a designação chinesa da Rua do Patane (Rua do Muro de Pedra).

De fora ficavam as fortalezas de S. Tiago da Barra, para defender o acesso ao porto interior, e da Guia, esta para vigiar todo o acesso a Macau pelo porto exterior, e ainda a Porta do Limite, sem funções defensivas na altura.

O troço principal da muralha tinha duas portas, por onde se fazia o acesso ao campo:

— a do Campo, ou de S. Lázaro, ou de S. João, no extremo em que a Rua do Campo se bifurca na Av. Cons. Ferreira de Almeida e na Rua Ferreira do Amaral, dava acesso a S. Lázaro e, pela base da encosta da Guia, a Mong-Há.

a de Santo António, ou de S. Paulo (Sam Pa Mun), onde hoje começam as ruas Tomás Vieira e Coelho do Amaral, donde saía um caminho que após contornar o antigo morro de S. Miguel, atravessava o campo, e se dirigia ao pagode de Lin Fong, e à Porta do Limite.

O ALARGAMENTO DA CIDADE

A expansão da cidade para além da muralha até à Porta do Limite, com Ferreira do Amaral, motivou a necessidade de alargar os caminhos existentes, proceder à abertura de outros, ao saneamento e à melhoria das condições existentes.

Para a realização dos trabalhos necessários dentro e fora da muralha houve a necessidade de criar um departamento especialmente encarregado das obras. Inicialmente, foi o Comandante do Batalhão (de Artilharia de Linha) o encarregado das obras públicas civis e militares.

Todavia, em Setembro de 1867, foi nomeada uma comissão que propôs a criação de um corpo especial de obras públicas e, em 1870, para cumprimento do Decreto régio de 3/12/1869, foi organizado um Serviço de Obras Públicas das Províncias Ultramarinas, passando, em cada uma delas, a haver um director, engenheiro (no caso de ser militar podia ser do Estado Maior ou de Artilharia). Ficou então Director do Serviço o T. Cor. Domingos José de Almeida Barbosa. Por Decreto de 15/7/1870, foi nomeado o Major do Estado Maior de Engenharia Francisco Jerónimo Luna, que tomou posse do cargo a 21/8/1871.

A vinda de oficiais de Engenharia Militar, quer como Governadores (Coelho do Amaral, Firmino da Costa, Horta e Costa), quer como Directores das Obras Públicas (F. J. Luna, Horta e Costa, Constantino de Brito, Abreu Nunes e outros), trouxe um grande impulso aos trabalhos realizados em Macau, em especial ao saneamento de bairros chineses, das várzeas, ao melhoramento e regularização das ruas, permitindo-me salientar Coelho do Amaral, Governador, e Horta e Costa, Capitão de Engenharia, Director das Obras Públicas e duas vezes Governador, que o Senado, aliás, reconheceu como cidadãos beneméritos.

CARTA 3 — LONG - TIN-CHÜN EM 1901 - Traçado previsto para a Avenida Horta e Costa e para uma rotunda que nunca chegou a ser construída. - Linhas de água que da encosta da Guia se dirigiam para poente, em direcção ao Porto Interior.

A RIBEIRA DO PATANE

À procura de uma vida melhor, atraídos pelo comércio e pela emigração para a América, na sequência da abolição da escravatura, chegaram a Macau, de barco, muitos chineses. Muitas embarcações subiram a Ribeira do Patane e passaram a servir de residência, sendo no local construídas outras barracas sobre estacas de madeira. Assim nasceu a povoação de SaKong. A ribeira foi-se rapidamente assoreando e as condições higiénicas passaram a ser de tal modo más que todos os anos o relatório do Director do Serviço de Saúde alertava para o perigo de grassarem epidemias.

Com base nos Boletins Oficiais transcrevem-se algumas referências (as mais importantes) que dão uma panorâmica geral da situação das várzeas e, em especial, da zona mais ribeirinha de SaKong, SanKiu e Patane:

Do relatório do Serviço de Saúde de 1865 a 1867(pág. 193):

"Um braço do rio atravessava a povoação de Patane, e, espraiando-se pelo campo, alagava um grande espaço de terreno, que apresentava péssimas condições de salubridade. Duas muralhas contiveram as águas no seu estreito leito, formando-se uma espécie de canal que serve de abrigo a algumas embarcações, e o terreno, convenientemente entulhado, é hoje em parte cultivado, e em parte occupado por algumas casas".

1882 (PP 99 de 5/12) — "Considerando que o canal que vai do rio às várzeas está obstruido de más habitações sobre focos de infecção, prejudiciais à saúde pública e impedindo que as águas vão livremente alimentar os pequenos canais de irrigação, resultando d'ahi fazerem-se represas, nas águas vivas, que ficam verdadeiros pântanos"... é nomeada uma comissão para estudar o assunto.

No 2° semestre de 1882 foi executado o "dessecamento de um pântano que existia ao lado da Estrada Coelho do Amaral e próximo do canal de SanKiu". (Pág 45 do BO/883)

Do relatório de 12 Fev. 1883 (pág 63/BO):

"No canal de Sankiu convém que depois de removidas as habitações, sejam concertados e regularizados o leito e as margens, de modo que o canal satisfaça o duplo fim para que foi construído, irrigando regularmente as várzeas e permitindo em ocasião de temporal o acesso às pequenas embarcações que ali procurem abrigo (barcas).

A caldeira de SaKong reclama urgentes providências".

Novamente em 28/7/1 883, o Governador, Tomás de Sousa Rosa, nomeia uma comissão (Director das OP, Constantino de Brito; Chefe do Serviço de Saúde, Lúcio Augusto da Silva; Vereador, Miguel Ayres da Silva; Administrador do Concelho, Leôncio Alfredo Ferreira; e agrónomo Tancredo Caldeira do Cazal Ribeiro) para formular o plano geral dos melhoramentes da cidade.

Em 20/11/1883 a comissão apresentou o seu relatório (BO da Província n° 1 de 1884), de que se salienta:

proposta da Avenida a ligar a Praia Grande ao Porto Interior, ladeando o Senado (só aberta definitivamente mais de 30 anos depois)

proposta da Avenida a ligar o Forte do Bom Parto à Barra (só concluída em 1910 e baptizada, por isso, de Av. da República)

— esgotos

abastecimento de água potável (3 fontes na Flora, bica do Lilau, fonte da Barra)

— a classificação de insalubre dos bairros de Sakong e San Kiu:

"Patane, SaKong e SanKiu são verdadeiras povoações chinesas e basta isso para ser escusado descrever o estado de imundície em que se encontram".

Propõe: "Transformar a irregularidade dos alinhamentos, evitar a acumulação de detritos orgânicos nas ruas, e por último estabelecer canalização adequada".

"SaKong tem além de outras coisas gerais de insalubridade uma outra especial que urge resolver. Referimo-nos às docas de construção de navios, que cheias de Iodos e matérias orgânicas em decomposição infecionam a atmosfera. O entulhamento dessas docas, acompanhado da concessão de terrenos mais sobre o mar que as águas cobrissem em todas as marés seria o meio de remover aquela causa de insalubridade".

"Outro melhoramento se afigura importante no bairro de SanKiu. O canal conhecido pelo mesmo nome e que hoje dá vazão às águas das várzeas está cheio de habitações construidas sobre estacas, que muito recordam as antigas estações lacustres. As "dijecções" dos habitantes à mistura com os Iodos sempre a descoberto exalam um cheiro fétido que bem denuncia o perigo de aquele foco de infecção".

Julgou-se conveniente o entulhamento do canal, deixando ao centro uma vala coberta para escoamento das águas das várzeas, formando em toda a largura do actual canal uma larga avenida arborisada que comunicasse com o mar, a estrada Coelho do Amaral.

CARTA 4 — VÁRZEAS DE MONG HÁ - Povoações de Long-tin-chün e Mong Há - Novas ruas previstas (a vermelho), algumas das quais não foram executadas, assim como a Rotunda. - O canal de SanKiu. - Embora seja referida a data de 1926, o levantamento é bastante anterior.

Em 18/9/1884, o Governador, Thomaz de Souza Roza, concede licença (PP 81) para a construção de uma doca no sítio do Patane, em frente da Rua das Pontes, aos chinas: Ho-A-On, director do pagode de Tu-Ti-Mio; Cheong-A-Vá, gerente da firma Lam-Mau; Vom-A-Hin; Fom-A-Su; e Ho-Iu-FocTong, destinada a guardar e conservar madeiras de construção, sendo o projecto executado de acordo com o plano geral das obras do porto e o respectivo contrato celebrado na junta da fazenda. É a doca do Lamau.

De acordo com a mesma portaria: Os proprietários obrigam-se a fazer os muros exteriores e interiores da doca e constantes de planta anexa, no prazo de 15 meses, e pontes de madeira. O aterro das ruas que circundam a doca será feito por conta do governo.

Pela PP 62, de 11/7/1885, o governador, Thomaz de Souza Roza, "sendo sobremaneira impróprio de um país civilizado o aspecto repugnante que oferecem as povoações de SaKong, SanKio e outros pontos do litoral de Macau, em que se acham servindo de habitações grande número de velhos tancás sobre estacas cravadas no lodo; considerando que tais habitações, pelas suas condições especiais, tornam os locais em que estão estabelecidas verdadeiros focos d'infecção que muito convém extinguir por serem altamente prejudiciais à salubridade pública; considerando que a maior parte dos ditos tancás serve mais depressa d'abrigo a vadios e ratoneiros, do que moradia a gente honesta e trabalhadora; considerando que a disposição especial e meios de comunicação dos tancás impossibilitam inteiramente a vigilância policial nos locais acima ditos, que assim oferecem seguro refúgio aos malfeitores com grave prejuízo da segurança pública", proíbe que dessa data em diante se fixem tancás para habitações no litoral de Macau e determina que no prazo de três meses sejam impreterivelmente removidos os que existiam.

Do relatório do Director do Serviço de Saúde:

"As obras de mais subido alcance para a hygiene que tiveram lugar em 1885 foram sem dúvida a extincção dos pobres tancás que no canal de SaKong e SanKio sobre estacas, serviam de pestilento abrigo a uma imunda e miserável sociedade que segundo a opinião pública, na grande maioria só vivia duma vida devassa e criminosa. Eram um perigo para a salubridade e para a ordem pública. Eram talvez para mais de dois mil.

Foi concedido um prazo de três meses para despejo. Deixaram correr o prazo. O certo é que nem um china só resolvera deixar as suas imundas casas.

Foi mister que o governo mandasse demolir, empregando previamente para manter a ordem as devidas providências policiais".

Do relatório do Director das Obras Públicas, de 30/6/1887, José Maria de Sousa Horta e Costa, publicado no B. O:

"Um outro trabalho deste género (cano colector desde a calçada do Gaio à Praia Grande) é a obstrução do Canal de SanKiu deixando apenas um cano para esgoto da água das várzeas. O trabalho é dispendioso bastante. É porém tal a sua importância e melhora por tal forma a hygiene da cidade, que creio que esta obra se realisará em breve".

Encontra-se também previsto fazer:

— Projecto e orçamento das obras necessárias ao saneamento do canal de SanKiu;

— Ante-projecto do prolongamento da estrada Adolpho Loureiro até às docas

Durante este ano (6/1886 a 6/1887):

— concluiu-se a grande doca do Patane, destinada a armazenagem de madeiras, mas que tem sido utilizada para abrigo de embarcações pequenas (doca do Lamau);construíram-se importantes aterros atulhando as docas do Patane que se estendem ao longo da grande doca que se concluiu;

— começou-se a obra do muro marginal regularisador das correntes do porto interior, segundo as indicações do Sr. Eng° Loureiro, sobre estacaria de madeira, ligada por um gradeamento coberto de um maciço de pedra britada sobre o qual assenta o muro.

CARTA 5 — PARTE DO CANAL DE SANKIU EM 1913

- Traçado do emissor de San Kiu, no seguimento da Estrada Adolfo Loureiro

- Previsão do prolongamento da Estrada do Repouso.

Por Portaria n° 100 de 11/7/1888, o Governador, Firmino José da Costa, oficial de Engenharia, determinou que se começas se a obra de saneamento do canal de SanKiu e o prolongamento da estrada Adolpho Loureiro, sendo a obra executada em 2 anos. Dos primeiros 150 metros foi feita a arrematação conforme edital de 17/6/1889. A obra terá começado nos primeiros dias de Outubro de 1889.

Entretanto, o aterro das margens do canal teve início a 2/5/1889.

Do relatório, referente ao período de 6/1888 a 6/1889, publicado no Suplemento ao n° 4 do BO de 3/12/1889, da Direcção das Obras Públicas de Macau e Timor, sendo Director Amâncio d'Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, desde 24/5/1889, e com base nos elementos do condutor Alcino A. Sauvage, interinamente encarregado da Direcção, verifica-se que metade da dotação desse ano foi gasta em 3 obras: dragagens, construção da muralha marginal do porto interior e construção do canal artificial de SanKiu.

A construção do aterro no porto interior dará lugar a mais uma nova estrada marginal. Relativamente à canalização: "felizmente a percentagem da totalidade das substâncas sólidas sob a denominação de lixo e matérias fecais produzidas na cidade, que ingressa nos canos de esgoto, é muito pequena porque esses resíduos são, pela nossa administração, vendidos aos arrematantes, que os aplicam à agricultura, auferindo os devidos lucros para avolumar a receita orçamental".

Continuaram os trabalhos de construção de canos no canal de SanKiu e aterro das margens do canal.

O relatório de 24/10/1892 da Repartição de Saúde refere:

"Um dos, hoje raros, focos de infecção que apresenta ainda a cidade de Macau, e talvez o mais poderoso d'entre elles, é o bairro de SaKong, tendo por principal causa da insalubridade o canal de SanKio... muito se tem feito nos últimos anos para o methódico saneamento d'esta colonia... e... não vai longe o tempo em que ajunta de saúde clamava inutilmente pelo saneamento dos bairros urbanos da Horta da Mitra e da Horta do Valong".

Pela Portaria Provincial n° 133, de 27/10/ 1892, o Governador, Custódio Miguel de Borja, determinou a conclusão da obra de saneamento do canal de SanKiu após o relatório que lhe foi apresentado pela junta de saúde, visto como ele nas suas actuais condições, poderosamente concorre para o estado verdadeiramente insalubre e prejudicial em que se encontram os bairros de SanKiu e SaKong que o referido canal atravessa.

Em 27/2/1893, por edital do Leal Senado, foi proibido deitar lixo nas margens do canal de SanKiu, passando apenas a ser permitido o despejo de entulhos e terras.

Em 2/3/1893, recomeça a obra de regularização das margens do canal de SanKiu (3.921.073 Patacas = 2.907.912 réis fortes) até 30/6.

O Governador Horta e Costa, em 1/5/1894, pela Portaria n°109 publicada no BO 18, determina o imediato começo da "continuação da obra de saneamento do canal de SanKiu que pelas suas circunstâncias poderosamente concorre para o estado verdadeiramente insalubre em que se encontram os bairros de SanKiu e SaKong, disponibilizando uma verba de 2.000 Patacas". Por edital de 18/10/1894 é feito saber aos habitantes chinas: "tendo o Governador determinado edificar um novo bairro em SaKong destinado a habitação de famílias pobres e feito em condições higiénicas, aproveitando-se do terreno baldio que ali existe não podendo por em quanto executar-se esta sua determinação por estar o dito terreno coberto de sepulturas chinas, são por isso avisados todos aqueles de qualquer modo interessados nessas sepulturas a exhumarem os cadaveres dentro do praso de dois mezes a contar desta data; e não o fazendo será a exhumação feita por conta do governo".

Em 12/1/1895 são aforados a um negociante china (Lu-Cau) terrenos em SaKong com o fim de construir ali habitações baratas e iniciar um bairro operário que em breve e sucessivamente será continuado desde SanKiu até Mong-Há.

Em 9/8/1895 são mandadas efectuar "a construção da canalisação, calcetamento e arborização da parte do novo bairro de SaKong já construida" e as obras necessárias a levar esta canalisação a despejar no porto interior por intermédio do canal de SanKiu.

Horta e Costa, por Portaria Provincial n° 168 de 28/11/1896, aprova o orçamento e despesa para a obra de terraplanagem, calcetamento e canalização necessárias nos terrenos de SaKong, sendo expropriadas 14 barracas. (Já referida na PP 13 de 8/2/1896 a expropriação por utilidade pública).

Em edital de 14/12/1899 o Leal Senado faz público que "convindo haver um local destinado a serem n'elle lançados os cacos, entulhos e resíduos de obras", foram escolhidos para esse fim os dois lagos que existem em SanKiu, próximos à Travessa do Lago.

E, em novo edital de 27/12/1899, informa que além dos dois locais anteriores pode servir para o mesmo fim o espaço que fica do lado do rio e a N. da Estrada Coelho do Amaral entre uma ponte-cais arruinada e o bairro de Mong-Há.

Em 1913, de acordo com as Portarias Provinciais n. os 176,177 e 178, de 27 de Junho, foram distribuídas verbas e determinada a execução das obras:

construção do emissor de SanKiu, da Estrada Coelho do Amaral ao prolongamento da Estrada do Repouso (232,5m)

drenagem da rotunda de SanKiu.

Ainda em 1913 (PP 184) foram efectuadas expropriações para saneamento da área do Patane entre a Estrada Coelho do Amaral, o prolongamento da Estrada Adolfo Loureiro (Rua da Barca), o Largo da Cordoaria e Pátio das Perpétuas e prolongamento da Estrada do Repouso (ver Carta 5); e para prolongamento da Estrada do Repouso, entre a Rua da Barca e a grande Avenida Marginal (Alm. Lacerda) (PP 87 de 1914) (ver Carta 6).

Também em 1913 foi lançada uma hasta pública para execução da obra de construção do colector no prolongamento da Estrada do Repouso (da Estrada Coelho do Amaral à Rua da Barca).

CARTA 6 — CANAL DE SANKIU

- Traçado completo do Canal, entre a Rotunda (mais tarde Carlos de Maia) e o Porto Interior (doca de Lam-Mau).

- Previsão de novos arruamentos, alguns dos quais ainda não se encontram abertos em virtude da existência de barracas.

-Cerca de 1913/1914.

Em 1914 procedeu-se à arrematação em hasta pública de diversas obras, entre as quais o completamento do emissor de SanKiu e "aterramento" do antigo canal (ver Carta 7). Por Portaria n° 109, de 5/6, é orçamentada e dotada a obra de pavimentação da ma sobre o emissor de SanKiu, desde o prolongamento da Estrada Adolfo Loureiro (Rua da Barca) à Av. Horta e Costa.

Em 1921, é decidido o prolongamento do emissor de SanKiu até à linha marginal dos futuros estaleiros (Av. Alm. Lacerda), tendo o projecto sido aprovado em Novembro de 1922 e, em 1/3/1923, realizado um concurso para trabalhos adicionais.

SITUAÇÃO ACTUAL

Pouco ficou da zona onde antigamente se desenvolvia a Ribeira do Patane. Desapareceram as várzeas, as lagoas, a ribeira, o canal e até a povoação de SaKong (ver Carta 8).

Resta a memória do canal, que se aviva ainda hoje na altura das grandes chuvadas quando a Rua da Barca se transforma em verdadeiro canal colector de todas as águas pluviais da maior bacia de Macau, facto motivado por não ter sido feito um aterro elevado e por a saída das águas para o rio ter passado a ser cada vez mais afastada.

Uma toponímia abundante, de que se esqueceu a razão, mas que permanece ligada à antiga ribeira e de que ainda restam exemplos.

RUA DA RIBEIRA DO PATANE (1868)

Construída como rua marginal.

Terminava e termina precisamente a Sul do local em que o canal de Sankiu desembocava no Porto Interior. Para Norte construiu-se mais tarde a grande Avenida Marginal, a que foi dado o nome de Av. Almirante Lacerda, o que permite localizar ainda hoje, exactamente, o local onde terminava a Ribeira do Patane.

ESTRADA DA RIBEIRA DO PATANE(1896)

Presume-se que seja a anterior.

LARGO DA RIBEIRA (1896) TRAVESSA DA RIBEIRA (1868) (1878)

Embora existindo é apenas uma travessa da Rua da Ribeira do Patane não estando ligada fisicamente ao caminho da antiga ribeira.

RUA DA BARCA (1868) (1878) (1896)

Referência às barcas que subiam a ribeira e às embarcações que se foram fixando ao longo das margens.

Primitivamente encostada ao Canal de SanKiu, do lado Sul.

Quando o canal de SanKiu foi aterrado, as ruas que o ladeavam (da Barca e das Pontes) foram rectificadas, passando a existir apenas a actual Rua da Barca, que em grande parte fica por cima do antigo canal de SanKiu.

RUA DA PONTE (1868-1878) OU RUA DAS PONTES

Ladeava o antigo Canal de SanKiu, do lado Norte.

Aprovada a arrematação e a execução (reconstrução) da ponte principal de madeira no Canal de SaKong, por PP/22 de 12/3/1874. Pouco depois foi deslocada dos encontros em resultado dos estragos causados pelo tufão de 22-23/9/1874.

Havia mais 3 pontes secundárias, de madeira, todas danificadas neste tufão.

Em 1875 (PP/114 de 18/11/1875) pôs-se em praça a construção de 2 pontes:

em San-quio e SaKong. Ficaram concluídas em 24/1/1876, custando 728.000Rs.

Em 1884 já é Rua das Pontes (PP81 de 18/9/1884)

Desapareceu quando o Canal de SanKiu foi aterrado.

TRAVESSA DA PONTE(1868)(1878)(1896)

Via ainda hoje existente, perpendicular à Rua da Barca, no seu termo, em SanKiu.

TRAVESSA DA PONTE NOVA (1896)

Referida em 1896, mas desapareceu. Sensivelmente no local de actual Rua de João Araújo.

TRAVESSA DO LAGO(1868)(1878)(1896)

Ainda hoje existe e liga a Rua da Barca a uma antiga lagoa existente pelo fim da Av. Horta e Costa e que acabou por ser aterrada.

RUA DOS ARROZAES(1878) (1896)

Era Travessa em 1868.

Desaparecida.

CARTA 7 — ANTIGO CANAL EM 1917

- Em 1917o canal já tinha desaparecido, vendo-se apenas a Rua da Barca. A Rua das Pontes também desapareceu.

RUA DE SANTI (1878) (1896)

Santi era uma aldeia, sensivelmente ao fundo da Av. Horta e Costa, que se desenvolveu à beira rio até à construção da grande avenida Marginal (Av. Alm. Lacerda). Desapareceu a designação. (atrás do Lido).

POVOAÇÃO DE SAKONG (1896)

Localizada sensivelmente ao longo da actual Rua da Barca, desde a Rotunda Carlos da Maia, terminando em SanKiu. Desapareceu a designação.

BAIRRO NOVO DE SAKONG

Construído já neste século para bairro operário.

BAIRRO DE SAN-KIU

A ribeira teve inicialmente uma ponte, sensivelmente a meio do percurso, mas com o desenvolvimento da povoação de SaKong houve necessidade de construir uma nova ponte no local onde a ribeira tinha uma curva mais pronunciada. Daí o nome de nova ponte (SanKiu) que acabou por baptizar a zona entre SaKong e o Patane, ao fim da rua da Barca, e que ainda perdura.

RUA, ESTRADA E TRAVESSA DE COELHO DO AMARAL

Inicialmente entre a Porta de Santo António e a Areia Preta. Até à Estrada do Repouso existiam casas e ficou sendo Rua. Da Estrada do Repouso para Norte eram várzeas e ficou sendo Estrada.

Quando Horta e Costa abriu a avenida que tem o seu nome, a Estrada Coelho do Amaral foi rectificada, passando, na perpendicular, a terminar na Av. Cor. Mesquita.

No entanto, parte do antigo traçado, atrás do antigo cinema Lido, ainda é Travessa do Coelho do Amaral. A partir da estrebaria do Senado foi anexada à Av. Almirante Lacerda.

Refere o Governador que alargou e melhorou o antigo caminho da Porta de Santo António até ao Istmo Ferreira do Amaral (Porta do Cerco).

ESTRADA DE ADOLFO LOUREIRO

Executada em 1882/1883 — 754.373

1883/1884 — 2.640.850

Prolongamento (PP. 100 de 1888), futura Rua da Barca.

Atribuído o nome deste oficial, que esteve em Macau em 1883 como Capitão de Engenharia e Major do Estado Maior, e aqui elaborou o grande projecto dos aterros do porto interior. Posteriormente o projecto foi alterado por diversas vezes.

AVENIDA DE HORTA E COSTA

José Maria de Sousa Horta e Costa, Capitão de Engenharia, Director das Obras Públicas de 11/1885 a 11/1888, Governador de Macau de 3/1894 a 1896 e, novamente, Governador de Macau entre 8/1900 e 12/ 1902, foi um dos grandes responsáveis pelo saneamento e reconstrução dos bairros miseráveis e imundos que proliferavam em Macau (Volong, S. Paulo, Mitra — onde tem uma rua com o seu nome —, S. Lázaro, SaKong, Long Tin Chun, etc), tendo igualmente iniciado a abertura da avenida que hoje tem o seu nome.

Cidadão benemérito da cidade, em sessão do Leal Senado da Câmara, de 8/6/1896, que nessa data colocou no seu retrato uma placa, infelizmente hoje já desaparecida, alusiva ao facto.

TRAVESSA DE LAM-MAU

Existente próximo do local onde foi construída a antiga doca, posteriormente aterrada.

CARTA 8 — RUA DA BARCA EM 1926 - Desapareceram as referências ao antigo canal.

* Coronel de Engenharia. Frequentou a Academia Militar de 1963 a 1970. Actualmente, é assessor do secretário-adjunto para os Transportes e Obras Públicas do Governo de Macau, onde já tinha estado numa primeira comissão, de 1981 a 1985. Comissões em Moçambique e Guiné-Bissau. Co-autor do livro "Um Museu em Espaço Histórico - A Fortaleza de S. Paulo do Monte (Museu de Macau, 1998). Autor do livro "Unidades Militares de Macau" (no prelo).

desde a p. 133
até a p.