Antologia Documental

HISTÓRIA DO DESCOBRIMENTO E CONQUISTA DA ÍNDIA PELOS PORTUGUESES: LIVRO IV*

Fernão Lopes de Castanheda

Fernão Lopes de Castanheda embarcou para a Índia em 1528 e por lá estanciou durante cerca de dez anos. Um testemunho posterior sugere que para lá fora enviado pelo monarca português D. João III, com o expresso propósito de "escrever os feitos daquelas partes" (Diogo do Couto, Década IV); mas poderia tratar-se de uma dedução retrospectiva. De volta ao Reino, em 1538, Castanheda exerceu a partir de então diversos cargos menores na Universidade de Coimbra, cidade onde parece ter residido até à data da morte, em 1559. Entretanto, publicou naquela cidade, entre 1551 e 1554, os oito densos livros da sua História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, que foi a primeira grande crónica da expansão a conhecer as honras da impressão.

Lopes de Castanheda parece ter aproveitado a sua residência em terras orientais para se documentar devidamente sobre os acontecimentos protagonizados naquelas partes pelos nossos homens, pois além de ter visitado numerosas regiões do extenso litoral asiático, entrevistou muitos dos "capitães e fidalgos que o sabiam muito bem", por terem participado "nos conselhos das coisas e na execução delas", como ele próprio declara a determinado passo da sua volumosa História. Afirma igualmente ter manuseado larga quantidade de "cartas e sumários", embora não especifique o modo como teve acesso a esta documentação (liv. 1, Prólogo). Ao contrário de João de Barros, seu contemporâneo e concorrente no ofício de historiógrafo, Femão Lopes não se preocupa demasiado com o enquadramento espacial e cultural das acções que relata; mas seria injusto declarar que atribuiu escassa importância à geografia e à etnografia. De facto, antes de relatar os primeiros contactos dos portugueses com muitas regiões asiáticas, o nosso autor apresenta breves esboços da respectiva topografia, assim como sumários das práticas sociais e culturais mais relevantes. Embora de um modo geral bastante sintéticas, as referências orientalísticas de Femão Lopes de Castanheda são quase sempre informadas e rigorosas, contribuindo para dar à sua crónica uma faceta vivencial.

O quarto livro da História, publicado em Coimbra em finais de 1553, abrangia o período em que tivera lugar a primeira grande expedição portuguesa ao Celeste Império, capitaneada muitos anos antes por Femão Peres de Andrade (liv. 4, cap. ōs 27-31). O relato dos principais acontecimentos era complementado por descrições não muito longas, mas bastante precisas, da China em geral e de Cantão em particular. Os prelos portugueses, pela primeira vez, editavam uma obra que continha informações pormenorizadas sobre aspectos até então pouco conhecidos da civilização chinesa. Esses informes, que anteriormente apenas circulavam em determinados meios ligados à expansão ultramarina, tinham agora assegurada uma maior difusão, graças aos esforços do historiador escalabitano. Ainda hoje se discute se Lopes de Castanheda teria ou não visitado a China. Embora algumas fontes lhe atribuam dilatadas viagens-- é o caso de Diogo do Couto--, é mais provável que esta descrição tenha sido obtidajunto de portugueses que haviam visitado a cidade de Cantão.

Fonte utilizada: CASTANHEDA, Fernão Lopes de, História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, edição de Manuel Lopes de Almeida, Porto, Lello e Irmão, 1979, vol. 1, pp. 912-914 e 918-919. Transcrição parcial. O texto foi modemizado e abrirum-se alguns parágrafos. As palavras colocadas entre parênteses rectos foram acrescentadas para facilitar a compreensão do texto.

Vida e martírio de Santa Auta, c.1520-pormenor (Museu Nacional de Arte Antiga), in GARCIA, José Manuel, Portugal e os Descobrimentos, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses,1992, p.237.
Frontispício da l.a edição do Livro I da História do Descobrimento e Conquista da Índia pelo Portugueses, de Fernão Lopes de Castanheda, Coimbra, 1551

O REINO DA CHINA.

É uma província muito grande, segundo se diz, abastada de todos os géneros de mantimentos que se podem pedir, e assim de todas as frutas que há em Espanha.1 Há nela muitas minas de ouro, [de] prata e de todos os outros metais. Cria-se nela mui-ta seda e muito fina? ade que fazem muitos da-mascos, cetins, velu-dos, tafetás, brocados e brocadilhos? a, ruibarbo, cânfora e ca-nela muito fina, azou-gue, pedra-ume, por-celanas. E em tudo isto tratam os merca-dores chineses, que são muitos e muito ri-cos, e navegam em grandes juncos para fora da China. E assim há muito almíscar [e] âmbar.2 E é povoada de muitas e grandes cidades cercadas de muros, torres e ca-vas,3 em que há mui nobres edifícios, as-sim de templos como de casas em que mo-ram seus moradores, que todos são gentios, posto que em muitas coisas parece que houve cristãos naque-la terra.4

Adoram um só deus e têm-no por criador de todo [o] mundo; e adoram três imagens de homem, e tal é uma como a outra, e todas são um homem só.5 Adoram duas imagens de mulhe-res, que crêem que são santas. Uma se chama Nama e têm-na os mareantes por advogada,6 e eles prin-cipalmente lhe têm muita devoção e lhe fazem gran-de festa.7 A outra se chama Conhãpuça, que dizem que foi filha de um rei da China, e que se foi de casa de seu pai a fazer vida solitária, em que aca-bou seus dias; esta dizem que guarda a terra; tem a sua imagem uma pomba de bico vermelho.8 Têm também outras diversas imagens que adoram, e to-das em sumptuosos templos, a que eles chamam varelas,9 e são da feição que contam os historiado-res que foram as pirâmides do Egipto,10 e são obra-dos muito rica-mente, e assim as suas imagens, que têm em alta-res da maneira dos nossos.

Nestas varelas moram frades, que servem a Deus e celebram ao povo os ofíci-os divinos à sua maneira, e reves-tem-se com orna-mentos, como quando entre nós os sacerdotes di-zem a missa, e são três, e rezam em um altar por um livro escrito em linguagem que entre eles é como entre nós o latim, porque não a entendem todos, e destes livros têm estes frades muitos.11 Nestas varelas há dormitórios, crastas12 e outras oficinas, como nos nossos mosteiros, e têm relógi-os de sol e sinos de metal muito bem feitos, com letras douradas, e tangem-nos com martelos. E os frades vestem umas lobas compridas amarelas e andam rapados, e não têm mais renda que quanta lhes é necessária para comer, e [alguns] deles não comem carne nem pescado. E assim como há varelas de frades, as há também de freiras.13

Têm os chineses língua própria. E no tom da fala parecem alemães.14 São, assim homens como mu-lheres, alvos e bem dispostos. Há entre eles homens letrados em diversas ciências, que se lêem em es-colas públicas, de que se imprimem muitos e bons livros. E são os chineses homens de singulares en-genhos, assim nas artes liberais como nas mecâni-cas, porque há oficiais de todos os ofícios que fa-zem obras muito primas, como vemos nas porcela-nas, cofres, cestos e outras coisas muito polidas que vêm de lá. Usa-se entre eles geralmente toda a po-lícia do mundo,15 e cuidam eles que a não há em outra parte senão na China, nem têm por homem o que não é chinês. Tratam-se todos muito bem, as-sim no vestir como no comer, e comem em mesas altas com toalhas, guardanapos e facas, e as iguari-as apartadas em pratéis,16 e tudo o que comem to-mam com garfo, e isto por limpeza.17 São geral-mente homens fracos para [a] guerra; porém, têm boas armas, a saber, corseletes com suas peças,18 terçados de ferro morto,19 alabardas, roncas, lanças e frechas, e algumas bombardas de ferro. Os fidal-gos que se chamam mandarins andam a cavalo, e quando vão pelas ruas despejam-lhas os homens baixos que estão nelas.

É gente muito obediente a seus maiores e guar-dam em extremo os regimentos de seu rei, que não há mais que um em todo o senhorio da China, e é um dos mores príncipes que se sabe no mundo, as-sim de tesouros como de gente, e é gentio. Chama-se "Filho de Deus e Senhor do Mundo".20 Traz uma letra que diz que "a paz o Senhor de cima a deu" e que "nunca a ninguém quis que a não achasse". O serviço de sua pessoa é com capados.21 Tem mui-tas mulheres e muitas mancebas, e todas moram de dentro de uma muito grande cerca onde el-rei tem os seus paços, e ali tem cada uma seu aposentamento, e tem mulheres que as servem e capados.22 Os reis da China soíam de ser antiga-mente por eleição, e de pouco tempo para cá herda o filho primeiro de qualquer de suas mulheres, e não das mancebas.23 Os outros que não herdam es-tão em cidades deputadas para isso, metidos em for-talezas com grandes guardas, e ali estão com suas mulheres, e têm muitas maneiras de desenfadamen-tos, e não saem dali senão com licença de el-rei, e vão em andas,24 [de modo] que não vêem por onde vão.

El-rei tem posta lei em seu reino que todo o ho-mem que for fora da China a outra terra não torne a ela, sob pena de morte, porque têm que não há no mundo melhor terra que a China, nem mais abasta-da de todas as coisas necessárias para a vida huma-na, e quem vai a outra terra é para lhe fazer trai-ção.25 E os chineses que tratam fora da China mo-ram na ilha da Veniaga, 26 que está [a] dezoito lé-guas da cidade de Cantão, principal [metrópole] da costa da China e grande porto de mar. El-rei da China não despacha nenhuma coisa da governança de seu reino, e para todas as coisas tem oficiais que governam por ele. Na justiça, que é mor ofício do reino, tem três homens grandes letrados que se cha-mam colous, 27 e um se chama colou grande, outro colou pequeno, outro mais pequeno. Estes são ho-mens velhos e conhecidos por muito bons homens, e vêm a merecer estes cargos por letras e por bon-dade, e servem primeiro em outros ofícios mais baixos, até chegarem a ser tutões, 28 que são gover-nadores de comarcas, e depois anchacis, 29 que são secretários, e dali sobem a colous, que é ofício su-premo. E estes ofícios de colous vêm-nos a ter ho-mens baixos, que não se olha senão que sejam ve-lhos, bons homens e letrados.30

Há outros ofícios que chamam tutões e conquões31 e compins, 32 e estes todos três se chamam conselho e governam cidades. E o principal deles é o tutão, [que] há-de ser homem letrado, velho e bom ho-mem; o compim é o segundo, e é capitão da guerra, e não é letrado; o conquão é o terceiro, e tem cargo das coisas da Fazenda, e [é] o somenos deste con-selho. Com estes anda outro que se chama ceiui, 33 que há-de ser letrado e conhecido por bom homem. Este despacha com o tutão as coisas da justiça e tem cargo de tirar as inquirições e devassas gerais, que manda a el-rei, e tem grandes poderes, e o seu ofício não dura mais que um ano. Os [ofícios] dos outros duram por [três] anos.

Há outros ofícios menores que estes, que se cha-mam puchancis,34 amechacis,35 tucis,36 itaos,37 pios,38 que são almirantes, e ticos,39 que não soube de que serviam, e de cada um há três, grande, pe-queno, mais pequeno. Estes oficiais todos andam em andores e trazem sombreiros de pé, e cada um segundo tem o ofício assim tem estas insígnias mais ricas ou menos, e por elas são conhecidos, e assim por umas tábuas que lhes levam di-ante, em que vão escritas as honras dos ofícios, e assim lhe[s] levam diante maças, umas de prata outras de estanho, segundo é o ofício. O mais honrado sombreiro é o de seda amarela de três rodas, e o mais bai-xo [é o] de tafetá preto de duas [ou] três. Todos andam muito ou pouco acompanhados de gente de armas se-gundo a dignidade do ofício, e assim lhe[s] fazem grandes ou pequenos re-cebimentos quando entram nas cidades em que governam, e assim lhe[s] despejam as ruas por onde passam, porque quando vão por elas levam diante homens que bradam que lhas despejem. E ao ceiui as despejam de todo, sem aparecer nin-guém.40

Frontispício da 2.a edição do Livro I da História do Descobrimento e Conquista da Índia pelo Portugueses, de Fernão Lopes de Castanheda, Coimbra, 1554

A CIDADE DE CANTÃO.

O pio lhe mandou [a Fernão Peres de Andrade] um piloto que o levasse à cidade de Cantão, que, como disse, é por aquele rio acima, que é formosa coisa de ver, por haver nele muitas ilhotas. E [algumas] delas se cobrem de água com [a] preia-mar, e todas são verdes e viçosas de erva, e servem de pascerem nelas grande multidão de adens e de patos que levam ali em jan-gadas grandes, que são cerradas como casas e têm uma porta por onde saem as adens e os patos voando. E ao reco-lher se recolhem ao som de um sino que tem cada jangada, que conhecem também, que ainda que tanjam quatro sinos cada uma acodem ao de sua jangada. Na terra, de uma banda e doutra deste rio, há muitos lugares murados, que têm muitas quintas, hortas e muito parques, e toda a terra muito aproveitada, e por isso é muito abastada de to-dos os mantimentos. E junto da cidade é o rio de lar-gura de tiro de berço,41 de altura de sete braças até três, e ancoram ali grandes juncos.

Ea cidade está perto dele, e será de cerca alguma coisa maior que Évora, e têm os muros de largura de cinco braças, ambas as faces são de cantaria de pedra verme-lha e mole. [O muro] é entulhado de terra até o meio e ameado com ameias de seteiras, e está sempre muito limpo de ervas, por ordenança da cidade. Tem este muro em roda setenta e oito torres de sua altura, todas entulhadas, e em cada uma está uma vigia que tem um mastro arvorado para se pôr uma bandeira no tempo de suas festas. Tem mais esta cerca sete portas e, pela largu-ra do muro, cada porta tem quatro portas, uma defronte da outra, antes que cheguem à derradeira. E cada portal tem no muro um postigo de cada ilharga e as portas são forradas de ferro. Porém, são mais formosas que fortes. Sobre estas portas há grandes casas de vigia, em que cabem quinhentos homens, que têm ali suas armas de-fensivas e ofensivas, com que guardam aquelas portas de dia e de noite.

O muro da parte da cidade não é tão bem reparado como da banda de fora. E por ele ser tão largo como digo, o entulharam de terra, e donde se ela tirou ficou uma formosa cava de grande altura, que se enche de água da banda do rio, e não do sertão, porque vai por um alto e não pode subir ali água. Esta cava tem sete pontes, correspondentes à[s] porta[s] da cidade, e to-das são grandes e bem obradas, e tomarão todas os dois terços da cidade, que não tem outra fortaleza se-não as casas do punchanci, que é o que governa em ausência do tutão.

Estas [casas] têm alguma aparência de fortes, e po-rém não o são, e são térreas, porque não há na cidade nenhuma casa que o não seja. A razão não pude saber. E [as casas] são todas de taipa, acafeladas42 por fora com cal de cascas de ostras e forradas por dentro de madeira grossa, e pintadas formosamente, e todas têm oratórios com retábulos e imagens dos ídolos dos chi-neses. Têm todas pátios lajeados de formosas pedras, e poços de água que não é boa, e as mais delas têm árvores às portas, que fazem sombras. Tem a cidade de seu muitas casas para os oficiais que a governam, e são para ver de formosas. Todas as ruas têm portais nos cabos ou começos, a modo de arcos triunfais, e são de madeira, muito bem lavrados e pintados, e há destes mais de quinhentos.43 Há também nesta cida-de muitas varelas, que são as casas de oração dos chi neses, assim mosteiros como igrejas, em que há mui-to singulares águas.

Tem esta cidade um arrabalde de maior povoação que a cerca, e estende-se ao longo do rio, e é muito comprido e estreito. E assim nele como na cerca há gente sem con-to, fidalgos a que chamam mandarins na lingua chine-sa,44 mercadores e oficiais mecânicos. E vendem-se aqui coisas tão lindas que é coisa de espanto. Por ordenança da cidade, as suas portas se fecham em se pondo o sol, e abrem-se em saindo, e isto por amor dos muitos ladrões que ali há. E assim nisto como no mais [a cidade] é tão bem regida que não tem inveja às melhor regidas da Europa. E é lei do reino não entrar da cerca para dentro nenhuma pessoa estrangeira, senão se for chinesa. E por isso há no arrabalde gente sem conto, como já disse, e no rio e na cava estão continuamente de dez mil paraus gran-des para cima, e todos cheios de gente, e em muitos moram como em casas. E é de maneira que parece que quase há tanta gente no rio como na cidade, porque tudo é coberto dela. E não é maravilha, porque ali não há pes-te, nem guerra, nem fome.45

Mandarim em despacho, in CRUZ, Gaspar da, Tratado das Coisas da China, tradução japonesa de Hiroshi Hino, Tóquio,1989, p.274.

NOTAS

* l.a edição: Coimbra, 1553.

1 Muitos autores quinhentistas, dos quais o mais célebre será certamente Luís de Camões, utilizaram o topónimo "Espanha" para designar o conjunto da Península Ibérica.

2 Ao contrário do que afirma Castanheda, o âmbar, que é uma concreção intestinal do cachalote, não abundava na China, sendo antes objecto de enorme procura entre as classes supe-riores, pelas suas alegadas propriedades de rejuvenescimen-to.

3 Isto é,"fossos".

4 Os escritores quinhentistas procuravam, de modo sistemáti-co, encontrar analogias entre a Europa e os novos territórios abertos pelas navegações portuguesas. Assim, todos as for-mas religiosas que aparentassem alguma semelhança com as práticas europeias eram imediatamente encaradas como ves-tígios de uma antiga fé cristã, alegadamente difundida pelo apóstolo S. Tomé.

5 Os chineses adoravam um princípio supremo, a que atribuí-am a designação de Tian, e que poderia corresponder basica-mente à noção ocidental de "Céu".

6 Isto é, "protectora".

7 "Nama": transcrição de A-Má (Nima), a "Rainha do Céu", deusa budista dos mareantes, especialmente venerada no li-toral da província de Guangdong. De acordo com alguns es-tudiosos, o nome desta divindade estaria relacionado com o topónimo "Macau".

8 "Conhãpuça": transcrição de Guanyin Pusa, a divindade bu-dista da Misericórdia, também conhecida por Avaloquiteçoara, que era então muito venerada por toda a China.

9 Varela: pagode ou mosteiro budista.

10 Curiosa referência ao Antigo Egipto, que atesta as leituras humanistas de Lopes de Castanheda.

11 Repare-se nesta curiosa analogia entre o latim, língua veicu-lar na Europa culta, e o mandarim (ou guanhua), que desem-penhava também a função de língua de comunicação em todo o território imperial.

12 Isto é, "claustros".

13 Lopes de Castanheda, como se pode comprovar, é autor da primeira descrição impressa em Portugal sobre o budismo chinês. As suas anotações contêm sistemáticas comparações com práticas cristãs, o que parece sugerir que os seus informadores teriam sido padres jesuítas.

14 Curiosamente, vários autores portugueses da época compa-ram a tonalidade da língua falada na região de Cantão ao alemão.

15 O conceito renascentista de "polícia", qualidade dos habi-tantes da polis, equivale aproximadamente a "civilidade".

16 Isto é, "pratos pequenos".

17 O facto de Castanheda não referir a utilização de pauzinhos pelos chineses parece comprovar que não chegou a visitar a China.

18 corselete é uma peça de armadura que protege o peito.

19 Isto é, "espadas de folha curta e romba".

20 Com efeito, o governante supremo da China foi tradicional-mente conhecido pelo título de "Filho do Céu", referência directa à crença no carácter divino do seu mandato.

21 Referência à classe dos "eunucos", que na época desempe-nhava um importante papel na corte imperial, servindo so-bretudo de mediadora entre o imperador e os demais agrupa-mentos sociais.

22 Primeira referência portuguesa à Cidade Proibida.

23 Tomé Pires afirmara anteriormente na Suma Oriental que o monarca chinês era escolhido "por eleição do conselho". Po-dem, aliás, confrontar-se ambas as passagens com os já cita-dos versos de Os Lusíadas (cf. supra, pp. 18 - 25). Cada di-nastia chinesa adoptava o seu próprio método de sucessão; contudo, não era invulgar apresentarem-se vários candidatos ao trono.

24 Isto é, em "liteiras ou palanquins".

25 A observação de Castanheda é acertada, pois vigoravam en-tão severas interdições na China a respeito do relacionamen-to com o exterior. Os decretos imperiais, contudo, nem sem-pre eram cumpridos a rigor nas províncias periféricas, situa-ção de que os portugueses viriam a beneficiar.

26 A "ilha da Veniaga" tem sido identificada com Tamão, mas é provável que a designação fosse atribuída pelos portugue ses à ilha do litoral de Guangdong, nem sempre a mesma, onde se faziam os negócios com os mercadores da vizinha cidade de Cantão (cf. supra, pp. 18 - 25).

27 Colou ou colau (chinês gelao): grande secretário. Os colaus, que na realidade eram seis, presidiam aos Seis Tribunais (ou Liubu), organismos supremos do governo chinês, que funci-onavam na estreita dependência do imperador.

28 Tutão (chinês dutang): vice-rei ou governador geral de uma província.

29 Anchaci (chinês anchashi): juiz provincial.

30 O funcionalismo público chinês, em termos teóricos, estava efectivamente aberto a qualquer cidadão que efectuasse os necessários estudos e fosse aprovado nos indispensáveis exa-mes, independentemente da respectiva origem social.

31 Conquão (chinês zongguan): chefe da fazenda provincial.

32 Compim ou chumpim (chinês zongbing): comandante do exército provincial.

33 Ceiui ou ceui (chinês yushi): censor investido das funções de comissário imperial itinerante.

34 Puchanci (chinês buzhengshi): tesoureiro provincial.

35 Talvez uma repetição de anchaci.

36 Tuci (chinês dushi): oficial superior do exército provincial.

37 "Itao" parece ser erro por aitão (chinês haidao): comandan-te da defesa costeira, com jurisdição sobre os estrangeiros.

38 Pio (chinês beiwoduzhihui): comandante da guarda costeira.

39 Tico (chinês tiju): supervisor provincial do comércio exter-no.

40 Os mandarins de distintos graus eram identificados por um conjunto de insígnias e símbolos exteriores, de que faziam parte os cintos, os sombreiros, as maças e a dimensão das comitivas.

41 Berço: peça de artilharia.

42 Isto é, "rebocadas".

43 Lopes de Castanheda refere-se aos pailós (chinês pailou), arcos triunfais ou portões ornamentais, dedicados a persona-lidades influentes da vida local, passadas ou presentes.

44 A analogia é expressiva, mas Castanheda teria sem dúvida presente que o grau de mandarim não se transmitia heredita-riamente. Refira-se, de passagem, que o termo "mandarim" não parece ser de origem chinesa, ao contrário do que o texto sugere; a sua etimologia liga-se antes a um termo de origem sânscrita, que se teria vulgarizado no Sueste Asiático, onde os portugueses o colheram.

45 A descrição de Lopes de Castanheda é entusiástica, partilhan-do um sentimento muito comum na época. O nosso cronista, contudo, equivocava-se a respeito da ausência de calamidades na China, como dentro de poucas décadas os missionários jesu-ítas teriam ocasião de apurar (cf. infra, pp. 121 -127).

desde a p. 43
até a p.