Macaenses / Redefinições

ALIANÇAS PARA O FUTURO

Carlos Marreiros*

Página anterior: Retrato de um macaense, Miguel António de Cortela. Óleo sobre tela. Atribuído a Lam Kuá. (Colecção do Museu Luís de Camões).

Escasseiam, entre nós, obras de fôlego sobre os macaenses enquanto grupo ráceo e antropológico, e, simultaneamente, a ampu-lheta do tempo presente, irreversível, vai desfocando a nitidez do seu estudo e registo. Há, também, algumas obras e pretensos ensai-os de duvidosa autenticidade e manifesta inqualidade. São suas excepções, entre outras, as notáveis obras de Ana Maria Amaro (1)e Almerindo Lessa (2), bem como despretensi-osos artigos publicados no Ta-Ssi-Yang Kuo (3). Porém, quer Amaro quer Lessa apresen-tam o macaense patrimonial - testemunho úl-timo e heróico do genuíno descendente dos primeiros portugueses, tanto genética e psicossomaticamente, como culturalmente -infelizmente, cada vez mais raro(4). Raridade decorrente de uma estratégia matrimonial (5) dos macaenses, adoptada espontaneamente em meados dos anos sessenta, tendo em vista a sua sobrevivência futura. O macaense patrimonial é hoje, infelizmente, peça de museologia antropológica, e por isso, é preci-so encarar o novo macaense como o seu legí-timo sucedâneo. Este será o veículo genético-cultural do que futurará a realidade antropo-intercultural de Macau. Não se trata de uma crítica ao valioso trabalho prestado pelos dois investigadores que citei, antes pelo contrário, recomendo-o vivamente. Procuro apenas estu-dar um pouco mais o novo macaense, dos dias de hoje, que evidencia bastante menos a he-rança genético-cultural que o macaense patrimonial. Assim, tentarei enquadrar o ma-caense novo, à luz dos desafios que se lhe põem, numa perspectiva prática e actual, sem pretensão a definitivo. Este artigo mais não é que um registo de simples crónicas anónimas, ao vento atiradas durante décadas, por portu-gueses e chineses que amam esta terra. E, anónimas, no sentido que tem o anominato como rosto da multidão e não de qualquer vontade de ocultação autorial. De resto, mui-tas das passagens que se relatam nunca tive-ram direito à estampa por terem sido conside-radas pouco importantes ou susceptíveis de polémica. Julgo, porém, dever registá-las para que não se percam no futuro, do tão voraz presente, na certeza que o faço com a maior sinceridade e amor por Macau e suas gentes.

Uma típica família macaense dos tempos patrimoniais: a família Santos (Macau, 1911)

O NOVO MACAENSE

A falência do casamento entre macaen-ses patrimoniais no segundo lustro dos anos sessenta decorre do acentuado surto de emigra-ção, da instabilidade socio-política após o 12.3 e da gradual decadência da administração por-tuguesa da Província de Macau. A emigração dos macaenses não resulta automaticamente do 12.3 - fenómeno de contestação chinesa em Macau, numa versão miniatu-rizada da Revo-lução Cultural Chinesa, onde valores maoístas foram exaltados em protesto ao imperialismo universal, em Macau incarnado pelo governo local português, em particular, e pela comunidade portuguesa local e reinol, em geral, sendo 12o indicativo de mês de Dezembro e 3, o dia do início dos tumultos - ainda que, acentuada, por estes acontecimentos. A comunidade ma-caense é no seu conjunto muito conservadora e católica, incrédula por natureza, pois, a mãe--pátria acostumou-a a considerar-se orfã e auto-suficiente na resolução dos seus proble-mas (mesmo quando a Portugal dizendo res-peito) desde sempre e a partir dos imemoriais tempos de D. Francisco de Mascarenhas, nos primórdios do século XVII. Durante séculos, a comunidade cristang di Macau, aprendeu a pragma-tizar uma existência sobre a precaridade da situação, como que endurecen-do o chunambo para consolidar o lodo movedi-ço sob os seus pés. Contudo, quer os homens bons do Leal Senado quer o governo liderado pelo capitão-mor, depois governador, tinham ainda prestígio social e, por conseguinte, da-vam algumas garantias de continuidade possí-vel do lugar para viver. Por outro lado, o nível de educação e o poder de compra não permiti-am grandes raciocínios, nem opções mais au-dazes, nem cenários alternativos se apresenta-vam com evidente chamativo. Nos anos ses-senta a situação era outra: os macaenses, no geral, tinham um nível de instrução francamen-te bom - é curioso notar que o analfabetismo tinha uma expressão mínima na Colónia - e um poder de compra que já lhes permitia fazer planos mais ousados. Os contactos quer pesso-ais quer familiares com círculos de emigração anterior - que já tinham núcleos de certa forma organizados e permanentes no Brasil, Canadá e Austrália e certamente também em Portugal -encorajaram também outros voos.

O factor de instabilidade socio-político que se instalou no território criou traumas na comunidade macaense que se ressentiu do facto de, durante os tumultos, os chineses não abasteceram as famílias macaenses e portu-guesas com bens alimentares de primeira ne-cessidade, nem ao domicílio nem nos merca-dos; haver desobediência das criadas em casa ou dos subalternos nas firmas; haver histórias horríveis que se contavam do totalitarismo na tera-china; da fragilidade do poder português — o recém-nomeado governador, general No-bre de Carvalho, teve que aceitar, olimpica-mente, o vexame de pedir desculpas públicas aos dirigentes chineses locais, pela forma como o governo de Macau conduziu a gestão política antes do 12.3 - e da vertiginosa ascenção dos chineses (os chinas levantam agora cabelo era a expressão mais ouvida no seio da comunidade portuguesa de Macau).

No contexto dessa precaridade, as auto-ridades portuguesas iam, naturalmente, per-dendo prestígio, quer na formulação de políti-cas sectoriais quer na sua gestão. É óbvio que não foi só o 12.3 que fraquejou a nossa posi-ção; muito antes, as consequências posterio-res do ultimatum inglês do século passado, criaram feridas na patriótica comunidade ma-caense residente em Hong Kong, que por sua vez, tiveram reflexos em Macau. Também as confusões da nossa Primeira República, e nos anos quarenta, a Guerra do Pacífico e a Ocu-pação dos Japoneses.

AS ESTRATÉGIAS MATRIMONIAIS

O poder económico havia saído das mãos de poderosas famílias macaenses como os Remédios (do bairro de São Lourenço), os Nolasco, os Mello (de Cercal), os Pancrácio da Silva, os Jorge. Ao invés, Kou Ho Neng e Fu Tak Iam, nos anos cinquenta, já eram se-nhores exclusivos do jogo em Macau, e mais recentemente, uma década depois, Ho Yin era indesmentível figura de proa de uma fortíssima pleiade de novos-ricos, na boa tra-dição dos finesseculares milionários Lou Kao ou Chan Chi. Pedro José Lobo, foi talvez a honrosa excepção para confirmar a regra, De-pois Stanley Ho, e, tantos outros milionários existem hoje em Macau, normalmente, chine-ses de Macau ou do Continente.

Até então, um casamento de uma maca-ense com um português metropolitano razoa-velmente instruído seria proposta relativa-mente aliciante, porque, por um lado, manti-nha a boniteza dos macaenses - estes foram sempre uma comunidade que muito zelava pelos bons pergaminhos da sua reconhecida beleza de mestiços brancos, como se de uma aristocracia estética se tratasse - por outro, daria garantias de um futuro razoavelmente estável no Sai Iong, ou seja, Portugal, fora das convulsões sócio-políticas asiáticas no geral, e em particular, dos concomitantes tentáculos, aqui tão próximos, do regime comunista con-tinental chinês. Por isso, as macaenses só ca-savam com oficiais superiores do Exército ou da Marinha, em comissão na Província - al-gumas vezes também com médicos e advoga-dos, mas esses comissionistas, naqueles tem-pos escasseavam. Outro aspecto a ponderar é também o facto dos metropolitanos se darem bastante mais com os macaenses e os chineses de Macau, o que já não acontece desde os finais dos anos setenta, com uma cada vez mais abissal separação das comunidades. Sen-do, então, os oficiais, a la escolha, uma vez esgotados, restavam os sargentos, cabos e os soldados que para além de instrução limitada não poderiam prometer risonhos futuros mari-tais, a não ser regressar a Portugal e ir cavar batatas. Essa era a expressão franca mas bru-tal das macaenses. Restavam-lhes os chineses, cada vez mais poderosos em dinheiro e edu-cação, e, com hábitos e pinta mais portugue-ses, ou pelo menos ocidentais ou ocidenta-lizantes.

Os chineses adoravam as macaenses e elogiavam-lhes a beleza e inteligência, a raça e o porte aristocrático - há que reconhecer que nas pequenas comunidades ultramarinas de origem caucasiana, na Ásia, havia grupos significativos de indivíduos que, mesmo sem títulos nobiliárquicos, tinham uma postura e uma educação, um ritmo e uma elegância para se constituirem como uma quase-aristo-cracia, casos dos macaenses e os goeses, por exemplo - e para os chineses da altura, era uma promoção social desposar uma portugue-sa e católica. Enchiam as namoradas macaen-ses de presentes e jóias, atenções e salamaleques e, na boa tradição ancestral sínica, eram profundamente veniais para com os hipotéticos sogros o que condimentava o natural orgulho das famílias macaenses. E o facto dos noivos chineses desejarem, deliberadamente, a fé cristã e nome portugu-ês, ou seja cristão, ainda mais inflamava a alma macaense. E aqui, mais uma vez, as ali-anças espontâneas de continuidade da comu-nidade macaense funcionavam, sem que os intervenientes delas tivessem plena consciên-cia. Todo esse arsenal de charme era necessa-riamente mais convincente que a bondade abrutalhada de um bonito soldado do interior de Portugal que mais não prometia do que o seu genuíno amor, alimentado por batatas e umas sonantes bofetadas quando o vinho lhe temperava a inspiração. Não se trata de uma crítica ao português modesto, antes pelo con-trário, tecerei, mais à frente, um hino às suas grandes qualidades e notável obra miscige-nadora. A estes portugueses, salvo honrosas excepções, couberam-lhes não as macaenses, mas as chinesas, igualmente, mães adoráveis e esposas impecáveis.

Primeiro foi o casamento entre portu-gueses do sexo masculino com macaenses do sexo feminino, com algumas excepções em contrário mas, nestes casos, o macaense des-posava a portuguesa não em Macau, mas na Metrópole, quando se encontrava a estudar na Universidade. Os portugueses também se ca-savam com chinesas, mas nunca um chinês com uma portuguesa. Depois, foram os ho-mens macaenses com chinesas e, bastante de-pois, mulheres macaenses com chineses-catolizantes. Isto durou até aos meados dos anos setenta, sendo hoje em dia verdadeira-mente irrelevante a ordem dos factores ráceos na aritmética matrimonial. Todavia, há que registar um facto. Hoje, quando uma macaen-se se casa com um chinês, o casamento não é obrigatoriamente católico, ainda que, na mai-oria das vezes seja quase misto, quer dizer, há um matrimónio segundo a liturgia cristã, se-guido de copo-de-água à cristã, e, à noite ban-quete chinês, com todos os rituais próprios da tradição secular chinesa, como sejam a indumentária dos noivos, a música instrumen-tal chinesa, a cerimónia de mudança dos ves-tidos, os lai-sis, os brindes, etc, porém, sem o rigor das regras familiares e clânicas vigentes até aos anos vinte (6).

OS TIPOS DE PORTUGUESES E CHINESES EM MACAU

Para uma compreensão mais abrangente do fenómeno humano e ráceo em Macau é preciso apreender algo mais sobre os seus ti-pos, cuja caracterização, a seguir, se descreve apenas sumariamente. Desde cedo, os maca-enses aprenderam a conviver e coexistir com muitas etnias, habitando e habilitando um es-paço muito exíguo e densificado. Quer por razões políticas ou religiosas — refugiados, espiões, missionários — quer económicas e financeiras — estratégias de estados, comér-cio, negócios, charneiras de rotas marítimas — a Cidade do Nome de Deus sempre conhe-ceu e conviveu com muitas e desvairadas gen-tes. Porém, apenas serão referidos os grupos mais significativos que, de alguma forma, contribuiram para a moldagem da polifacética realidade socio-cultural macaense. Comece-mos pelos portugueses.

Havia antigamente em Macau e, ainda há, uma caracterização tipológica popular do português (metropolitano e de Macau) sem que isso se constituísse em desavença ou hostilização antropo-rácea. Não há registo con-sistente de ter havido racismo nesta colónia.

«Os portugueses eram assim tipificados: o português metropolitano ou reinol, o portu-guês de Macau ou macaísta, o t'ching cao ou raban (ou rabão), o português-de-pataca-e-vinte, o rabo-de-porco, o português-de-merda e o merda-do-português. Havia, também, maioritariamente os chinas e minoritari-amente os moiros ou ah-t'chás, os parses, e, nas primeiras décadas do nosso século, os russos brancos (também conhecidos pejorati-vamente por ursos brancos), os xangainistas, os teachers, etc.. Como vou falar, fundamen-talmente, de nós próprios, começarei por refe-rir sinteticamente les autres, os não portugue-ses. (...) A expressão os chinas não tinha nada de depreciativo, pois era assim que vinha es-crito nos livros, quando não se escrevia os chins que, aparentemente, era pior. Os moiros (ah-t'chá vem de mó-ló-t'chá, que em cantonense significa genericamente moiro e apontado como aquele que usa turbante, mas mais precisamente, se referia às várias etnias da Índia, Paquistão, Malásia e Ceilão que pro-fessavam o islamismo) normalmente, aqui em Macau, de origem indiana ou paquistanesa, integraram-se rapidamente na comunidade macaense, sendo prósperos comerciantes de produtos europeus (tecidos, chapéus, pó-de-arroz, bengalas, sapatos) e lojistas estabeleci-dos na Rua Direita (hoje Rua Central), onde a população Cristã se abastecia e as nhónhons se deleitavam — há, uma expressão macaísta curiosa: pôde vesti más bem, pôde frequentá loja de môro.

"Os parses têm, ainda hoje, um cemité-rio no começo da Estrada da Solidão, agora de Cacilhas; os russos brancos eram cristãos novos, fugidos da revolução bolchevique, e, entre nós deixaram vasta descendência; os xangainistas e não xangaienses, eram os por-tugueses de Xangai, e, os teachers os ingleses deste arquiporto, que refugiados em Macau se dedicaram ao ensino daquela língua em co-légios chineses, daí o seu cognome. Os xangainistas eram uma plêiade muito bonita, quer em termos fisionómicos, quer de elegân-cia de porte e educação elevada.

"Quanto aos portugueses, temos no topo da nossa hierarquia o português metropolita-no, aquele que veio da Metrópole, do Reino, constituindo-se como classe reinante, os reinóis. (...) O português reinol era naqueles tempos geralmente fidalgo, instruído, educa-do e perfeitamente integrado na comunidade dos macaenses.

"O português de Macau ou macaísta, modernamente macaense, era todo aquele que descendia directamente de pais portugueses (europeus), nascidos na Colónia, ou de ori-gem mais longínqua, híbrida, de mestiçagem euro-asiática (europeus com chinesas, malaias, japonesas, goesas). O Macaense é um eurasiano por excelência, um belo mestiço branco, dotado de superior inteligência e ca-pacidade de adaptação, resultante do apuramento antropossomático de raças europeias e asiáticas. (...) Esses macaenses eram na realidade, exemplares de primeira água, que hoje, como se disse, já não abun-dam. Eram caucasianos de aspecto, tez more-na, olhos ligeiramente amendoados e porte fi-dalgo. Falavam e escreviam fluentemente o português e o inglês, arranhando apenas o cantonense, por incompreensível que pareça, sendo o seu dialecto preferido o papiá cristang. Não sendo reinol, era o garante da Administração da Colónia e do seu status quo, então dominada pelas fortunas ou influ-ência das famílias macaenses: os Nolasco, Senna Fernandes, Pancrácio da Silva, Mello, Gracias e Mello Leitão. Os Amante, os Go-mes, os Xavier, os Carion, os Espírito Santo, entre outros, não sendo famílias abastadas, antes pelo contrário até modestas, eram mui-tíssimo prósperas em tradições portuguesas, quer religiosas quer profanas. Deram aos seus descendentes melhor instrução do que a sua, fazendo deles influentes elementos da comu-nidade actual. Salvo honrosas excepções, duma maneira geral, as famílias tradicionais e nobiliárquicas de Macau, não deixaram des-cendentes com capacidade para continuarem -o bom nome e os pergaminhos da família. São precisamente os filhos (de portugueses mo-destos casados com nhonhóns da terra e chi-nesas) que brilharam nas universidades portu-guesas e estrangeiras e têm sabido servir a sua terra e o bom nome de Portugal. O protago-nismo da mãe macaense na educação dos fi-lhos foi fundamental, pois, para além dos seus bons princípios de nobreza da alma das genti de Macau, era instruída e culta, educando de forma superior tanto os filhos como os própri-os maridos que, em muitos casos, não tinham mais do que a instrução primária. É um facto histórico irrefutável o papel pedagógico-di-dáctico da mater macaensis. Homenagem, também, ao português modesto que deixando a sua pequena aldeia em Portugal, aqui miscigenou, dando provas da genuína alma portuguesa, caracterizada pela bravura, fran-queza, determinação e humanidade.

"O t'ching cao era chinês ou quase to-talmente chinês, em termos sanguíneos, que se converteu ao cristianismo, convivia com os portugueses, tendo-lhes adquirido alguns há-bitos e possuía ou não nome português. O português-de-pataca-e-vinte era, normalmen-te, o chinês que, tendo adoptado os hábitos e as vestes de ocidental, pretendia fazer passar-se por português na Cidade Cristã. É, tam-bém, conhecido por aliás, porque ele era por-tador de nomes portugueses pomposíssimos, alguns até de sangue azul (como Albu-querque, Botelho, Saldanha, Noronha, Menezes, Souza e Azevedo, Mello Machado, Campos Pereira, etc.), seguidos de um aliás que antecedia o seu verdadeiro nome chinês. Reconheça-se que é patética a situação de al-guém se identificar: eu é po 'tuguês e chama-me José Hen'lique Co'lleia da Pu'lificação aliás Lei Pan Keong. E porque se chamava de pataca-e-vinte? Porque, os tais pretendentes a ocidentais, procuravam certos charlatães que trabalhavam em certas freguesias, como ad-juntos de párocos, que lhes cediam nomes a escolher em antigas listas de óbitos, mediante o pagamento ilegal de uma pataca e vinte, o que era enormíssimo dinheiro ao tempo.

"O rabo-de-porco (e talvez por isto, rabão?) era uma variante do pataca-e-vinte, menos pretensiosa, sem nome lusitano e que se chamava assim por causa do rabicho que antigamente usava dependurado da nuca, há-bito manchú que os chineses Han foram obri-gados a adoptar durante a dinastia Ching, e que abandonaram aquando da implantação da Primeira República nos anos dez deste século.

"O português-de-merda é um aforismo cruel com que as boas gentes de Macau apeli-davam aqueles que sendo tão ultramarinos como os macaenses, gostavam de se fazer passar por lisboetas, reinóis da capital do im-pério, quando mal conseguiam disfarçar a ori-gem negróide da mãe, o seu estatuto bastardo e plebeu, o pai que nunca conheceram, etc.. Não confundir, contudo, com os cafres e os landins que, sendo negros retintos, nunca fo-ram segregados nesta sociedade. Tinham até sido, carinhosamente, apelidados de micos por chineses que conviviam com a comunida-de cristã da Colónia e que pronunciavam mal a palavra amigo dando-lhe lugar à sua hipotrofia mico. (...)

"O merda-do-português, é a última tipologia dessa complexa hierarquia. E não necessita de qualquer explicação. (...)

"Falámos nos tipos de português que existiam entre nós, na Cidade Cristã. Entre os chineses as designações eram outras. Feliz-mente em desuso, antigamente o metropolita-no era conhecido como ngâu-sôk, literalmente o tio-boi ou pior aquele-que-cheira-mal-a-boi (sôk é também o adjectivo que designa o mau cheiro a suor, o suor nas axilas, etc.). Por ex-tensão, a metropolitana era a ngâu-pó, ou seja, a mulher-boi, a mulher-do-boi, ou, sim-plesmente, vaca, o jovem metropolitano ngâu-châi ou ngâu-mui, respectivamente boizinho ou boi-rapaz, e, boi-menina. Reco-nheça-se que são mimos pouco exaltantes! Hoje, normalmente, o português apenas tem direito à bitola generalizante de kuai-lôu, ho-mem-diabo, com que o chinês apelida todo aquele que é estrangeiro de origem não asiáti-ca nem negróide, bárbaro, portanto.

"Os macaenses são os t'ou-sáng, nasci-dos-na-terra ou filhos-da-terra (filos da tera). Modernamente entre os chineses há também algumas distinções: os chineses de Macau (Ou-mun t'chong-kuok-ian ou, ambiguamen-te, ou-mun-ian) os chineses de Hong Kong (Héong-Kóng-t'chông-kuok-ian ou Héong-Kóng-ian), os Vá-Kio (chineses ultramarinos ou emigrados) e os ah t'chán (os da Repúbli-ca Popular da China, mas com conotação pe-jorativa).

Ah t'chán é um termo aplicado com al-guma depreciação para o chinês continental de condição económica ou educacional mais baixa. Fala cantonense com pronúncia de pro-víncia, é parolo a vestir-se e tem hábitos higi-énicos discutíveis. É igualmente conotado com a imigração clandestina que se fez sentir com maior expressão a partir dos finais dos anos setenta. De resto, o termo ah t'chàn é de origem ficcional e foi vulgarizado através de uma telenovela da TVB de Hong Kong, pas-sada nos ecrãs em 1979, cujo enredo se situa-va na assimetria das vidas de algumas figuras centrais, sendo uma delas a de um imigrante ilegal que veio para Hong Kong fugido. Este chamava-se precisamente Ah T'chán, nome perfeitamente vulgar como Ah Mei, Ah Fong, Ah Kong ou outro qualquer. Protagonizado pelo conhecido actor de Hong Kong, Liu Wai Hông, tanto o papel como o carisma do seu intérprete fixaram para sempre a designação de ah t'chán, tendo também sido, simultanea-mente, adoptado no Território de Macau. Po-rém, como se disse, o termo ah t'chán é pejo-rativo porquanto não se refere a todo o tipo de chinês continental, pois, estes também são ce-rimoniosamente chamados de séong-hoi-ian (xangaiense), pak'en-ian (pequinense) kong-t'chau-ian (cantonense), etc..

"Antes de 1979, os ah t'cháns tinham também o mimoso nome de ló-pât para os cavalheiros e mei-pou para as senhoras, pois significam simplesmente Robert e Mayble, pronunciados à chinesa, nomes que os imi-grantes clandestinos, invariável e parolamen-te, diziam chamar-se. No seu doce provinci-anismo, pensavam que era muito chique se-rem portadores daqueles nomes, ou, porque, tão-só, eram os dois únicos nomes estrangei-ros que conheciam.

Nos anos noventa as ah t'cháns passa-ram a ter, também, outro cognome: as piu--mui. Piu-mui significa literalmente prima mais nova, uma clara alusão aos familiares continentais que por qualquer razão continua-ram no seu héong-há (tera-china, em patoá, "província" em português) e, agora, por causa de uma maior abertura política, vêm imigran-do para Hong Kong e Macau. Este termo foi igualmente vulgarizado pela TVB-HK, atra-vés de um folhetim semanal da popular EYT — Enjoy Yourself Tonight.

Não obstante a caracterização tipológica existente, poder-se-á, seguramente, dizer que nunca houve manifestações de racismo em Macau. E quando as houve, aparentemente, eram pontuais e a sua origem não era rácea mas sim política, como aconteceu no contur-bado período do governador Ferreira do Amaral e no chamado 12,3.

Nós portugueses podemos ter muitos defeitos, mas, certamente, temos também muitas qualidades, e a primeira de todas elas é a nossa capacidade de misturarmo-nos com outros povos sem preconceitos eurocentristas. E se isto é absolutamente notável hoje, ainda o era mais no século XVI, quando assumía-mos as antenas do mundo. Inventámos a mu-lata universal. Foi a nossa maior contribuição para a Humanidade. Maior que os Lusíadas ou a Mensagem. Se não fossemos nós, nin-guém teria hoje a Ella Friztgerald nem a Whitney Houston. Nem nós macaenses, eurasianos pioneiros, ou, se quiserem, os pri-meiros mulatos brancos luso-chineses do Mundo. É pena sermos poucos e em vias de extinção. Mas, como sempre, depois do fado, viva a esperança!(7)".

A SINIFICAÇÃO DOS MACAENSES OU A SUA HANIZAÇÃO

Antigamente os macaenses casavam-se entre si, os macaenses patrimoniais, manten-do-se, por conseguinte, a herança antropoge-nética de pendor mais caucasiano. Vimos há pouco que o casamento entre macaenses e chinesas se verificou espontaneamente. Vere-mos, a seguir, o que involuntariamente contri-buiu para a sinificação do macaense: a extin- ção da tropa em Macau e a maior importação de metropolitanos.

É óbvio e compreensível que com a ex-tinção da tropa em 1976, Macau deixou de ver muitos jovens mancebos que ao termina-rem o serviço militar obrigatório, aqui se radi-cavam, integrando a Polícia de Segurança Pú-blica ou outras Repartições Públicas e casan-do com chinesas. Um dos maiores erros polí-ticos do Portugal contemporâneo foi esse, porque senão teríamos hoje uma comunidade macaense, para-lusitana e lusófona muito mais expressiva no quadro participativo do território, dando maiores garantias da presen-ça da língua e cultura portuguesas em Macau, no porvir.

Quanto ao segundo factor, uma maior e massiva importação de metropolitanos deve-ria, teórica ou aparentemente aumentar a mestiçagem, o que deveras não aconteceu. E porquê? Com efeito, ao longo dos séculos, os macaenses foram os intermediários por exce-lência entre o poder político português e o poder civil local, quer por serem conhecedo-res das línguas portuguesa e chinesa, quer por dominarem a cultura comportamental de am-bos, na vertente psicológica, de vivência e de interacção pessoal. As sucessivas administra-ções portuguesas de Macau eram necessaria-mente pobres de meios humanos e materiais. Esta situação arrastou-se até aos finais dos anos setenta, quando o primeiro boom da construção civil se verificou no território, a par da pujança financeira da vizinha Hong Kong e da inserção geopolítica do Delta do Rio das Pérolas na dinâmica teia de outras economias emergentes do sudeste asiático que, dez anos depois, viriam a registar as mai-ores taxas de crescimento económico do mun-do, e, o advento dos Dragões da Ásia. Esse desafogo da economia macaense era ainda mais amplificada aos olhos dos portugueses que se encontravam mergulhados numa pro-funda crise política e económica naturalmente decorrente da revolução do 25 de Abril de 1974. Eram também as desadaptações dos chamados retornados à Metrópole e a ausên-cia de outros horizontes. Macau, por consequência, tornou-se o El Dorado na mira-gem e na ansiedade de muitos portugueses. No Gabinete de Macau, que funciona(va) na dependência da Presidência de Ministros, for-maram-se bichas de cooperantes para Macau.

Iam chegando ao Território e o caudal aumentou significativamente durante os prin-cípios dos anos oitenta. Onde todos os portu-gueses se conheciam e se encontravam no Clube de Macau, Clube Militar, Café-Restau-rante "Solmar", ou mesmo no "Nosso Café", passaram a não se conhecerem, primeiro, de-pois, a se não cumprimentarem. Proliferaram Direcções de Serviço, Gabinetes e carros pre-tos oficiais, suportados pelo abundante cash flow das finanças públicas. Desenharam-se auto-sustentadas élites, primeiro em relação aos locais, a seguir, entre os metropolitanos. O dia a dia era uma feira de vaidades do quem é quem no poder. A jactância criou ce-nários insuportáveis, a vaidade alimentou in-trigas para manter fachadas, e, valas e trin-cheiras foram sendo cavadas no seio da co-munidade metropolitana. Desfasava-se cada vez mais da macaense e da chinesa, e, estas, naturalmente faziam mais e maiores alianças. O facto foi que os responsáveis da administra-ção portuguesa não souberam inverter essa si-tuação, porque, a mentalidade era de que como já somos muitos e até somos poder, não precisamos de mais ninguém. Foi a morte len-ta da capacidade de intervir dos portugueses.

Sem a tropa para continuar a miscigena-ção e com reinóis delimitando as suas frontei- ras de impenetrabilidade, os casamentos entre portugueses metropolitanos e locais foram es-casseando. Ao invés, uma significativa maio-ria dos rapazes e raparigas da minha geração (nascidos em finais dos anos cinquenta) pre-feriram casamentos com chineses, o que, na-turalmente, foi e vai eliminando a componen-te caucasiana e amplificando a mongólica, do ramo Han. Se por um lado isso significa uma estratégia futurante, por outro, implica um ris-co, o de a comunidade macaense se desvane-cer, a passos largos, no tecido antropos-somático de Macau, que já foi mosaico e ca-minha para a padronização Han.

ALGUNS SINAIS ACTUAIS

Como reflexo da hanização do macaen-se novo, o seu sistema comportamental indi-vidual e gregário também se aproximou mais da realidade sínica, num processo inverso da-quele a que o macaense patrimonial estava acostumado, ou seja, o do aportuguesamento do chinês. Como já se viu, as preferências do macaense para com a discografia, a televisão, as tradições, a língua, são marcadamentes lo-cais, chinesas. Porém, o que mais se eviden-cia nessa osmose cultural é a adopção de pre-ceitos de geomância (fông-soi), típica das pro-víncias meridionais da China, quer na vida privada quer na profissional, amplificada, ain-da mais, por um abandono de práticas católi-cas. A Nossa Senhora de Fátima, o S. Judas Tadeu e o Santo António, provavelmente as imagens mais presentes nos lares macaenses estão gradualmente a ser substituídas pelos Fôk-Lok-Sâu, as três divindades chinesas que simbolizam a Felicidade, Fortuna e a Longevidade. O quadro da Última Ceia do Senhor foi substituído, por exemplo, por uma pintura tradicional chinesa, em papel-de-arroz, representando, normalmente, flores em conjugação com bambú e rochedos, composi-ção essa considerada auspiciosa. Os mais fer-vorosos católicos, antigamente até colocavam um altar (guarnecido de uma redoma de vidro e recheado de estatuetas, imagens de papel, relíquias, velas, flores e luzes), em local de destaque na sala de estar. Hoje, os mais devo-tos do fông-soi 〈HZ(8)〉 colocam na sala de visitas ou no escritório, um aquário com peixes doirados em local que é rigorosamente deter-minado pela bússola geomântica, após apura-dos cálculos do mestre geomante ou fông-soi--sii. Estes têm feito fortunas quer na organiza-ção espacial dos lares quer dos escritórios, ha-vendo casos em que o mestre-geomante vai ao ponto de ser convidado a delinear as facha-das, suas volumetrias e decidir sobre a paleta de cores. Esta moda subiu também as marmó-reas escadarias governamentais, não havendo cerimónia oficial, respeitante a mega-infraestruturas ou a obras de construção civil, onde o geomante não pontue com os seus cál-culos e saber.

Há muitos macaenses novos, de classe média superior, que têm a disposição dos mó-veis da sua casa ditada previamente pelo mes-tre geomante, sendo, muitas das vezes, até ne-cessárias algumas obras de adaptação e de de-coração da pré-existência para que o lar venha a ser bafejado pelas forças cósmicas. O seu apartamento tem que ter as zonas nobres vol-tadas a sul ou este, não pode ter volumetrias em bico apontadas para a sua fachada princi-pal, e, muitas das vezes, até se coloca o pat--kuá (espelho para afugentar os maus olha-dos) em locais estratégicos. Em casos mais radicais, colocam-se guardiões especiais, como leões, cães ou divindades, de pedra ou de material cerâmico. Os escritórios do maca-ense novo, que exerce profissão liberal, se- guem as mesmas regras, e, quando exerce a função pública, os aspectos cosméticos do fông-soi podem ser menos evidentes, mas as regras estão lá, escrupulosamente, cumpridas. A essa complicada geomância topológica, ali-am-se outras ciências, aparentemente menores mas não desprezáveis, como por exemplo a numerologia, o t'ai seong (leitura da aura facial), a leitura do futuro através da apalpa-ção dos ossos, das mãos, a quiromância, etc.. A numerologia é aplicada ao número de polí-cia, ao número do andar, à chapa de matrícula do carro, aos documentos de identificação ou às datas para inaugurar uma loja, para casar ou para fechar um negócio. Assim, na boa tradição de um chinês do sul que se preze, o novo macaense odeia o número quatro (sêi, cuja fonética sugere o sêi de morte) e adora o número oito (pát, que se assemelha com o fát de fortuna, ou de enriquecer), e procura dar nomes auspiciosos às suas empresas, marcas ou até ao cachorrinho estimado.

A par da prática desta complexa gramá-tica, o novo macaense, de uma maneira geral, como os chineses do sul, gosta de patentear sinais exteriores de riqueza, que se traduzem pela exibição do telemóvel sofisticado, relógi-os, anéis, pulseiras e demais adereços de mar-ca (de ouro, jade e diamantes) e carros, numa aura compósita às vezes exagerada. Ainda que haja um sentido um tanto tribal nessas manifestações, há que compreendê-las na real dimensão socio-cultural chinesa, onde a ri-queza e a fortuna não só não são necessaria-mente geradoras de pecado, no sentido que tem a tradição judaico-cristã ocidental, como pelo contrário, são enformantes das qualida-des superiores dos seus detentores, como a filantropia, a generosidade ou a magnanimi-dade. E não se limitam a casos pontuais, por-que têm mesmo regras bastante rígidas como na boa tradição confuciana.

É óbvio que existem muitas mais carac-terísticas actuais no novo macaense, umas herdadas outras recentemente assimiladas ou readaptadas, primacialmente através dos pa-drões português e chinês. Todavia, como aquisição das duas últimas décadas, conside-rámos como relevante a questão do fông-soi, ainda que sem fazermos juízos de valor; rele-vante na vida do novo macaense que — ao contrário da antiga forma da simples supersti-ção traduzida na prática pontual de algumas receitas e posturas — assume a geomância como uma praxe ritualística, de cumprimento quotidiano, e que, não poucas vezes, se obriga a uma militância doutrinal.

Outro dos aspectos actuais é a língua. Antigamente o macaense patrimonial falava, geralmente, um português correcto e muito bom inglês. Falava cantonês ou cantonense, mas não era brilhante, muito menos erudito. A sua língua era o patoá ou o papiá cristang, ou a doci lingu di Macau 〈HZ(9)〉. Hoje o macaen-se novo fala mal português, não sabe uma pa-lavra de patoá, domina o inglês e o chinês (cantonense), sendo também habitual saber escrever chinês, o que não acontecia há 15 anos. Os macaenses novos falam entre eles um estranho mas encantador linguajar, o tch'ing cao ou tch'eng cao, que é um misto de português e cantonense, eventualmente al-gum inglês, com simplificação gramatical ou mesmo a sua supressão. Por exemplo: Eu vâi kai-si comprâ-sông (Eu vou ao mercado abas-tecer-me); Amanhã nós vâi Héong Kóng 'tai Frank Sinatra show (Amanhã iremos a Hong Kong para assistirmos ao Show de Frank Sinatra); Ngó-gã-pâi vá ngó málocu (O meu pai diz que sou maluco); Có có bebé ui de amochâi (Este bebé é muito amoroso ou queridinho).

Esse linguajar acompanha naturalmente a trajectória sociogenética do macaense e molda-lhe a sociocultura. Prefere os canais de televisão de Hong Kong, em cantonense, à TDM portuguesa de Macau, pouco implanta-da de resto, aos dois canais ingleses de Hong Kong; tem bom nível de instrução e educação formal, mas não é culto no sentido da ilustra-ção de espírito; não se interessa muito pela história, cultura e política; tem muitas das ve-zes complexo em falar só português correcto com metropolitanos, não gosta do fado e pre-fere a discografia de Hong Kong cantada em cantonense; aprecia muito tanto a cozinha portuguesa como a chinesa, desconhecendo significativamente a genuína cozinha macaen-se; e está a perder hábitos católicos, e, ao mesmo tempo, adquirindo hábitos chineses, mormente no que respeita a questões de su-perstição, fông-soi e ciências adivinhatórias, como já foi referido.

Tudo isso é compreensível e franca-mente aceitável, desde que se deseje, honesta-mente, admitir a falência do nosso sistema educativo e administrativo português, e, tam-bém admitir a dinâmica linguística popular do nosso idioma ao longo deste século. Não há que condenar, há que continuar as alianças para o futuro, desde que inteligentemente pre-vistas. De resto, os linguistas e filólogos por-tugueses deveriam prestar mais atenção ao patoá de Macau que é uma cambiante enriquecida do português ultramarino, e entendê-la como crioulo português integrante do património da Nação Portuguesa.

Hoje já não faz sentido conceber o ma-caense com aspecto europeu, alto no porte (em tantos casos mais corpulentos que os por-tugueses europeus seus progenitores) geral-mente de tez morena, brincalhão no trato, vi-nho tinto e chao-chao-pele à mesa, missa aos Domingos, fato branco e flor na lapela, falan-do patoá e correcto português. O macaense novo vê os seus olhos a amendoarem-se, a sua barba a desvanecer, visita o mestre fông-sói aos Domingos, coca-cola à mesa, telefonia em cantonense e os filhos cada vez mais amo-rosamente chinesinhos, ui de amochâi, e, nem por isso aparenta perturbação.

NOTAS

(1)Amaro, Ana Maria, Filhos da Terra, I. C. M., Macau, 1988. Esta é uma excelente obra, com muita informação e análises sérias sobre os macaenses. A autora tem ainda outras obras de muito interesse, cuja leitura é imprescindível para a compreensão dos Macaenses: Jogos, Brinquedos e Outras Diversões de Macau (I. N., Macau, 1976), O Traje da Mulher Macaense (I. N., Macau, 1983), Três Jogos Popula-res de Macau: Chonca, Talú, Bafá (I. N., Macau, 1983) e inúmeros artigos populares.

(2)Lessa, Almerindo, A História e os Homens da Primeira República Democrática do Oriente, Imprensa Nacional, Macau, 1974.

(3)Ta-SSi-Yang-Kuo, Arquivos e Anais do Extremo-Oriente Português, 1889-1900, (Volumes I a IV), D. S. E. C. e AHM, Macau, 1984.

(4)É de referir também outros autores contemporâneos cujas obras são de elevado mérito e que directa ou indirectamente aprofundaram a questão dos Macaenses. São eles: Pe. Benjamim Videira Pires, S. J., Carlos Estorninho, Cecília Jorge, Charles Boxer, Fok Kai Cheong, Graça Barreiros, Graciete Batalha, Jack Braga, João de Pina Cabral, Jorge Morbey, José de Carvalho e Rêgo, Mons. Manuel Teixeira, Nelson Lourenço e Rogério Beltrão Coelho. Henrique de Senna Fernandes e Rodrigo Leal de Carvalho como romancistas apresentam palpitantes radiografias psi-cológicas e sociais de macaenses.

(5)Pina Cabral, João de / Lourenço, Nelon, Em Terra de Tufões, Dinâmicas da Etnicidade Macaense, ICM, Macau, 1993.

(6)Jorge, Cecília / Coelho, Beltrão, A Fénix e o Dragão, Reali-dade e Mito do Casamento Chinês, ICM, Macau, 1989.

(7)Marreiros, Carlos, Tribuna de Macau, de 13 e 20 de Março de 1993.

Ortet, Luís, As Mil Faces da Lua, Crenças e Superstições em Macau, ICM, Macau, 1988.

Livro de leitura agradável e indispensável para aqueles que queiram iniciar a compreensão de algum do fông-soi de Macau.

Marreiros, Carlos, Adé dos Santos Ferreira, Fotobiografia, Fundação Macau, Macau, 1994.

*Arquitecto (Lic. ESBAL, Lisboa); mestrado na Alemanha. Professor da Universidade de Xanghai. Ex-Presidente do Instituto Cultural de Macau. Investigador de temas da Antropologia macaense e de Arquitectura e Urbanismo, com alguns livros e dezenas de ensaios e artigos publicados. Presidente do Círculo dos Amigos da Cultura e do Instituto de Estudos Culturais de Macau. Dirigente de mais de vinte Associações culturais e sociais de Macau.

desde a p. 157
até a p.