Macaenses / Antologia

FILHOS DA TERRA

Ana Maria Amaro*

Foto de família de um dos ramos mais destacados da sociedade macaense tradicional - família Nolasco, cerca de 1925. (Col. Sociedade de Geografia de Lisboa).

[...] Os cazados que tem esta cidade sao oito-centos sincoenta Portugueses e seus filhos que sao muito mais bem dispostos, que nenhum que haja neste Oriente [...]

António Bocarro

Livro das Fortalezas da Índia (1635)

A estrutura social dos macaenses, oufilhos da terra, tem um cunho verdadeiramente original que só pode compreender-se mercê de um estudo inte-grado das diferentes variáveis que actuaram como real motor da sua identificação como grupo.

Quem são os macaenses do ponto de vista antropobiológico e cultural? Como se organizou este grupo e se isolou ao longo dos quatro séculos da História de Macau?

A que ambiente biofísico e sócio-cultural teve este grupo de se adaptar e que respostas encontrou para o fazer?

1. INTRODUÇÃO

Tanto na Índia como na China, a forma de penetração civilizadora e integrativa das populações autóctones, pelos portugueses, foi diferente das for-mas africanas. Na Malásia, verificou-se um maior paralelismo, porquanto os portugueses, dominadores, eram detentores de uma cultura com padrões e técni-cas mais elaboradas em relação às dos nativos. Desta forma, a hibridação tornou-se, ali, notavelmente mais fácil enquanto que, na Índia, só nas castas inferiores tal foi possível e mais difícil ainda se tornou na China mandarinal, detentora de uma civilização apoiada numa ética familiar, rigidamente pragmatizada, com mais de dois milénios de História.

Procurar um modelo no fenómeno brasileiro para explicar a formação da sociedade luso-tropical macaense não é possível, embora a forma de pene-tração pacífica, apoiada no trabalho dos escravos, pudesse, de certa forma, permitir termos de compa-ração. Contudo, não devemos esquecer que há uma diferença fundamental entre os chineses e os ameríndios, no que respeita à estrutura sócio-cultu-ral. Se os nativos brasileiros se poderiam comparar, de certo modo, aos malaios, nunca se poderiam comparar aos chineses, nem mesmo aos das classes menos favorecidas, incluindo os grupos de proscri-tos que integravam bandos de piratas. Todos estes eram orgulhosos da sua milenária civilização, sem preconceitos raciais mas com preconceitos de natu-reza cultural muito fundos. Para os chineses, todos os estrangeiros eram considerados bárbaros e as re-lações entre uns e outros não poderiam, pois, ultra-passar, senão em casos esporádicos, o nível comerci-al. No entanto, os portugueses que demandaram Ma-cau encontraram companheiras e lograram criar um tipo novo de euro-asiático, diferente do mestiço luso-chinês que, alguns autores têm, indistinta e er-radamente, visto, ao longo dos séculos, no macaense ou filho da terra.

Página anterior: Senhora macaense vestida com o seu mais tradicional traje, o dó, princípios do século XX. (Foto Col. Sociedade Geografia de Lisboa).

Em Macau vivem, actualmente, três grupos bem demarcados, grupos que se isolaram no decor-rer do tempo e se mantiveram apenas ligeiramente inter-penetrados até às primeiras décadas do século XX. Esses grupos (portugueses-europeus, macaen-ses ou portugueses de Macau e chineses) apresentam características antropobiológicas e culturais muito específicas que lhes conferem vincada individualida-de. Destes três grupos o que merece o maior interes-se é, sem dúvida, o dos macaenses, grupo novo, fru-to de um poli-hibridismo muito rico.

Muito se tem escrito acerca da origem e evo-lução do grupo dos macaenses, que, cedo, se de-marcou na sociedade local. É polémica a sua ori-gem, o que resulta da falta de dados seguros, quer históricos quer antropobiológicos. Estes últimos são, aliás, já dificilmente possíveis de estudar, nos nossos dias, de modo a permitirem qualquer con-clusão válida 1.

Como surgiram e porque se isolaram os ma-caenses ou filhos da terra?

Para Bento da França (1897)2, no tipo dos macaenses predominam «[...] traços gerais mongólicos, mas também participa de feições dos europeus, malaios, canarins [...] e é produto de grande mistura de raças e sub-raças, resultante de repetidos cruzamentos, feitos à mercê do acaso».

Para Álvaro de Melo Machado (1913)3, os macaenses são o fruto de cruzamentos com mulhe-res japonesas e de Malaca, e, recentemente, pelo menos, com mulheres chinesas, também.

Para Francisco de Carvalho e Rego (1950)4, os macaenses não são de ascendência sino-portu-guesa: «[...] macaense é o natural de Macau tendo, porém, de se considerar que há macaenses filhos de europeus; macaenses que nasceram do cruzamento de europeus com outras raças do Oriente e macaen-ses chineses. » Segundo o mesmo autor, quando, porém, nos referimos aos macaenses, referimo-nos àqueles «que descendem dos primeiros portugueses que se estabeleceram em Macau e de outros que, posteriormente, ali constituíram família».

Para Eduardo Brazão (1957)5, «os macaen-ses devem ter tido rara miscigenação com os india-nos. Pelas características actuais, a maior parte dos macaenses deve descender do cruzamento com a raça malaia, e poucos com a indiana, num número bastante grande verificam-se características acentu-adas da raça china».

Carlos Estorninho6 nega a miscigenação dos primeiros macaenses com chineses, pelo menos du-rante três séculos, devido «ao carácter autárquico e xenófobo da China».

Monsenhor Manuel Teixeira (1965)7, basea-do em opiniões de vários autores, e no estudo dos Arquivos Paroquiais de Macau8, defende a tese de serem, os macaenses, originários do casamento de homens portugueses com chinesas.

Opiniões tão controversas, sem o apoio dum estudo serológico ou antropométrico feito racional-mente em amostragens bem escolhidas, tornam di-fícil fazer afirmações que se afastem, definitiva-mente, do domínio das hipóteses mais ou menos fundamentadas.

A nossa tese, no entanto, é um pouco dife-rente das teses anteriormente enunciadas.

Convivemos durante quinze anos com mui-tos macaenses, estudámos fontes históricas e rela-tos de viajantes; consultámos os raros e pouco con-cludentes estudos antropobiológicos disponíveis e, muito principalmente, apoiámo-nos na consulta dos Arquivos Paroquiais e na elaboração das árvores genealógicas de vinte famílias antigas de Macau.

Da análise comparativa de todos estes dados, defendemos a seguinte opinião: as euro-asiáticas teriam sido, em grande maioria, as mães dos maca-enses, filhos das primeiras famílias estáveis radicadas em Macau9.

Analisando as opiniões dos autores atrás ci-tados, que se debruçaram sobre o estudo da ascen-dência do grupo dos macaenses, consideramos que é Bento da França o que mais se teria aproximado da realidade. Francisco de Carvalho e Rego nega a ascendência chinesa dos macaenses. O padre Ma-nuel Teixeira afirma precisamente o contrário. Po-sições tão radicais parecem-nos indefensáveis e isto porque, nos primeiros tempos, além das chine-sas, muitas eram as mulheres de várias etnias que acompanhavam os portugueses ou que, com eles, casavam. As fontes históricas apontam-nos para as mulheres malaias e indianas como as primeiras companheiras dos portugueses fundadores de Ma-cau; porém, na condição de escravas. É claro que as mulheres chinesas, principalmente aquelas que os pais vendiam ou que acompanhavam os piratas chineses com os quais muitos portugueses andavam misturados, teriam sido suas mancebas ou, mesmo, esporadicamente, mulheres legais. O mesmo se pode dizer em relação às mulheres japonesas. Po-rém, nenhum autor, até hoje, reparou no anonimato em que ficaram as filhas destas ligações. Qual seria o destino das euro--asiáticas, algumas naturalmente de grande beleza como hoje as conhecemos? Os portugueses, apesar dos costumes rudes da época, criados dentro do catolicismo, com antigas e profundas raízes, aceita-riam o infanticídio praticado, noutros tempos, pelos chineses, como empírico padrão cultural, de auto--regulação demográfica? Não o cremos. Por outro lado, as filhas das escravas, continuando, legal-mente, na condição das suas mães, satisfariam os preconceitos morais dos progenitores? Quando fo-ram expulsas de Macau as escravas de preço, indi-anas e malaias, a que se refere o padre Francisco de Sousa, que teria sucedido às suas filhas? Muitos são os autores que se referem aos nhons macaen-ses, filhos varões dos portugueses; mas as nhonhonha10 só fugazmente aparecem nos escritos. Quando o padre Francisco de Sousa11 fala no casa-mento de muitas órfãs e em meninas às janelas du-rante uma procissão, refere-se, segundo cremos, a essas nhonhonha, que os cronistas esqueceram.

Que, nessa altura, o concubinato tivesse dado preferência às raparigas chinesas, achamos muito natural. Contudo, defendemos a hipótese de que foram as mulheres euro-asiáticas, e não as chi-nesas, as remotas avós dos macaenses, tal como ainda há muito pouco tempo continuavam a ser, pelo menos entre as classes mais favorecidas.

Para apoio desta nossa tese socorremo-nos de três tipos de dados: históricos, antropobiológicos e etnográficos.

2. DADOS HISTÓRICOS

Fernão Mendes Pinto12 afirma que, em Liampó, estabelecimento que precedeu o de Ma-cau, avia [...] trezentos casados com mulheres portuguesas e mistiças. Segundo frei José de Jesus Maria13, também em Chincheu chegaram a viver seiscentos homens com boas casas, famílias e es-cravos.

Qual o destino das filhas destes casamentos? Quem seriam as mulheres portuguesas a que se re-fere Fernão Mendes Pinto, uma vez que o Reino proibia o embarque de mulheres para o Oriente a não ser em casos muito especiais14? Não cremos que mulheres europeias, aportadas ou nascidas em Goa, fossem levadas para a China, por seus mari-dos, uma vez que os estabelecimentos, ali, não eram estáveis, sendo a vida bastante aventurosa15. Por outro lado, as noivas europeias eram necessari-amente pouco numerosas e os seus casamentos fa-ziam-se por determinação real, no caso das Orfãs do Rei, com homens escolhidos e não com aventu-reiros, soldados em busca de fortuna. Quanto às raparigas nascidas em Goa, filhas de mães europeias, em razão dos casamentos preferenciais, seriam na maior parte bem dotadas e, portanto, os seus casamentos também não seriam com homens desse tipo. Aliás, muitas eram as filhas dos portu-gueses que professavam, talvez porque seus pais não encontravam, para elas, o marido desejável.

De acordo com as fontes históricas, nos pri-meiros tempos de Macau a maior parte dos homens tinha, naquele porto, residência temporária. Pela relação dos moradores, feita por D. Francisco Mascarenhas em 1625, sabe-se que em oitocentos e cinquenta e três residentes havia setenta e cinco extravagantes, duzentos e vinte e sete homens da terra16 e quinhentos e cinquenta e um vizinhos17. Nesta data tudo leva a crer, porém, que o número de homens residentes em terra variava, tal como parece poder concluir se duma carta daquele gover-nador, datada do mesmo ano, em que consta: «o número de portugueses que agora estão em terra são perto de oitocentos».

É nossa convicção que as mulheres portu-guesas referidas por Fernão Mendes Pinto seriam, na sua maioria, se não na sua totalidade, as euro-asiáticas de tipo antropossomático não mongolóide, sendo as mestiças provavelmente as sino-portugue-sas e as luso-nipónicas, se não as luso-africanas.

É de notar que Fernão Mendes Pinto não se refere a casamentos de portugueses com chinesas, o que, aliás, não seria muito provável dado o isola-mento cultural daquele povo. Aliás, as ligações dos bárbaros do Ocidente com as mulheres do Império do Meio, compradas e feitas escravas, foram uma das antigas causas de diferendos entre portugueses e chineses.

De que nações seriam as mulheres que acompanharam os primeiros portugueses que de-mandaram a China?

A corte não permitia, como já foi dito, o embarque de mulheres com os soldados porque au-mentava o número de gente inútil para a guerra [...] e distraiam os homens.

Por se ter verificado, porém, que algumas mulheres embarcavam clandestinamente, foram promulgadas leis preconizando castigos severos para tais atitudes aventureiristas. Quando, em 1505, o primeiro vice-rei, D. Francisco de Almei-da, partiu para a Índia, numa armada de vinte e duas velas, transportando mil e quinhentos homens de armas entre os quais ia muita fidalguia, foi aber-ta excepção, permitindo-se o embarque de mulhe-res das famílias desses fidalgos, o que passou a verificar—se, posteriormente, em casos semelhan-tes. Contudo, raras eram as mulheres que embarca-vam, porque a maioria dos homens não ousava sub-meter esposas e filhas aos muitos riscos de uma tão longa travessia.

Em viagens de comércio era, contudo, fre-quente o transporte de escravos de ambos os sexos, mas os abusos foram tantos que levaram, em 1607, à proibição de tal prática relativamente a elementos do sexo feminino, a menos que viajassem acompa-nhando alguma senhora autorizada a embarcar.

Esta proibição foi apregoa-da por todas as praças da Ásia, inclusivamente em Macau, mas a verdade é que o comércio das japõas18, das mui chai19 e, depois, o das timoras e, provavelmente, o de mulheres de outras castas, continuou a verificar-se durante muito tempo, talvez até à definitiva abo-lição da escravatura, nos fins do século XIX20. Tal facto pode, aliás, confirmar-se pela leitura das vári-as disposições, quer do Reino, quer do Bispado, no sentido de reprimir tal comércio.

Segundo o padre Gabriel de Matos, uma das coisas que escandalizavam, com razão, os man-darins era verem os portugueses cativar chinas, comprando-os e vendendo-os para fora de terra: [...] saiam por vezes [...] para outros reinos embar-cações, carregadas de meninos e meninas21.

Em 1617, o aitão de Cantão faz publicar o decreto do imperador Man Lek (1573-1620), no qual se proibia aos portugueses comprar súbdito algum no império chinês.

Por meio de peitas aos mandarins de Héong San, este decreto ficou, porém, sempre tido por le-tra morta.

Diogo do Couto22, referindo-se aos mercado-res que iam de Macau para Manila e para Goa, registou que estes iam carregados de moças alvas e fermosas com quem estao muitos annos amancebados. É possível, neste caso, que se refe-risse tanto às mui chai como às euro-asiáticas, quaisquer delas de tez clara.

Desde os mercados dos países árabes ao fa-moso mercado de Goa, os portugueses podiam com-prar escravos dos mais diversos pontos, quer da África, quer da Ásia, o que incrementou este comér-cio no Oriente de tal forma que levou o Reino a promulgar várias determinações no sentido de obsta-rem a tão desenfreado tráfego. Em 1520, D. Manuel proibiu que se levassem para a Europa escravos de qualquer casta. Mais tarde, D. Sebastião, em Março de 1571, proibiu a compra de escravos japoneses e, em 1595, na sequência de queixas das autoridades chinesas contra os portugueses que roubavam ou compravam raparigas daquele país para suas criadas e as exportavam como escravas, foram estabelecidas sanções para estes abusos23: multa de mil cruzados e dois anos de multa em Damão. No entanto, apesar das sanções estatuídas, tal comércio continuou a ve-rificar-se, o que se deduz da lei de 1624 promulgada por inspiração dos padres jesuítas, por sua vez, cer-tamente, porta-vozes dos mandarins. Esta lei proibia que se fizessem escravos chineses fosse sob que pre-texto fosse. Muitos portugueses, no entanto, conti-nua-ram a comprar as raparigas chinesas a pais que as vendiam ainda crianças, pressionados pela misé-ria, ou que as roubavam a outrem, como artigo de comércio, com o pretexto de salvarem as suas almas, fazendo-as cristãs24. Se, nalguns casos, tal intenção fosse sincera, noutros limitar-se-ia a abafar os pró-prios escrúpulos e a dar uma resposta satisfatória às autoridades eclesiásticas, sendo, como sempre foram em Macau, os portugueses, católicos praticantes.

Esta lei de 1624 relativa à compra de crian-ças chinesas, aliás, como todas as outras emanadas do Reino, continuou a ser letra morta para os habi-tantes de Macau. Habituados a serem praticamente auto-governados, suficientemente distantes da jus-tiça de Goa, tendo à frente do seu Senado um grupo de homens nem sempre detentores das virtudes exigidas a um homem-bom25, pouco os afectavam as leis enviadas do Reino. A cobiça e o ideal do lucro eram mais fortes.

Em 1715, o Pai dos cristãos proibiu, mais uma vez, a compra de escravos, exigindo que se cumprisse a proibição de se enviarem mui chai de Macau para Goa ou para qualquer outro lugar26. Esta disposição parece apontar para o facto de con-tinuar a haver queixas das autoridades chinesas contra a aquisição de crianças daquela nação, pelos habitantes portugueses de Macau. De facto, os mandarins reagiam a este comércio27, acabando por ser colocada no Tribunal do Magistrado de Mong Há uma nova pedra, réplica da que, no século ante-rior (em 1613 e, depois, em 1617), fora colocada no Senado, na qual estavam gravados vários artigos de legislação concernentes tanto a chineses como a portugueses. Um dos artigos era, precisamente, a proibição do tráfico das mui chai28.

Nesta altura, o comércio em Macau estava decadente e o negócio de escravos seria uma das poucas fontes de receita. Havendo que ter precau-ção na compra de raparigas chinesas, por temor dos mandarins, as atenções voltaram-se para Timor. Daí a nova proibição do bispo de Macau, em 1747, de se trazerem timorenses ou outras mulheres para o território. O Senado, desta vez, opôs-se a esta determinação eclesiástica, que não podia, então, como é óbvio, alcançar o beneplácito das autorida-des chinesas. Isto mostra até que ponto a moralização dos costumes era difícil aos missioná-rios de Macau.

Foi, finalmente, o Marquês de Pombal, em 1758, quem deu o maior golpe na escravatura das raparigas chinesas, ordenando que, em vinte e qua-tro horas, se desse a liberdade a todas quantas se encontravam cativas. Desta vez, porém, a proibição levou, paradoxalmente, os párocos de Macau a la-mentarem-se da baixa do número de baptismos de crianças chinesas desde 1763 até 1774, data em que foi enviado um memorial para o Reino, no qual se pode ler29: Dizem os curas da Sé e de Santo Antó-nio, que há muito poucos meninos chinas batizados depois do decreto de Sua Majestade, pelo qual deo a liberde [...] que ninguém os quer comprar. O cura de S. Lourenço refere-se mais concretamente a meninas. Os portugueses mais abastados viviam naquela paróquia, pelo que se depreende que seri-am eles quem possuía maior número de criações. Esta baixa nas aquisições de crianças chinesas mostra bem até que ponto os interesses filantrópi-cos eram pretextuais.

Das ligações mais ou menos ilegais dos por-tugueses com as escravas levadas dos mais diferen-tes pontos da Ásia, teriam nascido filhos, aos quais Bocarro se refere como os mais robustos do que nenhuns, que, em muitos casos, seriam aceites e baptizados pelos pais e, no caso de serem rapari-gas, provavelmente dotadas para futuros casamen-tos com os seus companheiros ou filhos deles.

Em 1563, o padre Franciso de Sousa30, ao descrever uma procissão em Macau, diz que esta-vam as meninas pelas janelas com grinaldas nas cabeças e salvas de prata nas mãos cheias de rosas e redomas de água rosada que lançavam por cima do pálio e da gente que passava, tal como sucedia, na mesma altura, em Goa31. Estas raparigas eram, certamente, as filhas dos portugueses, as euro-asiá-ticas que constituíram as donas das principais famí-lias portuguesas de Macau. Afirma, ainda, na mes-ma data, que casaram-se algumas órfãs e muitos cristãos da terra que de largo tempo viviam em pecado. Embarcaram-se para a Índia mais de 450 escravas de preço e na última nau que partiu para Malaca se embarcaram ainda duzentas que eram as mais perigosas e as mais difíceis de se lançarem fora32. E este foi um dos maiores benefícios que se fez a Deus [...] Compram os portugueses esta dro-ga em várias províncias do Oriente como na China e Bengala com o pretexto de as fazerem cristãs e depois as trazem aos nossos portos onde são de pouca utilidade à bolsa de seus senhores e não sei se de maior prejuízo às almas.

A partir deste escrito parece poder-se con-cluir que, uma vez mandadas retirar as escravas de Macau, se constituíram famílias legais, casando ór- fãs que, neste caso, julgamos poder entender-se por euro-asiáticas filhas dos portugueses. No entanto, em Macau, tal como em Goa e em Malaca, os por-tugueses, mesmo os casados, tinham, em casa, vári-as escravas.

Joseph Wick33 diz que, no século XVI, era comum ouvir-se falar de homens casados em Malaca, de onde S. Francisco Xavier partiu sem poder fazer grande sementeira nos seus moradores, que, além de serem casados, tinham três ou quatro mancebas e, muitos, meia dúzia.

Nos barcos da carreira de Goa para Macau andavam, também, além das escravas para fins co-merciais, mulheres embarcadas, pois era costume, entre os marinheiros orientais, levarem consigo as mulheres e as concubinas34.

Além destas escravas que acompanhavam os homens nos barcos, de acordo com os costumes orientais, muitos foram os casamentos que se fize-ram nos locais das conquistas, tendo sido alguns fomentados até pelas entidades oficiais. Na Índia, antes da conquista de Goa, por Afonso de Albuquerque, já havia homens casados com mulhe-res asiáticas, na fortaleza de Cochim. Algumas des-tas mulheres seriam indianas, outras provenientes doutros portos da África e da Ásia.

Aliás, os casamentos dos portugueses com mulheres indígenas foram patrocinados por Afonso de Albuquerque, dentro da sua política de rápido povoamento e vinculação à terra. Assim, muitos portugueses limpos e de bem casaram com mouras alvas e de bom parecer, provavelmente turcas, dos haréns de Goa e também com brâmanes, excluindo indianas de baixa origem35. Contudo, os filhos e filhas desta mistura sairão errados da bondade dos seus pais e mães36.

Segundo Frederico Diniz de Ayala37, a ideia de Afonso de Albuquerque era manter e perpetuar a família portuguesa como a melhor semente do campo, que tinha lavrado com o seu generoso san-gue e o de tantos dos seus ilustres companheiros.

Da leitura das cartas de Afonso de Albu-querque38 parece, porém, poder deduzir-se que tal acção correspondia, principalmente, a uma política natalista com o fim de conseguir rapidamente sol-dados portugueses naturais da terra em número bastante para poderem defendê-la.

Segundo Cristóvão Aires, o pensamento de Afonso de Albuquerque era, ainda, criar raízes por-tuguesas no solo da Índia plantando cepas católi-cas e organizando um núcleo de colonização por meio do casamento e do povoamento39.

De acordo com J. J. Campos40, a actuação de Afonso de Albuquerque é comparável à do grande Alexandre, porque, de igual forma, só a homens distintos era permitido casar com mulheres india-nas da nobreza local. Esta opinião é apoiada, tam-bém, por J. F. Ferreira Martins41. Aos melhores sol-dados de Afonso de Albuquerque, pelo casamento com mouras cativas, foram-lhes concedidas as ter-ras e as casas dos falecidos ou foragidos senhores das noivas. A distribuição das terras pelos homens casados de Goa consta, aliás, da carta régia de doa-ções e mercês de D. Manuel I, de 15 de Março de 1518. Para promover os casamentos voluntários, estas concessões, feitas aos portugueses e seus des-cendentes, eram isentas de todas as contribuições excepto do dízimo devido à Igreja42.

A política de favorecer as uniões com gente da terra era, porém, já anterior a esta carta régia, pois, em 1509, foi mandado que se pagassem dotes nupciais aos casais luso-indianos e pensões men-sais aos filhos destas uniões, por morte do pai.

Não admira, pois, que nas armadas seguis-sem, sempre, muitos fidalgos e os casamentos com asiáticas ou com euro-asiáticas proliferassem, por-que eram prometidas e cedidas terras aos que ca-sassem na Índia. No século XVII assistiu-se, como consequência desta política, ao costume de enviar para Goa os filhos bastardos da fidalguia portugue-sa43, surgindo, também, uma chamada nova nobre-za, em consequência das mercês concedidas aos que se distinguiam na guerra.

Contudo, este plano demográfico, que pare-cia vir a dar os melhores frutos, falhou. Não era invejável nem desejável a maneira de viver desses casais mistos. Os homens passaram a levar uma vida asiática, rodeados de mulheres indígenas e de numerosas escravas44. Talvez esta nova concep-ção familiar tenha sido a causa social primeira de não serem, os descendentes destes casamentos, os homens bons que se esperavam, no parecer de Gaspar Correia. Foi assim que as tentativas de po-voamento por naturais euro-asiáticos, política natalista e de vinculação territorial fomentada por Afonso de Albuquerque, não deram, os resultados que se previram. Os filhos dos primeiros casamen-tos formaram lares mais asiáticos do que os portu-gueses, sendo mais materialistas do que austeros45. No entanto, a verdade é que passou a haver em Goa um grande número de raparigas casadoiras filhas destes casamentos, muitas delas formosas mas nem sempre observadoras das virtudes tradicionais das mulheres portuguesas, em consequência da atmos-fera de harém em que eram criadas.

Além disso, era nula ou muito fraca a voca-ção dos varões para as lides guerreiras, contra o espírito da política que os fizera nascer. Pareceu, então necessário, do ponto de vista social, criar, no Oriente, as famílias estáveis, com raízes vincadamente portuguesas. E foi assim que, trinta anos depois, no terceiro quartel do século XVI, co-meçaram a ser enviadas mulheres do Reino para a Índia, as chamadas "órfas de EI-Rei", das quais a primeira notícia nos é dada pela carta régia de 4 de Março de 1553, assinada pelo Cardeal Infante e dirigida aos vereadores e procuradores da cidade de Goa. Nesta carta afirma-se que, naquele ano, não seguiriam as referidas órfas para casar, o que leva a admitir que o seu envio é anterior.

É geralmente aceite pelos historiadores que a primeira leva de órfãs para casarem na Índia foi enviada entre 1544 e 154646. Sabe-se, porém, que no século XVII foram enviadas para Goa cerca de três mil raparigas, filhas de fidalgos e de plebeus mortos ao serviço do rei nas praças do Ultramar, e as quais, por serem muitas, passaram a causar séri-as preocupações às Misericórdias e a outras insti-tuições do Reino. Ao mesmo tempo, além das ór-fãs, passaram a ser mandados para Goa marginais, vadios e, mesmo, criminosos, alguns condenados por crimes de sexualidade, outros bígamos47, numa tentativa de se afastarem do Reino elementos con-siderados inadaptáveis ou incómodos. Sem dúvida que esses homens viriam a causar muitos desmandos nas praças onde ficavam a residir e não foram poucos os que, de Goa, passaram à China, fugidos à justiça local.

Devido à presença destes homens, com quem os casamentos das «órfãs de el-rei» não eram aconselháveis, e também devido à competição de muitas euro-asiáticas, com bons dotes, nem sempre era fácil casar todas as raparigas idas do Reino.

Como havia, também na Índia, muitas rapa-rigas órfãs, ali nascidas, filhas de portugueses e as quais, em muitos casos, ficavam preteridas por ca-rência de dotes, foi pedida ao Reino a concessão de iguais privilégios para as órfãs de terra, que muitas eram, e ficavam por casar, embora seus pais tives-sem, também, servido a Pátria e morrido nas praças da Índia48.

Acontecia, porém, que os dotes para os casa-mentos das órfãs consistiam principalmente na concessão de honras e mercês, o que transformou certos matrimónios em verdadeiros escândalos49. Ficou famosa a história do algarvio João Caeiro que deixou, ao morrer, treze ou catorze mil pardaus. Este homem tinha dois filhos, seus e de uma escrava, e havia disposto que estes, um rapaz e uma rapariga, ficassem seus herdeiros e herdeiros um do outro. O rapaz, entretanto, morreu, reverten-do a fortuna a favor da rapariga. Com este dote ela poderia casar-se até com um fidalgo, no dizer de Simão Botelho, um dos testamenteiros. No entanto, na ausência deste, a rapariga tinha sido movida, por outro português, a casar com um seu sobrinho, tafull desbragado50 Devido a casos como este, e ainda porque a Fazenda de Goa tinha de arcar com todas as despesas feitas com estas órfãs, o seu en-vio acabou por deixar de fazer- -se51. No entanto, dos casamentos destas raparigas do Reino, resulta-ram famílias genuinamente portuguesas, cujos fi-lhos se casavam, de preferência, entre si, mantendo linhagens, embora poucas, que, quando muito, se casariam com mestiças bem dotadas. Estas famílias eram, na maioria dos casos, detentoras de títulos de fidalguia que datavam do último quartel do século XVII52.

O que se passou em Goa passou-se em Ma-cau, mas, neste caso, sendo os casamentos prefe-renciais com luso-asiáticas com bons dotes53. Um exemplo tirado da História refere-se à família de Lopo Sarmento de Carvalho, que viveu em Macau no século XVII (veja árvore genealógica).

Daqui se pode inferir que os casamentos pre-ferenciais dos portugueses, no Oriente, eram feitos com raparigas bem dotadas, independentemente da etnia. Sabe-se, aliás, que, para Macau, iam homens para casar na mira desses bons dotes, quando, em meados do século XVII, viviam, naquela cidade, co-merciantes muito ricos54.

O alvará régio de 9 de Março de 1575 regula-va a concessão das mercês nupciais com que eram contempladas as Órfãs do Rei e, também, outras donzelas portuguesas e luso-descendentes e, até, viú-vas, aptas a contrair matrimónio55. Até 1695, foram publicados muitos outros alvarás e cartas régias que aumentavam o número e os quantitativos desses do-tes, o que parece confirmar a dificuldade que havia em casar as raparigas que os não possuíssem bastan-te tentadores. Paralelamente, mantinham-se as con-cessões, feitas desde os tempos de Afonso de Albuquerque, aos homens que se casassem com in-dianas. Assim, os portugueses de menos posses ou sem títulos, ainda que lhes fosse permitido aspirar a um casamento com uma portuguesa com dote, prefe-riam casar com as nativas para aproveitarem essas antigas concessões, expressas, principalmente, na doação de terras. Christophe Pawlowski, em carta de Goa datada de 20 de Novembro de 1596, comenta- va: apesar das mulheres daqui serem bem negras, os portugueses desposam-nas56. Nestes casos, predo-minavam, quase sempre, os usos asiáticos e cada casa era um verdadeiro harém. Foi assim que, em Goa, se verificou, em bre-ve, uma nítida demarcação do ponto de vista social: uma linhagem de portugueses do Reino, geralmente com antepassados de boa nobreza, e outra linhagem dos menos favorecidos, que casavam com mulheres nativas. Por outro lado, as euro-asiáticas, casando preferencialmente com os europeus e seus descen-dentes, davam origem aos luso-indianos, entre os quais havia raparigas de grande beleza57. O que se passou em Goa deve ter sido, quanto a nós, muito semelhante ao que se passou em todas as praças do Oriente. Quando se fundou a cidade de Macau, muitos homens tinham as suas famílias em Goa ou em Malaca e as suas mulheres seriam, talvez, dessas etnias, ou europeias ou euro-asiáticas, pois muitas haveria já, nessa altura, frutos de casamentos ou uni-ões ilegais nas praças da Índia. Quando a cidade passou a oferecer garantias de maior estabilidade, vieram, de Goa, essas famílias, possivelmente mui-tas delas incluindo, já, filhas em idade casadoira58. As mães dos primeiros macaenses, nascidas no seio de famílias legalmente constituídas, teriam sido, pois, na nossa opinião, essas mulheres euro--asiáticas, que já deveriam existir em grande número quando foi fundada a cidade de Macau. Eram essas as únicas mulheres que ali poderiam oferecer bons dotes. Que as escravas indianas, japonesas, malaias e as chinesas tivessem continuado a povoar as casas dos portugueses em grande número, e a causar o escândalo dos missionários que vieram a conseguir a expulsão de muitas, parece não oferecer dúvidas. Basta comparar, por exemplo, o número de escravas existentes em Macau nos séculos XVIII e XIX com o número total de escravos e com o número de famí-lias residentes59, para, facilmente, se aceitar que, du-rante muito tempo, a vida dos portugueses naquela cidade não tenha sido das mais virtuosas. Aliás, em Goa, segundo vários documentos coevos, também nos séculos XVII e XVIII a moral não era tida em grande apreço. No entanto, as autoridades, tanto eclesiásticas como civis, tinham, naquela cidade, muito maior peso, mercê principalmente das duras leis da famigerada Inquisição de Goa, do que em Macau, onde o Senado, governado por homens elei-tos pelos residentes, alguns deles degredados e sem escrúpulos61, detinha o poder político e jurídico. Es-ses homens seriam muito mais complacentes no jul-gamento dos seus conterrâneos, muitas vezes na de-fesa dos seus próprios interesses. A autoridade civil e a autoridade eclesiástica, sem a força das de Goa, opunham-se em lutas internas de que não poderia resultar qualquer vantagem social. Para mais, acima destas duas autoridades havia o mandarim, represen-tante do poder político e jurídico chinês, que coman-dava, em última instância, os negócios de Macau mas a quem os problemas sociais suscitados entre os estrangeiros pouco interessavam. Sem dúvida que haveria homens bons, religio-sos e de grande virtude. Esses, no caso de serem comerciantes e de disporem de alguns cabedais, des-posariam, certamente, as filhas dos portugueses seus vizinhos, quer de Macau, quer de Goa, onde muitos se deslocavam, frequentes vezes, em viagens de co-mércio. Esses homens, que poderiam dotar as suas filhas para bons casamentos, nunca iriam ligá-las a homens de costumes dissolutos. Daí, talvez, a expli-cação para o facto de professarem muitas raparigas, o que levou o vice-rei Conde da Ericeira62 a mandar que se reduzisse o número de professas, para que aumentasse a população portuguesa de Macau. É evidente que portugueses seriam os filhos reconheci-dos, por estes, como tal, e não todos os que deles nasciam. Em Macau, a dotação das órfãs foi, também, objecto de legados importantes da parte de homens ricos, com o fim de lhes proporcionarem bons casa-mentos, dentro da óptica matrimonial da época. Al-guns homens ricos, solteiros, legavam os seus bens a criações ou afilhados (talvez filhos seus e das suas escravas), outros, a filhos de amigos, que lhes haviam sido confiados. Havia, ainda, quem, como o rico co-merciante Manuel Favacho, legasse parte da sua for-tuna para vinte órfãs sem discriminação63. Naquela altura, em que eram grandes os riscos do mar, não só devido aos tufões mas também à pirataria, muitas de-viam ser as órfãs que, sem o auxílio dos moradores ricos e da Misericórdia, ficariam por casar. Estes le-gados eram, ainda, frequentes no século XVIII, ser-vindo de exemplos os que a seguir se transcrevem. Traslado de verba do testamento do defunto Gaspar Martins, que faleceo em 13 de Dezembro de 1718 annos tirado do seo proprio testamento que fica no seo inventario no Juizo dos Orpão (sic). "Mando que o remanescente da minha terça fique na Santa Caza da Mizericordia para dar a ganhos do mar com aquellas fianças e seguranças como he uzo e costume fazer a dita Santa Caza e os ganhos que tiver fará em três, partes, hua para se esmolar na meza e outras duas dará hua ao meo criolo Manoel e outra ao meo criolo Joze, e dado cazo que faleça algum deles, o outro logrará de ambas, e falecen do ambos essas duas partes cada anno se dirão em missas por minha alma e dos ditos meos criolos Manoel e Joze: Sobreescripta por mim Francisco de Mendonça Furtado Escrivam desta Santa Caza da Mizericórdia e me assignei. Fr.co de Mend. çaFurt. °" (Mss. da Santa Casa da Misericórdia de Ma-cau, Códice n. ° 15, "Legados", 1592-1849, fl. 73 v.) Traslado da verba do testamento do defunto Francisco Rangel que faleceo nesta Cidade de Macao em 20 de Mayo de 1724 cujo testamento esta em poder do seo genro João da Silva Magalhães. "Item peço ao Ilustrissimo Senhor Provedor da Santa Caza da Mizericordia que acompanhe o meo corpo com a sua tumba e bandeira athe a mi-nha sepultura de que deixo de esmola trezentos taeis para se dizer em missas pela minha alma na dita Santa Caza. Item deixo mais duzentos taeis em a dita Santa Caza da Mizericordia para as missas pela minha alma. Item declaro que em uma das clauzulas deste meo testamento que acima declara, que de quinhentos taeis que deixo de missas para minha alma applico mais outros quinhentos taeis que por tudo fazem mil taeis para andarem a risco do mar para aos ganhos se fazer tres quinhões hum para a meza esmolar, outro um para as missas pela minha alma, e outro para esmolar para órfãas e viuvas, e quando haja a guma perda deste dinheiro se não fará sufrágio sem primeiro fazer outra vez o proprio." (Mss. da Santa Casa da Misericórdia de Ma-cau. Códice n. ° 15. "Legados", 1592-1849, fl. 75.) Traslado da verba do testamento do defunto Roque Gonsalves de Lima, que faleceo nesta Cidade em 12 de Março de 1725 annos. "Item deixo em Santa Caza da Mizericordia trezentos taeis os quais peco ao Senhor Provedor, e aos Senhores Irmãos da meza os queirão receber para os disporem na forma seguinte, os quais se darão a responder a ganhos do mar e da dita respondencia de cada anno se fará tres partes. A primeira para as despezas da Santa Caza a 2.ḁ para se esmolar por órfãas e viuvas e pelos pobres mais dezemparados e a 3.ḁ parte para se dizer em missas pela minha alma e pela alma de meo Pay e de minha May, e se acazo nos annos futuros houver alguma falta nas respondencias mando que sessem as ditas esmolas e missas athe se prefazer o capital. Sobreescritas por mym Francisco de Medonça Furtado Escrivão desta Santa Caza de Mizericordia as verbas acima, e me assinei. Fr.co de Mend.ça Furt.o" (MSS. da Santa Casa da Misericórdia de Macau. Códice n.° 15, "Legados", 1592-1849, fl. 75 v.) A partir de então, ter-se-ia esboçado, tal como em Goa, semelhante estratificação social: as famílias de raiz portuguesa cujas filhas casavam preferencialmente com europeus e os filhos com euro-asiáticas, e os homens de menos cabedais que casavam com raparigas chinesas, preferindo-as, talvez, às euro-asiáticas sem dote devido às muitas virtudes que as adornam64. Estas chinesas seriam as filhas dos cris-tãos-livres que habitavam na cidade? Inclinamo-nos para esta hipótese, porquanto estes chineses seriam, pelo menos em grande parte, homens abastados, tal é a vocação que os filhos do Celeste Império têm para o negócio. Pena é que muito pouco se saiba acerca destes chineses, com excepção, de um ou outro, como o muito antigo fundador da família Remédios, pois os seus nomes portugueses, recebidos dos padrinhos, incluindo o apelido, levam-nos a confun-di-los com os reinóis ou com os seus filhos. No século XVII, em 1614 e 1636, procura-ram abrigo em Macau muitos cristãos japoneses e portugueses ali radicados, na sequência das perse-guições que se verificaram no Japão contra a reli-gião cristã. Entre estes vieram famílias japonesas proeminentes, com jovens de ambos os sexos65. É natural que, nesta altura, se tivessem também veri-ficado casamentos entre portugueses de Macau, ou seus filhos, com japoneses ou luso-nipónicos. An-tes, durante a união das duas Coroas, foram para Macau alguns homens casados em Manila, com ge-ração66. Na relação dos mártires do Japão constam homens de Ormuz e de Cochim, como portugueses de Macau, provavelmente filhos de portugueses e de mulheres dessas nações66a Nos fins do século XVIII, procuraram, também, refúgio em Macau, muitos cristãos da Cochinchina, provavelmente os de famílias mais abastadas que teriam facilidade em abandonar o país, devido à revolta dos Toycon e consequente perseguição contra a Igreja. Nessa altura, alguns portugueses casaram em Macau com cochinchinesas, o que pode constatar-se da análise dos arquivos paroquiais de 1785 a 1793. No século XIX, a população chinesa cresceu e muitos estrangeiros estabeleceram-se em Macau, onde se casaram e deixaram filhos ilegítimos. Teria sido, segundo cremos, esta a situação dos primeiros portugueses: casamentos preferenciais com portu-guesas de Goa ou euro-asiáticas com bons dotes, a par de ligações com escravas de diferentes etnias, de que nasciam filhos — as criações — que, às vezes, se tornavam herdeiros de seus pais67. Peter Mundy68, que aportou a Macau em 5 de Julho de 1637 e ali se demorou seis meses, esteve hospedado em casa de António de Oliveira Aranha (capitão-mor da viagem ao Japão em 1629 e que se radicou em Macau). No seu célebre relato de viagem afirmou que aquela casa era semelhante às outras em mobílias, festas, etc., com a diferença de possuir donzelas chinesas, por ele compradas. Segundo o mesmo autor, cada chefe de família macaense tinha, ali, muitas delas, que eram contadas como utensílios ou propriedade de sua casa. Também acentuou que em toda a cidade, segundo lhe haviam dito, vivia apenas uma mulher nascida em Portugal, sendo as esposas chinesas ou mestiças, da mesma raça, casa-das, antes, com portugueses. Marco d'Avalo na sua descrição da cidade de Macau, feita em 1638, também considerou que, quando aquela cidade foi fundada, era governada à maneira de uma república, isto é, pelos conselheiros mais velhos, e que os portugueses casavam com mu-lheres chinesas e desta forma se tornou gradualmen-te povoada69. Descrições como estas levaram alguns histo-riadores à dedução que os macaenses são mestiços luso-chineses. No entanto, analisando estes escritos, temos de considerá-los bastante hipotéticos e contrá-rios a comprovados factos históricos que, anterior-mente, apresentámos. Com a queda de Malaca, em 1641, de novo o sangue malaio terá revigorado o pool genético macaense, não só por intermédio de mulheres nativas, como das suas filhas luso-malaias. É natural que um observador apressado, de passagem numa terra alheia, onde havia chinesas cristãs que se vestiam como as portuguesas e onde não havia distinção no próprio vestuário entre as mulheres dos diferentes estratos sociais (a não ser na qualidade dos tecidos) quando saíam à rua embuçadas nas suas saraças, pudesse acreditar numa informação desta natureza. É absolutamente inconcebível, porém, em presença do que, atrás, ficou exposto, que as mulhe-res macaenses fossem todas, ou na sua maioria, chi-nesas ou luso-chinesas, porque nem no século XIX, de que há documentos indesmentíveis, isso se verifi-cava, numa altura em que as antigas barreiras sócio-culturais começaram a desmoronar-se. Aliás, outros viajantes, como La Pérouse70, que descreveu Macau em 1787, são de opinião dife-rente. La Pérouse, por exemplo, registou que, de vinte mil pessoas que habitavam o Território, apenas cem eram portugueses de nascimento, e dois mil mestiços ou portugueses indianos e outros tantos es-cravos que serviam de criados. Estes números apon-tam para quinze mil chineses residentes em Macau, sendo cômputos, evidentemente, aproximados. O que ressalta desta descrição é terem os macaenses parecido a La Pérouse portugueses da Índia e não chineses, o que não seria de esperar se o hibridismo predominante fosse com chinesas. La Pérouse nunca confundiria os traços mongolóides com os indo-aria-nos. Poderia confundir luso-malaios e luso-indianos mas nunca estes com luso-chineses, a menos que os caracteres somáticos se encontrassem muito diluídos por serem frutos de uniões esporádicas e não siste-máticas como supomos. Se os portugueses mestiços lhe pareceram indianos, as raparigas de Macau, fi-lhas e mulheres dos portugueses, nunca poderiam ser na sua maiora chinesas ou luso-chinesas. É natu-ral que, entre os quinze mil chineses, quer cristãos, quer gentios, La Pérouse tenha incluído alguns mes-tiços, porventura os macaenses de classes menos abastadas, uma vez que tal confusão é, ainda, fre-quente nos nossos dias entre os europeus, para quem, as fisionomias orientais são estranhas. Das descrições dos estrangeiros que visita-ram Macau, são dignas, ainda, do maior crédito as dos mandarins chineses que, por ordem superior, ali se deslocaram no século XVII71. Estes mandarins registaram que as mulheres portuguesas de Macau eram de dois tipos: as brancas e as negras — respectivamente, senhoras e escravas. Des-ta afirmação parece poder concluir-se que malaias, timorenses e cafres se encontravam em Macau em situação subalterna, sendo as mulheres legítimas dos portugueses as euro-asiáticas e, porventura, uma ou outra do Reino. Entre estas senhoras bran-cas poderia haver luso-chinesas, mas se o fossem na sua maioria e muito mais se fossem chinesas puras supomos que os magistrados tê-lo-iam posto em relevo, com certa redundância, tal como o fize-ram relativamente aos casamentos das ditas mulhe-res portuguesas com homens chineses. Nesta altu-ra, devido ao estado miserável em que a cidade se encontrava, é possível que tal se tenha verificado, mas cremos que nunca com raparigas das melhores famílias macaenses, a não ser esporadicamente e com grande escândalo72.
 POPULAÇÃO LETRADA E ILETRADA DO CONCELHO DE MACAU
          POR FREGUESIAS E BAIRROS - 1896 

PASQUIM DE 2 DE DEZEMBRO

1. °

No tumulo de Dião Miranda

Exallou um forte ay

Por cazar seu sobrinho

Com neta do seu Atay

2. °

Não esta primeira

Que orgulho ficou calcado

Desse Almoxarife Inglez

Desse nariz bem curvado

3. °

No Grão Céa dessas Boda

Não encontrava cordoniz

Para senão encontrar no Pápo

A Chinita sem nariz

Contudo, a partir dos dados de que dispo-mos é-nos possível comprovar a vincada homogamia dos macaenses e também comprovar a autenticidade do dito, frequente entre aqueles, que em Macau tudo sã primo-prima75. Podemos tirar, ainda, outras conclusões, tais como:

— rara abertura à sociedade chinesa e, no caso de haver casamentos com indivíduos dessa nação, serem, sempre, estes com crioulas educadas no seio das famílias portuguesas76;

— as famílias mais ricas casavam, preferen-cialmente, os seus filhos entre si e as suas filhas com europeus, sendo, os eleitos, oficiais do Exército ou da Marinha, médicos e funcionários superiores;

— eram frequentes os casamentos de viúvos e, muitas vezes, com as cunhadas, no caso de se-rem homens. As viúvas ricas casavam-se, muitas vezes, com europeus sem fortuna nem altas paten-tes. Uma vez que o número de mulheres, em Ma-cau, foi, sempre, muito superior ao número de ho-mens, só se justifica que as viúvas casassem com tanta frequência no caso de possuírem grandes atractivos, de entre os quais, em Macau, um dos mais estimados foi, sempre, o dinheiro;

— a família macaense era, tradicionalmente, uma família extensa, com residência patrilocal. Po-rém, no caso do casamento com europeus, a residên-cia era, frequentemente, em casa da mulher, ou for-mava-se casa à parte. Este uso, de formar casa à parte, só passou, no entanto, a ser corrente depois da revolução vitoriana77;

contrariamente ao que sucedia e continua a suceder, raros eram, em Macau, os casamentos após o nascimento do primeiro filho;

— as idades mais frequentes dos casamentos eram os 15/19 anos para as raparigas e depois dos 20 para os rapazes, verificando-se, quase sempre, uma considerável diferença, para mais, entre as idades do marido e da mulher, o que parece apontar, remota-mente, para uma antiga influência indiana:

— as crioulas recebiam, sempre, os apelidos das madrinhas ou dos padrinhos, distinguindo-se, as-sim, das escravas, a quem era atribuído, apenas, o nome próprio;

entre os indivíduos de ascendência chine-sa, nota-se uma grande predominância dos nomes Inácio/Inácia e, ainda, Boaventura (atribuído aos dois sexos), ou António. O apelido Rosário é, tam-bém, muito frequente, o que parece apontar para an-tigos baptismos de cristãos novos, por influência dos padres missionários78;

nota-se, ainda, o costume de dar aos re-cém-nascidos ou às crianças gentias baptizadas, por influência dos portugueses de Macau, os nomes dos santos correspondentes aos dias do nascimento ou do baptismo. Quando ambas as datas eram conheci-das, juntavam-se, até, os dois nomes79;

outro costume curioso entre os portugue-ses de Macau era a atribuição do nome próprio do avô ao primeiro filho do primogénito de cada gera-ção;

modernamente, adoptou-se outro costume, o de dar aos filhos nomes começados todos pela mesma letra, a primeira do prenome paterno.

Em resumo: os filhos da terra casavam entre si, principalmente no que respeitava às classes mais favorecidas, sendo frequente, neste caso, o casamen-to preferencial com parentes do quarto e, mesmo, do terceiro grau. A seguir, em preferência, as filhas da terra casavam com europeus ou com estrangeiros, o mesmo sucedendo aos nhons, se bem que mais rara mente. Casamentos com indianos ou com timorenses ou, mesmo, com cochinchinenses, quando o comér-cio de Macau se passou a fazer com aquele territó-rio, eram contraídos, principalmente, por mulheres de condição mais modesta, algumas mestiças direc-tas de chineses ou de pessoas de outras etnias, o mesmo se verificando entre os homens, quer portu-gueses, quer macaenses, que casavam com filipinas, cochinchinesas e chinesas, sendo estas, geralmente, criações de famílias ricas.

Em reforço desta constatação vêm os dados que o reverendo padre Manuel Teixeira apresenta relativamente a vários eclesiásticos macaenses e aos casamentos de macaenses com chinesas80. Estes da-dos parecem-nos comprovar duas coisas:

1) que as criações do ramo masculino e, tal-vez, algumas do feminino, eram, muitas vezes, enca-minhadas para a vida religiosa;

2) no caso de se casarem, tais criações e os seus descendentes escolhiam mais facilmente para mulheres raparigas chinesas ou filhas de chinesas do que os descendentes de portugueses do Reino ou das antigas famílias macaenses, à semelhança dos luso--descendentes de Goa.

Um outro facto a registar é que, se os precon-ceitos quanto a casamentos entre viúvos não existi-am nas classes mais favorecidas, parece que existi-am, porém, com filhas de pai incógnito, uma vez que, na nossa amostragem, que cobriu casamentos realizados em Macau durante cerca de dois séculos, apenas encontrámos um macaense, filho de gentios, com nome português, casado com uma filha de Ma-cau, de pai desconhecido.

Em meados do século XVIII, registaram-se casamentos de macaenses com netas de chinesas, mas em segunda geração, provavelmente já netas de cristãos ou filhas de crioulos de famílias abastadas, que, não raramente, recebiam bons dotes, como já se disse.

Uma outra constatação refere-se ao número médio de filhos por casal: dois a seis entre os maca-enses, sendo muito raros os gémeos81. As mulheres morriam, muitas vezes, na ocasião do nascimento de um filho ou na sua sequência, sendo também consi-derável o nascimento de nado-mortos e elevadas as taxas de mortalidade infantil. A avaliar-se pelo estu-do das vinte famílias de que foram feitas árvores genealógicas, famílias de elevado e médio estatuto sócio-económico, poderá deduzir-se que, tal número, nas famílias economicamente mais débeis, seria, provavelmente, mais elevado. Entre os casais chineses cristãos, crioulos ou seus descendentes, assiste--se a uma maior fertilidade, chegando cada casal a atingir a cifra de dezasseis filhos, sendo a média de sete a oito por casal, o que, aliás, entre a população chinesa, não é facto raro. Algumas famílias macaenses de elevado estatuto social também tiveram grande descendência, atingindo dez a doze filhos por casal. Verificou-se, porém, que muitos destes não atingiam a idade reprodutora. A reforçar a nossa hipótese vem o quadro seguinte, publicado no Boletim da Província de 1887, na página 121. Da análise deste quadro pode constatar-se que, ainda nos fins do século XIX, os macaenses se casavam, preferencialmente, entre si e com europeus, sendo raros os cruzamentos legais com pessoas de outras etnias. Para os anos de 1881 a 1885 houve, em Macau, um total de setenta e seis casamentos entre macaenses (51 por cento), cinquenta e nove de macaenses com europeus (39.1 por cento) e treze de macaenses com indivíduos de outras raças (8.7 por cento).

Do que, atrás, ficou exposto, fácil é concluir--se que os macaenses, principalmente aqueles que dispunham de melhores condições económicas, mantiveram tradições que perduraram ciosamente guardadas e orgulhosamente afastadas dos costumes dos aventureiros do Ocidente e, também, isoladas das dos gentios chinas, que tinham sido os criados e os artífices da cidade. Por outro lado, as famílias chinesas de alta linhagem nunca desejariam que os seus filhos se cruzassem com os "bárbaros do Ocidente" e só os cristãos e a gente muito humilde per-mitiriam tais cruzamentos ou, mesmo, a vida em co-mum, como criados. Daí, o isolamento dos filhos da terra, detentores de uma tradição de riqueza, de li-nhagem e de educação requintada, que nem os chi-neses das mais baixas condições sociais possuíam, nem os soldados e marinheiros rudes de Portugal, alguma vez, tinham possuído. Macaistas e outras ra-ças.

ESTATÍSTICA DOS NASCIMENTTOS E CASAMENTOS NA POPULAÇÃO CATHOLICA </p> <p> DE MACAU,DURANTE 5 ANNOS(1881-1885)

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>ESTATÍSTICA DOS NASCIMENTTOS E CASAMENTOS

NA POPULAÇÃO CATHOLICA DE MACAU,DURANTE 5 ANNOS(1881-1885)

style='font-size:10.0pt'>Extrahida do registo catholico das egrejas da Sé,S.Lourenço,Santo António e S.Lázaro

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'> 

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>A.NASCIMENTOS

lang=EN-US style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-family:宋体'>

style='font-size:10.0pt'>Annos

style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-family:宋体'>Europeans

style='font-size:10.0pt'>Macaistas

style='font-size:10.0pt'>Indios

style='font-size:10.0pt'>Macaistas e Europeans

style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-family:宋体'>

style='font-size:10.0pt'>Macaistas e outras raças

lang=EN-US style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-family:宋体'>

style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-family:宋体'>Chinese

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lang=EN-US style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-family:宋体'>B.

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>CASAMENTOS

style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-family:宋体'>

style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-family:宋体'>1881

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1

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style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-family:宋体'>13

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>Nota:

style='font-size:10.0pt'>No mapa A

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>designam-se as raças

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>paternes,no mapa B

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>as dos nubentes(sic.)

lang=EN-US style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-family:宋体'>

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>                  

     Fonte:

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>Boletim

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>                          

da Província

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>                               

de Macau

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>                 

     

style="mso-spacerun: yes">  (1887,pág.121)

 

Só muito tarde, depois de iniciadas as carrei-ras de navios a vapor e, principalmente, nos fins do século XIX, as mulheres europeias começaram a de-mandar Macau, com maior frequência, acompanhan-do os maridos e os parentes quando estes iam ocupar altos cargos oficiais. Nesta altura, acentuou-se, tal-vez, o conceito de ngau pó, assistindo-se a maior clivagem das classes sociais de Macau: a ngau pó, mulher gorda, escura, feia, de grande nariz, ridicula-rizava as macaenses pálidas, pequeninas, magras e embiocadas, bem como seu falar da terra, que não logravam entender. As macaenses das classes sociais mais elevadas procuravam imitar as ngau pó e as suas modas trazidas da Europa para manterem as aparências do seu estatuto social; porém, as outras mulheres das classes mais desfavorecidas, iam-se isolando cada vez mais do grupo dos europeus.

As principais características sócio-ecológicas da população de Macau foram, sempre, largamente influenciadas pelos juízos de valor e pelo comporta-mento dos grupos nela dominantes ao longo dos sé-culos. Consequentemente, o sistema estratificado de classes, característico desta sociedade nos princípios do século XX é um importante aspecto da sua eco-logia.

Os conceitos, os juízos de valor que perdura-ram em Macau, através dos séculos, eram, principal-mente, os seguintes:

1) o poder de antigas linhagens baseado no parentesco (descendentes de um ascendente co-mum), regime, talvez prevalecente tanto nas antigas aldeias portuguesas como nas chinesas. Como é na-tural, em Macau, centro de cristianismo e refúgio de numerosos chineses, este regime de hierarquia de clã tenderia, necessariamente, a perder-se fora dos nú-cleos populacionais com antiga tradição, como na velha aldeia de Mong-Há. Contudo, entre os macaenses, o valor do título do ascendente e da li-nhagem logrou perdurar através dos séculos;

2) a outra direcção da estrutura hierarquizada da sociedade chinesa era de natureza confucionista, baseada no valor dos graus académicos, independen-temente da herança genética.

Contudo, os chineses de Macau pertencem a famílias ou clãs deixados no interior da China mais ou menos tardiamente. Destes, há a considerar, nos nossos dias, os que enriqueceram e ocupam lugares proeminentes na sociedade local, os que ocupam lu-gares nas forças da Polícia ou no funcionalismo pú-blico e a grande massa da população laboriosa, mais ou menos modesta, além da população marítima, grupo à parte tanto do ponto de vista cultural como biogenético. O conceito ancestral de clã, que presi-dia, quase sempre, à escolha do cônjuge, perdeu-se, naturalmente, com o Império dos Mandarins, man-tendo-se, no entanto, o poder do fundo capitalizado, que foi o que passou a impor, em Macau, tanto os portugueses como os chineses. Foi assim que o regi-me matrimonial passou a apoiar-se nestes dois pila-res tanto entre chineses como entre portugueses. Ac-tualmente, os casamentos dos filhos da terra com mulheres chinesas acentuaram-se, uma vez que se foi perdendo entre os chineses de Macau o vínculo às tradições antigas, que a vida urbana logra sempre diluir ou apagar, e à medida que foram rareando, no território, os descendentes das famílias mais antigas, que conservavam o orgulho da sua linhagem.

Nos nossos dias, chegou-se mesmo ao ponto de casarem com chineses as filhas da terra, com algum escândalo, apenas, das senhoras mais idosas.

3. DADOS ANTROPOBIOLÓGICOS

É nos biótipos restritos que se observa mais nítida correspondência entre uma dada área geográ-fica e as comunidades bióticas que a povoam. Quan-to mais restritivos forem os factores do meio, mais premente é a selecção e mais uniforme, característi-ca e pobre em espécies é a biocenose. É assim que, em Macau, factores tão restritivos como sejam a ca-rência de água, o isolamento do território — quase ilha — e as altas temperaturas de Verão, alternantes com as baixas temperaturas da estação fria, condicionam a riqueza tanto da zoocenose como da fitocenose autóctones e, também, a aclimatação de muitas espécies do Ocidente, várias vezes mais ou menos empiricamente tentada, obrigando os homens da Europa, que povoaram, pela primeira vez, o terri-tório, a servir-se do que, no meio e nas terras vizi-nhas, encontraram para sobreviverem.

O equilíbrio em relação ao mundo vivo, in-cluindo a população humana. estabeleceu-se, em Macau, como atrás ficou demonstrado. A princípio, havia grande mortalidade entre os europeus mas, em breve, os seus filhos, euro-asiáticos, naturalmente seleccionados na infância, encontraram melhores condições adaptativas do ponto de vista morfofisiológico. Por outro lado, criaram-se, parale-lamente, ao longo dos séculos, formas culturais de sobrevivência, muitas delas originais. Tanto as for-mas biológicas como as culturais foram seleccionadas pelo meio e nasceu o macaense e a sua original cultura, de que ainda se encontram ves-tígios em Macau.

O grupo fechou-se. Este fenómeno não tem, necessariamente, bases biológicas, muito embora al-gumas se possam apontar, tais como genomas no-vos, híbridos, com nova fenotipia, paralela à criação de novos padrões psicológicos e de novos juízos de valor. São exemplos a perspicácia, a parcimónia e o gosto pela ostentação, próprios do mundo oriental, e, ainda, um conceito novo de beleza que, em respeito à mulher, poderia ser uma das causas de escolha do cônjuge e, assim, um padrão selectivo, a longo pra-zo, de um tipo morfoantropológico local.

Quanto a este ponto, enquanto em Portugal, no século passado, a mulher gorda, de cintura fina, pele clara, pálida, com tornozelos finos e leve buço, era um protótipo de beleza, em Macau, esse tipo feminino era ridicularizado. A fei pó (mulher gorda ou com tendência para engordar) é, ainda, um termo que as velhas senhoras locais empregam para se re-ferirem à ngau pó ou portuguesa de Portugal. O tamanho do nariz, a gordura e os pés grandes eram os principais motivos de rejeição e troça.

Uma explicação para o isolamento parcial que caracterizou o grupo dos macaenses, principalmente ao longo dos séculos XVIII e XIX, quando a consci-ência de grupo se acentuou paralelamente à estratificação social e à ida de mulheres do Reino para Macau, deve buscar-se na homogamia que se verificava, pelo menos entre as famílias mais antigas e mais preponderantes, na sociedade de então82.

A análise das constelações familiares, por nós estudadas, permitem-nos tirar conclusões mais do que evidentes acerca deste fenómeno.

Por um lado, os chineses fecharam o seu gru-po; por outro, os macaenses abriram-no, apenas, para casamentos com europeus, principalmente mili-tares de patente ou altos funcionários83.

Relativamente à homogamia, há a considerar dois tipos fundamentais: homogamia positiva, de que resultam semelhanças fenotípicas na descendên-cia, e homogamia negativa, correspondente à forma-ção sistemática de casais dissemelhantes.

O primeiro caso corresponde aos casamentos entre macaenses, por isso mesmo, quase todos apa-rentados, correspondendo, o segundo, à preferência dada, pelos macaenses, às mulheres loiras e de olhos claros, no caso do casamento com europeias ou euro-asiáticas, estranhas ao grupo.

Aliás, em qualquer população humana há, sempre, uma leve tendência para a homogamia, prin-cipalmente no que respeita a caracteres quantitati-vos, tendência a que o grupo dos macaenses não podia escapar. É o caso, por exemplo, da estatura. Raramente um homem baixo casa com uma mulher mais alta. Outro factor é de carácter psico-social, particularmente sensível entre os mestiços. As consequências genéticas, do ponto de vista qualitati-vo, resultantes da endogamia preferencial, são as mesmas do que as dos cruzamentos consanguíneos. Em Macau, as pequenas dimensões do território e o reduzido número de famílias das classes socialmente mais elevadas favoreceu, particularmente, esta consanguinidade, fruto do cruzamento preferencial, resultante dos isolados parciais (sem barreiras geo-gráficas, apenas psico-sociais) que se criaram no ter-ritório.

Como se sabe, tanto a homogamia como a endogamia tendem a reduzir a frequência dos genótipos heterozigóticos, o que, entre populações poli-híbridas, pouca expressão fenotípica apresenta, a menos que possa conduzir à estabilização de certos caracteres. Este fenómeno exigiria, porém, muitas gerações sucessivas dentro de um grupo fechado.

Uma população mendeliana, na qual os cruza-mentos se façam, preferencialmente, entre indivídu-os semelhantes para este ou para aquele carácter, tende para um estado estacionário, com frequências genotípicas diferentes dos valores panmíticos. Estas frequências não foram nunca calculadas, ao que sabemos, relativamente ao grupo dos macaenses. Mesmo um estudo sério do ponto de vista antropobio-lógico, sero-antropológico, somatométrico e, mesmo, osteométrico dos macaenses, está por fazer. Alguns viajantes, de passagem, fizeram, porém, breves registos de carácter antropobiológico relativamente à população de Macau. Serve de exemplo o apontamento seguinte:

«Com excepção de algumas famílias cujo sangue lusitano não está misturado a população é de mulatos, indianos da Goa e negros [...]» (Laplace, ob. cit., pág. 234).

Alguns autores recentes84 debruçaram-se sobre o estudo da serologia dos habitantes de Macau, mas a verdade é que, até hoje, ninguém fez esse estudo usando amostragens selectivas ou marcadores significativos, outrossim incluindo macaenses e chineses com nomes portugueses na mesma amostra. Aliás, é convicção nossa que deve ser, já, muito difícil fazer tal amostragem, uma vez que o macaense típico, que se isolou por homogamia, provavelmente a partir do século XVIII, altura em que os nomes das famílias radicadas começaram a aparecer com certa constância, é, já, bastante raro no território para se poder obter números com certa validade.

De facto, verificaram-se casamentos de gerações sucessivas de filhos da terra com europeus e alguns com chineses a partir de meados do século XIX. Por outro lado, os surtos migratórios dos meados do século XIX e, depois, na sequência da primeira Grande Guerra, seguidos de um terceiro, pouco antes da Guerra do Pacífico, acentuaram a heterosis.

O círculo de casamento (número médio de pessoas com quem um indivíduo se pode casar) é, aliás, em Macau, bastante limitado entre a população portuguesa, embora houvesse uma desproporção do número de homens, menos numerosos, como já se disse, em relação ao número de mulheres85.

A mestiçagem é um fenómeno histórico, mas o regresso ao tipo parental constitui, sempre, uma excepção. Se a percentagem de crossing-over for de um por cento, serão precisas cem gerações para completa integração genética, embora seis gerações sejam bastantes, segundo Beroist, para integração num fundo genético comum. E estas seis gerações podemos encontrá-las representadas na árvore genealógica do mapa da página seguinte.

A homogamia fenotípica, isto é, a escolha preferencial do cônjuge é, particularmente, marcada nos macaenses.

Se a escolha, nos séculos passados, se apoiava na semelhança fenotípica, elegendo o europeu ou casando dentro do grupo, não se pode negar que, de parte dos europeus residentes, essa escolha não fosse, muitas vezes, apoiada no interesse económico.

Os macaenses, descendentes de famílias antigas com vincada homogamia86, apresentam caracteres antropossomáticos e serológicos que estão de acordo com as correlações estabelecidas por Hulse87, para os descendentes de casamentos endógamos e consanguíneos. Muitos deles têm, até, lindos olhos azuis, embora os cabelos loiros sejam excepção.

Embora numa pequena amostragem, além da tendência para a braquicefalização, encontramos as seguintes correlações, nos filhos da terra:

Segundo Hulse

 

style='font-size:11.0pt;mso-bidi-font-size:10.0pt'>Segundo Hulse

Para os Macaenses (amostra

seleccionada-56 indivíduous)

style='font-size:11.0pt;mso-bidi-font-size:10.0pt'>Correlações

style='font-size:11.0pt;mso-bidi-font-size:10.0pt'>Próprias da

consanguinidade

Estatura

Negativa

Negativa

altura da cabeça

negativa a moderada

negativa a moderada

largura da cabeça

Positiva

Positiva

tensão arterial

fraca com a tensão sistólica e mais

importante com/a diastólica

variável

glicémia

Negativa

Negativa

taxas de colesterol

Negativa

Negativa

nascimentos de gémeos dizigóticos

positiva

São muito raros os gémeos em Macau

 

É de notar, presentemente, e também nos séculos XVIII e XIX, de acordo com a amostragem que nos serviu para elaborar as constelações familiares, a seguir representadas, uma baixa frequência de gémeos nas famílias macaenses; daí a dificuldade em confirmar ou negar a correspondência da última das correlações de Hulse.

Relativamente à serologia dos macaenses, seria de esperar encontrarem-se altas frequências do grupo O, em caso de consanguinidade, uma vez que o aparecimento fenotípico de caracteres recessivos é a sua fundamental característica.

Segundo Scheider88 a predominância dos grupos sanguíneos em populações endogâmicas seria A e O, o que, alias, serviria de marcador genético, se bem que não muito significativo.

Sabido que predominam, entre os chineses, os grupos BN e ON, seria de esperar que fossem estes, e ABN os grupos de maior frequência entre os macaenses, no caso de haver, há muito, larga mestiçagem entre os portugueses e os filhos do Celeste Império, como alguns autores pretendem.

Dos estudos dos Prof. doutores António de Almeida e Almerindo Lessa, não podemos tirar conclusões definitivas para apoiar a nossa hipótese, devido à não selectividade da amostragem, como, já atrás, se disse; no entanto, passaremos a analisá--los, por serem os únicos de que dispomos:

l — Dados recolhidos pelo Prof. doutor António de Almeida89

O macaense é descrito como um chinês meridional e, assim, as suas características são as seguintes: estatura acima da média, corpulência fraca, cabelo liso, mesocefalia, mesorinia, média espessura dos lábios, obliquidade das fendas palpebrais, com alguns exemplares de prega mongólica, esboçados, apenas, noutros.

Quanto ao factor Rh negativo surge-nos, no grupo, com taxas insignificantes:

Rh+ 99,0% ±1,07%

Rh- 1,0% ±1,07%

o que, aliás, é próprio dos chineses do Sul e está de acordo com estudos de outros autores. Quanto aos grupos sanguíneos ABO, o mesmo autor apresenta-nos os seguintes dados, para os chineses do Sul90:

Chineses do Sul

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do Su

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Estes dados parecem em contradição com os que Alice Brues apresenta para os chineses (dominância dos grupos B e C). Como interpretá--los? Seriam macaenses ou chineses muito hibridados os indivíduos escolhidos para amostragem?

2 - Dados recolhidos pelo Prof. doutor Almerindo Lessa91

O quadro bio-antropológico da população de Macau foi traçado por este autor, a partir duma amostragem de l 314 indivíduos, distribuídos como se segue:

    CHINESES PUROS                                l,038
    MACAENSES MESTIÇOS (PORTUGUESES/CHINESES)      20092
    PORTUGUESES DA EUROPA                            l15
    PRETOS DE MOÇAMBIQUE (LANDINS)                   16l

Partindo, a priori, de uma mestiçagem simples, portugueses/chineses, embora não saibamos como foi escolhida esta amostra, as conclusões tiradas nunca poderiam coincidir com as que uma análise diferencial lograria testar quanto à demarcação da população chinesa.

Quanto ao grupo ABO, são os seguintes, os valores encontrados:

GRUPOS

style='border-collapse:collapse;border:none;mso-border-alt:outset #906700 .75pt;

mso-padding-alt:0cm 0cm 0cm 0cm'>

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>GRUPOS

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>No

lang=EN-US>

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>de anos

O

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>A

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>B

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>AB

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>no

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>%

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>no

%

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>no

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>%

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>no

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>%

class=SpellE>Chineses

class=SpellE>Mestiços

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>

Portugueses

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>93

lang=EN-US> 

39

lang=EN-US> 

40,17

 

42,6

lang=EN-US> 

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>27

lang=EN-US> 

25

 

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>42,6

lang=EN-US> 

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>27

 

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>28

lang=EN-US> 

lang=EN-US> 

lang=EN-US style='font-size:10.0pt'>-

-

lang=EN-US> 

Quanto ao factor MN, os valores são os seguintes, para o caracter híbrido MN:

    CHINESES                                 69%
    MESTIÇOS                                 70%
    PORTUGUESES                              59%

A análise do sistema Gm já apresenta frequências mais significativas, fazendo lembrar, para os mestiços, outra hibridação para além do simples cruzamento portugeses x chineses. O Prof. doutor Almerindo Lessa admite, como hipótese, esta influência ser negróide. Perguntamos: por que não timorense ou indo-malaia?

Finalmente, sujeitos os resultados aos testes do X2, chegou-se à conclusão de que:

Teste do X2

Comparação chineses/mestiços

lang=EN-US>Sist.ABO

Sist.Rh

Sist.MN

Sist.P

Sist.Gm

lang=EN-US>Não significativo

lang=EN-US>Significativo a 1 %

Não significativo

Significativo a 1 %

lang=EN-US>Significativo a 1 %

 

Teste do X2

Comparação portugueses/mestiços

lang=EN-US>Sist.ABO

Sist.Rh

Sist.MN

Sist.P

Sist.Gm

lang=EN-US>Significativo a 1 %

Significativo a 1 %

Não significativo

Significativo a 1 %

Significativo a 1 %

 

 

Estabelecendo comparações com dados de estudos de outros autores, para o Sudeste Asiático, o Prof. doutor Almerindo Lessa chegou à conclusão de que os macaenses se afastam serologicamente dos chineses do Norte, mas se aproximam, de certo modo, de certos grupos vietnamitas, tailandeses e malaios. Por outro lado, considera que a influência indo-malaia se faz sentir nos chineses do Sul e em particular, na população de Macau.

Supomos que esta semelhança genética dos chineses do Sul com outros grupos da Ásia Meridional seja muito antiga e vinculadamente marcada em lugares onde se registou um certo isolamento geográfico ou sociocultural.

A ser assim, não admira que o fundo genético dos filhos da terra, mesmo quando se miscigenavam com os chineses locais, continuasse, preponderantemente, indo-malaio, dando, ao grupo, uma grande estabilidade.

Depois de 1966, na sequência dos distúrbios causados pelos Guardas Vermelhos chineses, algumas das últimas famílias antigas, que ainda residiam no território, abandonaram Macau.

Em 1977, novo surto migratório de filhos da terra começou a fazer-se sentir para a Austrália, Estados Unidos, Canadá e Brasil, devido ao bloqueamento de cargos na função pública, e, também, talvez, devido a uma certa apreensão quanto ao futuro de Macau.

Os cruzamentos mais ou menos recentes de filhos da terra com chinesas e a mudança de mentalidade das gerações mais jovens, em relação a tais cruzamentos legalizados pelo matrimónio, levaram, em muitos casos, a uma maior miscigenação que, hoje, viciaria, talvez, uma amostragem seleccionada, por maior cuidado que se tivesse na seleção.

Basta, nos nosso dias, olhar para um Pacheco, um Basto, um Senna, um Garcia, um Nolasco, um Melo, um Estorninho, por exemplo, para se pensar numa ascendência euro-asiática mas não chinesa, pelo menos próxima. Os seus caracteres antropobio-lógicos são muito diferentes: ausência de acentuada dolicocefalia, índices toráxicos médios, estatura mediana a elevada, cor de pele dourada, por vezes acobreada, narizes salientes, olhos muitas vezes sem prega mongólica e, não raras vezes, azuis ou pretos. Surgem-nos, nestes traços, características do brâmane, do malaio, do timorense e do europeu, características que, noutras famílias, se aliam a caracteres chineses, tal como a saliência dos malares, e a forma dos olhos em amêndoa, geralmente sem prega mongólica. As fotografias da página seguinte representam alguns filhos de Macau e ilustram sobejamente o que atrás ficou exposto.

Os cruzamentos mais ou menos recentes de filhos da terra com chinesas e a mudança de mentalidade das gerações mais jovens, em relação a tais cruzamentos legalizados pelo matrimónio, levaram, em muitos casos, a uma maior miscigenação que, hoje, viciaria, talvez, uma amostragem seleccionada, por maior cuidado que se tivesse na seleção.

Observando os luso-descendentes do Portuguese Settlement de Malaca ressalta, curiosamente, um conjunto de caracteres antropossomá-ticos semelhantes aos dos macaenses. A diferença mais notável, à primeira vista, é o tom da pele, bastante mais escura, devido, certamente, à não renovação frequente do sangue europeu e à rara miscigenação com chineses, contrariamente ao que sucedeu em Macau. O que observámos em Malaca apoia, inteiramente, o que escreveu Francisco de Carvalho e Rêgo, em 195093: «Quem, como nós, tenha viajado por muitas terras do Oriente, facilmente conclui que o macaense não é, na generalidade, de descendência chinesa. Na Índia, no Japão, no Sião, na Cochinchina, em Malaca, em Timor, nas Filipinas e até em Honolulu encontrámos tipos muito semelhantes aos de muitos macaenses que conhecemos. »

D. Ana Teresa Vieira Ribeiro de Senna Fernandes a "avó rica".

Uma neta da 1a condessa de Senna Fernandes, hoje octogenária.

Comendador Albino Pereira da Silveira.

Demétrio de Araújo e Silva, sogro de Albino Pereira da Silveira.

De facto, deve ter havido uma mistura genéti-ca muito rica em todos os pontos do Oriente por onde os portugueses passaram. Levaram consigo o fundo genético português-ibérico, já por si fortemen-te hibridado, e com os seus filhos luso-asiáticos le-varam genes dos pontos mais díspares do continente asiático. Daí o seu espantoso polimorfismo e a sua extraordinária capacidade adaptativa.

4. DADOS ETNOGRÁFICOS

Uma geração famosa de macaenses. Grupo de passeio "às ilhas", finais do século XIX. Da esquerda para a direita: la fila, sentados:

Joaquim Gil Pereira, José Maria Lopes, Francisco Filipe Leitão, Carlos Augusto da Rocha d'Assumpção. 2a fila, sentados: Carlos Cabral. José Vicente Jorge, Francisco Xavier da Silva. Conde de Senna Fernandes.

Fila de trás, de pé: Dr. Lourenço Pereira Marques, Emílio Jorge, Constâncio José da Silva, Aureliano Guterrez Jorge, Delfim Ribeiro, Francisco Pereira Marques, José Ribeiro, Dr. Evaristo Expectação d'Almeida (médico, nat. de Goa), António Joaquim Basto Jr. e Luís Lopes dos Remédios.

(Fotografia do espólio de João Feliciano Marques Pereira).

O grupo dos macaenses detém alguns pa-drões culturais bem demarcados do dos chineses e, também, do dos metropolitanos, fruto de aculturação de múltiplas etnias que convergiram naquele pequeno território, predominantemente por via feminina, ao longo dos primeiros séculos da sua História. Para se conservarem, estes padrões teriam de ter, originalmente, vínculos muito fortes, apon-tando para uma tradição materna, e, também, repre-sentarem respostas adaptativas conseguidas. Se as mães dos primeiros macaenses fossem chinesas e a miscigenação com mulheres desta etnia tivesse pre-valecido ao longo dos séculos, nunca os padrões indo-malaios, que caracterizam o grupo, teriam lo-grado chegar aos nossos dias. E a verdade é que ainda encontrámos alguns destes padrões bem vi-vos entre as anciãs filhas da terra que conhecemos, em Macau, nos anos 60/70. Dentre estes padrões, são de citar o papiá, falar da terra (ou mac'ista antigo), os hipocorísticos (nominhos ou nomes de casa), a culinária, o trajo, os jogos e passatempos e as mezinhas, além de um mal dissimulado desprezo pelos chineses e, mais ainda, pelos cafres, antigos servidores das famílias abastadas.

O DIALECTO DE MACAU

As antigas senhoras das famílias macaenses mais principais e as suas crioulas, exprimiam-se mal em chinês, fazendo, disso, um certo luxo, e empre-gando, entre si, quando falavam, o característico patuá de outros tempos, que a escolarização femini-na do século passado veio adulterar.

Esta maneira de falar em que se misturam termos antigos que, no português moderno, já se perderam, e palavras de diferentes grupos, principal-mente asiáticos, parece ter nascido quando o portu-guês se tornou língua franca94 no Oriente. De facto, ainda hoje, vestígios de um antigo patuá semelhante ao de Macau e, de certo modo, ao crioulo cabo—verdiano, tem sido estudado por vários autores, em diferentes pontos da Ásia. É o caso de Malaca, Ceilão, Indonésia (Flores)95 e, ainda, em Nagasáqui, onde certas palavras portuguesas perduraram. A títu-lo de curiosidade, é de citar uma especialidade tradi-cional, um bolo tipo pão-de-ló, chamado ali castila e muito semelhante ao que, também, se faz em Ma-cau96, sob o nome de bolo castelhano.

Devido à reclusão tradicional das mulheres, uso de influência oriental que caracterizou, também, o período medieval na Europa, só muito tarde o ele-mento feminino começou a gozar de certa liberda-de e a ir à escola, privilégio só dos rapazes desde os inícios do estabelecimento da cidade, quando os padres jesuítas fundaram o seu célebre Colégio de S. Paulo do Monte.

Devido a este facto, se os homens macaenses perderam, mais cedo, o domínio do antigo patuá, as mulheres mantiveram-no, praticamente, até aos nos-sos dias, principalmente entre as classes menos favorecidas e nos grupos que se mantiveram mais isolados em Xangai e em Hong Kong.

Analisando os trabalhos sobre a língua de Macau de João Feliciano Marques Pereira97, Danilo Barreiros98, José dos Santos Ferreira99 e, principal-mente, da filóloga Graciete Batalha100, podemos constatar que existem, realmente, vestígios muito ri-cos de convergência cultural.

Segundo Graciete Batalha, a língua que os portugueses deixaram pelos vários pontos da Ásia já ultrapassara a língua franca quando estes se estabe-leceram em Macau, acompanhados por indígenas de várias origens. Usavam, como meio de comunica-ção, uma linguagem de certo modo amadurecida, ampliada por contingentes vocabulares e tendo atin-gido já um certo estado de fixação fonética, morfológica e sintática que aqui veio a manter se por trezentos anos, até começar, no século passado, a desarticular-se101.

Principalmente em meados do século passa-do, com a fundação da colónia de Hong Kong, deve ter começado a fazer-se sentir mais a influência da língua inglesa, não só no falar dos portugueses de Macau, mas também no da própria população chine-sa. Curiosamente, e devido, decerto, ao isolamento do grupo, conservaram-se, na língua de Macau, ar-caísmos portugueses que, principalmente algumas senhoras idosas, ainda hoje empregam com certa frequência. Tais são o caso das palavras botica, azinha, dó, ade, bredos, sombreiro, pateca, persulana e talú, além de outros menos frequentes.

Quanto a étimos indianos, malaios e de outras origens, são de citar, por exemplo, bazar e achar (do persa), garbo e chamiça (do hebreu), adufa, chale, afião, tufão (do árabe), jagra, baniane, areca, filaça, calaím, gargú, cacada, (do indiano ou indo-português), bétele, condê, chiripo (do tamul), bába (do turco), cate (do malaio-javanês), caia nuno, missó, caqui, nachi (do japonês), agrong, jangom, balichão, saraça, savan e muitos outros do malaio, sendo al-guns comuns ao tetum, e, ainda, bebinca, sarangun e cincomaz, talvez do tagalo102.

De quatrocentas e vinte e seis palavras de ori-gem não portuguesa estudadas no seu Glossário do Dialecto Macaense, Graciete Batalha registou setenta e cinco de origem chinesa (17,6 por cento)103, oitenta e seis de origem indo-portuguesa e malaio-portuguesa (20 por cento), trinta e duas de origem inglesa (7,5 por cento), oitenta e duas de diversos idiomas (19,2 por cento) e cento e cinquenta e uma de origem malaia, o que corresponde a 35,4 por cento, e parece advogar uma influência predominante do idioma malaio no falar dos antigos macaenses. É nossa opinião que o motivo que levou à conservação ou, talvez, ao enriquecimento, em termos malaios, do falar de Macau, nisso, provavelmente diferente da antiga língua franca, teria sido a predominância das escravas timorenses e malaias que, nos últimos séculos, serviam as famílias macaenses, uma vez que era proibida a escravatura de chineses.

É de notar um ponto interessante: a não sobrevivência de termos dos dialectos africanos, embora tenha havido, em Macau, escravos negros e cafres em grande número104. Supomos que os escravos africanos, falando, naturalmente, ídiomas diferentes e sendo originários de pontos de civilização rudimentar, entender-se-iam, entre si e com os seus amos, em português, não encontrando possibilidades de cederem palavras das suas línguas ao falar local por serem relegados para trabalhos mais grosseiros, não ocupando, nunca, lugares de relevo dentro das famílias portuguesas.

HIPOCORÍSTICOS

O uso de hipocorísticos, nominhos ou nomes de casa, é muito frequente em Macau. Sabe-se que, no século passado, os hipocorísticos eram os nomes correntes da maioria dos filhos da terra, a par de alcunhas que, ao que parece, eram, apenas, atribuídas aos homens e passavam, por vezes, de pais para filhos, durante algumas gerações105. No seu diário, Macau dia a dia, Francisco António Pereira da Silveira, membro de uma antiga família ilustre macaense, quando se refere aos seus familiares e a outras pessoas suas amigas, trata-as, sempre, pelos seus nomes de casa106. Este uso parece ter a sua origem nas amas negras, tal como sucedeu em Cabo Verde e no Brasil, segundo Gilberto Freire107, e, no caso de Macau, porventura, também nas amas de outras etnias. Estes diminutivos afectuosos correspondem aliás, ao tratamento corrente entre os chineses de Macau. Segundo o professor Jin Guó Ping, o tratamento iniciado pela expletiva Á, como Á Má, Á Mui, Á Fong, etc., corresponde ao diminutivo: a mãezinha, a irmãzinha mais nova, o "Fonguesinho", sendo Fong, neste caso, o prenome108.

Este uso, bem documentado para o século XIX, é mais antigo em Macau e dele nos dá notícia, por exemplo, Bocage, no seu soneto A Beba (diminutivo de Genoveva), no século XVIII. Nas formas respeitosas de tratamento, as senhoras de condição eram, noutros tempos109, em Macau, siaras, e os respectivos maridos, sium, sendo, as pessoas de estatuto social menos elevado, tratadas por nhin ou nhonha e nhon, no caso de se tratar de um elemento do sexo feminino ou masculino, respectivamente. As primeiras formas perderam-se. O termo nhon consta de vários documentos do século XVIII, e também Bocage o referiu110; o termo nhonha logrou perdurar até aos princípios do século XX, na linguagem corrente. É curioso notar que a palavra nona corresponde, em javanês, à filha solteira do europeu; no papiá de Malaca, à irmã mais velha, dentro do agregado familiar; e, em Timor, à manceba indígena do europeu. Ao que parece, este termo foi difundido pelos portugueses, tendo sido registado na Zambézia o nome nhanha para as mulheres nativas, casadas com brancos111. Alguns autores vêem, nestas designações, um longínquo étimo português: senhora.

Dos papéis do espólio de João Feliciano Marques Pereira, conservados na Biblioteca da Sociedade de Geografia, e ainda por catalogar, consta uma lista de hipocoristicos usados em Macau no século passado. Juntando a estes aqueles que recolhemos em Macau e/ou são, ali, frequentes nos nossos dias, catalogámos os seguintes:

    Agostinho................................................ Chinho
    Ana................................................. Anita, Nita
    Angelina.................................................. Achai
    Antónia....................................... Tona, Tonica, Ica
    António......................................... Tone, Tonico, 
                                                Toninho, Ico, Toneco
    Alberto.................................................... Beto
    Cláudio..................................................... Ado
    Cláudia..................................................... Ada
    Eduardo............................................... Ata, Dado
    Eduarda............................................... Ata, Dada
    Bartolomeu............................................... Munco
    Deolinda.................................................. Linda
    Esmeralda................................................. Dada
    Ermelinda................................................. Linda
    Bárbara........................................... Bita, Barbita
    Belarmina.................................................. Nina
    Boaventura................................................. Tula
    Angélica.................................................... Eca
    Edite...................................................... Didi
    Emília.................................................... Milly
    Ernestina................................................. Tina
    Fernando........................................... Nano, Nando
    Francisco.......................................... Chico, Quico
    Francisca................................................. Chica
    Emerenciana.............................................. Chana
    João..................................................... Janjan
    Josefina................................................... Fina
    Filomeno........................................... Meno, Menico
    Filomena.......................................... Mena, Menica
    Filipe..................................................... Ipi
    Evaristo................................................... Ito
    Mariana............................................ Nana, Nanina
    Natália.................................................... Tátá
    Pascoela................................................ Pancha
    Vicente......................................... Chente, Chencho
    Vicência................................................ Chencha
    Teodora.................................................... Dora
    Natércia............................................ Nati, Netty
    Cláudio..................................................... Ado
    Pascoela................................................ Pancha
    Adelaide.................................................. Laida
    Angélica......................................... Angica, Lica
    Ângela.................................................. Alica
    Beatriz................................................. Betty
    Catarina.......................................... Cate, Catty
    Conceição...................................... Conchita, São
    Genoveva................................................... Beba
    Isabel.............................................. Danda, Isa, 
                                                         Bela, Zabel 
    Inácia.......................................... Bibi, Parocha, 
                                                   Achinha, Anchinha 
    Inácio.................................................... Acho
    Jorge...................................................... Jimi
    Humberto.................................................. Beto
    José..................................... Jesico, Jejico, Zinho
    Letícia............................................ Tícia, Letty
    Herculano................................................ Josico
    Luís................................................ Ichi, Lulu
    Josefa..................................................... Epa
    Lourenço................................................ Chencho
    Lourença................................................ Chencha
    Joaquim.................................................... Quim
    Leonel..................................................... Neco
    Florêncio............................................... Chencho
    Florência............................................... Chencha
    Henrique......................................... Riqui, Quiqui
    Faustina................................................... Tina
    Faustino.................................................. Tino
    Ludovico................................................... Lulu
    Matilde.................................................... Tide
    Malvina.................................................... Nita
    Manuel..................................... Manico, Mané, Néné
    Gabriela.................................................. Gaby
    Maria...................................... Ia, Mimi, Mari, Mary
    Olinda................................................... Linda
    Olívia.................................................... Olly
    Clara...................................................... Caca
    Carlos.................................................... Litos
    António.................................................... Toco
    Evaristo.................................................... Ito
    Robertina.................................................. Tina
    Frederico.................................................. Dubi

Comparando os hipocorísticos actuais com os antigos e com os que são frequentes em Goa e em Cabo Verde, verifica-se que a terminação em Goa é em u — Forçu (Francisco), Salu (Salvador)112 — enquanto que em Cabo Verde se aproximam muito mais dos que são usados em Macau, embora, alguns, não tenham absoluta correspondência. É o caso de, por exemplo, Genoveva, Beba, Beto (Alberto e Roberto), Bina (Etelvina), Chencho (Inocêncio), Tino (Faustino), Fina (Josefina), Ia (Maria), Nico (Manuel), Dado (Eduardo), etc..113

Não é nossa intenção fazer, aqui, um estudo comparativo dos hipocorísticos nos vários crioulos portugueses. Apenas se pretende demonstrar que os nominhos de Macau não devem ter sido criados pelas amás chinesas, como alguns autores supõem, apoiados na sua forma dissilábica; outrossim, devem ter uma origem mais antiga.

A rematar este assunto, transcrevemos uma série de quadras cujo primeiro verso corresponde a uma composicão cantada, que consta dos papéis de João Feliciano Marques Pereira como sendo de Macau. Este conjunto de quadras foi-lhe enviado a 20 de Outubro

DISPARATES

Remetida por Emílio Honorato de Aquino, de Hong Kong, em carta de 20/10/900.

Passarinho verdi (verde)

riba de (pousado sobre) telhado

capí, capí, (batendo as) aza

chomá (chama) por nhum Ado (Eduardo)

Passarinho verdi

riba de porta capí,

capí, aza

choma nhi Carlota

Passarinho verdi

riba de janela

capí, capí, aza

choma nhi Miquela

Passarinho verdi

riba de escada

capí, capí, aza

choma nhi Ada (Esmeralda)

Passarinho verdi

riba de tanaz (tenaz)

capí, capí, aza

choma nhum Braz

Passarinho verdi

riba de cosinha

capí, capí,

aza choma nhi Anninha

Passarinho verdi

riba de tacho (frigideira)

capí, capí, aza

choma nhum Acho (Ignácio)

Passarinho verdi

riba de painel (quadro)

capí, capí,

aza choma nhi Zabel

Passarinho verdi

riba de fugam

capí, capí, aza

choma nhum Jamjam (João).

Passarinho verdi

riba de sino

capí, capí, aza

choma nhum Tino (Faustino).

Passarinho verdi

riba de almario

capí, capí, aza

choma nhum Januario.

Passarinho verdi

riba de batente

capí, capí, aza

choma nhum Chente (Vicente).

Passarinho verdi

riba de maca capí,

capí, aza

choma nhi Caca (Clara)

Passarinho verdi

riba de coco

capí capí aza

choma nhum Toco (António)

Passarinho verdi

riba de buaiam-bico (bule)

capí capí aza

choma nhum Jejico (José)

Passarinho verdi

riba de bassora (vassoura)

capí capí aza

choma nhi Dora (Theadora)

Passarinho verdi

riba de bassora-pena (espanador)

capí capí aza

choma nhi Mena (Philomena)

Passarinho verdi

riba de palito

capí capí aza

choma nhum Ito (Evaristo)

Passarinho verdi

riba de fula (fior)

capí, capí, aza

choma nhum Tula (Boaventura)

Passarinho verdi

riba de caneca (caneco)

capí, capí, aza

choma nhi Eca (Angélica)

Passarinho verdi

riba de lenço

capí, capí, aza

choma nhum Encho (Lourenço)

Passarinho verdi

riba de bacia capí,

capí, aza

choma nhi Ia (Maria)

Passarinho verdi

riba de hospital

capí, capí, aza

choma nhum Vital

Passarinho verdi

riba de campinha (campainha)

capí, capí, aza

choma chacha-dinha (avó madrinha)

Passarinho verdi

riba de chaminé

capí, capí, aza

choma chacha-néné (parteira)

Passarinho verdi

riba de gradi (cerca)

capí, capí, aza

choma sium padri (sacerdote)

de 1900 por Emílio Honorato de Aquino, português de Macau radicado em Hong Kong, onde o crioulo viveu e se manteve mais puro, durante mais tempo.

O passarinho verde ou pastorinho verde (dos actuais cristãos de Malaca) parece ser uma deturpação de papagaio verde, forma que aparece na seguinte quadra de Damão:

papagaio verde

sentá sobre lêtêr

batê, batê azas, surumbá

Chamá rapaz solter [... ]

(Mons. Sebastião R. Delgado — <Ta-Ssy-Yang-Kuo, Lisboa, 1903, p. 26).

A CULINÁRIA

Um dos aspectos mais característicos da cultura macaense é, sem dúvida, a culinária. A tradição local prima por receber bem e, vestígio da tradição antiga portuguesa e dos padrões orientais de lauta mesa, um chá gordo é o produto híbrido receituário muito rico114.

Na preparação de um chá gordo, merenda ajantarada, correspondente, de certo modo, ao nosso copo d'água, esmeravam-se as senhoras macaenses, pois era ocasião de mostrarem os seus dotes artísticos e, também, de boas cozinheiras e doceiras, prendas que não podiam faltar a uma menina casadoira e, depois, a uma boa dona de casa. No chá gordo podiam apresentar-se vinte ou trinta especialidades culinárias (doces e salgados) dantes primorosamente enfeitadas com papéis de seda, recortados, alguns muito decorativos, conforme a maior ou menor criatividade de quem os executava.

Muitas receitas das especialidades da culinária macaense variam de família para família, no que respeita ao pormenor, constituindo em certos casos verdadeiros segredos ciosamente guardados de geração em geração. Das receitas que pudemos consultar constam especialidades das mais diversas inspirações e, curiosamente, menos de inspiração chinesa do que portuguesa antiga e indo-malaia.

Estas especialidades, considerando, apenas, as mais características, podem analisar-se sob diferentes aspectos: relacionadas com certas festividades e relacionadas com pratos característicos de diferentes etnias.

Analisemos, em primeiro lugar, as especialidades próprias do período do Natal macaense. Nesta quadra nunca podem faltar o aluá, coscorões e fartes, respectivamente considerados o colchão, a manta e a almofada do Menino Jesus, além da empada de peixe, cuja eleição talvez se relacione com a antiga prática de abstinência, à semelhança do que se faz em muitas aldeias de Portugal e que também. fazem os chineses por ocasião do seu Ano Novo.

O aluá é um doce à base de amêndoas que, em Macau, se supõe ser de origem indiana. No entanto, o aluá, é uma especialidade do mundo árabe que, há muito, entrou na Península Ibérica, dando em Portugal a alféola de outros tempos a que vários documentos antigos se referem. A receita tradicional de Macau, pelo menos usada em meados do século passado, é a seguinte: «Três quilos de farinha de arroz pulú, que se lava e se deixa assentar até ao dia seguinte, deitando-se fora a água que está por cima. Tomem-se cinco cocos, pise-se o seu miolo, que se escalda com suficiente água a ferver. Guarda-se esta infusão e o bagaço à parte. Toma—se:

    AÇÚCAR..................................................... l quilo
    AMÊNDOAS DOCES.............................................. q. b. 
    NOZE S (SE QUISER)............................................ q. b. 
    BANHA...................................................... l quilo

Mistura-se tudo, menos a banha, com a água de infusão de coco, e deita-se numa bacia de arame (latão) que vai ao lume. Vai-se cozendo a pouco e pouco e mexendo com uma colher de pau, acrescentando-se, a pouco e pouco, a banha. Quando a banha não se distinguir mais da massa, está cozido e vasa-se, logo, para uma mesa de pedra, besuntada de manteiga de vaca e, com o rolo também besuntado de manteiga, dá-se-lhe uma espessura igual, cortando-se quando estiver fria, em quadrados ou em feitios que se desejarem. Neste caso deve-se empregar um emporte pièce apropriado, com os feitios que se quiserem, semelhantes aos empregados nas farmácias para recortar pastilhas. Depois de pronto guarda-se. Pode guardar-se durante muito tempo, sem se estragar, mas o melhor é comê-lo fresco. Em Macau costuma designar-se o melhor aluá pelo qualitativo de Mascate115. »

É possível que o aluá tenha sido importado, em Macau, a partir da Índia, muito embora a sua origem possa ser arábica.

Os coscorões, manta, ou lençol do Menino Jesus, que algumas informadoras consideram, tam-bém, como colchão, são filhoses fritas em óleo de amendoim, fazendo-se rodar a massa numa frigidei-ra, com dois fai tchi apoiados no centro, o que lhes confere um aspecto muito semelhante ao dos coscorões do Alto Alentejo, que se fazem da mesma maneira, mas usando o cabo da colher de pau, em lugar dos fai tchi, para fazer rodar a massa.

Os fartes são bolinhos de farinha, ovos e mel que, em Macau, se substitui por açúcar, juntando-se—lhe coco, semelhantes (embora de receita mais ela-borada), aos que, desde a Idade Média, se usavam já em Portugal, em certas festividades116.

ESPECIALIDADES DO CARNAVAL

Feitos para enganar, segundo dizem os informadores, era, dantes, costume em Macau, na Festa de Quarentoras117, confeccionar bebinca de nabos, barba, e ladu. A bebinca de nabos é um pudim de rábano cozido e arroz glutinoso, que se prepara em banho-maria, muito semelhante ao lou pá kou da culinária chinesa. Barba é um doce feito com açúcar em ponto, difícil e trabalhoso, que imita umas longas barbas brancas. Ladu é, também, um doce feito com farinha de arroz glutinoso, pinhão torrado118 e feijão branco torrado e moído, que se serve, depois de pronto, coberto de farinha de feijão.

O estudo comparativo da culinária de Macau, para determinação de possíveis origens de certos pratos ou vincada originalidade de outros, está por fazer. Há, no entanto, alguns contributos bastante vá-lidos, redigidos por filhos da terra119, a partir dos quais se podem tirar algumas conclusões. Foi-nos possível, também, consultar, por amável deferência, alguns ca-dernos manuscritos de receitas culinárias, alguns da-tando, pelo menos, do século passado. A partir desses dados, podemos constatar que, em Macau, se prepara-vam receitas conventuais do século XVII, tais como manjar real, manjar branco e outros pratos, tanto salgados como doces, de origem nitidamente portu-guesa. Outros pratos parecem ser receitas indianas e malaias, fortemente condimentadas, contra as prefe-rências clássicas dos chineses. É talvez nesta pre-ponderância do uso das especiarias e dos picantes acentuados que consiste a mais forte demarcação da culinária macaense perante a culinária chinesa clás-sica tão requintada.

Dos pratos e doces característicos de Macau, seleccionámos os seguintes, que nos pareceram mais significativos:

SOPAS

Sopa lá-cá sá — É de inspiração chinesa e feita com aletria de farinha de arroz e caldo de ca-marão.

CRUSTÁCEOS E MARISCOS

Balichão caranguejo-bispo, caranguejo com flores de papaia e casquinha. Destes, é o balichão, o balachão que merece especial referência. É um molho feito com camarões pequenos, moídos com sal e chiles, curado ao sol. Conservava-se muito tempo em frascos e usava-se, frequentemente, como tempero. Este molho é, ao que parece, de origem malaia, mas a sua receita, em Macau, variava de família para família, nos seus pormenores. Há muito que os chineses imitaram esta conserva, para fins comerciais. Contudo, o molho particular, preparado pelas antigas senhoras macaenses, era de qualidade muito superior. Dizem as senhoras macaenses que o mais sabroso era aromatizado com folhas de louro, que, por isso mesmo, se chamavam folhas-balichão.

AVES

O pato de cabidela, a galinha verniz e a gali-nha chau-chau parida são três pratos em que são exímias as senhoras macaenses. No primeiro, adap-ta-se, ao pato, ave de eleição da culinária chinesa, a cabidela ibérica; nos dois últimos pratos é nítida a influência chinesa. A galinha chau-chau parida é um prato forte, preparado com ovos e gengibre (este para expulsar o vento), que as amás ou parentes chinesas davam, como primeira refeição, às mulhe-res macaenses depois do nascimento de uma crian-ça. É, aliás, equivalente à canja de galinha com ar-roz que, durante trinta dias, se dava às parturientes no Norte de Portugal.

LEGUMES

Dos legumes há que destacar a bebinca de nabos, já tratada; o margoso-lorcha, preparado com os frutos de Momordica charantia L. e com recheio de carne de porco picada; sambal de margoso, pre-paração de origem indiana, com o mesmo legume120; bredo raba-raba, uma mistura de hortaliças: cancong (Ipomoea aquatica Forsk), couve chinesa, papaia verde folhas de mostarda verde (Brasaica juncea Coss), balichão e flores de papaia, estufadas lentamente e temperadas com missó cristão. Este termo, missó, é de origem japonesa.

PEIXES

São de referir, além da empada, que é cozida no forno em pires individuais, com recheio de peixe desfiado ou picado com açafrão, o chutney de peixe, preparação de origem indiana à base de cebola, aça-frão e coco ralado, muito picante, que é particular-mente gostosa com o peixe que se vende no mercado local sob o nome de peixe cabus (do português caboz). Modernamente, em Macau, prepara-se, tam-bém, chutney de bacalhau. O peixe molho, Francis-co e o peixe têmpra são duas receitas, ao que consta, muito antigas em Macau que, ou se perderam ou não conseguimos encontrar quem as conhecesse em por-menor, muito embora vários informadores se lhes tivessem referido como sendo pratos antigos muito saborosos. É possível que o peixe têmpra se relacio-nasse com a tempura japonesa.

CARNES

Dos pratos de carne, em que é extraordinaria-mente rica a culinária de Macau, são de referir o porco balichão ta marindo e o minchi, ao que parece de origem inglesa, sendo, o seu nome, uma corruptela de minced beef (ou minced meat)121. Não se sabe, em Macau, a data de criação deste prato, que parece ser sino-europeu, mas consta que, em 1840, quando se assistiu ao primeiro surto migrató-rio dos macaenses para Hong Kong, este prato foi para ali levado, surgindo, posteriormente, numerosas variantes122. Além destas, não podemos deixar de re-ferir o porco bafá assá. Esta receita é, possivelmen-te, uma criação local, tanto podendo preparar-se com carne de porco como com carne de vaca. Os tempe-ros (pimenta, acafrão, louro e alhos picados) apon-tam para uma adaptação de uma antiga receita portu-guesa. A originalidade da receita de Macau consiste em ser a carne primeiro estufada e, depois, frita em banha até alourar. O porco chau chau com cincomaz é outro prato característico e muito apreciado. Nesta receita, usa-se a raiz de Pachyrhisus erosus L. (fancot), cogumelos, chocos e carne de porco em tirinhas, estufados em conjunto. O porco sutate tem-perado com molho de soja parece ser de influência chinesa. Em contrapartida, a chamada capela é um prato antigo de Macau que se prepara com carne de porco com o coiro, em parte picada e em parte corta-da às tiras. O nome parece advir da capa ou capela que cobre o cozinhado. Esta capa ou capela é consti-tuída pelas fatias de carne gorda, salpicadas com mi-galhas de pão ralado122A. O tacho também conhecido por chau-chau pele, é um prato de criação local con-siderado o cozido à macaense. É preparado com ga-linha, chouriços chineses, carne seca ao fumeiro, pele de porco torrada, presunto, chispe, carne salga-da, duas qualidades de couves, cogumelos e nabos, tudo cozido depois de estrugidas todas as carnes em banha. É de notar que a palavra chau-chau significa, na linguagem corrente de Macau, uma mistura e não, propriamente, a acção de mexer, fritando, a que a palavra chinesa corresponde. Cria-cria é um pre-parado em que se pode usar qualquer espécie de carnes frias. A carne é misturada, picada muito fina, com presunto chinês cozido, farinha de arroz, queijo ralado e gemas, formando-se argolas com a mistura, que se fritam em banha. Furusu é, também, um pra-to que se faz com carnes frias temperadas com gen-gibre, chile, sutate, mostarda e hortelã. Se, pelo nome, lembra uma remota origem japonesa, a horte-lã é tipicamente lusitana. O diabo é o prato talvez mais conhecido e mais apreciado da culinária de Macau. É uma forma de aproveitamento de restos de carnes, que sempre sobravam depois dos lautos ban-quetes, que ficaram famosos na tradição oral de Ma-cau. Na sua essência, é um estufado em tomate e cebola, de uma mistura de carnes, condimentado com mostarda, sal e pimenta, por vezes com pimentinhos, no caso de se desejar muito picante. É conhecido, então, por diabo furioso. Considerado uma criação de Macau, a verdade é que, no período vitoriano, diabo era um molho fortemente condi-mentado muito em voga entre os ingleses. A finali-zar esta pequena amostra da pluralidade de fontes de inspiração da culinária macaense, resta citar a vaca cabab123, cujo nome, em si, é de origem árabe123A.

ARROZ

Arroz carregado com balichão tamarindo. Este prato, que dantes se usava para piqueniques, como prato frio, é considerado de difícil digestão, mas é bastante apreciado em Macau. Prepara-se com duas ou três onças de banha para cada libra de arroz. Tempera-se, na altura de sevir, com balichão e tamarindo. O arroz gordo é um prato substancial, à base de arroz de tomate, que se serve com paio, presunto chinês, galinha, passas, ovos cozidos, bata-tas e pão frito. O arroz lap mei é considerado um arroz nutritivo e costuma servir-se no Inverno, por ser um prato quente. É preparado com arroz glutinoso, cozido com carne fumada chinesa, chouri-ço de carne de porco, chouriço de fígado, toucinho e chocos. Coze-se em banho-maria. Lá pá é ao que parece, um prato antigo cuja receita não encontrá-mos mas que, segundo algumas informadoras, é uma adaptação, com algumas variantes, do arroz lap mei.

DOÇARIA

Os doces de Macau são, na sua maioria, adap-tações (com ingredientes locais) de receitas portu-guesas, antigas, para o que parece apontar o número elevado de ovos que entram na sua composição. Al-guns doces, porém, parecem ser de inspiração dife-rente e, mesmo, criações locais. São de citar diversas especialidades que decoram os ternos enfeitados ou bolos vestidos que nunca faltavam nas grandes festas e que, ainda há pouco tempo, eram feitos por casião do Ano Novo lunar para retribuir os mimos enviados pelos amigos chineses, no Natal. Destes doces, eram característicos os beijinhos, espécie de rebuçados de ovos, confeitos123A, as laranjinhas de pagode, crista-lizadas, cuja casca era decorada por meio de incisões ou torneados feitos com instrumento metálico espe-cial. São ainda de citar os "famosos" confeitos tradi-cionais da doçaria portuguesa seiscentista.

Dos outros doces, que se podem considerar característicos de Macau, há que citar: aluá, já des-crito; baji, feito com arroz glutinoso, coco ralado, açúcar e leite124; batatada, bolo apudinado feito com batata doce, coco ralado e ovos; bebinca de leite, cujo nome faz lembrar a bebinca em folhas ou cama-das, característica da doçaria de Goa mas, contudo, daquela não possui senão o nome, pois é uma espé-cie de leite creme feito com água de coco e, depois, queimado com brazas dispostas sobre uma tampa de lata; bicho-bicho, que são biscoitos fritos e cujo nome deriva da sua forma alongada resultante do efeito de se torcer a massa, duas ou três vezes, a partir de um cilindro fino de, pelo menos, um palmo de comprimento; bolo amante, bolo muito apreciado e, ao que parece, de longa tradição em Macau. Este bolo, tal como o bolo, entena podre, bolo leque e bolo pinhão, um bolo adaptado de receitas portugue-sas, com numerosas variantes, que diferentes doceiras conservam em segredo. Merece especial re-ferência o bolo castelhano ou castela, por ser uma espécie de pão-de-ló, que também encontrámos em Nagásaqui, como atrás se disse. Bolo mamune é um bolo de passas que nos parece de influência inglesa. Corresponderá mamune a Mammon, deus da rique-za? O bolo favorito que talvez possa considerar-se o emblema da doçaria macaense é, porém, o bolo me-nino, tido por uma especialidade de inspiração local. Celicário é o nome dos bolinhos preparados com doze gemas e quatro claras, leite fresco e açúcar pedra125 derretido, que se cozem em banho-maria, em forminhas cobertas com uma tampa sobre a qual se colocam brasas de carvão para tostar a superfície. É considerado um dos doces mais antigos do territó-rio. Chá-chá é um caldo doce, feito de coco, feijão—verde, sagú126 e inhame. Dodol é um doce de pera em calda. Fula-fula são bolinhos que se preparam com arroz glutinoso, j agra, amendoim torrado e tiras de coco cristalizado. A mistura é colocada num ta-buleiro, cortando-se, depois, os bolos com a forma de losangos. F avinhas de mel são bolinhos pequenos cuja receita não encontrámos. Ladu é um bolo cozi-do a vapor cuja base é o arroz glutinoso torrado e moído, jagra, pinhão torrado e moído, coco ralado, feijão-branco também torrado e moído e pimenta em pó. Depois de cortado aos quadrados, cobre-se com pó de feijão peneirado. Marcazote, ao que parece, é uma antiga receita portuguesa de bolinhos confeceionados à base de ovos, açúcar e farinha de trigo, cozidos em formas pequenas. Muchi são bo-linhos cujo nome parece ser de origem japonesa127. Consiste em bolinhos de massa de farinha de arroz glutinoso e feijão branco torrado e moído, com re-cheio de jagra, coco ralado, feijão e gergelim torra-dos. Estas bolinhas são cozidas em água a ferver e recheadas depois de frias. Também são conheci-das, em Macau, por apa-muchi, Onde-onde é seme-lhante ao muchi, mas simplificado. Saran-surave é outra especialidade macaense de tradição muito antiga. D. Maria Magarida Gomes conta uma poé-tica lenda sobre a origem deste bolo, que não é mais do que um pão-de-ló, com dezasseis ovos, co-zido em banho-maria128.

DIVERSOS

Betele vestido - Sempre que havia uma recep-ção em Macau era costume oferecer-se aos convi-dados talhadinhas de areca e folhas de betele en-volvidas em papel de seda finamente recortado. Chi-le missó é o molho de malagueta correspon-dente ao lat chiu chéong dos chineses, por analogia com o missó cristão já atrás referido, O xarope de folhas de figueira é preparado com açúcar-pedra e folhas de figueira, árvore, aliás, muito rara em Ma-cau onde se desenvolve mal. Este xarope pretende imitar o xarope de capilé, com a vantagem de ser considerado uma frescura129. Representa, assim, á excepção da culinária macaense, que transforma receitas importadas em função dos ingredientes lo-cais. Pão de casa é o nome dado em Macau, por alguns informadores, ao pão-de-ló português.

Nhonha com dó e interior de uma casa macaense modesta.

Reprodução de uma aguarela do album do comandante Filipe Emílio de Paiva (1902-1903).

Col. Res. da Bib. da Soc. Geografia de Lisboa. (Foto de Carlos Marreiros).

TRAJO

Os macaenses ou filhos da terra vestem, hoje, todos à europeia e, apenas no Inverno, alguns pre-ferem os min-hap (casacos chineses acoichoados), aos pesados sobretudos do Ocidente. As senhoras também vestem, por vezes, principalmente quando se encontram fora da sua terra, uma cabaia em boa seda ou em brocado quase sempre enriquecida com valiosos bordados. É que, de facto, tanto o min-hap como uma bonita cabaia são trajos sóbrios, leves e muito elegantes, que ficam bem às macaenses de compleição delicada.

Noutros tempos, tanto os portu-gueses reinóis como os seus descendentes, vestiam pelos modelos da Europa, que não se encontravam adaptados ao clima de Macau. Segundo diz Linschoten130. os portugueses de Goa vestiam-se como os do Reino, dispensando, porém, as meias e usando botas de cano mais baixo. É de crer, por comparação com as figuras que ilustram os biombos namban, que se podem ver no Muscu de Arte Antiga, em Lisboa, e pelas raras representações iconográ-fi-cas de tipos masculinos de Macau, que os usos fossem semelhantes nas duas cidades. Se os homens usavam estes trajos, provavclmente em tecidos mais leves e mais caros do que os que se usa-vam em Portugal, as suas mulheres e fi-lhas, asiáticas ou euro-asiáticas, muito cedo começaram a usar um trajo novo, criado nas praças portuguesas, talvez em Goa, inspirado na maneira de trajar das mulheres indo-malaias. Esta trajo, que, por sua vez, havia já sofrido uma certa influência isiâmica, era curiosa-mente semelhante, no seu conjunto, ao vestuário que usavam, ncssa altura, as mulheres ibéricas. Tal vcstuário, fresco e próprio para suportar os Verões cálidos da Ásia das Monções, era a chamada saraça-bajú, semelhante ao pano bajú ou saraça-quimão, usado pelas mulheres cristãs de Goa, e que logrou perdurar no Ori-ente até princípios do século xx131. A saraça-bajú com-punha-se de três peças: uma paça de pano, que se enrola-va à cintura a servir de saia, semelhante aos sarong malaios; uma blusinha curta, em pano muito fino, corta-da à maneira de quimono, sem degolação; e uma terceira peça de pano, semelhante à primeira, que as mulheres colocavam pela cabeça, à maneira de véu ou manto, quando saíam. É, aliás, a este manto que, em Macau, se chamava saraça, termo derivado do malaio, sarasah e que, originalmente, era o nome do pano que se enrolava à cintura e era usado por mulheres das mais vari-adas etnias. Os tecidos mais estimados em Macau eram o algodão estampa-do, importado da Malásia ou de Manila, e os panos de seda pinta-dos que se compravam em diver-sos portos da Índia e aos quais Duarte Barbosa se refere com bastantes pormenores no seu livro 132. Debaixo da saraça colocava-se o condê, peça de papelão ou papel go-mado preso com um pano branco que se atava na nuca debaixo do nó do cabelo, que se usava repuxado e preso atrás. Este condê parece corresponder à armação, mais ou menos complicada, com que se toucavam as mulheres do mundo islâmico e que era sempre ajustada por um lenço, branco na maior par-te dos casos. Servia para altear e sustentar o véu. É curioso notar que condé significa o nó de cabelo que as mulheres casadas ajustam na nuca, em forma de calote, em todo o arquipélago malaio e nalguns pon-tos da Índia, sendo, aliás, o seu étimo tima palavra tamul que faz parte, também, do dialecto timorense sempre com a mesma acepção. Em Macau, o penteado em calote que as mulheres casadas, do povo, também ali adoptaram, tem porém, o nome de chiquia. E nossa convicção que esta palavra chiquia é uma corruptela de chechia, que corresponde à supracitada armação que serve de toucado às mulheres do mundo islâmico, tendo havido, assim, uma troca de palavras ou de conceitos.

Cabaia comprida. de cetim. bordada a fio dourado e prateado. Motivo fenlx com duas flores no bico (simbolo do principio feminino e da imperarrias e usada pelas scnhoras macacnses em ocasiões festivas.

Mcados do Século XX.

(Col. Pe. Albíno P. Borges).

Mais tarde, à semelhança de Goa onde as senhoras casadas, à imitação das que iam do Reino, usavam man-to ou mantilha preta, e as solteiras, mantilha colorida, a saraça preta teria feito a sua entrada em Macau, princi-palmente depois de ter sido condenado o antigo trajo pelo bispo D. Hilário de Santa Rosa, nos fins do século XVIII, o que provocou grande celeuma e escândalo no território133.

É natural que, antes disso, já a saraça preta sc usasse como traje de dó, à maneira do que sucedia no Reino. Daí, a mantilha preta hibridada com a vclha saraça teria dado o das nhonhonha de Macau, espé-cie de bioco no qual se envolviam quando saíam de casa, principalmente para irem à missa, encobrindo, modestamente, o rosto. Este consistia em duas jardas de seda sura ou seda cordão134, tendo, por dentro, o que restava do antigo condê: um pcdaço de papel gomado ou papclão, de forma rectangular, com duas fitas laterais que o prendiam atrás da chiquia. Este rectângulo interi-or, de pequenas dimensões, servia apenas para dar for-ma ao bioco que, nalguns casos, tinha cosido um arame fino no seu rebordo para maís facilmente poder ser mo-delado. Debaixo do dó, muitas eram as senhoras que usavam uma touca preta ou branca, mas preferencial-mente branca, para proteger a seda do da bandolina135 com que alisavam e lustravam os belos e fartos cabelos negros.

Um fazia-se com quatro jardas de seda, que se cortava a meio, unindo-se as duas tiras de duas jardas, no sentido do comprimento, para se obter a largura desejada. Quando a sua possuidora falecia, o dó era, de novo, rasgado, a meio, para lhe servir de mortalha, contornando-a como se fora Santa Rita de Cássia, no dizer das antigas senhoras de Macau. Assim se explica que os velhos dós tenham desaparecido com as últimas macacnses que os usaram.

Completavam o trajo, um vestido em seda ou bro-cado, para os dias de maior cerimónia, ou, nas classes menos favorecidas, a saia e blusa das mulheres ibéricas. O bajú fino veio a dar a cabaia-chacha, igualmente ta-lhada em quimono e que era o trajo de interior, usado pelas senhoras idosas, ainda no princípio do século. Era confeccionado em pano elefante branco (pano com marca elefante), importado da Índia, ou noutro, pano forte, geralmente com riscas. Esta cabaia não tinha degolação, nem no pescoço, nem nas cavas, lembrando um quimono curto, que se fechava adiante, com um bro-che filigranado e com botões de ouro, ou mesmo de dia-mantes, de acordo com as posses de quem a usava.

Quanto aos homens, os reinóis envergavam, como já se disse, trajos europeus, mas, pelo menos, os nhons, seus filhos, que, no exterior, usavam ves-tuário igual ao dos pais, vestiam, no isolamento de suas casas, calça moura e baniane (dóiman branco com botões dourados) à maneira de Goa. Aliás, era um vestuário deste tipo que constava, como traje de Invemo e de Verão, do guarda-roupa dos meninos órfãos asilados, como pode constatar-se da lista pu-blicada no Boletim Oficial do território136.

Enxoval dos meninos asilados da Santa Casa da Misericórdia (de Macau) em 1907 (Boletim Ofi-cial n. ° 12, de 1907):

No Inverno

baneanes de ganga-pelio

quinzenas de panno ou casemira

calças da mesma fazenda

calções na mesma ganga

[...]

No Verão

quinzena branca ou assucarada ou kaki

calças da mesma fazenda

camizas brancas ou de cores

baneanes brancos

calçõcs brancos

Como sinal de distinção, os portugueses de Macau, tanto reinóis como seus descendentes, em-punhavam, sempre, noutros tempos, uma pequena chibata de rota, ou traziam à cinta uma bela espada, emblema de prestígio que não podiam dispenssar. Mais tarde, alguns substitufram estes atavios por uma bengala, à maneira da Europa.

JOGOS E PASSATEMPOS

A influência indo-malaia manifesta-se, ainda, entre os macaenses, por meio de outros padrões da sua cultura tais como os jogos e os passatcmpos.

Dos antigos jogos e passatempos que chegaram aos nossos dias, e que reflectem nítida influência orien-tal não chinesa são de citar, entre outros, a chonca, algu-mas adivinhas populares. e o tão característico bater saia, para fazer ternos de festa enfeitados.

Conjunto de cartas de bafá (Foto de Carlos Marrciros).

A CHONCA

A chonca é a tradicional mancala ou xadrês africa-no que, em Malaca, era considerado o jogo nacional, antes da proibição dos jogos de azar pelo actual gover-no. Denominado chong kak pelos malaios é também as-sim conhecido pelos cristãos iuso-descendentes de Malaca, O nome de Macau parece ser uma nítida adapta-ção do nome malaio. Curiosamente, as regras de jogo, que variam com os informadores, reflectem não só influ-ência malaia mas também timorense e dos próprios ne-gros da África Ocidental137.

Actualmente, em Macau, usam-se caroços de long-ngan (sementes dos frutos de Euphoria longana Steud.) ou de margoseira (frutos de Melia azedarach L.) mas, nos antigos tempos, eram usados cauris, conchas que serviam de moeda e daí o jogo ser conhecido local mente por jogo das conchinhas, Devido à simplicidade das suas regras, era um jogo essencialmente feminino, como, aliás, o era no mundo islâmico, sendo frequente as avós entreterem, assim, os netos durante os dias de tufão em que se tornava impossível sair de casa. Este jogo, com a escolarização feminina, ficou relegado às mulheres idosas, preferindo, as outras, jogos mais ela-borados como o má-chéok, de origem chinesa. O má-chéok aliás, foi o natural substituto do jogo de bafá, jogo adaptado do chinês, uma criação genuinamente macaense.

ALGUMAS ADIVINHAS

Poucas são as adivinhas portuguesas de Ma-cau de que encontrámos notícia. No entanto, citare-mos algumas que consideramos mais representati-vas138:

Artu, artura,

Metido na prisan

Sem çã baptisado

Cö nome de cristan

R: Çã martinho (Gracula religiosa L.)

Esta adivinha é semelhante a uma outra de Goa, da qual supomos derivar, uma vez que a forma portuguésa não é rimada, pensando nós, por isso, que seja tradução directa do concani:

Nasceu no mato,

Viveu no palácio.

Sem ser batisado,

Tem nome de cristão

R: Pássaro martinho

A diferente forma dos dois primeiros versos, advém de ser, o martinho, uma ave da fauna india-na, que, em Macau, algumas famílias possuíam engaiolada, por ser uma ave falante.

Outro exemplo:

Telado vermelo.

Parede branco.

Ung-a padri cafri,

Chapado na canto

R: Çã lichia139

Esta adivinha parece relacionada com a adivi-nha seguinte, popular em Goa e, ao que tudo leva a crer, também tradução da língua nativa local:

Casa com relva,

Tem muitos quartos,

E dentro de cada quarto,

Um frade

R: Anona

E para terminar:

Dreto (direito) levá torto,

torto levá morto,

Morto trazê vivo

R: Çã pescá

Esta adivinha é semelhante à que é corrente, ainda, entre os cristãos de Malaca:

Bai morto,

Bem bida

R: pescá140

É de notar, ainda, que esta adivinha é, tam-bém, muito semelhante à que Adolfo Coelho, reco-lheu em Cabo Verde141:

Preto corcobado,

Que tá lêbá morto,

Tá trazê bibo

R: Anzol

Outros passatempos referem-se à prática da música e da dança. São muito poucos os testemu-nhos de canções ou de danças próprias de Macau. Porém, é de citar a nana que alguns supõem ser uma antiga cantiga de ninar mas que nós pensamos ser uma adaptação da popular nona de Malaca que, ali, ouvimos entoar com versos, muitas vezes improvisa-dos, lançados ao desafio e cujas quadras começam, quase sempre pela estrofe ó nona, mia nona, sendo nona, como já se disse atrás, o nome atribuído às raparigas. Em Macau foram, ainda, registadas outras músicas como a célebre canção de Cathrina, que nos parece, no entanto, muito mais recente. Quanto a danças, o chotiz142 ou chotiça, parece ter-se dançado, em Macau, à moda do mandó de Goa, com muitos meneios. A sua lembrança ficou registada numa quadra da citada canção da Cathrina e nos papéis do espólio de João Feliciano Marques Pereira.

Balam chim chim

Liu143 no borobá

Vai para mato

panhá carandá143A

Balam chim chim

Liu no borobá

Carandá maduro

botá salgá

Estes versos parecem uma adaptação dos que Mons. Sebastião R. Dalgado registou em Damão:

Carandá madur panhá

Verd butá salgá, ó Dungá (ó Domingas?)

Aqui panhá, alli ranhá

Verd butá salgá, ó Dungá

Carandá é o fruto de Carissas carandas L.

(Mons. S. R. Dalgado - «Dialecto indo-português de Damão», separata de Rev. Ta-Ssy-Yang-Kuo. Lisboa, 1903, p. 23.)

Outra canção antiga que ficou na lembrança dos macaenses é: O Saiam de Macau

O Saiam de Macau

Saiam144 qui saiam

Alma vida e coraçãm

Se soubesse não amava

Para agora padecê

Seu tyrano seu ingrato

Nunca pôde esquecê

Saiam, etc.

Rosa branca cai de céo

Fica seco cae semente

Mais vale morê d'um tiro

Nom quero ficá amante

Saiam, etc.

Papéis do espólio de João Feliciano Marques Pereira.

Col. Res. B. S. G. Lisboa.

A primeira quadra assemelha-se à forma re-gistada em Damão:

Cega foi amar

a tua belleza Ingrato e tyranno

Que não tem firmeza

(Mons. Sebastião R. Dalgado, ob. cit., p. 24.

TRABALHOS "DE MÃOS"

Na sua tradicional reclusão, as mulheres de Macau entregavam-se a trabalhos de costurinha, 145 bordados a mutri e carrachada146 e, mais moderna-mente, a bordados a matiz, com estilo nitidamente hibridado das técnicas portuguesa e chinesa.

Outra técnica hibridada é a do bater saia, arte do papel recortado, de inspiração popular e freirática, muito provavelmente bebida também nas fontes orientais.

As senhoras macaenses, além de cestinhos e vestidos para bonecas, faziam, em papel de seda re-cortado, rouches e folhos para decorarem armações em madeira, os tabuleiros, onde dispunham confeitos, bolos, muitas vezes especialidades de se-gredo, e frutos cristalizados tradicionais do Ano Novo chinês. Foi dos folhos que vestiam estes con-juntos, como verdadeiras saias rendadas, que veio o nome local desta arte do papel recortado, batê saia.

Esses bolos vestidos, enriquecidos com especia-lidades doceiras, eram, geralmente, apresentados em armações de três andares, o nome de temos ou tornos, pela qual ficaram conhecidos no vernáculo macense. Donde terá surgido a inspiração para se executarem estes conjuntos, geralmente de três andares, que, se-gundo a tradição oral assegura, há muito mais de um século são populares em Macau? Supomos que te-nham sido os bolos festivos dos casamentos malaios os inspiradores da decoração destes primeiros bolos de Macau, hibridados com os tabuleiros festivos das fogaças, tão populares nas aldeias portuguesas147.

Os temos macaenses eram de diferentes tipos, que se podem, porém, repartir por três grupos distintos:

"Bolos vestidos" dos anos 70.

a) temos de secção quadrada, tipo pagode, que em certos casos podiam atingir um metro e meio de altura, com cinco andares ou tabuleiros sobrepostos;

b) temos de secção circular, também sobre-postos;

c) conjuntos de três, quatro ou cinco tabuleirinhos, pequenos e circulares alcandorados a diferentes níveis, sobre armações de rotim, madeira ou mesmo, de ferro.

Muito estimados, por ocasião do Ano Novo Lunar, como retribuição da população portuguesa aos seus amigos chineses, das prendas enviadas, por aqueles, pelo Natal, estes temos deixaram de ter, nos tempos actuais, a antiga procura, devido aos preços elevados do seu próprio material de base e, também, ao pequeno número de senhoras que os sabem ar-mar, ainda, devidamente.

É porém, na medicina popular e nas práticas de magia que a cultura macaense atinge o seu mais alto grau de poli-hibridismo. Tal como no vocabulá-rio, surgem na medicina, que o povo conservou, prá-ticas medievais portuguesas e da medicina erudita seiscentista, mezinhas chinesas, profundamente transformadas, e concepções simbólicas malaias, in-dianas e chinesas, a par de práticas mágicas popula- res ainda muito frequentes nas nossas aldeias e, até, nos bairros periféricos das cidades

Exemplar de costurinha das senhoras macaenses (fins do séc. XIX): lenço de linho, rendado, com monograma.

5. CONCLUSÕES

Os portugueses, no Oriente, miscigenaram-se com mulheres das mais diferentes etnias. Primeiro, o regime de mancebia teria precedido o de casamento. Sabe-se que os filhos mestiços, quando varões desde muito cedo foram objecto de protecção dos pais: po-rém, quanto às filhas, muito pouco se sabe. Não há dados que garantam que tenham sido, sempre, favorecidas com dotes para se casarem, ou que, em certos casos, atendendo à mentalidade da época, não tenham sido, apenas, relegadas ao estatuto de escra-vas, igual ao do das mães. É de crer, porém, com base em certos dados apresentados ao longo deste capítulo, que tenham sido, na maior parte dos casos, escolhidas para companheiras dos portugueses, ou dos seus fi-lhos, as mulheres euro-asiáticas, devido à sua natural facilidade de comunicação linguística, maior proximi-dade biológica, possibilidade de dotes ou heranças e, também, à beleza que caracteriza muitas delas. Muitas destas mulheres teriam, também, enchido os mos-teiros, quer o de Macau, quer o de Santa Mónica de Goa, ao longo do século XVII148, pois muitos pais preferiam fazer professar as filhas do que casá-las no seio de uma sociedade onde reinava a devassidão149.

Ao que pode deduzir-se de vários depoimen-tos coevos, as mulheres malaias eram as mais afectivas e aquelas que mais se prendiam aos seus companheiros. Daí, o poder pensar-se que tanto malaias como luso-malaias tenham merecido, depois da conquista daquela praça, o favor dos portugueses, que passaram a levá-las nos seus barcos, ao que es-tas se prestariam de melhor agrado do que outras mulheres asiáticas pela sua dedicação ao homem a quem pertenciam. As suas descendentes teriam sido, quanto a nós, bem como as luso-indianas, as mulhe-res legais dos portugueses, quando, mais tarde, a cidade de Macau recebeu, com o seu foral, privilégi-os que tornaram florescente o seu comércio. Alguns dos seus habitantes enriqueceram, atraindo, então, outros homens de Goa, que para ali se deslocaram com as respectivas famílias. Com a entrada, em Ma-cau, de japoneses, cochinchinensas e timorenses, o pool genético dos macaenses, já então muito rico, ter-se-ia enriquecido mais ainda. Com a queda de Malaca e a chegada, a Macau, de muitas famílias daquela praça, o sangue malaio e os respectivos usos teriam assumido, de novo, na cidade, papel prepon-derante que, mais tarde, as escravas timoras teriam sabido, em parte, conservar.

Entretanto, ter-se-iam diferenciado vários estratos sociais: o dos macaenses mais abastados, descendentes, nalguns casos, da velha fidalguia do Reino; o dos macaenses de menos posses, onde o sangue português era, no entanto, frequentemente renovado; e o dos mais desfavorecidos, em que se integravam crioulos ou criações sem dotes, os mes-tiços de negros, de canarins, de timores e de chine-ses e, talvez, os próprios chineses cristãos. Os dois primeiros grupos preferiam casar com as nhonhonha macaenses, euro-asiáticas com bons do-tes, verificando-se, muitas vezes, casamentos consanguíneos, entre primos, para aumentar fortu-nas ou não abastardar linhagens. Quanto às rapari-gas, a sua preferência era dada ao europeu. Nos grupos sociais menos favorecidos, nos quais, facil-mente, se integrariam os degradadados fugidos à justiça de Goa, aventureiros ou homens sem fortu-na far-se-iam, mais facilmente, casamentos com chinesas ou gentias, crioulas, filhas de escravas ou mulheres mestiças com sangue chinês de geração próxima, mulheres que a classe privilegiada nunca tomaria para esposas por mero preconceito social.

Como escravas, as chinesas, tal como outras mulheres nativas de outros pontos da Ásia e de Timor e, até, de África serviriam, em grande núme-ro, os seus patrões, sendo suas mancebas. Nos pri-meiros tempos da fundação de Macau era, aliás, por inspiração dos grandes senhores orientais, uma forma de prestígio ou de ostentação de riqueza pos-suir numerosas escravas como concubinas. Destas uniões resultariam, naturalmente, filhos, e, daí, as doações, por vezes avultadas, deixadas, em heran-ça, a crioulos sem apelido, e as vendas ou doações de escravas, imediatamente após a morte do dono da casa, pelas respectivas viúvas150. Assim, ciosos dos pergaminhos da sua ancestralidade, ter-se-iam isolado antropológica e socialmente, os macaenses, até à abertura do seu grupo à sociedade chinesa, nos fins do século passado.

Conhecemos, ainda, em Macau, nos anos 60, senhoras de 70/80 anos que não sabiam falar, cor-rectamente, cantonense e, disso, se orgulhavam. Igual desprezo tinham pelos chineses como pelos portugueses-europeus, desde que fossem soldados ou civis de baixa condição social. E isto porque as mulheres orientais, de todo o sempre, detiveram padrões de cortesia e higiene muito superiores aos dos homens do Ocidente que demandavam as suas terras. Daí, a aculturação ter-se feito, em muitos casos, no sentido Oriente-Ocidente. Tal facto está patente nos padrões característicos da cultura espe-cificamente macaense: uso de um léxico próprio; modo de trajar mais consentâneo com os rigores do clima; noções muito válidas de profilaxia e dietética; requintes culinários e artísticos muito próprios: e um repositório muito vasto de mezinhas de casa perfeitamente demarcadas, muitas delas, tanto das dos chineses como das da Europa. Tudo isto está em degradação nos nossos dias e em vias de se perder, devido à grande abertura local dos macaenses, tanto aos padrões do Ocidente, como aos dos chineses de qualquer classe social.

A questão de serem, ou não os macaenses, descendentes de portugueses e chineses, respondere-mos que, em nossa opinião, desde todo o sempre os houve, uma vez radicados, os portugueses, na China. Contudo, os macaenses como grupo formado por al-gumas famílias de elevada condição social, não o são. É que essas famílias, cujos antepassados, no-bres ou enriquecidos, se vieram a fixar em Macau, se se casaram com chinesas, tal facto não foi siste-mático, mas ocasional. Posteriormente, os casa-mentos homógamos, ou com reinóis, vieram a di-luir essa miscigenação. Quanto às famílias mais modestas, também eram orgulhosas dos seus ante-passados europeus e teriam, sempre que possível, imitado as classes mais favorecidas quanto à homogamia e ao casamento preferencial. Nestas fa-mílias macaenses, os filhos de ligações com chine-sas adquiriam o estatuto de crioulo, indivíduo inte-grado mas não fazendo parte da família. A acelera-da miscigenação entre portugueses e chineses, em Macau, data, principalmente, dos fins do século passado, princípios do presente século, começando a fazer-se, nomeadamente, entre os grupos sociais economicamente mais débeis. Muitas macaenses casavam-se com militares, sendo preferidos os de patentes mais elevadas, ou com funcionários quali-ficados, mesmo no caso destes terem antepassados chineses ou de outros pontos da Ásia, pois haviam adquirido um estatuto social superior. Este facto vem atestar que o isolamento dos macaenses não deve ter sido, nunca, consequência de preconceitos raciais, mas sim de preconceitos vincadamente so-ciais.

Muitos destes exemplos, que acabámos de apontar, conhecemo-los durante a nossa permanên-cia em Macau. Nos antigos tempos é natural que os preconceitos fossem os mesmos e, naturalmente, mais acentuados.

No final do século XX, que rumo seguirá a sociedade macaense e em que medida os macaenses conservarão os seus antigos padrões culturais hibridados?

RESUMO

Os filhos da terra constituem um grupo sui generis que se isolou em Macau, fruto de pressões de índole social e económica.

Do ponto de vista antropobiológico, os filhos da terra constituem um grupo de luso-asiáticos com fundo genético muito rico, cujo estudo cientí-fico, em amostragem representativa, nunca foi fei-to; estudo que, aliás, hoje deve ser difícil, se não impossível, de realizar devido à forte abertura à sociedade chinesa, já esboçada nos fins do século passado.

No entanto, do ponto de vista cultural, como exemplo típico de convergência de culturas, o gru-po dos filhos da terra continua a manter padrões hibridados ou francamente originais, que lhe confe-rem vincada originalidade. São a culinária tradicio-nal, o falar da terra, os trabalhos de costurinha e o de batê saia, certos passatempos e os doces nominhos de casa, que Bocage imortalizou no seu soneto a Beba.

Pensar Macau sem pensar nos filhos da ter-ra, portugueses do Oriente, por vezes tão injusta-mente ignorados, é esquecer os não só quatro séculos de história social do território, mas também a herança mais nobre e a jóia mais valiosa, que os portugueses de quinhentos legaram aos seus vin-douros.

NOTA DA REDACÇÃO

Com algumas correcções e adaptações neces-sárias, e da responsabilidade dos editores, o texto aqui publicado é a reedição integral da obra da Prof. Doutora Ana Maria Amaro, editada pelo Insti-tuto Cultural de Macau, com o mesmo título, em 1988.

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ANOTAÇÕES

1A dificuldade reside na reduzida amostragem de que se dispõe.

2Bento de França— Macau e os seus habitantes, relações com Timor, Lisboa, Imprensa Nacional, 1897, p. 197.

3Álvaro de Mello Machado — Coisas de Macau, Lis-boa, Livraria Ferreira, 1913, p. 651.

4Francisco de Carvalho e Rêgo — Macau, Macau, Imprensa Nacional de Macau. 1950, pp. 31 - 38.

5Eduardo Brazão— Macau Cidade do Nome de Deus na China — Não há outra mais Leal, Lisboa, A. G. U., 1957, p.71, nota 50.

6Carlos Augusto Gonçalves Estorninho, «Macau e os Macaenses», (Divagações e Achegas Históricas) Bol. do Rotary Clube de Lisboa, n. ° 168, Março de 1962.

7Padre Manuel Teixeira — Os Macaenses, Macau, Im-prensa Nacional, 1965.

8O Arquivo Paroquial de Santo António por ter ardido não pode oferecer-nos os dados decisivos para esclare-cer este assunto, uma vez que esta foi a primeira paróquia de Macau. Os livros de assentos das restantes paróquias são, também, relativamente recentes datan-do, os mais antigos, do século XVIII.

9O Padre Jerónimo Fernandes num breve apontamento datado de 1561, registou que os portugueses, na Índia, preferiam as mestiças para suas mulheres (Vitorino Ma-galhães Godinho — «Oriente» — in Dicionário de Histó-ria de Portugal dirigido por Joel Serrão, vol. IV, Lisboa, Macau certamente não terá sido excepção. De Goa teriam ido para ali, muito possivelmente, algumas destas euro—asiáticas, tal como foram, de Malaca em 1641, quando aquela praça caiu em poder dos holandeses.

10Nhonhonha — plural de nhonha (mulher ou filha de europeu) e, por extensão, filha da terra de ascendência portuguesa.

11Padre Francisco de Sousa — Oriente Conquistado [...], Lisboa, 1710.

12Fernão Mendes Pinto — Peregrinaçam, Ed. preparada e organizada por A. J. da Costa Pimpão e César Pegado, Porto, Portucalense Editora, 1944, 7 vols.

13Frei José de Jesus Maria — Ásia Sínica e Japónica, Obra póstuma e inédita do frade arrábido Jorge de Jesus Maria, Ed. por C. R. Boxer, Macau, 1941.

14Acompanhando damas de alta linhagem ou parentes próximas de fidalgos enviados para desempenhar altos cargos.

15«Padre de hu'a carta q'hum homem/honrado escreveu da China» [...] a 20 de Novembro de 1566. Mss. da Bibl. da Ac. de Ciências, in Cartas do Japão, III, V, 287 - 298 v, cit. por Padre Benjamim Videira Pires — «Cartas do Fundadores», in Bol. Ecles. da Diocese de Macau, Ano e vol. LXII — Out. e Nov. de 1964, n. os 724 - 5, pp.798 - 900.

16Papéis de D. Francisco Mascarenhas, Mss. da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, Cod. CXVI/2 - 5, fls. 226 - 232.

17Os vizinhos não eram necessariamente moradores, porque este termo refere-se aos habitantes dos conce-lhos que gozavam integralmente das prerrogativas mu-nicipais. Os não arreigados ou extravagantes eram os que tinham residência temporária na cidade, havendo, ainda, os absolutamente estranhos à terra, que aí apa-reciam fugazmente e que eram chamados homens do fora parte. Na relação de D. Francisco de Mascarenhas não constam residentes desta categoria mas são referi-dos os homens da terra, provavelmente os euro-asiáti-cos e os cristãos asiáticos chineses e de outras etnias nascidos em Macau.

18Tão abundantes e baratos eram os escravos japoneses, que também os marinheiros e bichos de cozinha por-tugueses compraram escravos que guardavam nos navios; e até os escravos negros dos portugueses se atreviam a comprar escravos no Japão. «Consulta tida pelo Bispo Cerqueira sobre os escravos comprados ou contratados e transportados para fora do Japão em 4 de Setembro de 1598», cift. por C. R. Boxer — «Subsídios para a História dos Portugueses no Japão» (1542 - 1647) in Bol. de Agência Geral das Colónias, ano III, n. ° 24, Junho de 1927, pp. 5-44).

19Nome local dado às raparigas chinesas. Á mui é a designação atribuída à irmã mais nova. Aliás, é uma forma carinhosa de tratamento habitual, relativa a uma rapariga jovem, por outra de mais idade, Á mui (irmã mais nova) equivale a Á tai (irmão mais novo). A palavra chái, neste caso deve, corresponde a diminuti-vo.

20Cf. I parte, cap. 3, 3.1.

21Padre Gabriel de Matos, carta cit. por Padre Manuel Teixeira — Macau no Século XVII, Macau, Imprensa Nacional, 1982, p. 7.

22O Padre Gabriel de Matos, S. J. foi Reitor do Colégio de S. Paulo do Monte, em Macau, nas primeiras déca-das do século XVII. Décadas da Ásia, 1736(3 vols.)Ðéc. XII, cap. XIV, p. 364.

23Sanções instituídas pelo vice-rei da Índia Matias de Albuquerque, em 1595.

24Na exposição do Padre Caetano Lopes, S. J., enviada ao rei de Portugal em 1715 pode ler-se: Desde a fundação de Macau começarão os chinas a trazer aquella cid. e meninos e meninas [...] já infantes, e athe id. e de 7 annos, raríssimas vezes de 10, ou 12 e nunca de id. e maior e vendião-nos aos Macaenses: os quais como floreciam em riqueza fazião com muito gosto as dtas compras. Alegavam que o faziam por caridade para tornaras crianças cristãs e também para lhes salvaras vidas porque os vendedores na sua maioria eram ladrões e se não vendessem as crianças as afogavam, matando-as para não serem descobertos. Raras vezes eram os vendedores os próprios pais ou mães e neste caso só quando pressionados pela mizéria. Por serem mercadoria de fácil venda os furtos multiplicavam-se por este negócio e a realizá-lo fora de Macau. (Mss. da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, Cod. CVI/2 - 7 fls. 84 - 89, fl. 86v).

25Segundo o Professor Doutor A. H. de Oliveira Marques a designação homem-bom deriva do latim medieval boni-homines (pl. de bonus- homo). Os homens-bons correspondem no plano político-judicial aos vizinhos do arreigamento topográfico, em parte aos herdadores de classificação económica e aos cavaleiros-vilãos de terminologia sócio-militar, sem se poderem, porém, confundir com qualquer deles. A documentação medie-val caracteriza os homens-bons como os mais ricos. Os mais notáveis, os mais respeitados chefes de família, as pessoas honradas por excelência dentro de cada povo-ado. Era aliás este o consenso de Macau: burgueses Ricos e os mais conceituados. Os homens-bons mono-polizavam os cargos municipais, decidindo questões administrativas e económicas.

26Nesta data, o Padre Caetano Lopes, S. J., missionário da China e Procurador a Roma pela Província do Japão, da mesma Companhia, defendeu, junto do rei de Portugal, a liberdade dos chineses, pedindo que não fossem, estes, comprados e obrigados a embarcar seguindo seus amos. Afirmava, na sua exposição, que, em Ma-cau, os atais e as amais (Á-mui ou mui-tsai) eram tratados quase como se fossem livres, podendo ser resgatados. Podiam, porém, ser vendidos fora de Ma-cau e, então, o seu tratamento era igual ao do dos demais escravos. Esta era uma forma pela qual os portugueses iludiam a proibição, tanto do rei de Portu-gal como das autoridades chinesas, de possuirem e traficarem escravos daquela nacionalidade (cf. chama-da 23).

27Em 1688 o mandarim da Casa Branca foi a Macau censurar os responsáveis pelo Senado por permitirem, os portugueses que residissem em Macau pessoas que vendiam e compravam crianças de ambos os sexos, exigindo a entrega dessas crianças e dos seus raptores. (P. Manuel Teixeira — Macau no Século XVI, Macau 1981, p.141).

28O art. 2 do decreto do imperador Man Lek (Wan Li) -(1573 - 1620), proibia aos portugueses comprarem súbdito algum do império chinês.

29Mss. do Arquivo Histórico Ultramarino (Mç. 1774).

30Oriente Conquistado a Jesus Cristo pelos Padres da Companhia de Jesus da Província de Goa, parte I, conq. IV, § 38, publ. em 1710.

31J. H. Linschoten — Histoire de la Navigation [...], Troisième Edition augmentée chez Evert Cloppenburgh, Amsterdam, 1638.

32Segundo Gaspar Correa (Lendas da Índia t.2, p. 221. Lisboa, ed. de 1860) as mulheres de Malaca são muito entregues a bem querer tanto que se tomam vontade com um homem, que não estimão perder por ele a vida. Daí, certamente, serem consideradas em Macau, pelos padres, as mais perigosas.

33Joseph Wicki — Documenta Indica I, 253 - 255, Roma, 1949.

34Francisco Carletti, em 1598 - 99, fala de um tufão e da festa do Ano Novo em Macau, e refere-se ao naufrágio, naquele porto, de uma nau do Reino do Sião, carregada de lenha, comumente chamada pau Brasil, dizendo que se safaram os marinheiros siameses com suas mulheres que costumam levar quando fazem longas viagens. Vários outros exemplos se podem citar: Fernão Men-des Pinto fala em mulheres salvas do naufrágio dum barco em que ele seguia. Em 1603 os holandeses tomaram a nau portuguesa, de 1500 toneladas, Santa Catarina, no Estreito de Johore, nau acompanhada dum junco carregado com provisões e que era co-mandada pelo capitão Sebastião Serrão. Nesta nau seguiam 700 pessoas incluindo 100 mulheres e cri-anças (P. Manuel Teixeira, Macau no Século XVII, Macau, 1982, p. 6).

35J. F. Ferreira Martins — Chronica dos Vice-reis e Governadores da Índia, vol. I, Lisboa, 1919, pp. 250 -251.

36Gaspar Correa — ob. cit., vol. 2, p. 324.

37F. D. de Ayala in O Oriente Português, série de 1904, p.192.

38Cartas de Afonso de Albuquerque, publicadas pela Academia das Ciências, tomo IV, Lisboa, 1910, p. 206 - 207 e 214 - 215. Da Carta datada de 20 de Dezembro de 1514 (tomo VI, 1915, pp. 188 - 191) consta uma relação nominal de casais luso-indianos.

39Christovam Aires de Magalhães Sepúlveda— História Orgânica e Política do Exército Português [...], Lis-boa, [1896- 1932].

40J. J. Campos — History of Portuguese in Bengal, Lisboa, 1919, pág. 170.

41J. F. Ferreira Martins — Chronica dos Vice-Reis e Gover-nadores da Índia, vol. I, Lisboa, 1919, pp. 250 - 251.

42Esta autorização sob a forma de Carta Régia, chegou a Goa já depois da morte de Afonso de Albuquerque, porém esta, já lhe fora dada, antes, verbalmente, pelo rei (Archivo Portuguez Oriental, publ. por Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, fasc. 5, parte l. a, doc. 9; Filipe Neri Xavier — Bosquejo Histórico das Comuni-dades de Aldeias, 2, parte, Goa, 1852).

43C. R. Boxer — Fidalgos in the Far East, 1550 - 1770 Fact and fancy in the History of Macao, Haia, Martinus Nijhoff, 1948.

44Lanoy e Hermann Van der Linden — Histoire de l'expansion coloniale des peuples européans —Espagne et Portugal, vol. I, Paris, 1907, p. 108.

45Frederico Diniz de Ayalla — Goa Antiga e Moderna, Nova Goa, 1888.

46D. João de Castro levou, na sua armada, 1545, um grupo numeroso de donzelas casadoiras (Carta de D. João de Castro, datada de Moçambique e dirigida ao rei D. João III citada por Germano Correia in «As Portuguesas nos Primórdios da Colonização da Índia», sep. do Bol. da Sociedade de Geografia de Lisboa, Nov. — Dez. de 1947, n. os 11 - 12 da 65. a série, Lisboa, 1948.

47Ordenações Filipinas datadas de 1595 e mandadas observar em 1603. Arq. Nac. da Torre do Tombo — Livro V, tomo IV. Destas Ordenações constam mais de 250 causas do envio de pessoas para o Ultramar.

48Livro de Alvarás. I — fól. 23 e Livro das Monções — 28 — fól. 323.

49Frederick Charles — The Portuguese in India — Danvers, 1894 — vol. II — p. 226.

50«Livro dos pezos da Índia, e assy medidas e mohedas escripto em 1554» in Subsídios para a História da Índia Portuguesa [...] por Rodrigo José de Luís Felner. Ed. da Ac. Real das Sciencias de Lisboa, tomo V (I). Lisboa, 1868 — Carta II — p. 13.

51O envio das órfãs para a Índia parece ter sido interrom-pido na segunda década do século XVII por Carta Régia de 1624, e, depois, efemeramente restabelecido, Germano Correia, «As Portuguesas nos Primórdios da Colonização Portuguesa», ob. cit.

52Francisco Mourão Garcez Palha — «Famílias portu-guesas estabelecidas na Índia, cuja varonia se extin-guiu» — in O Oriente Português, n. ° XVI, 1919, pp. 86, 186, 245 e 295 e tb. — Justiniano de Albuquerque — «Famílias Portuguesas estabelecidas em Chorão»— in Oriente Português, n. ° XVI, pp. 34 e 309 e XVII, pp. 103 e 198,1919.

53A. R. Disney — A Decadência do Império da Pimenta, Lisboa, 1981, p. 32.

54Em 1635, quando a cidade ainda vivia no seu apogeu comercial, A. Bocarro registou que Macau era uma das mais nobres cidades do Oriente [...] e de maior núme-ro de casados [...] Havia também muitos marinheiros casados no Reino, outros solteiros [...] E ainda muitos mercadores solteiros muito ricos [...] Alguns recea- vam a justiça de Goa e não queriam lá voltar. Mss. da Bibl. Pública e Arq. Distrital de Évora, Cod. CXVI/2 -1.

55Germano Correia — «As Portuguesas nos Primórdios da Colonização da India», separata do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Nov - Dez, de 1947, n. os 11 - 12 da 65.a série, Lisboa, 1948, p. 11.

56Christophe Pavlowski — Carta de Goa datada de 20 de Novembro de 1596.

57Dryepondt — in "Compte-rendu du Congrès Colonial International", Brunswick, Abril 1912, p. 305.

58Por uma Carta Régia de 22 de Fevereiro de 1601 sabe—se que, nesta data, viviam em Macau 600 famílias indo-portuguesas, o que leva a supor que as mulheres dos chefes de família portugueses de Macau tivessem sido levadas de Goa. Por outro lado, o movimento de pessoas entre Goa, Malaca, Macau e provavelmente outros portos do Oriente parece ter sido uma constante.

59Cf. I parte, cap. 2, 2. 1.

Em Goa, no século XVII, professavam mulheres de todas as praças do Oriente, até hispano-filipinas. Frei Agostinho de Sta. Maria, fazendo a História da Fun-dação do Convento da Sta. Mónica em Goa, afirma que era entre as molheres daquelle estado muito grande a devassidão. Muitos crimes e desforços se praticavam em virtude de tais costumes. O próprio Bispo deixou notícia de que em pouco menos de dois anos 52 mulheres nobres tinham morrido à espada [...] (Alberto Osório de Castro — «Um documento da vida conventual em Goa», separata dos n. os 1, 2 e 3 do II vol. do Archivo de Medicina Legal, publ. sob a direcção do Dr. Azevedo Neves, 1923). Em Macau, em 1681, havia uma guarnição de 150 soldados e dois a três mil cidadãos providos com 12 000 mulheres (Captain Alexander Hamilton' s—A new Accounte of the East India, Edimburg, 1727, cit. por C. R. Boxer in Fidalgos in the Far East [...] ob. cit., pp. 187 e 203).

61Mss. do Arquivo da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Cod. 510, fols. 223v - 225.

62C. R. Boxer— Ásia Portuguesa no Tempo do Vice-Rei Conde da Ericeira (1718 - 1728), Macau, Imprensa Nacional, 1970.

63O vice-rei conde da Ericeira, em carta dirigida ao bispo de Macau, acerca dos dotes legados por Manuel Faracho a 20 orfãs, excluia os marinheiros como possíveis pretendentes, pois eram considerados sem educação que possa prometer vida com sossego, nem ao menos se acha neles o saber ler e escrever. Eram considera-dos preferíveis os soldados graves ou homens hones-tos (C. R. Boxer, Á sia Portuguesa [...] ob. cit., p. 98).

64Numa carta do P. Alonso Sanchez S. J. dirigida a D. Filipe II pode ler-se: Los portugueses de Macau se casan com ellas (las mujeres chinas) de mejor voluntad que con las Portuguesas, por las muchas virtudes que las adornan (Cit. por P. Manuel Teixeira — os Maca-enses, Macau, 1965, p.. 2). O P. Alonso Sanchez esteve em Macau desde fins de Maio de 1582 até Fevereiro de 1583, nos princípios do estabelecimento da Cidade. É natural que a sua afirmação seja uma crítica à ligeireza de costumes que todos os autores coevos apotam às indianas, malais e euro-asiáticas de Goa, e que, possi-velmente, seria comum às de Macau. Estas portugue-sas a que o P. Alonso Sanchez se refere devem ser de facto as euro-descendentes porquanto as mulheres do Reino eram muito poucas, nessa altura, no Oriente, como já atrás ficou exposto.

65Joannes Laures, S. J. — The Catholic Church in Japan, Tokyo,1954, p.166.

66Carta do P. Longer, datada de 14 de Abril de 1770.

66aVárias fontes parecem confirmá-lo: — Duma frota enviada de Goa para Macau em 1613 perdeu-se um galeão com 200 pessoas a bordo, na passagem de Sanchez escapando 60 portugueses e 80 que não eram (Faria e Sousa — Ásia Portuguesa, Livraria Civiliza-ção, Porto, VI, pp. 34 - 35). Em 1621 - 1622 havia em Macau comerciantes de Cochim que ali haviam chega-do nas naus da Índia (Descrição das festas em honra da Imaculada Conceição em Macau, pelo P. Nicolau da Costa, S. J., cit. por P. Manuel Teixeira — Macau e a Sua Diocese, vol. IX, p. 160 - 162). — O escrivão do Senado Diogo Caldeira Rego, escreveu em 27 - 11 -1623 que havia em Macau mais de 400 portugueses casados, entre os quais alguns fidalgos [...] afora os muitos casados naturais da terra e de fora e outra muita gente de várias nações que por razão do grande trado e mercancia [...] vão e vem e nela residem o mais do ano (transcrito pelo P. Manuel Teixeira — Macau no Século XVI, Macau, 1982, p. 40).

67Carta de Francisco Pereira Marques a seu primo João Feliciano Marques Pereira (papéis do espólio de J. F. Marques Pereira — Mss. da Bibl. da Sociedade de Geografia de Lisboa).

68The Travels of Peter Mundy (1608 - 1667). R. C. Temple L. Austery Hakluyt Society (5 vols.), vol. III, parte II, s. d., pp. 159-316.

69Marco d'Avalo, cit. por C. R. Boxer— Macau na Época da Restauração, Macau, Imprensa Nacional, 1942.

70Jean François Galan de la Pérouse — Relation abreégée du voyage de la Pérouse, Leipsick, 1799.

71Ou Mun Kei Léok (séc. XVIII) — Monografia de Macau por Tcheong U Lam e Iâm — tr. do chinês por Luís Gonzaga Gomes — Macau, Imprensa Nacional, 1950.

72Segundo Navarrete, um pouco antes de 1667, o gover-no do Bispado mandara prender uma mulher por estar amancebada com um soldado tártaro. [... ] «Por aquele tempo, uma donzela, filha da gente mais grave daquela cidade meteu-se na China com outro pagão. Nos últimos anos muitas (mulheres) ganhavam a comi-da com os seus corpos, entregando-se aos pagãos. O governador desterrou sessenta.>> (Trans. por P. Manuel Teixeira, Macau no Século XVI, ob. cit., p. 111).

73Mss. do Arquivo Histórico Ultramarino (Recensea-mento da população cristã de Macau feita pelos páro-cos daquela cidade em 1774, Mç. 1774) — Cf. I parte, cap.2,2.1.

74Esta cópia foi enviada por Francisco Pereira Marques a seu primo de João Feliciano Marques Pereira, tam-bém primo, por via materna, de Albino Pereira da Silveira, irmão do noivo.

75Aliás, a expressão primo ou prima é frequentemente usada, em Macau, na acepção de parente.

76Ainda nos anos 1960 - 1970, quando um português casava com uma chinesa esta era, primeiramente, bap-tizada, recebendo um nome português, dado pela ma-drinha ou pelo futuro marido, que muitas vezes esco-lhia, para mulher, o nome da sua própria mãe. É de notar que estes casamentos, nesta altura, realizavam-se apenas entre chinesas e antigos soldados da guarnição, que se fixavam em Macau, geralmente na Polícia de Segurança Pública, ou entre aquelas e filhos da terra só excepcionalmente filhos das antigas famílias tradicio-nais macaenses. Neste caso, eram geralmente os "monos" (os que não saíam de Macau para estudar ou melhorar a sua vida), quem realizava casamentos deste tipo. Os outros casavam, preferencialmente, com europeias (quase sempre loiras) ou com as suas conterrâneas.

77Os magistrados chineses que redigiam o livro Ou Mun Kei Léok, já atrás citado, registaram, no entanto, um uso semelhante no séc. XVII.

78Inácio era o nome de St. ° Inácio de Loyola, muito venerado em Macau, devido às curas milagrosas que operavam as suas relíquias, por intermédio dos padres jesuítas. Rosário, refere-se a Nossa Senhora do Rosá-rio, assim como Conceição, sendo António o nome de Santo António, também muito venerado na cidade. Boaventura é um nome português, antigo, auspicioso por excelência e que muito agradaria a qualquer chinês.

Mss. da Bibl. da Soc. de Geografia de Lisboa. Macau dia a dia, diário do macaense Francisco António Pereira da Silveira (espólio de João Feliciano Marques Pereira).

80P. Manuel Teixeira — Os Macaenses, Macau, Impren-sa Nacional, 1965.

81Encontrámos, apenas, um caso, em vinte árvores genealógicas de três a cinco gerações que elaborámos.

Cf. I parte, cap. 2.

82José Ignácio da Andrade — Cartas escritas da Índia e da China, nos anos de 1815 a 1835, vol. II, Lisboa, 1847.

83Era proibido, por lei, aos soldados, casarem-se em Macau antes do final das suas comissões de serviço. Muitos viviam, porém, com chinesas ou com raparigas macaenses das classes sociais mais modestas e muitos foram os seus descendentes que ficaram no Território quando, aqueles, regressaram a Portugal. Este fenómeno parece ter sido uma constante ao longo dos séculos e era ainda frequente nos nossos dias (anos 1960 - 70).

84São de citar os estudos dos senhores Prof. doutores António de Almeida e Almerindo Lessa e de J. Ruffié.

85Cf. I parte, cap. 2., 2.1.

86A nossa amostragem é, apenas, de cinquenta e seis indivíduos, descendentes das famílias que nos servi-ram para estabelecer as constelações familiares que constam deste trabalho e que foram seleccionados em Macau e em Lisboa. estamos cientes da insignificância deste número, por isso mesmo, talvez, pouco significa-tivo (contudo, estamos certos do rigor da amostragem).

87F. S. Hulse — Migration and Cultural Selection in Human Genetics, in The Anthropoligist, volume espe-cial, Delhi, 1968.

88F. Scheider — Consanguinité et variations biologiques chez l'Homme, in La Recherche n. ° 31, 1976, p. 341.

89A. de Almeida — "Subsídio para o estudo do factor Rh em macaenses", in Trabalhos de Antropologia e Etnologia da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia e do Centro de Estudos de Etnologia Penin-sular. Vol. XVII, fasc. 1/4, volume de homenagem ao professor doutor Mendes Corrês, Porto, 1959, Instituto de Antropologia, Faculdade de Ciências, pp. 445-449.

90A. de Almeida — «Contribuição para o estudo da Antropologia serológica dos nativos de Timor Portu-guês, de Macau e de S. Tomé e Princípe», in Estudos Ultramarinos, Revista do Instituto Superior de Estu-dos Ultramarinos, vol. V (1955), fasc. 1 a 3, Lisboa, pp. 293 - 295.

91Almerindo Lessa — A História e os Homens da Primei-ra República Democrática do Oriente, Biologia e So-ciologia de uma Ilha Cívica, Macau, Imprensa Nacio-nal, 1974.

92Esta definição apriorística do grupo dos macaenses invalida, de certo modo, os resultados.

93Francisco de Carvalho e Rêgo — Macau, Macau, Imprensa Nacional, 1950.

94O dialecto de Macau, vestígio do português como língua franca no Oriente, parece ter nascido, por um lado, da necessidade da simplificação gramatical da língua portuguesa para mais rápida aprendizagem por parte de povos das mais diferentes etnias, facilitando, deste modo, as relações comerciais, e, por outro lado, do enriquecimento da língua portuguesa, com vocábu-los de todos esses pontos por onde os portugueses passaram e se fixaram mais ou menos fugazmente.

95António de Oliveira Pinto da França — Portuguese influencein Indonesia, Djakarta, Gunung Agung, 1970.

96Dados por nós recolhidos no Japão em 1963 e em 1970.

97Tá-Ssy-Yang-Kuó — Archivos e Annaes do Extremo Oriente Portuguez. Colligidos, coordenados e anota-dos por João Feliciano Marques Pereira, Lisboa, Anti-ga Casa Bertrand — José Bastos, 1899 - 1904, 2 vols.

98Leopoldo Danilo Barreiros — Dialecto Português de Macau, in Renascimento, vols. I, II, III e IV, Macau, 1943-46.

99José dos Santos Ferreira — Macau sã assim, Macau, 1967, e Qui nova, Chencho, Macau, 1973.

100Graciete N. Batalha — <>, in Boletim do Instituto Luís de Camões — vol. II, 1968; <>, in Mosai-co, 1953, e Glossário do Dialecto Macaense, Coimbra, 1977.

101Graciete N. Batalha— Glossário do Dialecto Macaen-se, Coimbra, 1977, p. 6.

102Opinião de Graciete N. Batalha, expressa em cartas que nos foram dirigidas.

103Omitindo as palavras puramente chinesas usadas na linguagem corrente actual.

104Para Rafael Á vila de Azevedo, as palavras cará e siara são palavras macaenses originárias das línguas africa-nas (banta). Contudo, nunca encontrámos, em 15 anos de trabalho de campo, em Macau, estas palavras ali usadas no sentido que lhes atribui este autor (R. Ávila de Azevedo — A influência da cultura portuguesa em Macau — Biblioteca Breve, n. ° 95, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1984, p. 51). Encontrámos no trabalho de Mons. S. R. Dalgado sobre o dialecto português de Damão a palavra bicho (de bich- filho) como uma palavra de origem africana. Daí o termo bicho aplicado aos antigos servos em Macau?

105Como exemplos, são de citar, Barão de Pau Preto — alcunha de José Vicente Jorge alusiva à riqueza do seu mobiliário chinês; Chiripo — alcunha de J. Roiz que ia de tamancos para a escola. Esta última alcunha perdu-rou, pelo menos, durante três gerações.

106Manuscritos de Bibl. de Soc. de Geografia de Lisboa, espólio de João Feliciano Marques Pereira.

107Gilberto Freire — Casa Grande e Senzala, 2 vols., Ed. Livros do Brasil, s. d.

108No caso de ter dois nomes próprios, é o último que se emprega precedido da partícula explectiva Á. Exem-plo: Chan Sec Pui = Á Pui.

109Não encontrámos, já, sequer, lembrança deste trata-mento, entre os nossos informadores, nos anos 60/70.

110Cf. I parte, cap. 3, 3.2.

111Amadeu Cunha — <>, publicado no Diário Popular, Lisboa, e transcrito in Boletim Geral das Colónias, ano XXVI, números 302/ 303, Agosto/Setembro, 1950, p. 233.

112S. R. Dalgado — Dialecto Indo-Português de Damão. Separata da Rev. Tá-Ssy-Yang-Kuo, Lisboa, 1903, p. 23.

113Informação oral do Dr. Alfredo Reis Borges e, ainda, Jorge Morais Barbosa, Estudos linguísticos — Criou-los — Introdução e notas de [...] — Edição da Acade-mia Internacional da Cultura Portuguesa — Lisboa, 1967, p.22.

114Os magistrados chineses que, no século XVIII, descreveram Macau e muitos usos dos macaenses, registaram que as <faziam bordados e bolos e doces>>. Esta tradição dos trabalhos de costurinha e de doçaria manteve-se através dos séculos, sendo prendas indispensáveis de uma menina portuguesa de Macau. Também em Goa as senhoras luso-descendentes tinham a paixão da culinária. Tal como as senhoras macaenses registaram as suas receitas em cadernos que se transmi-tiam de geração em geração e que nos primeiros anos de século XX eram ali, ainda, muito populares. Algumas receitas de doces haviam-lhes sido dadas pelas freiras ou pelas criadas dos conventos. (M. V. de Abreu — Real Mosteiro de Santa Mónica, cit. por Propércia Correia Afonso de Figueiredo — <> in Bol. do Instituto Vasco da Gama, n. os 2 e 3, 1928 e 5 e 6, 1929). É natural que, em Macau, algumas das receitas, ainda conservadas pelas senhoras filhas da terra, tenham tido uma origem semelhante.

115Espólio de João Feliciano Marques Pereira. Papéis sol-tos. Mss. da Bibl. da Sociedade de Geografia de Lisboa.

116Maria Micaela Soares — <>. sep. do Bol. Cultural da Assembleia Distr. de Lisboa. n. ° 88. T. I, Lisboa, 1983. Em Lisboa, no séc. XVII eram, também, vendidos fartes, pelo Natal, no Largo do Pelourinho (Robyu Amorim — Da mão à boca [...], Lisboa, 1987). A receita dos fartes ou fartês consta do Livro de Cozinha da Infanta D. Maria (séc. XV ou XVI), pub. por Salvador Dias Arnaut. Lisboa, Impren-sa Nacional — Casa da Moeda, 1987, pág. 130 - 134.

117Festa de Quarentonas (ou quarenta horas). É o nome antigo de Macau atribuído aos dias de Carnaval. Este nome é português e refere-se ao período de <>, correspondentes ao número de horas que Jesus esteve no Templo e do qual nasceu a adoração perpétua do Santíssimo. Dantes, no mundo cristão, este período não coincidia com o Entrudo, mas, posteriormente (em 1608 em Lisboa), transferiu-se para essa altura, para desaforo dos desmandos então praticados pela população em folia.

118O pinhão de Macau é amêndoa da azeitona branca chinesa (Canarium album Raeusch).

119Maria Celestina de Mello e Senna — Bons Petiscos por Celestina, 2.a edição, Ed. do CIT, Macau, 1977; António Vicente Lopes — Receitas da Cozinha Macaense, Macau, 1977; Maria Margarida Gomes — A Cozinha Macaense, Imprensa Nacional, Macau, 1984.

120O sambal é uma espécie de conserva feita com amargoso, tomates, carambolas, etc., que se cozem em água e sal e se cozinham, num tacho, depois de picados, sobre um esturgido de alho, cebola seca, cebola verde, chili, açafrão e balichão, regando-se com leite de coco, e juntado-se, por fim, jagra ralada.

121Maria Margarida Gomes — A Cozinha Macaense — Macau, 1984, p. 16. Há porém quem admita que o nome derive do japonês muchi sendo muchi o recheio de carne picada do bolinho que é, hoje, conhecido em Macau por este nome.

122António Vicente Lopes — Receitas da Cozinha Macaense, Macau, 1977, p.116.

122ACapella era um prato que se usava em Portugal pelo menos no século XVII. Era uma espécie de cozido que se preparava com carnes diferentes. Domingos Rodrigues— Arte de Cozinhar [...], Lisboa, MDCCXXXII, p. 19. A primeira edição data de 1693.

123Chiche quebabe é uma especialidade da culinária árabe que consiste numa espetada de carne de borrego temperada com especiarias e que serve com arroz, depois de grelhada.

123AOs confeitos eram, geralmente, apresentados envolvidos em papel de seda, com a forma de cachos de uvas ou de flores. Havia, em Macau, um recipiente e um pequeno instrumento metálico para os preparar. A forma de cachos de uvas (que mostra a figura), era a preferida para decorar as mesas dos chás gordos ou ceias de casamento, por simbolizar um voto de longa prole, de acordo com o pensamento chinês.

124Baji ou bagi é um bolo que se prepara com farinha de trigo e coco. Era, dantes, uma especialidade das freiras do convento de Santa Mónica em Goa. As bebincas, a alva-bagi, a alva-coco e o dudoll eram receitas, aliás, muito populares em Goa, onde senhoras indo-portu-guesas as publicaram nos anos 1929 - 30.

125Açúcar cristalizado; açúcar candy.

126Fécula extraída de várias palmeiras, entre elas Sagus levis.

127Transcrevemos, na íntegra, a informação que nos foi prestada pelo Senhor Jorge Midorikawa: «[...] Relativamente às palavras de origem portuguesa integradas na língua japonesa, há várias espalhadas pelo Japão inteiro e em número esmagadoramente maior as correntes em certas regiões da ilha de Kyushu, muito especialmente em Nagasaki.

Muchi, deformada de mochi, é um tipo de bolo de arroz. Mísso é uma pasta de feijão soja que serve para temperar sopas.

Quanto à kasutera, dizem ser derivada do bolo castelar. Hoje em dia kasutera é amplamente fabricada em todo o Japão e muito apreciada em todas as camadas sociais [...]. »

128Maria Margarida Gomes — A Cozinha Macaense, Macau, 1984, pp.7 - 8.

129Bebida considerada refrigerante e com acção medicinal contra calor interno.

130Linschoten, Jean Huygen — Histoire de Ia Navigation de Jean Hugues de Linschot (sic) Hollandois: Aux Indes Orientales [...] — Troisième edition augmentée — Chez Evert Cloppenburgh — Amsterdão, 1638.

131Propércia Correia Afonso de Figueiredo — «A Mulher Indo-Portuguesa», in Boletim do Instituto Vasco da Gama — n. os 2 e 3 — 1928; n. os 5 e 6 — 1929; n. os 7 e8—1930; n.°9—1931.

132Duarte Barbosa — Livro em que dá relação do que viu e ouviu no Oriente — Introdução e notas de Augusto Reis Machado, Agência-Geral das Colónias, Lisboa, 1946.

133Padre Manuel Teixeira — O Trajo Feminino em Macau do Séc. XVI ao Séc. XVIII, Macau, Imprensa Nacional, 1969.

134Seda grossa, talvez surah de seda, também conhecida, em Macau, por seda francesa.

135Goma extraída da madeira de Machilus thunbergii L., por decocção, a qual as mulheres chinesas e algumas macaenses usavam como brilhantina. Esta goma é conhecida, localmente, por pau-fá e é tóxica.

136Boletim Oficial de Macau, n.° 12, de 1907.

137Ana Maria Amaro — Três Jogos Populares de Macau — Chonca, Talú, Bafá — Edição do Instituto Cultural de Macau — Imprensa Nacional — Macau, 1984.

138Ana Maria Amaro — «Adivinhas populares de Macau»— Separata do Boletim do Instituto Luís de Camões, Imprensa Nacional, Macau, 1976, I parte.

139Litchi chinensis Sonn., frutos muito abundantes no Sul da China.

140Informadora D. Rosil de Costa (Malaca - 1972).

141Adolfo Coelho — «Os dialectos românticos ou neo-latinos na África, Ásia e América» — in Boletim da Sociedade de Geografia— n.° 3,2. a série, 1888, p. 130.

142Cit. por António Feliciano Marques Pereira — Papéis vários do seu espólio — Bibl. da Soc. de Geografia.

143Bharoda, ou baroda — terreno onde se semeiam legumes, (do conc. — mar, barad) — terreno alto e pedregoso, que só serve para semear legumes, no Concão. (Mons. S. R. Dalgado — Glossário Luso-Asiático, ed. de 1982, p. 140).

143ACaranda — fruto de carandeira (Carissa carandas L.); de conc. karand (mar, karvand) sânsc. Karamardda. O malaiala tem kuranda e o malaio karandang. Mons. S. R. Dalgado. Glossário Luso-Asiático. Ed. de 1982, p. 112). Sobre este fruto desprezível em Goa, onde a planta é muito vulgar em sebes. Garcia de Orta escreveu (Col. XIII) «[...] são árvores do tamanho da de medronheiro e a folha assi e a frol he muita e cheira a madresilva».

144Saiam significa saudade (do mal, saiang).

145Bordados a branco, a pontos de fantasia e a pesponto, para confecção de vestuário, em que consta serem exímias muitas escravas da Índia.

146Missangas e lantejoulas (termos locais).

147Os bolos de casamento malaios, bunga telor junjong, são constituídos por três, cinco ou sete pratos em madeira, de uns 3 a 4 centímetros de espessura, em forma de estrela, decorados com papéis vermelhos, recortados caprichosamente. Do prato inferior desce, até à base, uma vistosa saia rendada feita de missangas. Os bolos são em arroz pulú (arroz glutinoso) amarelo, e todo o conjunto é enfeitado com flores vermelhas que, em tufo, emergem, também do topo. Os temos com três tabuleiros destinavam-se ao povo: com cinco tabuleiros eram para os casamentos de príncipes, ao passo que, para os casamentos reais, apresentavam sete andares.

Três, cinco e sete são números auspiciosos para os mal aios.

A descrição dos referidos bolos de casamento, designa-dos por bunga telor junjong, foi-nos amavelmente feita pelo etnólogo do Museu Negara, de Kuala Lumpur. (V. Ana Maria Amaro, Jogos, Brinquedos e Outras Diversões de Macau, Macau, Imprensa Nacio-nal, 1976, pp.100- 104).

Em Portugal na região saloia, são ainda frequentes tabuleiros deste tipo para cumprimento de ofertas, por ocasião de certas romarias.

148Alberto Osório de Castro — «Um documento da vida conventual em Goa» — Separata, dos n. os 1, 2 e 3 do II volume (1923), do Archivo de Medicina Legal publi-cado sob a direcção do Dr. Azevedo Gomes.

149Frei Agostino de Santa Maria, História da Fundação do Convento de Santa Mónica em Goa (ob. cit., na ch. 60).

150Arquivos da santa Casa da Misericórdia de Macau, cod. n. ° 22, doações, 1829 a 1837, fls. I - IV.

*Doutorada pela F. C. S. H. da Universidade Nova de Lisboa; Professora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas (Departamento de Antropologia). Membro de várias instituições internacionais, v. g. a International Association of Antropology.

desde a p. 11
até a p.