Linguística

LITERATURA E DESEJO

Margarida Lieblich Losa*

I — PORQUE É QUE A LITERATURA NÃO DEVE SER LIDA LITERALMENTE

1. O INSUBSTITUÍVEL AUTOR INDIVIDUAL

Mesmo de acordo com Émile Zola, o mais naturalista dos escritores, o romancista que descreve uma parcela da realidade (un coin de la nature) deve fazê-lo através da sua própria personalidade (à travers un tempérament). 1 No processo da criação literária, as "matérias-primas" do escritor estão entrelaçadas com as suas interpretações ideológicas e preferências emocionais. Esta é uma das razões pelas quais os escritores são considerados os autores das suas obras e têm direito aos direitos de autor. É por esta razão que, quando queremos descrever o conteúdo textual de uma obra literária, temos que ter em conta que, de algum modo, este inclui o seu autor e que isto acontece, mesmo quando não existe uma única palavra que o demonstre.2

De facto, os autores, porque têm personalidade, em vez de descrever uma parcela da realidade, reagem a essa realidade. Isto confere ao texto literário uma "dualidade" intrínseca de conteúdo. Mesmo quando, aparentemente, este é estritamente objectivo ou, pelo contrário, estritamente ficcional, incorpora uma presença "invisível": o autor. Porque é única e insubstituível, esta presença confere à obra de arte uma "aura" de originalidade duradoura.3 Os leitores e as suas interpretações irão variar mas, enquanto a aura existir, a obra continua de algum modo ligada à sua fonte. O autor irradia do próprio texto e, se não houver mais nada que o faça, o estilo da obra testemunha-o. O estilo é uma parte importante do conteúdo da obra literária.

2. O CONTEÚDO EXTRATEXTUAL

Uma segunda razão pela qual uma obra de ficção não pode ser lida literalmente tem a ver com o facto de esta não existir num vazio social. Os escritores pressupõem que certas coisas são do conhecimento dos seus leitores. Podem mesmo não se aperceber das suas pressuposições porque, enquanto membros de uma dada comunidade cultural, têm-nas como certas. Por outro lado, os escritores não querem repetir o que outros já fizeram porque o seu trabalho requer "originalidade". O estigma do epigonismo é anátema para a reputação de um artista. A novidade faz parte do "horizonte de expectativas" dos consumidores, mesmo daqueles que se espera que defendam as tradições estéticas que melhor conhecem.4 Sem terem que o tomar explícito, os autores reagem contra o que já existe no terreno, gerando desse modo uma espécie de "intertextualidade" negativa.5 Esta última irá, também, tornar-se uma espécie de assunto "invisível" ao qual uma "comunidade de leitores" reagirá, enquanto outras comunidades, desconhecendo essa intertextualidade, não reagirão.6 Em resumo, sob a designação de contextualização podemos incluir factores como códigos culturais, convenções literárias, tendências estéticas, coacções políticas e necessidades de mercado.7 O autor estará a escrever de acordo com um dado "sistema" cultural — mesmo quando está a reagir contra ele — mas nada no texto terá que o dizer explicitamente. (Como todos sabemos, uma parte importante do ensino da literatura consiste em informar os estudantes acerca de tais contextos históricos). Permitam-me que conclua então do acima exposto que uma parte importante do sentido da obra literária se infere do seu contexto extratextual. Tem sido afirmado, nomeadamente por Nietzsche (ou pelo menos foi o que me contaram), que "temos a arte para não perecermos pela verdade",8 Invertendo esta fórmula, poderíamos igualmente declarar que precisamos da verdade para dar vida à ficção.

3. A DUALIDADE DA FICÇÃO: MANIFESTO CONTRA O CONTEÚDO LATENTE

Uma importante terceira razão pela qual a literatura de ficção não deve ser lida literalmente baseia-se no facto de que o que efectivamente aparece escrito na página não é necessariamente o que a obra afirma.9 Há uma duplicidade particular no texto literário. Primeiro, como Michael Riffaterre, por exemplo, sucintamente explica no seu trabalho sobre "indeterminação", a construção do significado é uma aquisição gradual e em parte retroactiva.10 O leitor "viaja" com o texto e as pistas para a sua compreensão são entendidas apenas no fim. Isto acontece mais quando os textos têm enredo, como no caso da ficção narrativa e dramática.11 Esta dinâmica de leitura explica como uma frase pode ter um significado numa fase da leitura e, se a lermos de novo, pode ter outro significado numa fase subsequente. Mas a ideia de duplicidade, assim como as de metaforicidade e inefabilidade, implicam mais que uma mera dinâmica de leitura. No seu livro Le Roman Naturaliste, Zola referiu-se ao escritor como um experimentalista. De uma maneira diferente do cientista de laboratório — que Zola desejava imitar — a experiência do escritor consistia em deixar as personagens falarem e agirem por si mesmas, por assim dizer, levando os leitores a descobrir sozinhos as regras que regiam o comportamento dessas personagens.12 Não era função do escritor apresentá-las. Vários escritores salientaram este princípio de que o texto deve falar por si próprio, pelo que concluímos que há um significado a extrair do texto que o autor não acha que deva exprimir com palavras. Tem que ser descoberto e apropriado pelo leitor. A aceitação do leitor em participar no diagnóstico do conteúdo semântico do texto intensifica, não só a natureza dialógica da ficção, mas também a própria fruição estética. Naturalmente, esta estratégia de esconde-esconde vincula o risco de que diferentes leitores retirarão diferentes significados do que ficou por dizer. É um "risco calculado", do qual o valor da ficção como objecto estético provavelmente depende. É também por isso, entre outras consequências, que uma boa obra de arte é raramente propaganda muito fiável (por muito que a arte e a propaganda tenham sido parceiras chegadas ao longo da História), e a propaganda boa e fiável é geralmente uma substituta empobrecida da arte. Por contraste, a própria flexibilidade de significado do texto literário é provavelmente o que lhe permite ser mais facilmente transposto para outra cultura.

Utilizando a terminologia da teoria da interpretação dos sonhos de Sigmund Freud, o objecto estético, como o sonho, tem um "conteúdo manifesto" e um conteúdo conceptual diferente sob a superfície, o "conteúdo latente". Este último é o "verdadeiro conteúdo", ou melhor, o "conteúdo da verdade" que se esconde dentro da ficção. (Se aceitarmos o valor da interpretação como uma espécie de "desmascaramento", então o conteúdo latente pode ser definido como o resíduo não fictício do texto de ficção). A ficção é, por assim dizer, o álibi do conteúdo latente.13 Neste contexto, suspeitamos que a ficção mente, inventa, disfarça ou simplesmente "se distancia" do mundo real como que para iludir os poderes repressivos que existem nesse mundo e investigar melhor os meandros das verdades social e humana.14

A ficção literária está relacionada com o mundo dos sonhos, devaneios, credos e, resumindo, desejos. Quando alguém imagina a realização de um desejo e depois apresenta essa realização a outros, como se tivesse realmente acontecido, ou está a mentir ou a "ficcionalizar". Neste sentido, a ficção tem um poder próprio. Está entrelaçada com a cultura humana, como um todo, de uma maneira complexa. Os vários tipos de ficção, apresentando-se como realidade, circulam entre nós como que para dar largas às nossas aspirações e medos, ao mesmo tempo que continuam disfarçados. De um ponto de vista sociológico e político, como meio de comunicação intersubjectiva, cujas consequências são difíceis de avaliar para qualquer pessoa, os textos de ficção são muitas vezes considerados perigosos, perniciosos, viciantes ou, no mínimo, irresponsáveis.

No sentido que proponho agora, é irrelevante fazer a distinção entre literatura fantástica e realista. Neste sentido, toda a ficção, mesmo a mais fantástica, é realista porque se baseia no poder figurativo da mente, na nossa capacidade de passar para discurso articulado aquilo que foi imaginado. Quer um autor escolha representar o mundo realista dos trabalhadores migrantes sofredores, como fez John Steinbeck em The Grapes of Wrath (1939), ou a vida fantástica de um monstro gerado em laboratório, como fez Mary Shelley em Frankenstein (1818), aquilo que é transmitido aos leitores é uma figuração do sofrimento humano. A metáfora de Steinbeck, retirando as suas matérias-primas da realidade histórica, actua com um effet de réel, para usar a expressão de Barthes.15 A metáfora de Shelley actua com um efeito de estranho e de fantástico, e parte das suas matérias-primas, como ela mesma afirmou, fora tirada de um sonho que teve. Em mais do que um sentido, ambos os romances são parábolas porque contam uma história à superfície e trazem "uma história diferente" por baixo. Nem todos os leitores irão verbalizar ou "interpretar" a "história" escondida. Mas, mesmo quando não o fazem, já terão reagido emocionalmente a ela, "compreendendo" e apoiando os pontos de vista do monstro e da família migrante de Tom Joad.16

4. UM INSTRUMENTO DIALÓGICO

Vamo-nos concentrar por momentos no que pode ser chamada a natureza dialéctica da recepção. À medida que o texto sai das mãos do autor, sofre um processo de negação pelo leitor, de maneira que o sentido emerge como uma espécie de síntese das posições de ambas as entidades. Na formulação de Albert Camus sobre este processo dialéctico, em Arte, mencionar uma necessidade é já uma forma imaginária de ultrapassar essa necessidade e é por isso que, "mesmo que o romance fale apenas de nostalgia, de desespero, do inatingido, continua a criar a forma e a salvação. Mencionar o desespero é já um modo de o ultrapassar."17 Uma maneira de explicar este fenómeno é a seguinte: os autores pressupõem a existência de desejos de felicidade insatisfeitos nos seus leitores. Por isso, enquanto escrevem ostensivamente acerca de tristezas, implicitamente conversam intimamente com os seus leitores acerca do desejo de que essas tristezas não deviam existir. Expôr aquilo que receamos ou odiamos pode ter o efeito de um exorcismo. Inversamente, escrever acerca de mundos cor-de-rosa de realização de desejos, porque estabelece um contraste deprimente com uma realidade não tão apetecível, pode ser interpretado como uma paródia ou então toma-se para o leitor num desejo instigador, viciante e aventureiro de mais realização de desejos, escapista e enganoso. Esta natureza dialéctica da recepção é o que explica, por exemplo, que os romances naturalistas, que lidam com a degradação humana, possam ser lidos, e em regra era suposto serem lidos, como literatura de protesto. Muito mais pode ser dito acerca da natureza dialéctica e catártica da recepção, mas vamos ter que adiar esta discussão para outra altura.18

A literatura de ficção é por isso intrínseca e extrinsecamente irónica: é mais natural que signifique uma coisa diversa daquela que diz e que o leitor tenha que perceber uma coisa diferente do que aquilo que está escrito. As duas ironias podem não coincidir porque o texto tem que ser confrontado com o mundo real do leitor e esse pode já não ser o mesmo mundo com que o autor esperava que o texto fosse confrontado. De qualquer modo, muito se pode concluir do confronto. Provavelmente a ironia implícita na ficção literária é de natureza romântica porque se alimenta da necessidade, frustação e desejo.

Assim, esta quarta razão pela qual a literatura de ficção não deve ser lida literalmente, reside no facto de ser uma forma de comunicação e de confronto.

O texto é dirigido a alguém e esse alguém vai confrontá-lo com o mundo real em que vive. Isto acontece mesmo quando o diálogo implícito passa para além de um turbilhão de barreiras desconhecidas. O significado actualizado da mensagem flutua de acordo com quem é o receptor e quando e onde se encontra. Uma coisa é certa, no entanto, e o autor sabe-o: o receptor é sempre alguém diferente de si próprio. De facto, não só o leitor vai trazer para a leitura uma personalidade ou "temperamento" diferente e, muitas vezes, um contexto explicativo diferente, como também projectará a sua própria "autoria", por assim dizer, no texto. Os leitores seleccionam o que é importante para eles: retêm certas cenas e personagens e nem reparam noutras. Alguns leitores identificam-se com um certo protagonista, outros identificam-se com outro, e assim por diante. Ler é um processo repleto de projecções inconscientes. Os leitores compreendem apenas o que conseguem compreender. Nenhum leitor é "inocente". Neste sentido toda a leitura é uma "interpretação errada", personalizada, e até os próprios autores interpretarão mal a sua própria obra.

Deve ser salientado, no entanto, que os autores são os primeiros a conhecer o jogo que estão a jogar. Sabem que estão a falar a favor de e também para uma pluralidade de leitores. Nos tempos modernos, sabem da existência de várias visões do mundo e por isso é provável que construam o texto de maneira a possibilitar o diálogo com um vasto leque de leitores. Como Bakhtine tão meticulosamente investigou, os textos de ficção modernos, ao contrário dos textos de ficção pré-modernos, como o poema épico ou a narração mítica, são intrinsecamente multilingues. Depois dos Descobrimentos Marítimos, se não mesmo antes, os autores atrevem-se a desejar que os seus textos viagem para longe entre culturas diferentes. Voltarei a este assunto na segunda parte do meu trabalho.

II — PORQUE É QUE A LITERATURA PROMOVE O DIÁLOGO INTERCULTURAL

"Desta maneira a história simples que tinha ouvido tornou-se numa história de dimensões

suficientemente grandes para abarcar uma sociedade inteira. "

Lao She, How I Came to Write the Novel 'Camel Xiangzi' (1937/1945).

"Ler The Red and the Black, e Lucien Leuwen é conhecer aquela França como

se lá vivêssemos, ler Anna Karenina é conhecer aquela Rússia.

(...) Eu decidi dar o 'sentimento' ideológico dos meados do nosso século."

Doris Lessing, Prefácio de The Golden Notebook (1962/1972).

Após ter revisto algumas das razões a favor do argumento de que a literatura de ficção não deve ser lida literalmente, vou agora debruçar-me sobre o aparente paradoxo de como a mesma literatura de ficção, cujo significado literal é irrelevante ou mesmo inexistente — apesar das palavras bem ordenadas na página —, tem sido, todavia, do ponto de vista histórico, uma embaixadora privilegiada entre as diferentes culturas.

Como citado em epígrafe, Lao She diz-nos, no seu Epílogo de Camel Xiangzi de 1945, como é que no processo de planear a história "começou a considerar que um puxador de jinrixá, como toda a gente, teria mais problemas do que simplesmente o pão de cada dia. Teria ideais e desejos, uma família e filhos. Como resolveria ele estes problemas? Como poderia fazê-lo? Desta maneira, a história simples que tinha ouvido tornou-se numa história de dimensões suficientemente grandes para abarcar uma sociedade inteira."19 E de facto este livro, largamente traduzido, tornou-se numa espécie de introdução intercultural à China pré-revolucionária e, indirectamente, às circunstâncias que deram origem à Revolução. Doris Lessing, uma escritora britânica contemporânea, nascida em 1919, vinte anos depois de Lao She, escreveu que ficou a conhecer a Rússia do século XIX através da leitura de Anna Karenina de Tolstoi e a França do século XIX, através da leitura dos romances de Stendhal. Declarou que a sua intenção ao escrever o seu próprio romance, The Golden Notebook, era atingir um objectivo semelhante no que diz respeito à civilização europeia de meados do século. E eu acho que ela conseguiu, mesmo se, ao nível mais óbvio, a história gire à volta da depressão psicológica da principal protagonista, Anne Wulf. Contando as páginas da edição que possuo, existem 638 páginas acerca da depressão emocional de uma mulher, após ter decidido deixar o seu partido político e, no mesmo dia, o homem que ama ter decidido deixá-la. Outra maneira de compreender o romance é perceber que fala acerca do fracasso dos ideais revolucionários na Europa. Naturalmente que há muitas maneiras de compreender o romance. Como a própria Lessing reconheceu com apreensão no prefácio da edição de 1972, o romance tornou-se um bestseller principalmente porque foi apropriado pelo movimento feminista. O ponto de vista feminino diferenciado é também, com efeito, um ingrediente importante do livro. Resumindo, a questão a que vou tentar responder é: como pode um simples romance ser tão pertinente para tanta gente e ser tão relevante para a nossa compreensão da realidade não ficcional de um dado período histórico? Vou dividir a minha tentativa de resposta a esta questão em quatro pontos.

1. O TEMA UNIVERSAL DO "SUBSOLO"

Os seres humanos aspiram à felicidade. Para serem felizes precisam de comida, abrigo, saúde, liberdade de movimentos, amor, afeição, integração social e sentido de valor e dignidade individuais. Nenhuma civilização nossa conhecida conseguiu até hoje providenciar este tipo de felicidade a todos os seus cidadãos. Acredita-se normalmente que, na Terra, isto é impossível, utópico. Porque a ficção em geral retira o seu sustento básico da imaginação humana, é compreensível que em qualquer cultura o desejo de felicidade insatisfeito procure uma compensação imaginária. E fá-lo na religião, na arte e nos jogos.20 Não há barreiras históricas ou geográficas a considerar a este respeito. É uma fonte universal da ficção. Se existe uma multiplicidade de formas através das quais os seres humanos podem procurar a compensação imaginária para as insuficiências da realidade, existe todavia esta fonte original temática que as obras literárias de ficção partilham em qualquer lugar e em todos os tempos.21 Este "solo" procriador partilhado (ou vamos antes chamar-lhe "subsolo") facilita a compreensão das variações de superfície que cada obra literária individual manifesta. Os nossos desejos podem parecer complexos como epifenómeno visível, mas são provavelmente muito mais simples a um nível primário tanto biológico como psicológico. É talvez porque partilham este "subsolo" subjectivo e emocionalmente carregado que as obras de ficção são mais facilmente aceites do que os textos expositivos não ficcionais quando são feitos para viajar através dos limites geográficos e temporais. Desta maneira, como uma espécie de efeito-lateral, contribuem muitas vezes para apresentar culturas estrangeiras umas às outras.

Foi escrito que a ficção tem a capacidade de "desfamiliarizar" o familiar, ou seja, de nos fazer olhar à nossa volta com novos olhos. Da mesma maneira, a ficção tem também a capacidade de nos familiarizar com o não familiar, de nos fazer aceitar aquilo que não conhecemos.22 Isto acontece talvez porque de alguma maneira esperamos que a ficção literária nos fale de outros mundos. De certo modo, os mundos da ficção são sempre novos para nós. Esperamos que o escritor de ficção nos leve a ver coisas familiares como se fosse a primeira vez, ou coisas não familiares como se as reconhecessemos: "desfamiliarizar" o familiar é correlativo com familiarizar-nos com o não familiar. (Esta pode ser uma das razões porque as narrações de viagens, ou diários íntimos e memórias, ou certas colunas sociais jornalísticas, embora não sejam ficção, são lidas como se o fossem: familiarizam-nos com o não familiar).23 Saber mais acerca do outro, a cultura estrangeira, por exemplo, é também uma maneira de nos levar a vermo-nos a nós próprios por um novo prisma. (Isto, a propósito, é uma das motivações por trás dos estudos da literatura comparada).

Num certo sentido, os escritores de ficção estão sempre a apresentar o leitor a um "mundo estranho" e assim estão preparados para actuar como guias. Na sua profissão é natural tornarem-se embaixadores entre culturas.24

2. A DIALÉCTICA INTRÍNSECA DA FICÇÃO

Extrinsecamente falando, a ficção é um instrumento dialógico, no sentido em que o autor (seja um indivíduo ou um número restrito de indivíduos trabalhando em conjunto) se dirige a um número indefinido de receptores. Esta função comunicativa faz parte da estratégia da produção literária em geral.

Gostaria, porém, de chamar a vossa atenção agora para a dialéctica intrínseca da ficção narrativa, como Bakhtine a definiu nas suas obras.25 Mais distintamente, desde a Renascença, a ficção narrativa é um género literário caracterizado por um "diálogo" entre um sujeito falante, personificado, por exemplo, no narrador omnisciente ou num dos protagonistas como um substituto do autor, e o Outro representado, personificado nos outros protagonistas e personagens em geral. O Sujeito, o implícito ou explícito Eu, é directamente experimentado do interior; e o Complemento Directo, o Outro, é observado do exterior. Para além disso, o último funciona também como um espelho para o Eu que não pode de outro modo aperceber-se de si próprio do exterior. Este diálogo estruturado entre dois pontos de vista, qualitativamente diferentes, faz parte da natureza expressiva/mímica da ficção.

Porque parte deste intrínseco conflito de pontos de vista e porque, extrinsecamente, também o próprio se dirige a um difuso e geralmente imprevisível Outro, a ficção literária, pelo menos a que é do tipo "legível",26 ao contrário da literatura monológica, ou de propaganda política ou religiosa, mostra-se, realmente, um bom veículo de promoção do diálogo intercultural e interideológico.

Isto passa-se mesmo quando observamos a propensão contrabalançada dos autores para reforçar os seus pontos de vista autoriais e autoritários, subordinando outras vozes à sua própria voz para que, como observaremos a seguir, a identidade da obra seja preservada e com ela também a sua aura característica.

3. A AUTORIDADE DO AUTOR E A AURA UMBILICAL DA OBRA

Quanto mais o autor vaticina que a sua narrativa viajará para longe, mais tentará saturar o texto com todos os indicadores possíveis para o que se julga ser a sua mensagem essencial. Desta maneira o texto manter-se-á o texto do autor e reterá a aura da sua origem. Assim, se muito está "indeciso" em termos do efeito que o texto vai gerar no leitor, e também porque o leitor é um desconhecido variável, muito está também decididamente entrelaçado no texto, para que uma certa quantidade de auto-suficiência lhe esteja ligada, quando se separa do seu criador. Como Roland Barthes manteve, em relação à sua análise do conto "Sarracine" de Honoré de Balzac em S/Z, o chamado texto "legível" é demasiado determinado em relação à mensagem que é suposto transmitir. Deste modo, o leitor, a verdadeira personificação do Outro, será forçado a estabelecer um "diálogo" com o texto firmemente entrelaçado, nunca o seu próprio texto, mesmo para além das fronteiras temporais, geográficas e culturais, e não deixará facilmente escapar o cerne da sua mensagem. As interpretações variadas de um mesmo texto, que percebemos serem possíveis, têm como consequência a estabilidade do cerne do seu conteúdo. O "conteúdo manifesto", impregnado como pode estar de informação histórica passageira, é propenso a adquirir cores e significados sempre novos. O "conteúdo latente", por outro lado, tem que ser mais elástico. Está mais próximo da estrutura profunda da obra. Permite a esta última não só sobreviver à multiplicidade de interpretações mas também sofrer a tradução para outras línguas e outros media sem deixar de ser ela própria.

4. REDUNDÂNCIA E COERÊNCIA INTERNA

Guilherme Ung Vai Meng. Condutor de Jinrixá. Lápis sobre papel, 30 x 21 cm, 1996.

Barthes mostrou como a repetição e a redundância tornam quase impossível a qualquer leitor de "Sarracine" não se aperceber do seu tema central cumulativo: a estranha articulação da castração com a beleza. Isto acontece independentemente da maneira como os leitores interpretam esta mesma articulação e independentemente dela ter algum significado particular para eles. Eu ousaria sugerir que, quanto mais inefável for a mensagem, mais redundante e coerente deve ser o texto. Tirando como exemplo apenas duas páginas do romance expressionista Women in Love, escrito em 1921 por D. H. Lawrence, descrevendo um encontro amoroso, contei 8 sinónimos da palavra escuro ou suas derivadas; 4 da palavra mistério; 8 do adjectivo estranho; e 5 de frases relacionando o conceito de electricidade com o de amor.27 Será difícil para qualquer leitor não perceber a preocupação do autor com a importância, mas também o seu receio, do carácter ominosamente evanescente da paixão sexual entre um homem e uma mulher. Se o leitor acha significativa e sugestiva esta interpretação do amor já é outro assunto.

Num estilo completamente diferente, a excessiva determinação semântica do cerne do conteúdo literário é também evidente no romance social realista de Lao She, Camel Xiangzi.28 Não pode haver dúvidas de que a mensagem central do livro é reforçada, capítulo após capítulo, fazendo com que os leitores compreendam que os Xiangzis deste mundo merecem um destino melhor. A obsessão de Xiangzi em ter o seu próprio jinrixá é uma metáfora da mais cruel das realidades: nem mesmo um sonho tão insignificante como o de possuir o seu próprio jinrixá é realizável dentro dos limites de uma sociedade de classes exploradora, uma sociedade em que uma exuberante minoria vive do trabalho desumano da maioria da população. Quer os leitores infiram ou não um pretexto para a revolução social da estrutura parabólica da história, não deixarão de certeza de perceber a mensagem codificada de que os Xiangzis deste mundo merecem um destino melhor. A não ser que rejeitem o romance no seu todo, os leitores irão identificar e simpatizar com Xiangzi independentemente da classe, grupo cultural ou país a que pertençam. O cerne da mensagem resistirá a interpretações alternativas e, além disso, o romance continuará a transportar o seu conteúdo cultural e histórico através das fronteiras nacionais e dos continentes e para além do seu contexto social e político originário.

5. A AUTO-SUFICIÊNCIA DO TEXTO DE FICÇÃO

Apontei quatro aspectos que acredito serem relevantes para a minha argumentação de que a ficção tem uma capacidade distintiva para promover o diálogo intercultural:

a) A universalidade transtemporal e transcultural dos temas básicos do "subsolo", relacionada com a compensação dos desejos não realizados através da imaginação.

b) A dialéctica intrínseca da ficção que leva os leitores a confrontarem-se com o ponto de vista do Outro.

c) A relação umbilical do texto de ficção com a sua fonte autorial/autoritária, que preserva a sua aura como um objecto insubstituível.

d) Finalmente, a redundância e coerência das obras de ficção que lhes dão uma elasticidade facilitadora da transplantação geográfica e temporal.

Estas quatro características podem ser resumidas numa única, a da chamada "autonomia" ou "auto-suficiência" do texto de ficção. As obras literárias de ficção não são apenas documentos de um dado período histórico; são também monumentos a esse período. A sua natureza elástica permite-lhes continuar a dar significado a diferentes públicos históricos. São capazes de englobar uma grande quantidade de informação acerca de um determinado dia ou época, ou acerca de uma dada tradição cultural, e de a fazer viajar para longe, porque tal informação, que de outra maneira podia ser mal entendida ou inaceitável, é articulada com o mais duradouro mundo imaginário de desejos realizados. Este mundo de ficção alternativo é, não só denso e coeso na sua natureza metafórica, mas lida também com afecto e emoções humanas, ingredientes indispen-sáveis para a preservação e aplicabilidade do conhecimento.29

Quando Lao She escreveu Camel Xiangzi tinha provavelmente em mente, não só a utilidade ética de emprestar a sua voz aos maltratados trabalhadores analfabetos, mas também a possibilidade pragmática de usar a ficção para informar os leitores de uma melhor camada social e, possivelmente, também de outras nações, acerca das condições insustentáveis em que a maioria do povo chinês vivia. Tanta coisa aconteceu desde aí e, no entanto, na sua simplicidade consistente e rígida, o romance permite ao leitor de hoje, não só viajar para trás no tempo e perceber como era a China antes da Revolução (e talvez, também, porque razão a Revolução teve que se dar), mas também, simultaneamente, confrontar o destino de Xiangzi com o destino do nosso mundo actual. Ao mesmo tempo que apresenta aos leitores aspectos culturais de um dado período da História chinesa, que eles poderão achar não familiares e exóticos, o romance estabelece também um "diálogo subterrâneo" com provavelmente todos os leitores acerca do tema universal da procura da felicidade humana. Vários pormenores e significados secundários podem escapar ao leitor, especialmente àquele que, como nós, tem que usar uma tradução, mas a trágica ironia do desejo frustrado de Xiangzi, de se tomar um dono dejinrixá estabelecido, tem tanta ênfase que é impossível não notar a mensagem não escrita, mas codificada, de que os honestos e trabalhadores Xiangzis deste mundo merecem um destino melhor. A história é também uma metáfora. Para além de ser o seu eu de ficção — um simples, honesto e teimoso jovem de poucas palavras — Xiangzi, um esforçado e inocente jovem Sísifo dos bairros pobres de Pequim, mal conseguindo sobreviver num ambiente citadino desumano, é também todos e cada um de nós. O mundo imutável e intraficcional dos puxadores dejinrixá desencadeia um diálogo contínuo, interminável e imprevisível com a realidade sempre mutável e extraficcional, convidando-nos a verificar quantos Xiangzis ainda existem no nosso mundo e levando-nos a perguntarmo-nos como pode isto acontecer e o que é que se pode fazer. O facto de os textos de ficção serem capazes de nos levar a formular perguntas tão incómodas é mais uma razão porque, na minha opinião, são tão bons embaixadores entre culturas.

Parte I: Apresentada no Encontro Internacional "Diálogo

Cultural e Dificuldades de Interpretação", realizado pela

Universidade de Pequim, em Outubro de 1995.

Parte II: Apresentada no Encontro Internacional "Diálogo

Cultural e Dificuldades de Entendimento", realizado pelo

Instituto Cultural de Macau, DEIP, em Outubro de 1995.

Tradução do original inglês por Maria do Carmo Hatton;

revisão de Júlio Nogueira

NOTAS

1. Em Le Naturalisme au Théatre, agora em Le Roman Expérimental, ed. André Guedj, Paris, 1971, p. 140. A mesma frase aparece noutros trabalhos de Zola, por exemplo em Mes Haines. Cf. referência ao assunto em Lilian Furst e Peter N. Skrine, Naturalisme, Londres, 1971, p. 48.

2. Para a minha compreensão da presença "excedentária" do autor no texto literário baseei-me em Speech Genres and Other Late Essays, de Mikhail Bakhtine, Austin, Tx., 1986. (Tradução de Estetika Slovesnogo Tvortchestva).

3. Para o conceito de aura baseei-me em "The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction" (1936), em Illuminations, de Walter Bejamin, Nova Iorque, 1969.

4. Para o conceito teórico de "horizonte de ex-pectativas" ver Literary History as a Challenge to Literary Theory (1970), de Robert Jauss, agora em Towards an Aesthetics of Reception, Mineápolis, 1982.

5. Para intertextualidade negativa e "conivência poética" ver The Anxiety of Influence: A Theory of Poetry, de Harold Bloom, Nova Iorque, 1973.

6. Para o debate teórico de "comunidades de leitores" ver os trabalhos de Stanley Fish em Is There a Text in this Class? The Authority of Interpretative Communities, Cambridge, Mass., 1980.

7. Todos estes aspectos são estudados hoje em dia em conjunto sob o rótulo geral de "estudos sistemáticos".

8. Como citado por Andréas Sandor em On Idealistic Realism, "Mosaic", 4 (4) 1971, p. 38. Não consegui localizar esta citação na obra de Nietzsche.

9. Cf. Wolfgang Iser em The Act of Reading: A Theory of Aesthetic Response, Londres, 1978, p. 45: "(...) Efeito e resposta provêm de uma relação dialéctica entre mostrar e esconder — por outras palavras, da diferença entre o que é dito e o seu significado." O livro de Iser é um completo debate teórico desta questão.

10."Undecidability as Hermeneutic Constraint", em Literary Theory Today, eds. Peter Collier e Helga Geyer-Ryan, Cambridge, 1990.

11. É o que temos dito a nós mesmos no Ocidente pelo menos desde que estudámos as definições de Aristóteles. Em Comparative Poetics: An Intercultural Essay on The ories of Literature, Princeton, 1990, Earl Miner levanta a questão de que pode haver narrativa sem enredo, exemplificando esta opinião com o monogarati japonês, entre outros tipos de textos literários.

12. Ou como Lao She escreveu na sua Epígrafe de 1945 ao romance Camel Xiangzi, Pequim, 1988, p. 233: "Assim que tive as minhas personagens, foi comparativamente fácil trabalhar o enredo. Como Xiangzi é a personagem principal, tudo na história deve girar à volta dos puxadores de jinrixá. Desde que todas as pessoas estivessem ligadas de alguma maneira com o jinrixá, eu tinha Xiangzi colocado exactamente onde o queria."

13. Relacionando a literatura com a psicanálise, Norman Holland introduz os conceitos de "forma como defesa" e "significado como defesa". Cf. The Dynamics of Literary Response (1968), Nova Iorque, 1989, p. 105: "Virtualmente todas as entidades familiares da literatura — enredo, personagem e forma — servem pelo menos em parte como modificações defensivas do conteúdo inconsciente."

14. Assuntos semelhantes são completamente debatidos por Thomas Pavel em Fictional Worlds, Cambridge, Mass., 1986. Acerca da distância cf. p. 145: "A criação da distância podia ser assumida como a intenção mais geral da actividade imaginária: a viagem consubstancia a operação básica da imaginação, quer esta seja realizada como sonhos, transe ritual, rapto poético, mundos imaginários, ou simplesmente a confrontação entre o raro e o memorável."

Jean Bessière também debate todas estas questões de dualidade, distanciamento, duplo significado e assim por diante em Dire le Littéraire: Points de Vues Théoriques, Bruxelas, 1990. Contrariamente ao livro de Bessière, que lida com a literatura em geral, eu debato apenas a "ficção" literária. Nem toda a literatura é fictícia e nem toda a ficção é literária, ou mesmo artística. Considero importante que os meus leitores tenham esta distinção em mente.

15. "L'effet de Réel" (1968), em Littérature et Réalité, de Roland Barthes, et al., Paris, 1982.

16. Analogamente, uma leitora feminina, ou um leitor com sensibilidade feminina, pode chorar no fim de Anna Karenina, de Tolstoi, sem nunca ter a hipótese de considerar porque razão chora a propósito de uma personagem fictícia. De facto é porque Anna Karenina apoia as mulheres reais, incluindo a própria leitora. Esta não tem que interpretar o texto como, digamos, um rótulo contra a sociedade patriarcal para experimentar uma recepção emocionalmente activa do texto. Cf. também Fictional Worlds, de Thomas Pavel, pp. 55 e 145, onde este exemplo aparece. De acordo com Pavel a reacção do leitor pode ser resumida na frase: "Como isto pode acontecer a qualquer um, também me pode acontecer a mim." Esta é naturalmente uma simplificação de um processo algo complexo de identificação, transferência, etc., como estudado por psicólogos.

Em Dynamics of Literary Response, Nova Iorque, 1968/1989, Norman Holland analisa a resposta dos leitores de um ponto de vista psicanalítico.

17. "Art and Revolt" (1952), em Writes and Politics: A Partisan Review Reader, eds. Edith Kurzweil e W. Phillips, Londres, 1983.

18. Para um exame teórico e histórico do conceito de catarse, cf. o capítulo sobre este assunto em Aesthetic Experience and Literary Hermeneutics, de Hans Robert Jauss, Mineápolis, 1982, pp. 92-111. Ao contrário de Jauss, que realçou o aspecto reconciliador da catarse, acredito que em relação ao constrangimento da realidade a cartase pode também ser do tipo libertador. Exprimi este ponto de vista em Para que Serve o Romance: Empenhamento, Escapismo e Catarse, "Humanidades", Porto, (4) 1984, pp. 51-60.

19. How I Came to Write the Novel Camel Xiangzi, Pequim, Foreign Language Press, 1988, p. 233.

20. Baseando-se nos trabalhos de Kendall Walton, Pavel escreve em Fictional Worlds, p. 55: "(...) As obras de ficção não são meras sequências de frases mas adereços num 'jogo de faz de conta', como as crianças a brincar com bonecas ou a fingir que são cowboys." Por alguma razão, Pavel não menciona os comentários de Freud, muitos anos antes, sobre esta conexão. No trabalho The Relation of the Poet to Day-dreaming (1908), por exemplo, Freud escreveu: "Agora o escritor faz o mesmo que a criança a brincar; cria um mundo de fantasia que leva muito a sério; ou seja, dá-lhe muito afecto, enquanto o separa categoricamente da realidade."

Em Character and Culture, ed. Philip Rieff, Nova Iorque, 1963, p. 35.

21. Pavel também menciona esta herança universal dos temas de ficção nas pp. 147-8: "Em quase todos os tempos e lugares encontramos um conjunto temático mais ou menos completo, cobrindo as principais preocupações humanas, sociais ou existenciais. Nascimento, amor, morte, sucesso e fracasso, autoridade e a sua perda, revolução e guerra, produção e distribuição de bens, estatuto social e moralidade, o sagrado e o profano, temas cómicos de inadaptação e isolamento, fantasias compensatórias, e muito mais, estão sempre presentes, desde os mais longínquos mitos e contos populares até à literatura contemporânea. Mudanças de gosto ou trocas de interesse parecem afectar apenas marginalmente o inventário."

Eu classificaria os principais temas universais da literatura de ficção sob a única designação de fantasias compensatórias, incluindo nesse ponto a própria literatura realista, se compreendida na forma dialéctica que tentei explicar na Parte I do meu trabalho. O meu colega português Manuel Frias Martins escolheu o conceito "matéria negra" para designar o "subsolo", fonte temática universal de toda a literatura de ficção em Matéria Negra: Uma Teoria da Literatura e da Crítica Literária, Lisboa, 1993. Baseei-me nele ao longo do meu trabalho.

22. Cf. The Act of Reading, de Wolfgang Iser, p. 93: "Por intermédio desta relação primeiro plano-segundo plano, o princípio de selecção explora a condição básica de todas as formas de compreensão e experiência, pois o ainda desconhecido significado seria incompreensível se não fosse a familiaridade do segundo plano contra o qual é colocado."

23. Cf. Pavel, p. 145, também citado parcialmente na nota 14.

24. Não necessariamente apenas entre regiões geográficas diferentes. Também entre diferentes culturas dentro de uma mesma nação. Voltando ao caso de Émile Zola, mencionado na Parte I deste trabalho, podemos qualificar o seu romance Germinal como uma espécie de embaixada entre as culturas dos burgueses e da classe operária dentro de França. Muitos escritores sociais realistas quiseram cumprir este propósito. Camel Xiangzi é outro bom exemplo.

25. Ver Speech Genres and Other Late Essays, Austin, Tx., 1986; e The Dialogic Imagination, Austin, Tx.,1981.

26. Retiro o termo do trabalho de Roland Barthes, S/Z, Paris, 1970. Neste trabalho Barthes analisa linha por linha o conto de Balzac, "Sarracine", após o ter incluído na "literatura legível" (littérature lisible) em oposição à "literatura escrevível" (littérature scriptible). A última, mais característica dos tempos modernos, já pressupõe a colaboração activa do leitor na constituição do produto literário final.

27.0 romance está saturado com a palavra escuridão, suas derivadas e sinónimos como tive oportunidade de debater na minha Dissertação de Mestrado não publicada (Lisboa, 1970). (Uma reformulação parcial da mesma irá brevemente aparecer como um trabalho na antologia Estudos Ingleses em Portugal, Lisboa, prov. 1996). É bem conhecida a preocupação de D. H. Lawrence em manter a ficção restringida aos temas básicos vitais, também os mais difíceis de passar para a escrita.

28. Edição usada: Camel Xiangzi, Pequim, Foreign Language Press, 1988. Este romance dos anos trinta foi previamente traduzido para inglês como Rickshaw Boy.

29. Ver o recente livro do neurologista da Universidade de Iowa, António Damásio (português de nascimento), Descarte 's Error: Emotion, Reason and the Human Brain, E. U. A., 1994; Lisboa, 1995. Reporta-se a descobertas que revelam como a componente emocional é indispensável para que a memória e a razão funcionem.

* Doutora pela Universidade de Nova Iorque, professora associada de Literatura Inglesa e Literatura Comparada na Universidade do Porto. Membro fundador da Associação Portuguesa de Literatura Comparada, de que é presidente, e membro do Conselho Executivo da Associação Internacional de Literatura Comparada. São suas principais áreas de investigação: o romance dos séculos XIX e xx, na Europa e Américas; teoria literária; literatura e psicologia; e análise de géneros literários.

desde a p. 25
até a p.