Atrium

INTRODUÇÃO

O Director da Revista de Cultura Luís Sá Cunha

"Diálogo Cultural e Dificuldades de Entendimento" — sob esta epígrafe se abre o primeiro corpo de artigos deste Sumário, conjunto de comunicações apresentadas num encontro internacional dedicado ao tema, organizado pelo Instituto Cultural de Macau (Divisão de Estudos, Investigação e Publicações) com a colaboração da Associação de Literatura Comparada de Macau.

Aqui agora compaginadas, as intervenções escritas de especialistas de relevo internacional, em matéria de Literatura Comparada, de Macau, Portugal, Estados Unidos, China, Israel e Holanda.

Se há fenómeno de que Macau foi palco e via de mediação, esse foi historicamente o de diálogo de Culturas, de aculturação e de transculturação, cujas seculares sínteses foram urdindo uma identidade que é singular no Mundo.

Com a publicação destes textos, continua a RC a prossecução de um mesmo objectivo, proposto no seu estatuto editorial, de arqueologia dos diversos modos do encontro China/Ocidente no passado, e de aprofundamento dos seus impasses, visando mais claro espaço de mútuo entendimento nos tempos próximos futuros.

Fiéis aos mais fundos arcanos da alma e do espírito portugueses, projectados no movimento da História, nunca deixaremos de nos polarizar, escatológica e messianicamente, na consecução da fraternal unidade da espécie humana sobre a Terra.

Fazemos o que nos cabe e está ao nosso parco alcance, neste lugar mais remoto da diáspora lusíada, e fiéis à sua mais genuína vocação.

Damos justo lugar, também, às figuras de dois grandes poetas chineses, que neste Século conquistaram a fama dentro das fronteiras culturais da China e das comunidades chinesas do Ultramar: Ai Qing e Liang Peiyun.

Ai Qing, recentemente falecido, considerado a mais eminente voz poética chinesa do Século. Também ele nos pertence, a nós que descobrimos o seu génio em Macau, convivemos com a sua personalidade cordial, procurámos humildemente dá-lo a conhecer dentro das fronteiras da Língua Portuguesa onde nunca ecoara antes o seu nome. E pertence-nos, acima de tudo, porque os seus poemas afloram o universal. E, muito afectiva e particularmente, nos pertence a nós, humildes produtores desta Revista que, na nossa primeira edição, deslumbrados e sensibilizados com a sua obra e os passos do seu destino, para ele reivindicámos o merecimento do Prémio Nobel da Literatura.

Com isso, nós, pequeno núcleo de portugueses radicados em Macau, orgulhamo-nos de ter desencadeado, nos meios literários desta área geográfica, um movimento de apresentação da sua candidatura à Academia Nobel.

Sobre ele, escrevíamos há dez anos: "É assim, um símbolo vivo da Vida, o Homem que assume e canta alguns dos transes mais permanentes da condição humana, e o amorável solidário com a condição de todos os seres criados.

"Pioneiro da abertura da cultura chinesa aos padrões ocidentais, Ai Qing é hoje um dos máximos representantes e agente da aproximação do povo chinês aos outros povos de todo o Mundo.

"Por tudo isto — pelo Poeta e pela sua Obra, pelo Homem e pelo que ele representa, pela oportunidade histórica de religar a mais original e primeva cultura desta geração humana ao fraternal convívio universal — por tudo isto vimos em Ai Qing o aconselhável candidato ao Prémio Nobel da Literatura."

Comovia-nos o cantor revoltado contra toda a condição miserabilista, injustiçada e degradada dos homens e dos povos, o cantor lúcido e confiante do dia claro e do renascimento, da paz e da esperança, "fiel companheira da vida, até ao último suspiro".

Teve de imediato, a nossa voz, eco junto de dezenas de poetas e escritores da China e desta área geográfica, que se solidarizaram na apresentação da sua candidatura ao Nobel.

Agora que ele nos deixou para sempre, para sempre ficam connosco a Memória da sua personalidade afável, e os versos esculpidos a oiro da sua Obra eterna.

Com este, e outros modestos gestos, procurámos desde o início, nas páginas desta Revista, densificar a relação solidária e amistosa com a grande nação chinesa.

Damos, semelhantemente, justo relevo a outra figura, na consciência de que as excepcionais personagens excedem sempre as palavras invocadas a enaltecer-lhes o perfil: o Mestre Liang Peiyun.

Vivo em Macau, no júbilo dos seus noventa anos de uma vida de surpreendente e admirável intensidade, ele é a figura clássica do patriarca, ornada do raro carisma de decano das artes, das letras e das abnegadas virtudes da dedicação cívica.

Autêntica "força da Natureza", facetada em múltiplos talentos, ele foi jornalista, redactor, director e fundador de muitas publicações marcantes, foi investigador e escritor, observador empenhado e permanente interventor na sua circunstância histórico-política, e o incansável activista da causa sagrada do Ensino, onde se distinguiu na direcção e reitorado de várias instituições superiores.

Mas, sobretudo, para nós, o seu perfil de artista: o carácter original e forte do seu timbre caligráfico, e o purismo clássico do seu lirismo, que lhe valem a admiração dos mais atentos, sensíveis e cultos meios intelectuais nesta área do globo.

Merece-nos ainda destaque o corpo de artigos dedicados à deusa A-Má, ao seu culto e principal templo de Macau, em novos contributos dos investigadores Gerd Wädow, Tan Shibao e Zhang Wenqin.

Confirmação, uma vez mais, de que a História de Macau só pode progredir como projecto pluricolaborado de investigadores conhecedores das fontes originais portuguesas e chinesas. Colaboração tanto mais importante, neste caso, para o aprofundamento da identidade comunitária macaense, quanto se trata de um orago e de um lugar de culto em que se polarizam os sentimentos religiosos da população chinesa de Macau e que projecta a sua memória para as eras nebulosas da mitologia fundacional da cidade.

desde a p. 3
até a p.