
Reconstituir as motivações primeiras de um percurso de investigação não é tarefa fácil, sobretudo se se procura confrontá-las coerentemente com o seu produto final.
No início, nenhum projecto parece impossível. As problemáticas tendem a ser equacionadas de forma tão global que a elaboração de planos de trabalho — muitas vezes impraticáveis — surge como um imperativo. Gradualmente, porém, no decurso da investigação, transforma--se o ideal no possível.
Neste contexto, não parecerá despropositado que os objectivos iniciais deste trabalho tenham sido, de certa forma, alterados.
Assim, faremos uma breve abordagem aos principais aspectos conjunturais e civilizacionais, quer do Sião quer de Macau, desde o século XVI até ao século XVIII inclusivé. Depois, centrar-nos-emos nas relações de Portugal e de Macau — umas não se podem separar das outras — com o Sião, nos séculos XVII e XVIII essencialmente.

I. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
1. SIÃO
1.1 — Aspectos gerais
Sudeste Asiático ou Ásia do Sueste são expressões geralmente utilizadas para designar os países compreendidos entre a Índia, a Oeste, e a China, a Leste.
Rios mais importantes:
-- Irawadi (o "coração" de Burma);
-- Menam Chao Phya (centro do Sião);
-- Mekong (Camboja e Laos);
-- Mekong (no delta — Sul do Vietname);
--Rio Vermelho (Tonquim — Norte do Vietname)
Ora, as áreas entre os grandes vales (que são as bacias destes rios) são, normalmente, montanhosas e com florestas. Por isso, o movimento da população de um vale para outro não é tão fácil, como o é o movimento da(s) mesma(s) ao longo dos vales. Além disso, os vales são mais férteis do que as zonas montanhosas, pelo que houve sempre uma movimentação de população em direcção a Sul, o que provocava muitas vezes, falta de mão-de-obra. Por outro lado, um dos principais problemas da Ásia do Sueste foi sempre, até ao século passado, a falta de gente, ou seja, a pouca ocupação demográfica. Este foi, aliás, o principal motor de guerras constantes entre os Estados da península Indochinesa (ex.: Sião-Khmers), pois, no século XV, toda a Ásia de Sueste tinha apenas 15 milhões de habitantes.
Como tal, para suprir a falta de mão-de-obra, os reinos vizinhos guerreavam-se uns aos outros, fazendo cativos (mão-de-obra). As cidades agrárias necessitavam de muita mão-de-obra e também de um poder central forte. Estas cidades agrárias baseiam-se na cosmologia budista — são microcosmos, de plano geométrico, com o palácio ao centro — em que o soberano é o eixo do mundo (deve assegurar a harmonia do Absoluto com os homens). É assistido por um corpo de funcionários, cujos principais encargos são a organização dos trabalhos agrários e da colecta dos impostos, assim como por sacerdotes budistas ou hinduístas, que são bem gratificados, mas em troca legitimam o seu poder espiritual e participam no esforço agrário que ele preconiza1.
O poder político, no reino siamês, tal como noutros desta região, era partilhado por diferentes famílias reais, cada qual controlando centros estratégicos da região, onde o mais forte tentava colocar omais fraco sob o seu controlo, muitas vezes nominalmente, através de rituais, casamentos e outras ligações pessoais2.
1.2 — População: suas origens
Os descendentes do tipo físico designado por Austronésio, que iniciou um movimento migratório para sul desde os tempos pré-históricos, provavelmente entre 2500 e 1500 a. C., formam hodiernamente a base da população da Malásia e Ásia do Sueste em geral, essencialmente da mesma raça humana da restante população da península Indochinesa e do Sul da China.
Do Sudoeste da China, vieram para a Ásia do Sueste, em duas migrações: primeiramente os protomalaios, depois, os deutero-malaios — que com eles trouxeram a metalurgia.
Da China Ocidental vieram os vietnamitas para o delta do rio Vermelho; os Khmer, para o vale e delta do Mekong; os Mons (aparentados com os Khmer), chegaram ao Menam Chao Phya; e, no vale do Irawady, apareceu um povo conhecido como Phya.
Mais tarde, os Birmaneses vieram do norte para o vale do Irawady. Os Thai, de quem os habitantes da Tailândia, Laos e área dos Shan (em Burma) descendem, vieram do Yunnan, um pouco mais tardiamente3.
1.3 — Pré-História: alguns dados
Várias descobertas arqueológicas, na província de Kkanchanaburi, a oeste de Banguecoque, em Chiang Rai no Norte, revelaram vestígios do período Paleolítico, de cerca de 500 000 anos atrás. Durante o período do Mesolítico e no Neolítico a raça humana deve ter-se espalhado por todo o Sião.
Todavia, a mais importante descoberta realizada no Sião ocorreu no planalto de Khorat, no Nordeste da actual Tailândia, a 500 kms de Banguecoque, chamada região de Ban Chiang. Comunidades primitivas de agricultores parecem ter começado a fixar-se nesta área, por volta de 4 000 a. C.. A cultura tradicional de Ban Chiang foi criada por uma sociedade agrária tão avançada, que lhe possibilitou a produção de artefactos de bronze muitas centúrias antes de qualquer outra no mundo e também a mistura do bronze com o ferro para fins utilitários e ornamentais.
As origens do povo da região de Ban Chiang tem originado inúmeras especulações. Para uns, são gente originária do Norte do Vietname, para outros, baseados nas escavações efectuadas naquela região (em que foi descoberta uma civilização Neolítica, produtora de bronze, por volta de 2 000 a. C.), seriam provavelmente, tribos protomalaias4.
1.4 — História: principais etapas
Como já foi dito, os Thais parecem ser originários do Sudoeste da China, onde eram particularmente numerosos, especialmente na província hoje denominada o Yunnan. No século VII d. C. ali estabeleceram o reino de Nanchao. Outros, continuaram a mover-se para sul, infiltrando-se em pequenos grupos, no Laos, na parte Norte do Sião, e no planalto Shan, de Burma, misturando-se com as populações locais.
Em 1253, os Mongóis conquistam Nanchao,que viria a transformar-se em província chinesa mais para sul, o Yunnan. Portanto, os Thais foram forçados a movimentar-se cada vez mais para sul, para assim escaparem ao controlo chinês5.
De acordo com a generalidade dos estudiosos, a história do Sião pode dividir-se em quatro períodos: a) Período Dvaravati (entre os séculos VII e XI); b) Período Sukhothai (nos séculos XIII e XIV); c) Período de Ayuthia (séculos XIV a XVIII); d) Período de Banguecoque (do século XVIII à actualidade).
a) Período Dvaravati
Parece ter tido o seu centro em Nakhon Pathon, durando até ao século XI ou XII. Artisticamente pujante, produziu grande número de imagens de Buda (de influência marcadamente indiana), relevos em estuque (em templos e cavernas), arquitectura (grandes monumentos em tijolo, por exemplo), cabeças em terracota (de Buda e outras divindades), estelas votivas budistas e outras esculturas ( repre sentando o próprio Buda, várias divindades, anões, demónios, animais e outros motivos). Um certo número de antigas imagens hindus também aí foram achadas, representando esculturas do estilo indiano pós-Gupta, ou seja, aquele da dinastia Pallava no Sul da Índia (datado de cerca do século VII). Estas estátuas de pedra hindus representam, geralmente, Vishnu6.
A origem da população de Dvaravati é controversa. Para uns, tratava-se de gente Mon ou Mon--Khmer, havendo quem considere, diversamente, que os Mons são, eles próprios, descendentes de um grupo de emigrantes indianos de Kalinga (uma área nos limites dos estados de Orissa e Andhra Pradesh, na costa Oriental da Índia).
Assim, os Mons Dvaravati parecem ser uma mistura étnica desta população estrangeira com populações indígenas da região, o que podemos considerar os Thais originais.
Ruínas da muralha portuguesa, Ayuthia.
A cultura Dvaravati declinou rapidamente no século XI, com o domínio político dos invasores Khmers, que se estabeleceram em Lopburi. Ora, a conquista Khmer trouxe consigo a sua influência cultural na arte, linguagem e religião. Alguns dos termos de origem sânscrita do vocabulário Mon-Thai, entraram até na linguagem corrente durante o período Khmer (ou de Lopburi), entre os séculos XI e XII7.
b) Período Sukhothai
Em 1238, surge o que é considerado como o primeiro verdadeiro reino thai, o de Sukhotai, que perdurou até 1376, altura em que foi anexado por Ayuthia.
O rei Rama Khameng (1283-1317), estendeu as fronteiras do seu reino até à bacia do rio Chao Phya (Menam), empurrando os Khmer do território que aí ocupavam. Estendeu a sua suserania a Nakon Si Thamarat, no sul, para Vientiane e Luang Prabang no Laos, para o Pegú no Sul de Burma. Alguns territórios da península Malaia, pagavam-lhe igualmente tributo.
Como resultado destas conquistas, os Thai absorveram fortes influências culturais dos Khmer e dos Mon.
A agricultura das culturas rizícolas era a base da vida económica, nomeadamente através das frutas e das madeiras de construção.
Os reis de Sukhotai abraçaram o ideal budista de poder real, paternal e acessível, que influenciou todos os monarcas do Sudeste Asiático, por influência do modelo indiano, depois de o imperador indiano Asoka (267 - 227 a. C.) ter enviado missionários budistas para esta região, no século III a. C. Todos os reis do período Sukhotai tomaram o título de Thammaracha, divinamente ligado ao conceito budista de monarca iluminado, que governa de acordo com os preceitos da justiça, honestidade e caridade (misericórdia) e do senso comum dos seus súbditos8.
Ruínas do "campo português", Ayuthia.
c) Período de Ayuthia
A cidade de Ayuthia foi fundada pelo rei Uthong (Rama Thibodi I), em 1351, que se celebrizou por tentar conquistar os reinos vizinhos que lhe permitiriam dominar a bacia do Menam (rio Chao Phraya).
Esta política externa, agressiva e expansionista, levou ao desaparecimento do reino de Sukhothai como reino independente e à sua integração nos domínios de Ayuthia. Durante o século XV, o Sião esteve constantemente em guerra com o Camboja, até à destruição da sua capital, Angkor (em 1431). Tais guerras eram comuns entre reinos vizinhos na Ásia do Sueste, que disputavam recursos vitais ou a supremacia regional9.
Ayuthia dominou a bacia do rio Menam (Chao Phya), incluindo os reinos estabelecidos na parte Norte, ou seja, Sukothai e Chiang Mai, o reino Khmer (Angkor incluído), e muitos principados, a Sul e Ocidente. Atingiu, pois, um momento alto de expansão durante os séculos XIV e XV.
Em inícios do século XVI, o Sião esteve várias vezes em guerra com os príncipes de Chiang Mai. Após um período de tréguas, entre 1516 e 1538, as guerras com Burma estenderam-se até ao fim do sé-culo. Entre 1564 e 1583, o Sião chegou mesmo a estado vassalo de Burma.
Durante o reinado do rei Trailok (1448 -1491), Ayuthia estava firmemente estabelecida no centro do mundo thai. Os seus monarcas adquiriram cada vaz mais poder absoluto, abraçando o conceito bramânico do rei-deus (divino).
Durante este período (de 1351 a 1767) os reis foram influenciados pela prática da realeza divina, cuja coroação se processava segundo os rituais bramânicos, tomando titulaturas hindus. Por exemplo, o fundador de Ayuthia, Rama Thibodi I, derivou o seu nome de Rama uma reencarnação do deus Vishnu e herói do poema épico hindu Ramayana10.
Depois da derrota do Camboja, a influência siamesa estendeu-se por toda a península Malaia. Os reinos de Tenasserim e Ligor encontravam-se submetidos ao domínio siamês; Pahang, Padang, Trengganu, Kelantan, Keddah e Selangor, eram seus tributários, tal como Malaca. À época, o mais próspero porto siamês era Mergui, perto de Tenasserim, na baía de Bengala. Daqui, as mercadorias da China e do Sião eram transportadas para os portos indianos e, mais tarde, para a Europa (sendo as principais as sedas e porcelanas da China, madeira, estanho, marfim, elefantes e búfalos do Sião). No regresso, os produtos da Índia chegavam a Tenasserim, sendo o algodão o principal artigo. Daqui, subiam o rio até Ayuthia.
A prosperidade da cidade de Ayuthia, como entreposto comercial, teve origem num longo desenvolvimento económico no triângulo da bacia do baixo Menam. Enquanto as maiores cidades desde os tempos do período Dvaravati se desintegravam, novas cidades nasceram no seu lugar e continuaram a sua actividade económica11.
Ayuthia foi fruto da prosperidade económica das comunidades originais, tais como Uthong-Nakhon, Pathom-khoo Bua durante o período Dvaravati, Suwannaphum-Lavo durante a expansão Khmer, ou Suphanburi-Lop Buri-Ayothaya (estas contemporâneas de Ayuthia).
A localização de Ayuthia abria-a ao contacto exterior e proporcionava uma rota de exportação para as cidades vizinhas da região. Localizada na confluência de três dos maiores rios (nomeadamente o Chao Phraya, Pasak e Lopburi), Ayuthia estabeleceu relações com as maiores cidades provinciais nas regiões do norte e nordeste, assim como com os maiores reinos do interior, tais como Lanna, Lanchang, Cambodja e Pagan. O aproveitamento comercial dos recursos naturais destes reinos permitiu a expansão da rede de contactos comerciais siameses para o Leste e Sudeste Asiático, até aos portos da costa do Coromandel na Índia, Pérsia e até à Europa12.
Como monarquia agrária e potentado comercial marítimo, a política externa era vital para os seus interesses.
Em 1491, aquando da subida ao trono de Rama Thibodi II, Ayuthia encetou relações diplomáticas e comerciais com potências estrangeiras, embora se presuma que mercadores persas tenham visitado a cidade logo após a sua fundação.
Os primeiros estados a terem relações com Ayuthia terão sido os seus vizinhos mais próximos, como por exemplo, Sukhothai ou o reino Khmer do Camboja.
Os Chineses, os Léquios, os Japoneses, etc., contavam-se entre os mercadores estabelecidos ou com contactos comerciais com Ayuthia.
Em 1512, chegaram os primeiros europeus, os Portugueses (que tinham conquistado Malaca em 1511, sobre a qual os reis do Sião reclamavam suserania). Duarte Fernandes foi o primeiro europeu a tocar no Sião, mandado por Afonso de Albuquerque.
Em 1538 dá-se a primeira guerra com Burma, sucedendo-se outras em 1549,1563,1568. Por esta última, Ayuthia tornou-se um reino vassalo de Burma durante 15 anos.
Em 1584, o príncipe Naresuan expulsou os Burmeses e proclamou novamente a independência. Quando, em 1590, o rei Thammarach morreu, sucedeu-lhe o seu filho Naresuan, que levou a civilização de Ayuthia até ao seu mais alto esplendor e, após várias campanhas contra Burma, consolidou a independência do seu reino por cerca de 160 anos. Foi neste reinado, que o Sião emergiu realmente como um dos mais poderosos reinos no Sudeste Asiático, com uma política institucionalizada, sustentada por um poder económico e militar forte.
As relações comerciais com o exterior não cessaram de se desenvolver. Vejamos alguns exemplos mais significativos.
Em 1608, é mandada a primeira embaixada thai aos Países Baixos (são os primeiros thai na Europa).
Em 1621, assina-se o primeiro tratado comercial com o Japão. A veniaga assentava na troca de prata e cobre japoneses por produtos locais (estanho, açúcar, óleo de coco, madeira de sândalo, etc.).
Em 1681, o rei Narai despachou embaixadores a França, repetindo o gesto em 1684.0 rei Luís XIV (de França) respondeu à iniciativa do rei thai, enviando a primeira embaixada francesa, em que iam missionários franceses (1685).
Em 1688, com a doença do rei Narai, emergiu uma conspiração palaciana que expulsou os Franceses. A sua morte culminou com a abertura do Sião ao exterior, fechando-se o país ao comércio estrangeiro europeu.
Após a queda do rei Phra Narai e do seu ministro, em 1688, sobe ao trono um usurpador, o rei Petracha, dando início a uma nova dinastia (Ban Plu Luang). Em 1709, sucede-lhe o seu filho mais velho, o rei Thai Sa, cujo reinado é marcado por um incremento de comércio com a China, principalmente a exportação de arroz. Muito do comércio siamês com a China e Japão, que tinha sido conduzido pelos Holandeses, agora passa para as mãos de mercadores chineses privados. Com a morte deste rei, em 1733, mais uma vez se sucedem as disputas pelo trono, acabando por lhe suceder o rei Borommakot, cujo reinado é uma espécie de "idade de ouro", com um rei que foi um dos melhores de Ayuthia e amante da paz. Com a morte deste rei, as disputas entre os seus dois filhos acabam por levar o príncipe Ekatàt ao poder, com o nome de rei Borommaracha (1758 -1767).
Em 1765, Burma invadiu novamente Ayuthia, arrasando a cidade, após dois anos de cerco (em 1767)13.
d) Período de Banguecoque
Em 1767, o general thai, Phya Taksin, (siamês, mas de origem chinesa) fundou uma nova capital em Thonburi, na margem oeste do rio Menam (oposta a Banguecoque). O rei Taksin passou os 15 anos seguintes a tentar pacificar a região, mas, em 1782, outro general, Chao Phraya Chakri, tomou o poder com o título de Rama Thibodi I (1782 -1803). Mudou a capital para Banguecoque, na outra margem do rio, por motivos defensivos, e inaugurou a dinastia Chakri, que perdura até aos nossos dias.
As relações entre o Sião e os países Ocidentais recomeçaram durante o reinado do rei Rama Thibodi II, que subiu ao trono em 1809. Na altura, o comércio entre o Sião e a China era feito quase exclusivamente por juncos chineses, alguns ali construídos. Quando os Europeus reataram o comércio com Banguecoque, os seus navios eram tão superiores aos juncos chineses que os Siameses quiseram adoptá-los. Terão sido, assim, os Portugueses e os Ingleses a ensinarem-lhes as técnicas da construção naval.
1.5 — Religião: principais características
Os viajantes indianos trouxeram com eles a doutrina e os rituais do hinduísmo e do budismo,assim como outros aspectos culturais e modelos políticos (a concepção de monarquia, códigos de leis e métodos de administração).
No período Dvaravati ou pré-Dvaravati, as formas de budismo não são as mesmas que aquelas que existiram, nos territórios siameses, desde o século XIII. Desde o período do Sukhotai, o Sião mante-ve-se budista segundo o cânone mais tradicional, nas suas formas mais primitivas (o budismo Theravada, também chamado Hinayana ou do "Pequeno Veículo"), mais ortodoxo do que o budismo Mahayana ou do "Grande Veículo".
O Islão, por seu lado, deve ter sido introduzido pela península Malaia, por comerciantes e aventureiros árabes durante o século XIII. Os muçulmanos thai, na sua maioria, são descendentes de Malaios, reflectindo a herança cultural comum às províncias mais a sul, na fronteira com a Malásia14.
O Cristianismo foi introduzido no Sião, nos séculos XVI e XVII, pelos missionários dominicanos, franciscanos e jesuítas, portugueses e espanhóis. Mais tarde, chegaram os Protestantes. Eles converteram, principalmente, elementos das minorias étnicas, tais como emigrantes chineses. Apesar disso, os Cristãos deram uma grande contribuição nos campos da saúde e da educação15.
1.6 — Conclusão
O Sião, bem situado no centro da Ásia do Sudeste, tendo a Malásia a sul, Burma a oeste, Laos no norte e Kampuchea no leste, desde cedo atraiu vários povos graças à sua situação (estrategicamente intermédia entre a Índia e a China) e às suas riquezas (por exemplo: fluorite, volfrâmio e tungsténio, no norte; fluorite e pedras preciosas, no Oeste; esplêndidas safiras, nas montanhas do Sudeste; estanho, no Sul; no Nordeste, a potassa é abundante).
De notar, no entanto, que o Sião foi o único país no Sudeste Asiático, que nunca foi colonizado por nenhuma potência ocidental.
Sofreu invasões periódicas da parte dos Khmers e dos Burmeses e foi ocupado pelos Japoneses na II Guerra Mundial, mas, o Reino nunca foi externamente controlado por tanto tempo que pudesse afectar o individualismo Thai.
Possui seis milénios de evolução cultural, so cial e económica, através de relações medievais com países tão longínquos como a China e a Arábia, e subsequente comércio com as potências europeias.
Trata-se de um reino predominantemente budista com uma monarquia una, que manteve sempre, uniformemente, um alto nível de desenvolvimento ao longo da sua História.
O Sião possui a sua própria cultura (drama, literatura, música, arquitectura, escultura e pintura, cerâmica, joalharia, etc.), a sua própria língua e alfabeto, a sua cozinha, artes marciais, as suas próprias crenças e atitudes, e, embora tenha recebido influências exteriores, nunca perdeu a sua individualidade própria e marcadamente vincada.
2. MACAU
2.1 — Primeiros contactos entre Portugueses e Chineses
Antes da chegada dos navegadores portugueses a terras do Oriente, alguns viajantes ocidentais tinham já estabelecido contactos com a China, desde meados do século XIII, como é o caso de João de Piano del Carpine (1245 - 1247), do franciscano João de Montecorvino (1291 - 1292), no ano seguinte Marco Polo e, já no século XIV, o Beato Odorico de Pordenone e João de Marignoli. A partir daqui e até à chegada dos Portugueses, ao que se sabe, os contactos entre a Europa e a Ásia rarificamse, devido a uma série de factos, tais como a queda dos últimos redutos francos na Terra Santa (1291), a islamização do Irão (1295) e do Turquestão (1342), o advento da dinastia nacionalista Ming na China (1367); e, por sua vez, no Ocidente, pela mesma época, dá-se a Peste Negra (1348) e o início do Grande Cisma (1377).
Em 1508, D. Manuel envia Diogo Lopes de Sequeira a Malaca, para aí obter informações sobre os Chineses e o seu comércio. Em 1509, aquele alcança Malaca onde estabelece contactos com alguns juncos chineses, aí ancorados no porto, mas a hostilidade dos Malaios obriga-o a regressar a Lisboa, sem ter cumprido a missão de que fora incumbido e deixando mesmo alguns Portugueses prisioneiros naquela cidade.
Em 1511, Afonso de Albuquerque, vice-rei da Índia, após baldados esforços para que lhe fossem entregues os portugueses aprisionados em Malaca, conquista a cidade que se irá manter nas mãos dos Portugueses até 1641 (quando foi conquistada pelos Holandeses). A partir daí, os Portugueses irão penetrar nos mares da China. Assim, em 1513, Jorge Álvares, capitão de Afonso de Albuquerque, embarca num junco chinês, aportando no ancoradouro de Tamão ou Tamau — posteriormente a ilha de Veniaga, que quer dizer comércio16 — onde levantou um padrão com as armas de Portugal.
Outros portugueses se seguiram nestes primeiros contactos com a China, com intuitos meramente mercantis.
2.2 — Estabelecimento dos Portugueses: fixação e permanência
Macau foi, nos seus começos, um pequeno porto, ninho de piratas e abrigo de pescadores. As datas dos primeiros contactos dos Portugueses com a região de Macau e a da fundação da Cidade são controversas, tanto nas fontes históricas chinesas como nas portuguesas.
Segundo algumas fontes chinesas, em 1553 os Portugueses obtiveram licença para secar, nas praias de Macau, os artigos molhados durante uma tempestade. Ora, como aqueles estavam desejosos de obter um porto mais abrigado do que os anteriores, que servisse de entreposto para o seu comércio com o Japão, Macau (ou Amagao), na extremidade Sudoeste da ilha de Heung-Shan onde só havia praias e estéreis rochedos, tinha contudo um porto extremamente abrigado, óptimo para reparar os navios e esperar a monção, como desejavam; é o porto, hoje chamado pelos Portugueses Porto Interior e, naquele tempo, designado pelos Chineses por Hao King.
Entretanto, Leonel de Sousa encontrava-se na Índia desde 1548, tendo sido nomeado de Lisboa, por D. João III, a fim de capitanear duas viagens para a China. Tendo efectuado a primeira viagem de 1552 a 1554, Leonel de Sousa depara com a reserva dos Chineses, em virtude da actuação de Simão de Andrade em 1518, e os portos fechados ao comércio, pelo que obtém «pouco comércio e proveito». Após porfiados esforços consegue, no entanto, estabelecer um convénio com Wan-Pé (ou Van-Pó), Haitao (haitão) de Cantão — 2. ō inspector das costas, sob cuja jurisdição directa estavam os portos — podendo, a partir daí, comerciar-se sem sanção oficial, a troco do pagamento de direitos (uma taxa de 10 por cento sobre as mercadorias). Data de 1554 o assentamento de Leonel de Sousa com as autoridades chinesas, o que, para alguns historiadores, representa a data da fundação da cidade, isto é, Macau torna-se numa feitoria permanente17.
O que parece certo, é que terá sido por essa época que, de facto, os Portugueses terão começado a estabelecer-se em Macau com um carácter semi-ofici-al. Primeiro, construindo palhotas para abrigo das suas mercadorias e dos que em terra ficavam de guarda às mesmas e, a pouco e pouco, com a complacência dos Chineses construíram casas de madeira, tijolo e pedra — embora o seu estado fosse ainda muito precário.
Para outros historiadores, o ano de 1557 assinala o início oficial da povoação, quando «os mandarins de Cantão a requerimento dos mercadores da terra nos deram este porto de Macao»18.
A partir de 1555, no entanto, o porto de Cantão abre-se novamente aos Portugueses, uma vez porano (feira anual).
A feitoria de Macau estabeleceu-se, deste modo, num ponto fundamental para o acesso a Cantão.
2.3 — Influência da Igreja: poder espiritual e temporal
A estrutura comercial determinou a primeira forma organizativa de tipo civil, mas logo também a Igreja Católica se estabeleceu como sistema de poder e factor aglutinante da sociedade e do espaço urbano, tendo a nível internacional contribuído para a identificação e legalização do território. Desde o período da formação da feitoria que os missionários católicos acompanhavam os portugueses, radicando-se no próprio local.
O poder episcopal e o das ordens religiosas abrangia não só o domínio espiritual, mas também o temporal. A Igreja era detentora de grande número de propriedades e bens, entre elas a ilha Verde — dos Jesuítas; e a ilha da Lapa ou dos Padres — dos Jesuítas e Agostinhos; e era, sobretudo, a condutora das populações.
Nem sempre, porém, foi pacífica a partilha do poder e a definição do campo de acção entre o bispado e as estruturas civis.
O poder da Igreja ultrapassava muitas vezes o domínio religioso, ingerindo-se na própria governação, sendo essa interferência na esfera civil perfeitamente legal, visto que o bispo era designado, pelos estatutos da Cidade, como possível presidente do Senado. O Senado e a Igreja interferiam no Governo local e, muitas vezes, aquele orgão ficou na dependência económica da Diocese ou das Ordens Religiosas, a quem se via obrigado a solicitar empréstimos.
Apesar do século XVII ter sido em Macau, no âmbito português, um período de crise de autoridade, a Igreja continuou a ser a estrutura mais estável e o Senado aquele que teve aceitação prática perante as hierarquias chinesas, as quais inversamente viram os seus poderes reforçados.
2.4 — Administração e governo da cidade: sua evolução
O Senado respondia, em última instância, perante a hierarquia portuguesa, desde o capitão-mor da Viagem do Japão ao vice-rei da Índia e ao Governo Central da Coroa.
Na primeira metade do século XVII, deu-se a criação de uma estrutura governativa representativa do poder central — o governador, como representante do Governo Central. No entanto, apesar de definitiva, esta estrutura transformou-se num orgão de poder extremamente frágil, devido às sucessivas tensões entre o Governador e o Senado e, sobretudo, aos numerosos titulares que ocuparam o cargo durante períodos muito curtos19.
Nem sempre, porém, as ordens e determinações de Lisboa e Goa — ou seja, o Governo Central e o Estado da Índia20 — foram bem aceites e executadas pelo Senado que, realisticamente, se ajustou à realidade prática do Território, ocupado simultaneamente por Portugueses e Chineses.
A comunidade chinesa que, a pouco e pouco,tinha ido crescendo, deu lugar, por isso, a que fosse colocada em Macau uma autoridade chinesa para lhe administrar justiça (o Tso-Tang ou mandarim, em 1736); autoridade que constitui o princípio da longa série de mandarins nesta Cidade, numa clara demonstração da existência, em Macau, de uma jurisdição mista.
As incompatibilidades entre os governadores e o Senado assumiram, com o tempo, aspectos mais graves, tendo-se agravado a situação com as dissidências abertas entre as varias Ordens Religiosas, devido à célebre Questão dos Ritos21.
Ao longo da História, o Senado foi, sem dúvida, a estrutura fundamental nesta complexidade e confluência de estruturas, adaptando a legislação portuguesa à dinâmica das relações locais com a comunidade chinesa e o Império, numa tentativa constante de conciliação de poderes.
2.5 — Relações comerciais, diplomáticas e/ou de dependência
O comércio português no Extremo-Oriente baseava-se, principalmente, na troca de seda da China por prata em barra do Japão. Além destes dois produtos principais, vários outros eram negociados: damasco, almíscar, ouro, porcelanas, etc., adquiridos na China; e cobre, armas (espadas e lanças), objectos lacados, etc., adquiridos no Japão.
As relações entre a China e o Japão estavam completamente cortadas, mas o comércio entre os dois países mantinha-se, indirectamente, através dos portugueses. Por um lado, Macau tinha uma função de apoio e abastecimento à rota portuguesa da carreira do Japão; por outro, desempenhava um papel importante no contexto local, sobretudo no âmbito das ligações comerciais entre o Japão e a China.
Cantão era, na altura, o único porto por onde se fazia o comércio externo do Sul da China e, entre os estrangeiros, só os Portugueses estavam autorizados a frequentá-lo. Mas, mais do que um porto de saída, Macau era também o centro abastecedor da China, num contexto em que o comércio ilegal ou semi-oficial se tornara actividade rentável. Além disso, as ligações não se faziam só com os portos do mar da China e com a Ásia e a Europa, pois também se alargavam a outras zonas do Pacífico, onde se destacava o comércio regular com as Filipinas, desde o século XVI. Manila, por sua vez, no âmbito do Império Espanhol, ligava-se às Índias Ocidentais (América Central) através de uma longa rota — a carreira de Acapulco — por onde circulavam a prata e o ouro do México e do Perú. De Manila, os barcos traziam a Macau o arroz, os escravos indonésios e a prata do México e levavam, no regresso, artilharia de ferro e bronze, sedas, chá, pérolas, especiarias, sândalo, etc. Estes produtos eram obtidos nos diversos mercados abastecedores a que conduziam as rotas, a partir de Macau: o sândalo era adquirido em Solor e Timor, as pérolas na Indonésia e Ceilão, as especiarias em Malaca e o chá na China.
Estabeleceram-se ainda outras carreiras, como as da Indochina, Timor, Malaca, Goa e até, por vezes, carreiras directas com Lisboa e com o Brasil.
 teve consequências negativas para Macau, fazendo alte-rar as tradicionais relações diplomáticas e comerciais e provocando mesmo o aparecimento de novos impérios concorrentes; por exemplo, os sucessivos ataques dos barcos holandeses, entre 1601 e 1622, quando foram definitivamente derrotados pelos Portugueses e o aparecimento da primeira frota da Companhia Inglesa das Índias Orientais, em 1637.
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A cessação do rendoso comércio com o Japão, em 1639, representou uma grande perda para a economia de Macau. Os seus habitantes procuraram novos mercados e incentivaram as relações comerciais com outras localidades, nomeadamente com a Indonésia, Timor e Macassar, entre outras.
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A conquista de Malaca pelos Holandeses, em 1641, também foi um rude golpe para Macau, pois, para além da perda do principal centro abaste-cedor do Sueste Asiático, significou também o desaparecimento do centro de apoio à navegação portuguesa entre o Índico e o Pacífico. Macau viu-se, então, na necessidade de procurar encontrar um relacionamento naquela zona e vai-se apoiar no Sião.
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O comércio de Macau com a Indochina (Tonquim, Camboja e Cochinchina), Sião, Macassar, Timor e Solor, continuou sem interrupção, apesar da quebra do comércio com o Japão em 1639, e, mais tarde, com Manila (1643).
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Dado que o acesso a Cantão só era facultado aos Portugueses, os estrangeiros vinham abastecer-se a Macau. Durante alguns períodos de instabilidade, nomeadamente o de 1604 - 1644, o comércio com Cantão foi interrompido e a cidade de Macau viveu uma fase crítica. Mas, em paga da ajuda prestada contra os corsários chineses nas costas do Sul, o circuito tradicional do abastecimento na zona do estuário do rio das Pérolas restabeleceu-se, onde os únicos estrangeiros admitidos eram os Portugueses de Macau, até 1685. As autoridades chinesas tiravam rendimentos desse comércio através do controlo alfandegário, que se tornava cada vez mais oneroso e, após sucessivas diligências iniciadas em 1597, acabaram por estabelecer uma casa alfandegária — o <I>Hopu —</I> na zona da Praia Pequena, em 1688.
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Durante o século XVII, pois, foi constante e progressivo o aumento de população e das autoridades chinesas em Macau (estas, principalmente, a partir de 1644).
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Desta constante imposição de exigências (normativas e pecuniárias) por parte da China, decorrerão novos encargos tributários para a população de Macau, bem como o desenvolvimento de conflitos de vária ordem (políticos, religiosos, económicos, etc.). A fim de tentar ultrapassar tais situações, Portugal enviará três embaixadas a Pequim: uma em 1667, cujo embaixador era Manuel de Saldanha, outra em 1726, dirigida por Alexandre Mettelo de Sousa e Menezes e a terceira, em 1752, chefiada por Fr. Assis Pacheco de Sampaio, as quais também serão infrutíferas.
Esta situação irá manter-se até à afirmação de uma dominação colonial efectiva, o que acontecerá somente com o governador Ferreira do Amaral (1846 - 1849), o qual beneficiou de uma conjuntura internacional favorável e da dependência externa — principalmente em relação à Inglaterra — originada pela derrota militar da China, na Guerra do Ópio22.
A partir dos finais do século XVIII, por seu turno, a cidade começara a crescer, não só através de constantes assoreamentos, que, natural ou artificial mente, lhe deram uma maior extensão territorial, como do incontrolável afluxo de gentes — oriundas da China, na sua maioria tornando-se cada vez mais populosa e modificando-se completamente.
2.6 — Conclusão
Macau foi o primeiro entreposto permanente entre o Ocidente e o Oriente: a princípio quase só comercial e, no decurso dos anos, cultural e religioso.
Macau permaneceu como único porto do litoral da China franqueado à navegação internacional até ao fim da Guerra do Ópio (1839 — 1842), quando foram abertos às potências estrangeiras os cinco portos do tratado23 — Cantão, Amói, Fuchau, Ningpó e Xangai — e cedido o de Hong Kong aos ingleses, em 29 de Agosto de 1842. Em 1858, pelos Tratados de Tientsin24 — confirmados somente em 1860, pela Convenção de Pequim25 — a China foi obrigada, pode dizer-se, a entrar no concerto europeu das nações, ou seja, a integrar-se em termos de igualdade na comunidade das nações.
Macau podia, enfim, fazer-se ouvir directamente em Pequim, sem a mediação deformadora das autoridades de Cantão. A Coroa portuguesa procurou, então, conseguir a definição de um estatuto jurídico-político para o território de Macau, através da assinatura de um Tratado com a China. É assim que, em 1862, é assinado um Tratado de Amizade e Comércio entre Portugal e a China, mas que nunca chegou a ser ratificado. Continuava, assim, a fazer-se sentir a necessidade da definição de um estatuto definitivo para Macau e, finalmente, em 1887 é assinado um segundo Tratado com a China, esse sim ratificado em 1888; tratado esse no qual é reconhecido, pela China, o nosso domínio em Macau, isto é, foi garantida a Portugal a posse definitiva do território de Macau.
Doação, pagamento do foro do chão ou usurpação territorial, o que é certo é que a situação de Macau se perpetuou por mais de quatro séculos e os Portugueses — que se fixaram em Macau desde o século XVI — aqui desenvolveram formas de admi nistração e de soberania claramente portuguesas, que vão desde a organização do poder municipal — o Senado da Câmara, posteriormente designado por Leal Senado — ao judicial (1587) e poder central (inicialmente, com o capitão-geral e, depois, o governador).
Ora, terá sido precisamente a existência de legitimidades jurídico--institucionais paralelas, em Macau, que permitiu a manutenção desta situação, assim como a coexistência e convivência seculares entre Portugueses e Chineses, decorrentes do entendimento, ora tácito ora explícito, entre os dois povos.
Macau foi, pois, durante muito tempo, o ponto de encontro entre duas civilizações distintas; mais ainda, entre dois mundos diversos.
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