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EDITORIAL

O Director da Revista de Cultura Luis Sá Cunha

Desde o seu início, e ao longo das sucessivas edições da Revista de Cultura, que a História tem nelas tomado parte leonina. Surge agora este número cujo sumário é integralmente ocupado por matérias históricas.

De propósito o fazemos. Superiormente polarizados na legação de uma tradição às futuras gerações de Macau, base de uma consciência comunitária que será alicerce de uma identidade colectiva, é sobretudo aos acervos da História que temos que socorrernos para este objectivo irrecusável. Como afirma uma das figuras de referência deste volume e da actual historiografia macaense, o Professor Kai Cheong Fok, um futuro estável. pacífico e próspero para Macau dependerá do conhecimento e compreensão que as próximas gerações tiverem da fórmula do sucesso do Território de Macau. Nas suas consequências futurantes, referese o Professor Fok a uma complexidade de vivências acontecidas dentro de um quadro políticoadministrativo definido e tolerado pela China em relação a Macau, dos primórdios do estabelecimento dos Portugueses à Declaração Conjunta, e protagonizada por sucessivas gerações activas sob administração portuguesa.

Não há Futuro sem Memória do Passado. Na História, pagase a esquizofrenia com a abulia ou o quietismo ante o imperativo de construção do porvir. É com retrovisor que as comunidades aceleram em frente.

Isto apenas põe em evidência um facto conhecido e sentido, que é o da imperiosidade de uma História de Macau, para o que têm confluído nos últimos anos tantos esforços, intenções e projectos parcelares.

É, pois, tarefa inadiável e irrecusável da geração presente a consecução deste grande empreendimento cultural que é a feitura da História de Macau, materializável em dois projectos: um, académico e de grande fôlego, outro de vulgarização, que seja instrumento da formação curricular da população escolar do Território. Não nos servem já do passado os diversos trabalhos legados pela historiografia insuficiente, de Ljungstedt a Montalto de Jesus até à vulgata de Eudore de Colomban estimulada pelo Governador Rodrigo Rodrigues. É preciso refazer uma História que, da estrutura urbana ao sistema social, da contextualização local e regional ao enquadramento universal que ela implica, é, como aponta Jorge Flores, uma história cheia de inquéritos em aberto.

Para a moldar em corpo inteiro, partindo das suas actuais deficiências, polémicas e obscuridades, é necessário equacionála, como indiscutivelmente propõe Luís Filipe Barreto, como projecto internacional, servido por métodos comparativistas e por equipas bilingues de investigadores, historiadores e arquivistas, Portugueses e Chineses. O conhecimento científico de Macau só é possível e exequível neste quadro, e na comparticipação dos comuns esforços e contributos de Portugueses e Chineses. Como Macau, nenhum pequeno Território do Mundo é em termos históricos tão plural, complexo e singular. Porque à sua História confluíram os mais diversos vectores, do Extremo Ocidente ao Extremo Oriente.

Para além dos já consagrados historiadores e dos projectos entretanto adiantados, confortanos hoje o ver surgir uma geração de historiadores sintonizados nesta visão global da História e na visão do Outro, como William Usellis, Manguin, Roderich Ptak, Bryan de Sousa, Huang Quichen, Deng Kaisung, Kai Cheong Fok, Jorge Flores, Jorge Alves e Luís Filipe Barreto.

Chamando a atenção dos leitores para a introdução enquadrante e estimulante de Luís Filipe Barreto e a análise abrangente de Tereza Sena, a RC comprazse com a publicação deste volume monográfico em igualdade partilhado por colaboradores portugueses e chineses —— humilde contributo para o grande empreendimento da História de Macau que nos convoca irrecusavelmente.

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