Antropologia

EXPRESSÃO SIMBÓLICA DE VOTOS NOS CARTÕES DE BOAS-FESTAS CHINESES DE MACAU

Ana Maria Amaro *

Em todos os países a Arte está relacionada, não só com o uso de símbolos mas também com a noção de ritmo. E na China o culto do ritmo, na expressão pictórica abstracta, nasceu da promoção da Caligrafia à categoria de arte, mercê do uso do pincel, mais maleável do que o estilete, das primitivas gravações em osso e em bambu. É por isso que interpretar a arte chinesa, sem a compreensão da Caligrafia e da inspiração estética que ela representa, torna-se praticamente impossível. De facto, toda a técnica da pintura apoia-se nos oito rasgos fundamentais da escrita. A caligrafia pode, assim, considerar-se a mais antiga forma pictórica chinesa, a pedra basilar da sua estética.

Na China, a difusão da pintura simbólica, nascida durante o renascimento da Dinastia Tang (séculos vII a x)1 data, precisamente, da Dinastia Song (séculos x a XIII), período conhecido por Impressionismo Filosófico, altura em que foi fundada a famosa Academia Real de Caligrafia e Pintura, pelo Imperador Hui Zong ( 惠宗), ele próprio pintor e calígrafo.

Os concorrentes à Academia Imperial eram submetidos a provas práticas que constavam da interpretação de um tema proposto. Estas provas não eram fáceis, porquanto alguns símbolos da pintura desta época eram bastante complexos correspondendo a uma interpretação pessoal de temas quer poéticos quer filosóficos.

Ficaram, por isso mesmo, na História, vários candidatos que se celebrizaram pelo simbolismo requintado das suas produções. Um destes distinguiu-se por ter representado uma rapariga, vestida de vermelho, apoiada a uma balaustrada, para interpretar o tema Flores Vermelhas na Primavera. A rapariga de vermelho simbolizava a flor, e a sua juventude e atitude sonhadora, a Primavera, estação na qual, segundo os autores chineses, a alma tende à meditação amorosa. Esta escola ficou conhecida, na história da pintura chinesa, por Escola ao Norte, escola a que se sucedeu a chamada Escola do Sul, que se desenvolveu quando o Império, sob a pressão das tribos bárbaras, recuou para as províncias mais meridionais.

Estes dois estilos da pintura Song são muito diferentes: a Escola do Norte é caracterizada por um desenho firme e pela utilização de coloridos fortes enquanto a Escola do Sul apresenta, frequentemente, monocromos, por vezes esboçando apenas uma figura, desenhos de rasgos mais delicados, e tonalidades esbatidas, muito suaves, tendo surgido, ao que hoje se crê, da evolução do tema paisagístico, profundamente influenciado pelas novas panorâmicas do Sul, com elevações mais suaves cobertas de vegetação e abundantes em quedas de água, paisagens muito caras aos pensadores tauístas.

À Dinastia Song sucedeu a Dinastia Yuan ou Mongol (1279-1368) que, do ponto de vista artístico, apenas se limitou a ligar a Dinastia Song à Dinastia Ming.

Dado o gosto bárbaro dos invasores, a Escola do Norte foi mais do seu agrado, surgindo, por isso, com maior frequência, durante a dinastia Yuan pinturas de tons vivos. É desta época, também, a pintura sem o desenho base, estrutural, que caracteriza a pintura chinesa, a chamada p intura sem ossos, que surgira durante os Song mas que só em 1370 se veio a desenvolver.

Nesta altura, os grandes artistas estavam divididos: os colaboracionistas, que realizaram magníficas interpretações de cavalos, cenas de caça e retratos ricos em pormenores e adornos, ao gosto mongol, e os contestatários, que se refugiavam nas montanhas, criando paisagens maravilhosas, numa continuação da Escola do Sul, fiéis ao Neo-Tauismo, doutrina filosófica que caracterizara a Dinastia Song.

A Dinastia Ming (1368-1644) surgiu, enfim, após uma breve pausa, ressumando nacionalismo e dando aso, assim, a um novo renascimento, como reacção ao domínio estrangeiro. O Tauismo que influenciara, profundamente, a pintura da Escola do Sul da Dinastia Song, caíu na prática de magia popular, fértil em exorcismos e na busca de elixires da longa vida.

O Budismo, que decaíra no final da dinastia Tang e ressurgira durante a dinastia Yuan sob a forma lamaísta, voltou a decair com a interdição dos livros heterodoxos, dando, novamente, lugar ao Confucionismo, como doutrina oficial. Como resultado, surgiram novos símbolos na Arte, apoiados sobretudo no uso das homofonias, e na reprodução de frases eruditas. Vulgarizou-se também nessa altura a pintura em leques, tanto em estilo caligráfico monocrómico, como em aguarelas policrómicas sobre fundo dourado, uma vez que o leque se tomou no símbolo confucionista do funcionário exemplar.

A pintura da dinastia Ming, plena de simbolismo erudito, veio a cair numa certa monotonia feita de convenções, durante a Dinastia Qing (1644-1911), a última das dinastias chinesas. As diferentes técnicas foram, então, codificadas em obras didáticas, e criadas escolas de pintura, onde os alunos estudavam os livros clássicos da pintura antiga, tentando copiar as obras primas das dinastias Tang e Song, em detrimento da observação directa da Natureza e da criação pessoal. No entanto, nesta época, não só por inspiração dos motivos clássicos mas também pela adopção de novos símbolos, criados pela crendice popular que os monges tauístas haviam inspirado, a expressão figurativa de votos foi enriquecida, encontrando-se, hoje, uma variadíssima gama desses motivos simbólicos, nos cartões de Boas-Festas chineses que, há cerca de meio século, começaram a vender-se em Macau, e que, ainda hoje, por altura do nosso Natal, e por altura do Ano Novo Lunar, ou Ano Novo Chinês (actual Festa da Primavera)2, data móvel que recai entre 21 de Janeiro e 19 de Fevereiro do calendário gregoriano, são trocados com frases auspiciosas que traduzem votos de felicidade, prosperidade e longa vida.

As festividades relacionadas com o Ano Novo Lunar chinês são celebrações cíclicas, próprias das sociedades agrárias, que ocupam áreas de clima com estações bem demarcadas e para as quais a alternância das condições meteorológicas são de primordial importância para a sua própria sobrevivência. Daí a universalidade dos rituais relacionados com os solstícios e a sua correlação com os cultos do Sol e da Lua, os astros que comandam o ritmo da Natureza e que estão na origem dos mais diversos calendários3.

No momento do ano em que a estação morta finda e o mundo vivo parece renascer, foram o culto da renovação da Natureza e a criação de rituais tendentes a afastar a ideia de imobilismo e de morte que, ao longo dos milénios, deram origem às festividades do início dum Novo Ano nos mais diversos pontos da Terra.

Na base de todas essas antigas celebrações está o pensamento simbólico, principalmente o pensamento mágico-simpático. Atrair o semelhante pelo semelhante e afastar todo o mal pela utilização dos princípios contrários é, de facto, a constante de todas as práticas que a tradição logrou fazer perdurar até aos nossos dias, quer pelos registos escritos quer pela memória colectiva, quer, ainda, por remanescências de antigas práticas, embora muitas destas já despojadas do seu complexo simbolismo original.

Na China, a festividade que sublinha a passagem do ano que finda para o dealbar de um novo ano, dantes demarcada da que sublinhava o início da Primavera, uma das 24 festividades correspondentes às 24 quinzenas do ano relacionadas com a prática da agricultura, vem dos mais remotos tempos da sua pré-história. Muitas das antigas e complexas práticas observadas durante esta festividade, a mais importante de todo o ano agrícola, perderam-se ao longo dos milénios, mas muitas foram, ainda, aquelas que lograram chegar aos nossos dias principalmente fora da China continental e nalgumas aldeias das Províncias do Sul.

Que resta hoje, em Macau e no ultramar chinês, dessas antigas práticas que, durante pelo menos três dias, pretendem assegurar a cada qual um novo ano abundante, próspero e feliz?

Nas décadas de 1950-70 assistimos em Macau ao colorido Ano Novo Chinês não despojado ainda de muitos dos seus antigos rituais que, ao que sabemos, foram já nos nossos dias, grande parte abandonados4. Mantiveram-se, porém, as reuniões familiares, o abrir do ano, quase oracular, diante das mesas de jogo, o estralejar constante de panchões que inunda as ruas do vermelho dos seus envólucros despedaçados, a limpeza grande, dantes depuração ritual das habitações e seu embelezamento com flores auspiciosas e lanternas decorativas e, em certos casos, que se vão tornando cada vez mais raros, o engalanamento das salas e principalmente das ombreiras das portas com grandes tiras de papel vermelho salpicadas de ouro, em muitas das quais um escriba de rua caligrafara frases auspiciosas.

Mantêm-se ainda entre as famílias mais conservadoras o culto dos Antepassados e das Divindades das Cozinhas, o Espírito do Fogo, as visitas aos templos, à porta dos quais se compram brinquedos coloridos e auspiciosos para oferecer às crianças que se vestem geralmente de vários tons de vermelho, comem-se iguarias e doces tradicionais e trocam-se cumprimentos e presentes, visitando-se os parentes e os amigos a quem se levam especialidades da quadra, carregados de simbolismo5.

Estas visitas e estes presentes diferiam, dantes, conforme os graus de parentesco e as relações sociais. Muitas vezes eram os serviçais que os levavam em grandes caixas lacadas, acompanhados por um cartão vermelho com o nome do ofertante e a lista do conteúdo em que transportavam.

A prática de colar papéis vermelhos nas ombreiras das portas, e todo o ritual de abrir o ano, continua, porém, a implicar ainda a consulta da fortuna num jogo de azar, bem como as visitas a parentes e amigos e as trocas de presentes. Estas visitas, que em Macau eram obrigatórias ainda nos meados deste século são, actualmente, e cada vez mais, substituídas pela troca de vistosos e auspiciosos cartões de Boas Festa à maneira do que, há pelo menos um século, se verifica no Ocidente.

A prática de colar papéis vermelhos nas ombreiras das portas das casas é muito antiga na China. A sua origem data dos primórdios da civilização da Bacia do Rio Amarelo, quando era imolado o toiro sagrado e pintadas com o seu sangue as ombreiras das portas por onde os maus espíritos não ousariam entrar assim. E isto porque o sangue foi, desde os tempos mais recuados, considerado a fonte primordial da vida uma vez que se cria que era do sangue que provinham todos os homens, ideia que a ausência do período catamenial nas mulheres que aguardam um filho porventura induziu.

Nos anos 1960-70 em Macau os chineses falavam, ainda, de sangue fraco ou mau sangue da mulher estéril e usavam mezinhas consideradas fortalecentes para melhorar o sangue e, assim, favorecer a fertilidade feminina.

O sangue e a cor vermelha, a cor da vida e do Sol, a fonte da vida de toda a Natureza, o astro que começa a aparecer com mais frequência num céu mais límpido de nuvens, e que funde a neve no final do Inverno, associam-se facilmente a um vasto imaginário povoado de símbolos que vão sempre culminar na materialização do princípio yang: o princípio masculino e forte, correspondente à luz e ao fogo.

Quando foi inventado o papel na China, o vermelho do sangue do toiro sagrado ou boi primaveril (animal de fundamental importância na lavoura) que, entretanto, deixara de ser imolado e fora substituído por um boi simbólico em barro, foi o papel tinto de vermelho que passou a decorar, no Ano Novo, as portas e as paredes das casas servindo ao mesmo tempo de amuleto e de talismã.

Algumas fontes chinesas fazem remontar o uso destes verdadeiros cartazes de papel vermelho ao período das Cinco Dinastias (906-960) Mas, mais modernamente, admite-se que o seu uso é mais antigo, pois já na dinastia Han (séc. III a. C.-séc. III d. C.) tais símbolos eram utilizados já pelos chineses que ocupavam a Bacia do Rio Amarelo, sob a forma das figuras dos Men Shen (divindades protectoras) pintadas nas duas folhas das portas das suas residências, de tal forma que as duas figuras vigiassem todos os acessos.

Sabe-se, também, que tais papéis vermelhos decorativos eram muito usados no Império do Meio, pelo Ano Novo, na Dinastia Tang (618-906), caligrafados com dísticos auspiciosos em forma de máximas ou versos paralelísticos e, também, decorados com figuras humanas, entre as quais dominavam as populares e já citadas Divindades das Portas. Estes dísticos e figuras eram pintados à mão e constituíam, por vezes, verdadeiras obras-primas de artistas mais ou menos anónimos.

Com o progresso da técnica e da gravação em madeira6, as figuras representadas nos papéis vermelhos do Ano Novo passaram a ser xilografadas, tomando-se mais acessíveis à maioria da população e generalizando-se por isso o seu uso.

De acordo com as fontes chinesas, embora fosse muito estimada esta prática nos séculos XVII a xx, foi na dinastia Ming (1368-1644) que o uso de colar papéis com figuras e dísticos auspiciosos nas paredes exteriores e nos umbrais das portas se tornou verdadeiramente popular

De acordo com Zhang Dian Ying (1990)7, os principais temas que apareceram representados nas xilogravuras usadas pelo Ano Novo, eram, a princípio, reprodução de imagens de carácter religioso principalmente criações do folclore tauísta. Depois, passaram a surgir figuras tiradas de romances populares, às quais se seguiram representações de cenas do quotidiano e símbolos tradicionais de boa sorte, na sua maioria escolhidos por homofonia dos seus nomes. Reza a tradição que o Imperador Zhu Yuan Zhang (朱元璋), nos meados do século XVII, depois de unificar a China e estabelecer a capital em Nanquim, retomando às raízes culturais do povo han, uma vez derrotados os usurpadores mongóis, mandou que todas as casas, quer ricas quer pobres, se engalanassem com cartazes vermelhos decorados com dísticos auspiciosos pelo Ano Novo Lunar. Estes dísticos vieram a alcançar o auge da sua popularidade na seguinte dinastia Qing (1644-1912) vindo a projectar-se nos cartões de Boas Festas que, nas primeiras décadas do séc. xx, talvez pelos anos 40, começaram a fabricar-se em Hong Kong em litografias chinesas, à maneira dos cartões que os ingleses usavam trocar pelo Natal e cujo uso introduziram naquela sua colónia do Oriente. Na Europa, os mais antigos cartões de visita, de que há notícia histórica, datam de 1560, o que corresponde, na China, à Dinastia Ming (1368-1644). O primeiro cartão de que temos conhecimento consta de uma folha de pergaminho, com o nome de João Westerhoff, estudante de Pádua, que fazia acompanhar o seu nome da divisa: A Esperança me Ampara. O grande formato deste pergaminho e o nome acompanhado da divisa levam-nos a admitir uma influência dos cartões de visita privativos dos grandes senhores chineses da Dinastia Tang (618-906), período áureo da história cultural da China e cujo renascimento terá tido lugar na dinastia Ming (1368-1644), difundindo-se pelas outras regiões do Império ao que se crê nos séc. XIV a XVII e, para Ocidente, através da Rota da Seda. É verdade que ainda hoje subsistem estes cartões vermelhos tradicionais, mas já muito longe da sua antiga simplicidade. Ouro sobre vermelho era o símbolo primário destes dísticos quando passaram a ser caligrafados em dourado pois conjugavam a ideia de Felicidade à de Riqueza. Nestes cartões dominava a erudição de quem compunha a frase poética e votiva e a elegância da respectiva caligrafia. Nos actuais, são reproduzidos os mais variados símbolos auspiciosos e ideogramas mais ou menos estilizados do grupo das Três Supremas Venturas: Fu9, Lu, Shou (福、祿、壽). Em Macau, até aos anos 1960-70, vendiam-se, pelo Ano Novo, dois tipos diferentes de cartões de Boas-Festas decorados com motivos chineses, fabricados em Hong Kong: os que surgiam por ocasião do Natal, e eram duplos, com reproduções de pinturas chinesas antigas, ou nelas inspirados, e com dísticos em chinês e em inglês, e ainda cartões de estilo misto onde, por exemplo, o azevinho se aliava a morcegos ou a dragões, e os que apareciam por ocasião do Ano Novo Lunar. Estes últimos, destinados a compradores chineses, eram cartões simples, rectangulares, verdadeiras miniaturas dos rolos aguarelados, e, por sua vez, de dois tipos diferentes: os vermelhos tradicionais, e outros imitando os antigos caquemonos, vestígio evidente da fusão destes quadros com os cartões de visita ao gosto ocidental. É, precisamente, nestes cartões, feitos por chineses para chineses, na sua maior parte ao gosto popular, que se encontra a maior diversidade de motivos simbólicos, tradutores de votos auspiciosos, próprios da pintura tradicional chinesa. Nestes eram particularmente apreciados os famosos dui ou (對偶) versos paralelísticos10. Actualmente, em Macau, os cartões de Boas Festas chineses, utilizados por ocasião do Ano Novo Lunar, são preferencialmente vermelhos, com frases e motivos vários impressos em dourado, e enviados pelo correio. Porém, ainda há poucos anos, a tradição impunha que estes cartões acompanhassem os he luo (盒羅), caixas em forma de termos ou apenas duplas, contendo (瓜子)11, tang lian zi (糖蓮子 )12, jian dui (煎堆)13 e outros doces, característicos da quadra. Estas caixas, transportando tais especialidades, como ofertas pelo Ano Novo e representando por si um voto de ventura, eram transportadas por serviçais, de casa em casa, os quais percorriam as ruas de Macau parando apenas nas residências de parentes e amigos, dos respectivos amos. Em cada casa era deixado um cartão, retirados cerimoniosamente alguns doces pelos locatários e colocados em seu lugar, os tradicionais envelopes vermelhos, com os lâi si14, os hong bao destinados a todos os elementos solteiros da família que enviara os seus cumprimentos de Boas-Festas. Nas pinturas dos cartões e dos próprios motivos tom sobre tom dos envelopes cor de rosa, que àqueles se destinavam, podemos considerar, quanto ao simbolismo, três tipos de expressões: o número de elementos, a côr e os motivos de decoração. Quanto ao número surgem, frequentemente, os elementos aos pares15, em grupos de três, a evocar as três abundâncias, as três felicidades e a trilogia das grandes religiões universais; em grupos de cinco, correspondentes às cinco venturas, aos cinco elementos, às cinco cores, às cinco vísceras, aos cinco sabores, e às cinco notas musicais, do sistema pentagâmico da Escola dos Sofistas, que se difundiu por altura da Dinastia Han (207 a. C.-220 d. C.), e se tornou numa das bases de toda a filosofia tradicional chinesa. Outro número que aparece, com frequência, corresponde aos oito elementos, da filosofia antiga, dos oito triagramas, descritos no Clássico das Mutações16, fonte da adivinhação que, ainda nos nossos dias, se pratica e que corresponde ao grupo das 8 preciosidades, aos 8 emblemas budistas e ao grupo dos Oito Génios tauístas. Finalmente, o número nove é, também, um número auspicioso, quase sempre pela sua homofonia, de acordo com o dito popular chang changjiujiu (長長久久) a evocar continuidade, perenidade. Quanto à cor, predominam as quatro cores da Cosmologia antiga17: com predominância do vermelho, em todas as suas gamas, além do amarelo, do negro, e do qing (verde-água). A cor vermelha é a cor sobre todas as demais tida por auspiciosa e usada em todas as ocasiões festivas, a amarela é a cor nacional, cor emblemática do poder imperial e dantes usada nos trajes da corte pelo imperador e seus descendentes em linha recta.
Grous e Pinheiros : símbolos de longa vida.

(Que) com o abrir das flores se manifeste a riqueza (e) [花開富貴]

Terra colorida e céu perfumado [地色天香, di se tian xiang]versos que se correspondem perfeitamente reforçando a ideia de felicidade.

Os vários motivos simbólicos raramente aparecem isolados, surgindo nos cartões tradicionais, além de animais, pessoas, flores e frutos, certos objectos, alguns de tradição muito antiga, cuja expressão votiva se apoia, principalmente, num jogo de homofonias, tendentes a construir frases auspiciosas, às quais servem, muitas vezes, apenas, de apoio sintático. Dentre estes objectos são frequentes o ceptro da longa vida, pedras musicais de jade e jarrões e outros recipientes reproduzindo os antigos bronzes da dinastia Zhou (1122-255 aC).

Actualmente, estes objectos perderam o seu antigo simbolismo. Porém, como qualquer coisa antiga, possuem ling 靈, (espírito), sendo, por isso, protectores. Pela sua antiguidade podem significar, também, longa vida, embora, individualmente, por homofonia, possam entrar apenas na construção de frases auspiciosas.

Os lingotes de oiro, por si próprios, representam riqueza mas, por homofonia, 一錠 (yi ding) correspondem, tal como as trípodes, a certamente (tudo acontecerá) quando incluídos numa frase auspiciosa ilustrada. Uma bandeira, 旗 (qi) representa, por homofonia, felicidade, abundância e idade de 60 anos. O ceptro imperial em jade, 琨 (kun), insígnia de dignidade, simboliza honrarias, sendo homófono de cássia (uma árvore emblemática dos letrados), e, ainda, de pedra preciosa, caro e valioso. Também, por homofonia do seu nome, corresponde a capacete ou barrete mandarinal, pelo que este objecto é, por sua vez, também, um emblema de honrarias. Uma roda e um pincel, designados, respectivamente, (chong)* e (pei)* correspondem, por homofonia, em mandarim, a acertareis certamente (chongpei, 充沛), isto é, a um voto de sereis bem sucedido, e sendo noutros tempos destinado, principalmente, aos concorrentes a cargos públicos.

A pedra musical de jade, 鏗(keng), representa, igualmente, por homofonia, próspero e feliz e costuma ser aliada a uma sapeca com dois peixes suspensos. Os dois peixes, usados como símbolo budista de perfeita união conjugal, pertencem tal como a sapeca, ao grupo dos oito emblemas budistas escolhidos dos 34 símbolos que os budistas crêem que Buda apresentava gravados na planta do pé. Outras vezes, estes peixes ou sapecas, aparecem suspensos da boca dum morcego, animais que são geralmente representados em grupo de cinco, simbolizando as cinco venturas (wu fu, 五福) e que envolvem uma estilização do caracter shou, ou são associados a uma cabeça dum ceptro de jade (ru yi), a um par de sapecas ou ao nó de tripas, símbolo de Visnu.

A sapeca, (qian), simbolizando, por si própria, dinheiro e riqueza, pode significar por homofonia, numa frase auspiciosa, junto, juntamente. Um par de sapecas, shuan qian, pode ler-se ainda: ambos, ou em conjunto.

O ceptro da longa vida, nome que os ocidentais deram ao ru yi (如意), ceptro em jade, com cabeça em forma de 靈芝 ling zhi, fungo da longa vida, elixir tauísta, e alimento dos génios, significa, pela sua homofonia, como desejar ou for do vosso desejo. Além disso, por ser um objecto que era costume oferecer-se aos altos funcionários, e por ser o jade símbolo confucionista de pureza espiritual é, também, um emblema de riqueza e de honrarias além dum símbolo de eternidade ou perenidade.

As lanternas, de que são conhecidos diferentes modelos, característicos de diversos períodos históricos da China, correspondem a acima de tudo, pela sua designação feng 豐 que, aliás, é, também, homófona de cheio, abundante, exuberante. Pela sua designação popular, 燈籠 (deng long), representa, ainda, o voto de subir, trepar, elevar-se (socialmente), pela simples homofonia da palavra 登 (deng).

Os panchões, estalos da Índia, dantes usados para afastar os maus espíritos, são um símbolo de alegria, um verdadeiro símbolo do Ano Novo: um depurador de malefícios a augurar um Ano Novo feliz.

Os quadros pintados têm, também, um significado simbólico, sendo, frequentemente representados nos cartões de Boas-Festas, simples ou aos pares.

A tradição de pendurar os quadros pintados nas paredes é de influência budista, tendo começado a vulgarizar-se no século IX, certamente por inspiração das pinturas murais das célebres grutas deste período. Os chineses abastados penduravam os rolos verticais a decorar os seus salões de acordo com os meses do ano, arte que foi descrita numa célebre obra chinesa, publicada entre 1585 e 1645.

Os Tong Wá (zong hua, 縱畫), nome chinês dos caquemonos26 que podem guardar-se enrolados, são, pois, um símbolo de prosperidade. Aliás, uma pintura pendurada na parede tem uma designação própria -- 英耄 (ying mao) -- palavras homofónicas, de coragem e de segunda longevidade e portanto auspiciosas.

Em Macau, por altura do Ano Novo Lunar, não há firma ou casa particular que não exiba, no altar ancestral, a par de panejamentos vistosos, bordados a seda, lanternas, frutos em pirâmide e um grande jarrão florido, ladeado por um par de pinturas, geralmente em estilo caligráfico, formando um dui Shuan Fu (雙福), nome pelo qual se designam estes rolos pintados destinados a serem colocados aos pares, correspondem por homofonia a um voto de felicidade, podendo traduzir-se por: acima de tudo, ventura.

Um outro ornamento muito estimado pelos chineses é um ramo de coral vermelho, 珊瑚枝 (shan hu zhi). As ramificações compridas dos bancos coralígenos, são utilizadas como flores, na decoração das casas abastadas. Sendo os maiores e, portanto, os mais caros, que melhor servem para este fim, simbolizam, por isso mesmo, riqueza. Além disso, 珊瑚枝 (shan hu zhi) é o nome de um botão em coral vermelho, usado na última dinastia, 清朝 (Qing), como distintivo de um dos mais elevados graus mandarinais, colocado no topo dos chapéus de veludo. Por isso o coral, além de riqueza, simboliza prosperidade e honrarias próprias de um elevado cargo.

"Da jarra saem cinco felicidades" (Ping Chu Wu Fu 瓶出五福) in L'Imagerie Populaire Chinoise, op. cit., p.46, il.46, 35 x 58 cm.

Um galhardete, 旆 (pei), significa, por homofonia, abundante, florescente, tal como a estrela, 星 (xing), simboliza vitória e, daí, triunfo.

Os guizos, 鈴 (ling), eram, dantes, usados pelo seu ruído para afastarem os espíritos maléficos. Surgem por isso muitas vezes nas pinturas, em grupo de sete, representando a constelação da Ursa Maior, constelação que é uma das mais importantes para os chineses, pois é considerada a morada de 神泰 (Shen Tai), o Supremo Divino da religião tauísta e, daí, representando um emblema de força e de poder. Outro habitante mítico da Ursa Maior é o anão 貴星 (Gui Xing), fisicamente deformado mas de intelecto extremamente brilhante. Conta a lenda, que submetido aos exames finais, ficou em primeiro lugar. Porém, quando foi chamado para receber, pessoalmente, das mãos do Imperador, a insígnia que lhe era devida, este, horrorizado com a sua aparência, recusou-lha. O infeliz letrado, vencido pelo desgosto, atirou-se ao mar, onde segundo a lenda teria sido alimentado e protegido por um monstro marinho. Posteriormente, foi deificado, passando a fazer parte do panteão tauísta.

A bengala ou bastão, 柺 (kun), é símbolo de honrarias e, também, um emblema de Shou Xing Gong(壽星公) Divindade da Longa Vida, um dos Três Puros, uma das Três Estrelas ou Três Augustos Imperadores, uma tríade muito popular também entre os tauístas. É aliás o terceiro elemento do conjunto emblemático antropomórfico correspondente à trilogia Fu (福) Lu (祿) e Shou (壽) já atrás citada mais duma vez.

O tambor(yao) é homófono de feliz, brilhante como o Sol, e também de falcão e de abundância. No entanto, este símbolo é raramente usado por ser, também, homófono de morte prematura.

Cinto ou cinturão, (li), é uma palavra homófona de lucro, vela de embarcação, carpa, magistrado e jasmim branco, sendo, por isso, tal como os seus homófonos, um símbolo de prosperidade e ascensão social.

O sinete, (yin), e o selo imperial, 玉璽 (yu xi), geralmente em jade e com um leão esculpido no topo, são símbolos de dignidade e, por isso, formulam um voto de prosperidade e, nos antigos tempos, de ascensão ao mandarinato.

(qi), tabuleiro em jade ou em pau preto, destinado a colocar o 如意 (ru yi), corresponde ao próprio ceptro, sendo um símbolo de longevidade, ao passo que, por homofonia, pode formular um voto de abundância.

Os objectos simbólicos são, muitas vezes, reunidos em grupos auspiciosos. O mais popular é o grupo das oito preciosidades, 八寳 (ba bao) já atrás citado, constituído por uma folha de artemísia (ai ye), 艾葉 emblema de bom agouro, vestuário das divindades tauístas e que dantes servia para práticas divinatórias, um par de taças feitas de pontas de rinoceronte, 雙角 (shuang jiao), um par de livros, 雙書 (shuan shu), uma sapeca, (qian), a pérola que satisfaz todos os desejos 珠 (zhu), uma pedra musical de jade, 鏗 (keng) símbolo de prosperidade e ventura, um losango, 繩 (sheng), símbolo de vitória, também por homofonia, e um quadro ou rolo aguarelado, 畫 (hua), símbolo de honrarias e de felicidade.

Outro grupo simbólico é o dos oito emblemas budistas de feliz augúrio; o conhecido 八喜像 (ba xi xian), correspondente a oito dos 32 ashta mangaba, desenhos simbólicos inscritos na planta do pé do Primeiro Buda. Estes oito elementos são: o Çirvatsa, nó de tripas, símbolo de Visnhu por se afigurar uma marca mística gravada no seu peito, emblema de longa vida, cuja designação chinesa corresponde ao desconhecimento do seu significado induísta; a flor de loto (padma), símbolo de pureza; o estandarte ou docel (dhvaja), símbolo de realeza; o jarro de água ou vaso de relíquias (kalaça), símbolo de paz ou tranquilidade devido à sua homofonia com 平 (ping) ; a Roda da Lei, anunciadora do advento de Maitreia (o Buda do Futuro), às vezes substituída por um enxota-moscas feito de caudas de iaque (çamara), emblema dos imortais tauístas e por estes usado durante as cerimónias de exorcismos; o triplo pára-sol (chettre), símbolo de categoria e elevada posição social; dois peixes (matsya), símbolo de harmonia conjugal; o búzio (çanha), símbolo de próspera jornada e atributo de realeza, utilizado nas antigas cerimónias religiosas. Além destes elementos, também é frequente aparecer, como emblema budista, a suástica que Buda apresentava nos 5 dedos de um dos seus pés, formando frisos, por vezes extremamente decorativos27. Tal como são apreciados os 8 elementos budistas propiciadores de ventura, funcionando como verdadeiros amuletos, e os emblemas dos oito génios ou imortais tauístas os 八仙 (ba xian) que aparecem, muitas vezes, figurados em substituição dos Oito Imortais a que correspondem. São eles: um leque, uma espada, um instrumento musical marcador de ritmo conhecido, impropriamente por castanholas ou castanhetas, uma enxada e um cesto de flores, uma cabaça e uma muleta, um tambor e uma flor de loto ou o seu receptáculo. Correspondem, respectivamente, às figuras dos Oito Imortais que são muitas vezes representadas também na decoração de objectos de porcelana e que são os seguintes:

鐵拐李 Tie Guai Li (emblema: muleta, cabaça)

藍采和 Lan Cai He (emblema: cesto de flores)

曹國舅 Cao Guo Jiu (emblema: castanholas)

韓湘子 Han Xiang Zi (emblema: flauta)

吕洞賓 Lu Dong Bin (emblema: enxota-moscas)

何仙姑 He Xian Gu (emblema: flor de loto)

漢鍾離 Han Zhong Li (emblema: ventarola)

張果老 Zhang Guo Lao (emblema: instrumento musical)

Além dos elementos atrás descritos, são usados, ainda, na decoração dos cartões de Boas Festas símbolos fitológicos e zoomórficos dos quais os mais frequentes são a peónia e os Três Amigos do Inverno ou as flores simbólicas das 4 estações, o morcego, as carpas e os peixes dourados, a corça malhada, o grou japonês, a águia e o animal do zodíaco que corresponde ao ano que se celebra.

ELEMENTOS ZOOMORFICOS

Os motivos de origem zoomórfica são, por vezes, de tal forma estilizados que chega a ser difícil reconhecer os animais a que se referem. São, porém, utilizados na China na decoração de vasos em bronze, em cerâmica e lacados desde a mais remota Antiguidade que remonta à época pré e proto-história. Foi de facto nesta altura que o animal ocupou um lugar dominante na arte chinesa, lugar que mais ou menos manteve ao longo dos milénios, inspirando, não só os ornamentos mas, também, a forma dos próprios objectos.

É de crer que o nascimento desta arte animalística se filie na origem totémica da realeza arcaica chinesa, origem que alguns autores contestam mas da qual perduraram vestígios de tal modo concordantes, através das lendas e dos escritos mitológicos autóctones, que difícil será, hoje, negá-la.

A situação do totemismo, entre o fetichismo e o shamanismo, segundo Lubbock (1968), parece coincidir com o pensamento religioso das primeiras populações que ocuparam a bacia do Rio Amarelo. Baseado no culto da Natureza, na crença dum antepassado não humano, o Totemismo parece ter nascido na busca inquietante que preocupou sempre o Homem, na tentativa de encontrar as suas próprias origens.

Outra explicação para o Totemismo defendida, por exemplo, por Boas e Fletcher (1936) é do Espírito Protector ou tutelar, o Manitou dos norte-ameríndios. Outros autores, porém, como Dorsai (1952), advogam que o Totemismo se baseia no mistério da origem da concepção humana. Assim, os primeiros homens teriam admitido que os espíritos de certos objectos, animais, vegetais ou mesmo, minerais, poderiam ser elementos fecundantes, dando origem a homens dotados das suas qualidades e poderes.

Os 8 Imortais Tauístas : protectores contra todos os males.

Na China, perduraram por tradição oral, lendas de mulheres que conceberam por terem colocado o pé numa pegada bem marcada no chão, dando origem a seres com qualidades que ultrapassavam as dos homens normais. O próprio filósofo Lao Zi (Láucio) teria tido uma origem semelhante. Contam a lenda e a tradição oral, recolhida na Dinastia Han (séc. III a. C.-séc. III d. C.), que o célebre Imperador Yu (禹), mítico fundador da dinastia Xia (夏朝) de que, aliás, não havia até há pouco tempo documentos históricos, tinha um dragão por ascendente directo28.

Nas descrições que se referem às lutas titânicas entre os últimos imperadores da Dinastia Shang (商朝) e os Zhou (周朝), vindos do Ocidente, que acabaram por derrotar aqueles, constam generais semi-homens, semi-animais, verdadeiros monstros que reproduzem figuras do vasto e nebuloso panteão celeste da antiga China. Aliás, na dinastia Shang (商朝), segundo consta de descrições gravadas nos bronzes contemporâneos, os diferentes clãs senhoriais tinham nomes, emblemas zoomórficos e também, fitológicos, sendo, por isso, os territórios por eles ocupados designados por território dos bovídeos, dos ursos, dos tigres, dos cavalos, etc., de forma semelhante ao que sucedia ainda há poucas décadas entre tribos nómadas da Ásia Central, que aliás se consideram ramos mais ou menos tardios saídos dos arcaicos grupos mongólicos que ocuparam a China nos finais do Mesolítico.

O Totem como atributo étnico, símbolo ou distintivo duma tribo, levava os seus elementos, individualmente ou em grupo, a considerarem-se portadores, por hereditariedade, das qualidades dos seus antepassados não humanos, tendo, daí, nascido todo um ritual que perdurou ao longo dos séculos em certas cerimónias de funerais e nascimentos, e em muitos cantos e danças cuja estrutura revelava tendência a imitar, quer pela indumentária quer pelo gesto, o respectivo animal totémico.

Os Anais dos Zhou (周南, Zhounan) e as compilações de versos antigos, comprovam a existência destas danças e cantos, específicos de certos clãs, que aliás perduram nalgumas das actuais minorias étnicas da China.

A plástica da totemística, em todos os pontos do mundo onde foi detectada, é caracterizada pela preferência de imagens de animais, principalmente na ornamentação dos utensílios e aprestos de caça, admitindo-se que a associação do Homem com o animal seria assim favorecida. Daí a frequente utilização de máscaras, principalmente pelos shamanes. Na China foram exumadas máscaras deste tipo, datadas do Neolítico, representando bovídeos, veados, carneiros e mochos, animais abatidos nos sacrifícios reais, e ainda cavalos, lebres e diversas aves. Esta prática sacrificial parece relacionada, aliás, com as cerimónias totémicas mais tardias dos povos ameríndios. Por este motivo, desde a mais alta antiguidade, os animais simbolizaram, na China, as potências cósmicas em que se apoiava o seu sentimento religioso, sendo objectos rituais destinados, sem dúvida, a afastar as ameaças dessas forças e a implorar o seu socorro. Dos vasos rituais os emblemas totémicos passaram às armas e aos utensílios de uso comum, o que aproxima a arte chinesa antiga das artes maia e azteca, da América Central.

Ao que se crê, a decoração dominante parece ter correspondido ao símbolo zoomórfico do ritual em que determinado animal era sacrificado.

Após 1027 a. C. surgiram alterações na decoração dos vasos de bronze, embora a mesma tradição mitológica tenha sobrevivido. Têm sido encontrados, na China. emblemas zoomórficos fundidos em bronze e amuletos, com os mesmos motivos, talhados em jade. Estes objectos foram mais tarde artisticamente copiados pelos artistas da Dinastia Song (宋朝) e difundidos com funções de esconjuro.

O realismo e a nova expressão artística, baseada na arte convencional e no aspecto simbólico das peças rituais da Dinastia Song (宋朝), pode ainda ser apreciada pois logrou perdurar até aos nossos dias.

Foi, de facto, nessa altura, que o estilo animalístico de decoração se difundiu da planície central para o vale do Iansequião, vindo a juntar-se e até a sobrepor-se à força dos motivos mitológicos antigos, os novos motivos puramente artísticos então criados nas regiões mais meridionais e que passaram a ser escolhidos de acordo com as homofonias auspiciosas dos seus nomes, como é, por exemplo, o caso do gato e da borboleta que evocam a primeira e a segunda longevidades do homem.

A primeira pintura em seda que hoje se conhece, descoberta em 1972, na China, num túmulo do século III a. C., apresenta como motivos decorativos dominantes, os animais. Nela foram representados dragões alongados, com formas de serpentes enlaçadas, garças, cegonhas ou grous, considerados na mitologia antiga animais de ligação entre a Terra e o Céu, bem como um corvo, situado em pleno disco solar, talvez reprodução esquemática e paralela do milhano egípcio, símbolo da própria alma, e que é considerado uma ave sagrada no sul da Índia. Aliás o corvo consta dos antigos mitos, tanto paleo-siberianos como ameríndios segundo Rémi Mathieu(1991).

Além destes símbolos míticos, são representados monstros, suportes do mundo, ao que parece, reproduzindo o Mundo dos Mortos e, ainda, a Lua, com a Lebre Lunar emblema de Chang E (嫦娥), a mulher do célebre archeiro que destruiu nove dos dez sóis que iluminavam o Mundo. Chang E roubara o elixir da imortalidade com que os Deuses haviam contemplado o seu marido pela sua perícia e benefícios em favor dos homens. Foi castigada e, por isso, colocada na Lua, onde expeliu o elixir que pretendia engolir e que se transformou na famosa lebre lunar.

Estes símbolos zoomórficos, já despidos do Totemismo arcaico, embora possam dele ter derivado, são retirados da mitologia que a tradição oral conservou e o Tauismo, nascido seis séculos antes de Cristo, veio, depois, ampliar e difundir entre o povo.

Dos animais auspiciosos mais vulgarmente representados nas pinturas chinesas e, daí, nos cartões de Boas-Festas trocados pelo Ano Novo Lunar, são de mencionar os seguintes:

O DRAGÃO

O Livro dos Ritos ou Li Ji (禮記), um dos clássicos chineses compilados por Confúcio, faz referência a quatro animais lendários, sobrenaturais, capazes de pressagiarem felizes eventos. Estes quatro animais são: a tartaruga, o licórnio (kei lun 麒麟), a fénix e o dragão. Na antiga Cosmologia chinesa estes animais correspondiam às quatro direcções do espaço e às quatro estações do ano.

O corvo, a lebre e a garça, a cegonha ou o grou, animais mitológicos venerados na China arcaica, estavam relacionados com os rituais funerários de acordo com uma complexa ideia de viagem para o Além. Divulgadas entre o povo, estas noções abstractas deram origem a outras crenças, vindo a atribuir-se poderes sobrenaturais a outros seres, tais como, por exemplo, o galo, o rato e a raposa.

Bela paisagem homófona de Boas perspectivas.

No Paraíso tauísta, que aparecia representado já nos baixos relevos e nas pinturas da Dinastia Han (séc. III a. C.), aliavam-se dragões e imortais alados, sendo cada animal designado em expressão binómia - nome e côr: Dragão-verde; tigre-branco; pássaro-vermelho; tartaruga-amarela ou, ainda, tartaruga-preta, Dragão-verde-mar, tigre-amarelo e fénix (mocho)-vermelha, correspondentes respectivamente aos pontos cardiais, ao norte, ao leste, ao oeste e ao sul.

A Cosmogonia chinesa associa o fogo ao vermelho e ao Verão, o que leva a considerar-se o pássaro vermelho dos Han um precursor da fénix.

O dragão é a primeira das quatro figuras sobrenaturais, monstro lendário que, segundo Su Wen (素文) "é a mais importante das 360 espécies de répteis com escamas. Tem o poder de se tornar invisível e, na Primavera, sobe até às nuvens, escondendo-se no Outono, no fundo das águas ou no interior da Terra". Estas concepções estão aliás, relacionadas com os equinócios. O elemento água, elemento masculino, princípio fecundante da terra, está intimamente associado ao dragão, pelo que este animal simboliza o próprio yang (陽), princípio masculino, sendo, por isso mesmo, o emblema do próprio Imperador e a estilização das ondas um dos motivos ornamentais dos trajes de Corte da última dinastia.

Como já se disse, o mítico Imperador Yu (禹) é considerado descendente dum dragão, o que pode não ter qualquer relação totémica, mas ser, apenas, uma alegoria, pelo facto de se lhe atribuir o poder, quase sobrenatural, de regular o curso do Rio Amarelo e controlar as suas cheias catastróficas entre outros feitos de igual monta.

Tai Lei* (da li, 大利): Grande lucro; prosperidade.

Nos antigos tempos, dragão e serpente eram, praticamente, sinónimos. O culto da serpente parece ser de influência ocidental, talvez egípcio, mas de há muito que na China este animal é mantido em lugar de relevo, pois, nas máscaras neolíticas usadas pelos shamanes, era representada uma serpente subindo do occipital para o vértice. A serpente, aliás, era uma insígnia de realeza no Egipto, tal como o dragão o veio a ser na China. Animal considerado por muitos autores, tal como a fénix e o licórnio, puramente fabulosos, nunca tendo existido senão na imaginação dos antigos chineses, o dragão pode corresponder a um réptil gigante, contemporâneo dos primeiros povos que habitaram a bacia do Rio Amarelo, mais tarde desaparecido e de formas deturpadas pela tradição oral ou pela rusticidade dos antigos desenhos. Pode, também, representar uma forma evoluída de uma serpente ou de outro réptil, tornado mais ou menos irreconhecível apenas pela valorização estética. O dragão, para os chineses, é um dos patronos da felicidade, sendo velha crença que aparecia quando havia grandes acontecimentos na história da China. É também o patrono da chuva fertilizante, a qual tem o poder de controlar. Por estes atributos não surpreende, pois, que o dragão tivesse vindo a ser divinizado uma vez que a China foi sempre um país predominantemente agrícola.

Na Arte, o dragão é representado de várias maneiras que se podem incluir em quatro grupos:

- dragão celestial, tian long (天龍), que é considerado o guardião das mansões dos deuses, as quais sustenta para que não desabem

- dragão espiritual, shen long (神龍), que produz o vento e a chuva

- dragão terrestre, di long (地龍), que marca o curso dos rios e ribeiros

- dragão dos tesouros ocultos, fu chan long (富産龍), que vela pelas riquezas escondidas no interior da Terra.

Foi, aliás, esta crença que evitou, até aos tempos modernos, a exploração de muitas riquezas minerais do sub-solo da China e fomentou a crença tauísta no feng shui (風水)29 e talvez a popularidade da própria Geomância.

Além dos quatro grupos de dragões, atrás mencionados, foram, posteriormente, venerados quatro outros reis-dragões que se cria governarem os quatro mares, e corresponderem aos quatro pontos cardeais.

Como atrás se disse, o dragão é o mais importante dos animais divinizados, simbolizando tudo o que se refere ao Imperador, o Filho do Céu, cujo trono era designado até por Rosto do Dragão. Como emblema imperial, a sua imagem ornava o vestuário e os objectos de uso pessoal do Filho do Céu, sendo representado com cinco garras, ao passo que nas decorações destinadas aos nobres apenas apresentava quatro e somente três nos objectos que se destinavam ao povo, quando ao povo foi permitido usar este motivo, emblema de tão grande transcendência.

Emblema do Imperador, símbolo do princípio masculino e da Primavera, um doador de ventura através da chuva fertilizante, o dragão é, por isso mesmo, um dos animais simbólicos mais estimados na decoração dos cartões de Boas Festas pelo Ano Novo, data que, aliás, corresponde ao início da Primavera.

São diferentes as formas de representar os dragões na arte popular:

Barco à Vela. "Iat Fan Fong Son"* (Yi Fan Feng Shun, 一帆風順):

"Uma vela, vento de feição", tirando partido da homofonia de vela (fan*, 帆) com lucro. Formula um voto de prosperidade.

- aos pares, tendo, por vezes, a meio, uma pérola, a pérola que todos os dragões transportam e que não podem perder, para manterem a imortalidade, pérola que é formada pela sua própria saliva e tem a propriedade de satisfazer todos os desejos se for apanhada por algum feliz mortal30;

- prendendo, nas garras, uma jóia;

- coleando, entre nuvens ou chamas estilizadas;

- em medalhões, rodeados por folhas de bambú e fungos da longa vida;

- entre plantas aquáticas, nomeadamente, entre lótus;

- emergindo das ondas e transportando os oito triagramas;

- associados a um leão ou a um cavalo;

- em forma de coluna, com um quadro suspenso da boca, quadro que pode auspiciosamente representar uma carpa;

- ou, ainda, aliado à fénix, simbolizando a dualidade cósmica yin / yang (陰/陽).

É este motivo simbólico complementar, dragão e fénix, que tradicionalmente se borda nas colchas nupciais, se modela no par de velas e nos trajes das noivas que se usam nas cerimónias do casamento e se imprimem nos cartões de convite, vermelhos, de grande formato que, ainda hoje, há quem use em Macau.

Os mitólogos chineses descrevem o dragão como um animal possuindo chifres lembrando os dum veado, cabeça como a dum camelo, olhos de diabo, pescoço de serpente, vísceras de tartaruga, garras de abutre, garras nas patas como as do tigre, e orelhas como as do boi, mas sem a sensação da audição, nem olfacto nas narinas, sensação que, aliás, reside nos chifres.

O culto do dragão de há muito que é praticado na China, fazendo-se ainda nos princípios do século xx nos meios rurais, verdadeiras procissões com a sua efígie, para invocar a chuva, em anos de seca.

De acordo com um escrito atribuido ao próprio Shen Nong (神農), segundo dos três primeiros imperadores lendários da China, invocavam-se dragões de diferentes cores para pedir a chuva, conforme os signos dos dias da cerimónia. Também se realizavam danças rituais nas quais intervinham anciãos, jovens ou adultos, de acordo com os dragões invocados. Admite-se que estas cerimónias, que datam provavelmente do período Neolítico, foram as precursoras da actual dança do dragão, que se processava já na dinastia Han (séc. III a. C.-séc. III d. C.), de acordo com baixos relevos dessa época, e que veio a influenciar a mais tardia dança do leão de influência budista, danças exorcismáticas e propiciadoras de felicidade que, ainda hoje, são realizadas com fins recreativos, principalmente no primeiro dia do Ano Novo Lunar. Por isso mesmo, reproduções destas danças constam, às vezes, da decoração dos envelopes destinados a lâi-si31 e dos cartões de Boas-Festas chineses.

A Divindade ou Espírito da Riqueza é representada, muitas vezes, montada num dragão, sendo dragões os guardiões da caixa dos seus tesouros. Esta representação parece, aliás, ser de inspiração hindú, correspondendo os dragões aos yackshas32.

A FÉNIX

A fénix é a rainha das aves, símbolo do princípio feminino (yin) e da própria Imperatriz. É descrita como uma ave com cabeça de galinha, olhos humanos, pescoço de serpente, vísceras de gafanhoto, fronte de andorinha, e com uma cauda constituída por doze ou treze plumas, conforme as luas do ano, número que se reduziu a duas ou três penas muito longas nas representações actuais.

O canto da fénix é considerado uma composição harmoniosa das cinco notas e a sua plumagem, uma combinação das cinco cores 33. É um pássaro sobrenatural, produto do fogo ou do Sol, e um doador de filhos. Para os tauístas, a fénix nasce no Reino dos Génios do Oriente, banha-se nas mais puras fontes e passeia pelo Paraíso de Xi Huang Mu ( 西皇母), a Imperatriz Mãe do Ocidente. Alimenta-se de frutos de bambú, planta que só floresce depois de grandes secas, e só pousa na chamada Árvore de Fénix - a wu tong shu 梧桐樹 (Sterculia lanceolata).

Pertencendo à ordem dos galináceos, quando a fénix canta, todas as aves cantam, fazendo eco à sua voz. Baseadas nesta crença popular há lindas pinturas chinesas, representando uma fénix cantando ao Sol ou cem aves cantando (em veneração) à fénix e ao Astro-Rei.

Por vezes as fénix são representadas aos pares, porque existem fénix do género feminino e do género masculino. Neste caso a complementaridade equivale à plasmação harmónica dos princípios yin/yang.

Admite-se que a fénix, que alguns autores aparentam com o flamingo e com a fénix egípcia dos autores ocidentais, parece ser uma criação independente.

No segundo milénio a. C. era já considerada como um animal mítico no Império do Meio, relacionada com o ponto cardial Sul.

OUTROS ANIMAIS

Outros animais muito frequentemente usados emblematicamente nos cartões de Boas-Festas chineses são os morcegos, os peixes, a corça malhada, a águia e o galo.

O morcego por homofonia corresponde à palavra 福 fu (felicidade) sendo, por isso, representado frequentemente em grupos de 5 o que traduz o voto de 5 Venturas no Ano Novo, como já atrás se disse.

Os peixes são um emblema budista e representam também abundância por homofonia sendo, por isso, um emblema de felicidade.

Uma carpa, que é um dos elementos favoritos dos pintores chineses quando reproduzem um peixe para formular um voto auspicioso, corresponde a lucro por homofonia do seu nome li 鯉魚 [li yu] e, também, promoção social em atenção à lenda que atribui a uma carpa a famosa proeza de saltar, e ultrapassar, a imponente queda de água do Rio Amarelo, conhecida por Porta do Dragão, esforço pelo qual foi transformada pelos deuses num dragão verdadeiro34. É frequente representar-se uma grande carpa associada a uma grande tangerina para reproduzir a expressão 大吉大利 (daji da li), isto é, grande felicidade e grande lucro.

Muitas vezes os peixes, simbolizando abundância, são representados aliados a um junco de grande vela enfunada, onde pode ler-se 一帆風順 ("yi fan feng shun") isto é, uma vela, vento de feição o que significa o desejo de grande lucro e de progresso nos negócios, aliás, na vida.

A corça malhada é um animal emblemático em consequência da homofonia do seu nome 祿 (lu) com prosperidade, emolumentos, cargo oficial. Daí ser frequentemente associada a outros dois emblemas de ventura e longa vida, para reproduzir o voto de "3 Felicidades" (福祿壽 Fu Lu Shou): ventura com longa prole, prosperidade por ascenção social e longevidade.

Um voto de cinco venturas, prosperidade e riqueza

"A Deusa Ma Gu" in L'Imagerie Populaire Chinoise, op. cit., p.71, il.71,99x55cm.

A águia é escolhida, igualmente, por homofonia do seu nome ying (鷹) com a palavra coragem. Sendo considerada a ave que mais alto consegue voar representa também um voto de promoção social ou de prosperidade no negócio, conforme a pessoa a quem se dirige.

O galo é um dos signos do zodíaco e um animal auspicioso por excelência porque se relaciona com o nascer do Sol, e com o princípio yang pelo que, de acordo com as concepções tauístas, se crê ter o poder de afastar os maus espíritos. É ainda usado como emblema de promoção social devido à sua crista vermelha ser em forma dos barretes de mandarim usados na China Imperial.

O pavão, o faisão e outras aves tais como as andorinhas as pegas e os pássaros canoros, são também utilizados bastas vezes como símbolos de promoção social e prosperidade, ou como simples anunciadores da chegada da Primavera.

SÍMBOLOS FITOLÓGICOS

Os símbolos fitológicos mais frequentemente usados na arte chinesa são as peónias, emblema da Primavera, e símbolo de prosperidade; as flores de ameixoeira que anunciam o final do Inverno e são um emblema de imortalidade porque resistem ao frio e parece que reproduzem o Sol, fonte de vida, durante a estação morta; o crisântemo, emblema do Outono e do intelectual, que reproduz a imagem do Sol; e ainda a flor de lótus, emblema budista de pureza e que simboliza o Verão bem como outras flores do grupo de doze que correspondem às 12 luas do ano.

O salgueiro35, símbolo primaveril, é também frequente nas reproduções votivas geralmente aliado à figura dum cavalo em corrida, símbolo de vigor.

Além do salgueiro, são o pinheiro e o bambú as plantas mais frequentes, usadas como símbolo de perenidade ou de longa vida. Aliás, as flores de ameixoeira associadas ao pinheiro e ao bambú representam um grupo emblemático conhecido por os Três Amigos do Inverno.

Vários são também os frutos que os pintores chineses reproduzem para exprimir votos correspondentes às Cinco Felicidades.

O pêssego e a cidra-mão-de-Buda são usados para desejar longa vida; a tangerina para desejar felicidade por homofonia do seu nome e para desejar riqueza pelo seu tom dourado; as romãs36, as uvas e as cucurbitáceas para formular o voto de longa prole devido às suas numerosas sementes. Estes são, de facto, os frutos que mais se repetiam nas decorações dos quadros que era costume oferecer por ocasião dos casamentos, aniversários de anciãos e pelo Ano Novo Lunar e que passaram a decorar os cartões de Boas Festas chineses.

Referência mais detalhada merecem, talvez, além do pêssego, a romanzeira, a cabaça e o ling zhi (靈芝).

O PÊSSEGO

O fruto do prunus persica é usado como símbolo de longa-vida. É, muitas vezes, representado na mão de Shou Xing Gong (壽星公), a estrela ou o espírito tutelar tauísta da longevidade. É costume, também, ser representado num prato ou cesto transportado pela deusa Ma Gu (麻姑), deusa que, por vezes, aparece igualmente acompanhada por Shou Xing Gong (壽星公) e com igual valor emblemático. Criação tauísta, o simbolismo do pêssego parece derivar da sua homofonia tao (桃) com dao (道) a via ou caminho, princípio em que se apoia toda a obra de Lao Zi (老子).

Na literatura popular, o pêssego aparece como o fruto dos génios. Segundo reza a lenda é uma das árvores do paradisíaco jardim da divindade taoísta Xi Huang Mu (西皇母), que se crê situar-se nos Montes Kun Lun (昆侖山, Kun Lun Shan) e onde florescia e frutificava de 3 em 3 mil anos, levando outros 3 mil anos a amadurecer. Quem conseguisse ingerir um deste fabulosos frutos adquiriria a imortalidade. Daí, ser representado em diversos utensílios de uso comum.

A ROMANZEIRA

A romanzeira (Punica granatum) dá flores vermelhas auspiciosas e baláustias com frutos suculentos muito numerosos e também vermelhos, o que torna esta planta um símbolo defertilidade e, daí, um verdadeiro talismã para as mulheres que desejam ter filhos.

Segundo as fontes chinesas, a romanzeira foi introduzida na China na dinastia Han, em 126 d. C., sendo o seu nome derivado da palavra An Shi Guo (安石國), referente ao local da sua origem, algures na Ásia Ocidental. Primeiramente, era conhecida por an shi liu (on séac iau, em cantonense), o que veio a simplificar-se, dando shi liu (石榴, séac iau).

Existem na China diferentes variedades de romanzeira, cujos frutos, aliás, são pouco apreciados como fruta. No entanto, em Medicina tradicional chinesa, de há muito que a raiz é usada como tónico e o pericarpo das baláustias, seco, é considerado adstringente e anti-reumático, sendo prescrito, também, no tratamento de desinteria e doenças dos olhos.

A romã é, ainda, um símbolo budista, admitindo-se que representa a essência das influências favoráveis emanentes na romanzeira.

Por vezes um ramo desta planta substitui o ramo de salgueiro e as romãs os próprios pêssegos nas cerimónias tauístas. Por isso, pêssegos, romãs e "cidras-mão-de-Buda" costumam muitas vezes ser representados em conjunto.

Águia, Sol e Pinheiro simbolizando longa vida e muitos êxitos ou ascensão social.

Devido à beleza das flores e ao seu valor simbólico, vários têm sido os artistas que têm escolhido a romanzeira para tema das suas obras.

A CABAÇA

O fruto da Lagenaría vulgaris é muito durável quando seco. É conhecido, em Macau, por "fu lou ku" (葫蘆瓜 hu lu guà).

Desde a mais remota antiguidade que a cabaça foi usada na China como um receptáculo execelente para guardar medicamentos. É por isso, naquele País, um emblema da medicina e da saúde e, daí, também um símbolo da longa vidaé. É neste consenso que as suas representações, geralmente em jade ou em papel recortado, constituem amuletos para afastar más influências, principalmente aquelas de que poderá advir qualquer doença.

O LING ZHI (靈芝)

Considerado o fungo da imortalidade, costuma ser representado associado à imagem de Shou Xing Gong (壽星公) ou na boca duma corça malhada, a qual, por homofonia do seu nome Lu (祿), significa prosperidade no sentido de honrarias, promoção social.

Este fungo da família das Polyporaceas é um fungo luminiscente que, talvez por esse motivo, foi de há muito considerado na China de grande transcendência. Para os tauístas o ling zhi (靈芝) era o único alimentos dos Xian (仙), os seus génios imortais.

Por isso, simboliza imortalidade e é muito estimado como amuleto contra doenças ou como talismã para longa vida.

É costume ser figurado na parte superior dum objecto conhecido por ru yi (如意) cujo nome significa "conforme os seus desejos" ou "como desejar" e que representa um voto de felicidade completa, isto é, todas as venturas. Uma das figurações mais criativas do ru yi que conhecemos, apresenta-o formado por flores simbólicas das diferentes Luas do ano. Outra figura muito frequente, representa-o transportado pelos "5 filhos", número ideal dantes sonhado pelos chineses.

Por se tornar demasiadamente longa, e talvez impossível, a enumeração de todos os elementos simbólicos, quer zoomórficos quer fitológicos, usados na expressão de votos pelos cartões de Boas-Festas chineses, limitámo-nos a descrever apenas aqueles que eram mais frequentes nos cartões que se vendiam em Macau nos anos 1950-1980. Resta fazer referência aos símbolos que são figurados por personagens quer históricas quer lendárias.

SÍMBOLOS ANTROPOMÓRFICOS

No imaginário popular chinês, extremamente rico e complexo, existem vários heróis, alguns históricos, outros lendários, que se tornaram simbólicos e, por isso, considerados protectores, quer por atraírem a felicidade, quer por afastarem os espíritos maléficos e a má fortuna.

Desta forma, estas personagens, quase todas elas introduzidas pelo tauismo-folk, assumem, ao mesmo tempo, o duplo papel de talismã e de amuleto.

Destas figuras, as mais populares entre os chineses de Macau, além das Divindades Guardiãs das Portas já atrás referidas, são, sem dúvida, Zhong Kui (鐘馗), destruidor poderoso de todos os espíritos malfazejos, Guan Huang (關皇) ou Guan Di (關帝), o Marte chinês, e os Três Puros, Três Estrelas ou Três Venturas (San Xing, 三星), dos quais aparece, muitas vezes, isolado, Shou Xing Gong (壽星公), promotor da longa vida, quase sempre acompanhado pela corça malhada ou pela Deusa Ma Gu (麻姑), e empunhando um pêssego monumental, ou apresentando uma cabaça, atada ao seu cajado por uma fita vermelha. Além destas figuras são, sem dúvida, os Ba Xian (八仙) os Oito Génios Tauístas, por vezes representados apenas pelos seus emblemas, os mais estimados espíritos protectores, tanto invocados nos templos, como ouvidores de preces como utilizados pelas mulheres de virtudes medicínicas para os seus passes de magia. Guan Di (關帝) e o próprio Yu (禹), o Grande, aparecem também várias vezes nos cartões de Boas-Festas.

Os símbolos dos Oito Imortais usados, emblematicamente, para afastar espíritos demoníacos, e já atrás referidos, são os seguintes:

1. Muleta e cabaça, correspondentes a Tie Guai Li (鐵拐李), o Imortal que foi visitar o Paraíso de Xi Huang Mu (西皇母), se atrasou no regresso e cujo corpo foi destruído pelo seu discípulo, reencamando num mendigo decrépito, coberto de chagas. E representado, pois, pela sua muleta de ferro e pela sua cabaça de onde sai fumo (a sua própria alma), ou 5 morcegos (simbolizando as 5 felicidades). É um patrono da Medicina chinesa, e daí, um poderoso afugentador dos espíritos das doenças. A cabaça, recipiente onde se conservavam, dantes, os medicamentos é, aliás, um emblema de saúde.

2. Flauta, correspondente a Han Xiang Zi (韓湘子) patrono dos músicos.

3. Leque, correspondente a Han Zhong Li (漢鐘離) um antigo letrado muito virtuoso.

4. Cesto de flores, correspondente a Lan Cai He (藍采和), o génio que alguns autores consideram hermafrodita.

5. Enxota-moscas, flauta e espada, correspondentes a Lu Dong Bin (吕洞賓).

6. Instrumento musical, que alguns autores identificam como um tamborim, correspondente a Zhang Guo Lau (張果老).

7. Castanholas ou castanhetas, correspondentes a Cao Guo Jiu (曹國舅), um dos patronos dos comediantes.

8. Flor de lótus, correspondente à virgem He Xian Gu (何仙姑), patrona das donas de casa, modelo de virtudes.

Todos estes génios ou imortais tauístas são considerados figuras históricas que teriam vivido durante períodos, geralmente bem detemminados, e que lograram a imortalidade mercê das suas virtudes e rigorosa observância das práticas do De (德)37.

Os emblemas dos oito génios são, todos eles, caracteristicamente chineses e aparecem, frequentemente, dois a dois, ou isoladamente.

Além deste grupo de emblemas auspiciosos, são ainda usados, para o mesmo fim, os oito emblemas budistas, importados da Índia, e que a tradição afirma terem sido copiados de vários elementos figurativos, gravados na planta do pé do próprio Buda.

"As três estrelas [tauístas]: Felicidade, Prosperidade, Longevidade" [Fu, Lu, Shou, 福祿壽], in L'Imagerie Populaire Chinoise, op. cit., p.63, il.62, 60 x 100 cm.

Estes oito elementos budistas, os Ashta mangata, são mais talismãs do que amuletos, entre os budistas, embora os chineses os considerem equivalentes aos seus ba bao 八寳(oito preciosidades) e aos oito emblemas dos ba xian (八仙), e místicos, na sua origem, por corresponderem, em número, aos 8 triagramas do Ba Gua (八卦) já atrás referido, e que remonta ao período mais antigo da sua civilização, sendo considerado, por isso, o amuleto mais poderoso38.

Cinco Filhos Transportando um Grande Cartão. "Longa Prole e Prosperidade": votos de felicidade, lucro e riqueza.

Dos símbolos antropomórficos ou objectos que os evocam, os que predominam nos cartões de Boas-Festas chineses são, porém, as figuras dos San Xing (三星) ou "3 Estrelas" tauístas, reproduzindo a ideia das "3 Venturas" - Fu, Lu, Shou (福、祿、壽 ) como já se referiu.

A terceira destas figuras, conhecida por 壽星公 (Shou Xing Gong), com a sua enorme cabeça onde concentrou a energia vital fruto de longa meditação e abstinência, aparece muitas vezes isolada das outras duas e associada quer à deusa Ma Gu (麻姑) que transporta um pêssego (a reforçar a ideia de longa vida), quer a morcegos ou à corça malhada, sempre com o objectivo de formular os votos tão populares das "3 Venturas".

Além destas figuras são muito estimadas as de crianças, principalmente o grupo dos 5 Filhos, grupo ideal de descendentes para uma família chinesa (três rapazes, duas raparigas) para lhe assegurar o cumprimento dos deveres filiais, não só durante a vida na terra mas também no além depois da morte.

Figuras quer budistas quer tauístas, tais como o grupo dos 8 génios já atrás descritos, quer figuras históricas e/ou lendárias como as das 4 beldades : Diao Chan (刁嬋), Yang Gui Fei (楊貴妃), Xi Shi (西施), e Wang Zhao Jun (王昭君), Fá Môk Lan, a donzela que foi à guerra, personagens da História dos Três Reinos, a beldade que atraía a fénix com a sua flauta melodiosa e os He He (和合) Génios da União e da Concórdia, eram também muito frequentes, além de outras figuras retiradas de obras de ficção muito conhecidas tais como o Sonho do Pavilhão Vermelho ou à Beira da Água, mas, nestes casos, sempre destinadas a decorar cartões para serem adquiridos por europeus ou para lhes serem enviados por amigos chineses. Alguns destes cartões eram extremamente decorativos em forma de pequenos biombos.

CONCLUSÃO

Os motivos simbólicos têm tendência a mudar com as alterações sociais que tanto a China como a Formosa, Hong Kong e Macau, bem como as outras comunidades da diáspora, têm conhecido nos últimos decénios. Por exemplo, a romã e os outros símbolos de fertilidade, como por exemplo, as curcubitáceas, que representavam um voto de muitos filhos, deixaram de ter o antigo significado na sociedade actual.

Estas representações simbólicas perdem, pois, o seu antigo valor não reflectindo, como noutros tempos reflectiam, os sistemas de valores do povo chinês.

As mudanças verificadas nos estilos de vida, especialmente nas cidades, eliminaram as características utilitárias das xilogravuras do Ano Novo. Por exemplo, os Deuses das Portas, que dominam e afastam os espíritos malfazejos e eram representados aos pares para serem colados nas portas duplas das entradas principais das casas tradicionais chinesas, tornaram-se obsoletas uma vez que as famílias extensas deram lugar a famílias nucleares habitando modernos apartamentos em propriedade horizontal em estilo importado do Ocidente.

Por outro lado, a crença nos efeitos protectores das figuras tem-se apagado progressivamente e, mesmo com fins meramente decorativos, as figuras do Deus das Cozinhas39 parece completamente deslocado numa cozinha com electrodomésticos modernos, incluíndo a panela eléctrica de cozer arroz e os utilitários micro-ondas.

Dos xilogramas mais morosos e mais caros, passou-se à reprodução litográfica dos papéis decorativos auspiciosos do Ano Novo, dos quais foram copiados muitos dos motivos mais correntes para decoração dos envelopes dos lâi-si e dos cartões de boas festas que apenas se popularizaram nos meados do séc. xx.

A crescente perda de popularidade dos monstros antigos simbólicos que se verificou nos papéis das decorações das paredes, verificou-se também nos cartões de Boas-Festas que, nas últimas duas décadas, têm apresentado elementos decorativos bem diversos dos anos 1950-1980.

Sobre fundo vermelho são representados elementos que constroem frases votivas, ideogramas finamente desenhados a dourado, simples ou sob a forma de versos paralelísticos ou frases feitas para desejar feliz Ano Novo, e um ou outro dos velhos emblemas de longa vida ou de boa sorte, por vezes representados sob a forma dum antigo magistrado.

Tai Kat Tai Lei*(da ji da li, 大吉大利): Grande felicidade, grande lucro (jogo de homofonias).

Os cartões de Boas-Festas atingiram, na China, o auge da sua popularidade nos meados do séc. xx e de tal forma eram apreciados pelo povo e pelos estrangeiros que venceram a luta contra as quatro velharias dos militantes maoístas, tendo surgido, nos anos 1960, reproduções caligráficas do Grande Timoneiro, Mao Tse Tung, em cartão, que se trocavam pelo Ano Novo Lunar em Macau. A Arte de Viver, o De (德) tauísta, não é exclusivo de alguns privilegiados mas sim extensiva a toda a comunidade. Daí correrem entre o povo alguns provérbios plenos de sabedoria, tais como:

Nove Peixes (Jiu Yu, 九魚): Abundância Permanente.

"O Universo encontra-se em cada gota de chuva" e

"Cada gomo de laranja tem o mesmo gosto do que uma laranja inteira".

Dentro dos conceitos que estes provérbios encerram foi do universo do simbólico contido no imaginário popular chinês, que se traduz nas decorações auspiciosas dos seus cartões de Boas-Festas, que deixamos aqui apenas uma pequena amostra.

Revisão de texto de Fátima Gomes;

transcrição dos termos chineses em pin yin e revisão dos

caracteres chineses por Chan Kam Oi Catarina.

Os Três Amigos do Inverno, isto é, pinheiro, bambú e ameixoeira.

A flauta mágica que atrai a fénix. Literalmente, pode ler-se o seguinte toi*:

"A música da flauta atrai a fénix [/] E a mulher, que está à sombra da verdura[/] é linda como o jade".

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ZHANG Dian Ying, Yangjiabu - New Year Pictures, Pequim,1990.

**Sic, no original; romanização dos vocábulos cantonenses correspondentes - N. E..

NOTAS

1Na dinastia Han (206 a. C.-220 d. C.) quando, de acordo com as recentes escavações realizadas através das regiões áridas do Pamir, se admite que a Rota da Seda se tenha iniciado, já os chineses pintavam sobre seda. Na Dinastia Tang, porém, o comércio da seda já não era monopólio dos chineses através da Ásia Interior, mas as caravanas eram controladas e protegidas pelas tropas da China. Foi nesta altura que as Artes e as Letras conheceram, no Império do Meio, o apogeu do seu esplendor.

2Depois da queda do último Imperador quando, durante a República, foi adoptado, na China, o calendário gregoriano do Ocidente, o Ano Novo, embora não tenha perdido o seu antigo significado, deu lugar à Festividade da Primavera que o regime comunista da Nova China conservou sob esta designação.

3É de notar que a divisão do tempo na China Antiga foi estabelecida, aliás como noutros pontos da terra, pelo intervalo de dois sucessivos nascimentos do Sol, tanto que ali se diz e escreve 日 para designar Sol e dia, e pelo ciclo da Lua entre duas luas novas, o que está transparente no facto de se escrever mês ou lunação 月 tal como Lua.

Quanto ao ano, este correspondia ao período entre duas colheitas sucessivas.

4Cf. Ana Maria Amaro, O Ano Novo Chinês em Macau, in "Geographica", Rev. da Sociedade de Geografia de Lisboa, n. ° 11, 1967 e Ano Novo, Festa da Primavera, in "RC", I. C. M., n. ° 22, II Série, Jan/ Mar., Macau, 1995.

5A oferta de alimentos, que não é polido serem aceites no seu todo, remonta aos mais antigos tempos e é uma prática comum às mais diversas civilizações. É um flagrante vestígio da remota partilha dos grupos caçadores-colectores.

6Sichuan foi uma das áreas onde mais cedo se começou a gravar em madeira e, por isso, uma das primeiras províncias onde foram xilografadas figuras alusivas ao Ano Novo Lunar. Daí a técnica e a popularidade difundiram-se pelas outras regiões da China, ao que se crê, no séc. xv ou xv (Dinastia Ming, 1368-1844) (Zhang Dian Ying, 1992). Nos nossos dias, aliás, o símbolo sagrado dos celtas, as bagas de visco, que representavam a Lua, astro cuja revolução regulava o ciclo da renovação da Natureza, eram usadas na decoração dos cartões sem relação consciente com o seu antigo significado. As bagas de azevinho reproduzindo o Sol vieram, depois, juntar-se às bagas de visco e a substituí-las.

7ZHANG Dian Ying, Yang Jiabu New Year Pictures, Pequim,1990.

8Segundo George Buday (1971) o primeiro cartão de Boas-Festas hoje conhecido surgiu em 1843 na Grã-Bretanha, por iniciativa de Sir Hewnry Cob. Foi impresso na Litografia de Warwick Court, Holbom, Londres, por Jobbins, e colorido à mão por um pintor profissional de nome Mason. A edição foi posta à venda por 15 pences cada exemplar. No entanto, a história da impressão de cartões de votos de Feliz Ano Novo é mais antiga na Europa do que a criação dos cartões de Boas-Festas britânicos, enviados pelo Natal. O mais antigo dos cartões é datado de 1466 e foi gravado por Master E. S. da Baixa Germânia. Representa o Menino Jesus sobre uma flor em forma de cálice e ostentando o dístico: "Ein gnot selig ior".

Aliás, o uso de trocar presentes com votos alusivos ou motivos auspiciosos por ocasião do Ano Novo vinha já dos romanos. Dados fornecidos pela Arqueologia comprovam que também entre os egípcios este uso da troca de presentes simbólicos, tradutores de votos de boa sorte pelo Ano Novo era já corrente. Foram encontrados pequenos vasos provavelmente destinados a perfumes com inscrições e decorados com emblema da aproximação do Ano Novo e com votos expressos de completa felicidade. Em Roma, era costume antigo visitar os amigos no primeiro dia do ano para trocar cumprimentos e presentes. A princípio estes eram ramos de louro ou de oliveira com dedicatória à antiga deusa dos sabinos, Strenia, daí provavelmente o nome de strenae pelo qual eram conhecidos os presentes de Ano Novo entre os romanos. Surgiram, depois, o mel em recipientes decorados e lamparinas de óleo com símbolos e inscrições relativas a um Ano Novo Feliz, que eram trocados como presentes.

9Este ideograma parece ter-se popularizado como símbolo de ventura durante a Dinastia Qing. Por ocasião de um levantamento popular, as portas dos chineses fiéis aos manchús foram mandadas marcar com o caracter fu por ordem imperial, tendo as respectivas famílias sido poupadas durante as inevitáveis represálias.

10Dui (Toi*) é uma parelha de versos, geralmente de oito caracteres, decomponíveis em quatro grupos de quatro, cujo sentido se completa.

11Gua zi são pevides de Cucurbitáceas coloridas de vermelho e adoptadas como símbolo de fertilidade e de abundância.

12Sementes de lótus (Nelumoium especiosum, L.) cristalizadas.

13Bolos de forma esférica, fritos e cobertos de gergelim.

14Impropriamente designado Dinheiro da Sorte que é oferecido pelos mais velhos, casados, aos solteiros num hong bao (envelope vermelho, em tradução literal).

15Um par - shuang (雙) - é homófono de subir e por isso mesmo auspicioso. Por outro lado, o número dois corresponde à dualidade cósmica, símbolo da origem de todas as coisas e da suprema perfeição, fruto da complementaridade de elementos contrários.

16O Clássico das Mutações, o Yi Jing (易經) ou Livro das Adivinhações, atendendo à sua função fundamental, foi compilado por Confúcio a partir de textos muito antigos que se perdem na aurora da civilização chinesa. É atribuído ao lendário Fu Xi [Fôk Hei*] sendo o suporte das primeiras práticas de adivinhação entre o povo han.

17As cores da antiga Cosmologia chinesa correspondem aos quatro pontos cardeais (aos quais só depois se junta o centro como quinto ponto).

O vermelho correspondia ao Sul e ao Verão

O amarelo ao Ocidente e ao Outono (colheitas)

O verde-água ao Oriente e à Primavera

O negro ao Norte e ao Inverno.

18O Duplo-Xi ou Dupla Felicidade (Shuang Xi) é particular-mente usado como emblema de casamento feliz.

19Para ilustrar a riqueza de homofonias da língua chinesa, é de citar o artigo publicado no Jornal "Claridade", de Pequim, de 8-VIII-1958, no qual se recorda a história do poeta Shi (Si*), que vivia numa casa de pedra e amava os leões. A história é contada em 93 caracteres, todos com o mesmo som shi, nos seus quatro tons.

20São várias as interpretações dadas pelos chineses ao grupo das 5 felicidades. Uma das acepções mais frequentes é a seguinte: longa vida, saúde, riqueza, filhos e tranquilidade.

21O Livro das Odes ou dos Cânticos é um dos cinco livros clássicos compilados por Confúcio. O Shi Qing, Livro das Odes ou dos Cânticos foi traduzido por Couvreur e por A. Waley (The Book of Songs), Londres, 1937/1954 e ainda por B. Karlgren (The Book of Odes).

22É, provavelmente, de acordo com este dístico auspicioso, que se tornou costume no dia de Ano Novo irem famílias inteiras ao fotógrafo. Para mais, fotografar (影相 ying xiang) é uma palavra homófona de subir na vida.

23Cinco filhos era o número considerado, pelos chineses, para a prole de uma família ideal: três rapazes e duas raparigas. Esta concepção deve basear-se no sistema de trocas do regime matrimonial da antiga sociedade chinesa, embora seja de origem confucionista, datando provavelmente da célebre Escola de Sofistas, da Dinastia Han.

24A Deusa Ma Gu é um emblema de longevidade por ser representada com uma bandeja onde transporta um grande pêssego, geralmente acompanhada pela corça malhada (animal relacionado com a ideia de Lu, prosperidade, alto cargo), e pelo próprio Shou Xing Gong, um dos Três Xing (as estrelas tauístas da felicidade, da prosperidade e da longevidade).

25É de notar que os aromas da Natureza (das flores primaveris) que chegam ao Céu, correspondem aos que os homens oferecem às Divindades.

26Nome japonês pelo qual são conhecidos no Ocidente os rolos verticais pintados.

27A suástica corresponde também à palavra escrita que se refere a dez mil, no sentido de numeráveis, e corresponde ao próprio Sol, sendo, para alguns autores, a representação da fricção rotativa de dois pedaços de madeira para obtenção do fogo.

28Recentemente foram exumados em Liaoning alguns vestígios de natureza arqueológica que os autores chineses admitem datar dessa remota dinastia. Yu, o Grande, é contudo paradigma de imperador transcendente, criador da própria civilização da Bacia do Rio Amarelo (P. Bugard, 1992).

29Literalmente vento-água significa, de uma maneira muito geral, uma corrente auspiciosa.

30As serpentes são tradicionalmente conotadas, até no Ocidente, com jóias e preciosidades das quais são as guardiãs. Não devemos esquecer-nos de que o dragão, na China, foi o sucedâneo emblemático da serpente.

31Cf. Ana Maria Amaro, O Dom e a Reciprocidade no Ano Novo Chinês - o lâi-si, in "O Clarim", Macau, 27/2/1992.

32Yakshua, Ya-chai (牙差) em chinês, é uma espécie de demónio que vive no solo e nas águas e é conotado, por vezes, com o Rei dos Dragões. Entre os hindús é considerado o Deus da Saúde.

33À cabeça corresponde a virtude (ou arte de viver tauísta, o De) ; às asas, respeito; o dorso, correcto comportamento ritual; o peito, humanidade e o estômago segurança. As suas cores correspondem às 5 cores do arco-íris.

34É transparente, nesta alegoria, a motivação das pessoas para trabalharem, aplicando todo o seu esforço para conseguirem êxito, ultrapassando as maiores dificuldades.

35O salgueiro e o pessegueiro são plantas carregadas de simbolismo, principalmente para os tauiístas, servindo-lhes bastas vezes de hissope nos seus exorcismos. O salgueiro, aliás, deve ter sido de há muito considerado uma planta mágica pelo seu poder de abrandar as dores, como remédio, mercê da sua riqueza em ácido salicílico.

36Em Portugal, a romã, devido à sua coroa e frutos semelhantes a rubis, é consumida na oitava do Natal e a coroa guardada com uma moeda e um pedaço de pão até ao ano seguinte, para promover a abastança durante o ano. É também considerada, homeopaticamente, um talismã, promotor de riqueza.

37A primeira parte do 道德經 Dao De Qing (Tou Tau Keng*) obra atribuída a Laocio (老子 Lao Zi) descreve o 道 Dao (Tou*) a Via ou Caminho, ou o Absoluto, sendo a segunda parte dedicada ao 德 De (Tak*), a Arte de Viver, o verdadeiro caminho de retomo ao Dao.

38Um espelho rodeado pelos oito triagramas do Ba Gua (八卦) é usado, ainda, nalgumas casas chinesas mais conservadoras, para afastar as más influências provocadas pela má situação dum prédio ou outro obstáculo fronteiro. Geralmente é usado simplesmente um espelho circular e convexo porque, aliado ao Ba Gua, é considerado agressivo da vizinhança.

39Há, contudo, pelo menos em Macau, quem coloque ainda nas cozinhas um papel vermelho com o seu nome pincelado, num verdadeiro dístico evocativo, e lhe preste culto.

N. E.: A romanização das palavras chinesas constantes neste artigo foi uniformizada de acordo com o sistema pin yin, mantendo-se em alternativa a transcrição fonética original do cantonense nos termos assinalados com asterisco(*).

* Doutorada pela F. C. S. H. da Universidade Nova de Lisboa; professora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas. Departamento de Antropologia. Membro de várias instituições internacionais, v. g. a "International Association of Anthropology".

desde a p. 157
até a p.