Atrium

EDITORIAL

Luís Sá Cunha

Com este número da RC, encerra-se mais um ano de actividade editorial e fecha-se o grande ciclo do seu 10° aniversário de publicação.

Disto já bastantemente falámos no Editorial do N° 30, rematando apenas agora em termos perorativos: se o nosso objectivo era que a RC fosse uma voz do passado amplificada para o futuro, fechamos o ciclo com essa certeza positiva. O acervo de memórias que as suas colecções constituem, como valioso organum editorial, será ainda mais preservado durante o corrente ano, quer através de várias reedições e encadernação em colecções, quer pela complementar possibilidade da sua inclusão integral em CD Rom.

E é com natural júbilo que terminamos o plano editorial deste ano com esta edição, produzida em saudável emulação com as anteriores imediatas, e de que também nos orgulhamos.

Queremos destacar, no seu Sumário, dois blocos temáticos, relevantes na sua densidade e novidade.

Em primeiro lugar, a revelação, em Língua Portuguesa, de uma faceta importantíssima do Pe. Miguel Ruggieri, nos primórdios do seu serviço em Macau e no Sul da China, no âmbito do Padroado Português: a sua actividade de geógrafo/cartógrafo.

Só rejubilamos com as "provas" de autoria que lhe são confirmadas pelo "Atlante della Cina", nós que sempre o admirámos como pioneiro da estratégia de entrada na China, entretanto empenumbrado pelos fulgores que concorreram a nimbar a silhueta de Mateus Ricci. Antes do jesuíta de Macerata, foi Ruggieri quem por aqui deambulou, percepcionou, mentou uma estratégia de conhecimento e respeito do Outro, começando pela necessidade básica de aprender a Língua Chinesa. Em cerca de um ano, com recurso à ajuda de um pintor chinês de Macau, aprendeu 12.000 caracteres! Em finais de 1580, angariou finanças para construir "num canto do sítio do Colégio" uma casa com celas. Aí acolheu Ricci em 1582, e com ele gizou a fundação da 1ḁ Missão Católica na China, a primeira em termos modernos, em 14 de Setembro de 1583.

Muito justamente se pode dizer dele, que foi o primeiro sinólogo, e o primeiro geógrafo-cartógrafo da grande terra da China, na modalidade de planta pormenorista.

Claro que, para trás, há uma precedência de testemunhos e fontes portuguesas, literárias, cartográficas e geográficas, a conformar um esboço interno do Império do Meio. São as cartas dos "cativos de Cantão", Cristovão Vieira e Vasco Calvo, o testemunho de Galeote Pereira, e, logo de seguida, neles estribado, o Tratado de Fr. Gaspar da Cruz, o primeiro a ser impresso na Europa sobre a China.

Em puros termos cartográficos, surge em 1525, no planisfério de Diogo Ribeiro, a designação China, a substituir as anteriores Cataio ou Índia Superior para o espaço do Império do Meio. O delineamento cuidado do litoral chinês já se estampa nas cartas de Lopo Homem (1554). Já antes, Francisco Rodrigues, no Livro da Geografia Oriental (de c. de 1513) traça as primeiras representações europeias do mar e litoral da China, e delineia o primeiro roteiro de navegação nesta área (1519); nas suas cartas surge pela primeira vez o nome China.

Macau surge registada, cartograficamente, pela primeira vez, numa das cartas de Fernão Vaz Dourado (Atlas das 20 Folhas, 1570) e a sua primeira planta surge do descritivismo cartográfico de Manuel Godinho de Erédia.

Como se diz mais à frente ("O Atlante della Cina", de Miguel Ruggieri, Fernando Sales Lopes), o primeiro grande impulso europeu para uma cartografia da China foi o do cartógrafo português Luís Jorge de Barbuda (1580), publicado no Theatrum Orbis Terrarrum, de Abraham Ortelius. O mapa-mundi de Ricci, executado em 1584, pressupõe os vários contributos anteriores da escola portuguesa de cartografia, a começar pelo famoso planisfério, dito de Cantino (1502).

É porém notabilíssima a colecção de cartas-plantas de Ruggieri, o primeiro a colher informações de campo in loco, e de que publicamos neste número quatro cartas, com o sul da China e Macau. O nosso agradecimento ao "Istituto Cartografico e Zecca dello Stato" que nos autorizou a respectiva reprodução.

Segue-se o bloco dedicado à pintura chinesa da colecção do Museu Luís de Camões.

Remetendo o leitor para os respectivos textos de enquadramento, diremos apenas que é a concretização de uma longamente esperada oportunidade editorial. Tem, para nós, o sabor de um inédito: de facto, várias gerações, de passagem ou residentes nos últimos quinze anos em Macau, nunca tiveram a oportunidade de visionar o que quer que fosse da famosa e valiosa colecção, reunida por Silva Mendes.

E trata-se da segunda maior colecção da escola da Província de Cantão, de toda a China.

Também os textos de Helen Chan e de Chuang Shen, são, ainda hoje, as mais completas e esclarecedoras introduções à colecção de pintura chinesa do Museu Luís de Camões, pelo que os damos à consulta dos leitores interessados.

No resto, a valia científica deste Sumário deve o mesmo aos textos de diversa temática assinados por autores que nos vêm honrando com a sua colaboração e reforçando com a sua competência académica: António Saldanha, Manuel Afonso Costa, Ana Maria Amaro, Beatriz Basto da Silva, Yao Jing Ming, Maria Trigoso, João Reis, Maria Ana Marques Guedes e Vanessa Cunha.

O Director da Revista de Cultura

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