Arquivo

Arquivo Histórico de Goa

P. P. Shirodkar

Director dos "Archives, Archaeology & Museum"

de Panjim - Goa.

Apesar da presença portuguesa em Goa datar de 1510, os portugue-ses nunca pensaram em organizar a sua correspondência e registos na forma de arquivos. Foram precisoscerca de oitenta e cinco anos, e ain da uma curiosa associação de acon-tecimentos, para que a ideia fosse encarada. Diogo de Couto tinha de- sembarcado em Goa, animado pela vontade de escrever a crónica das conquistas portuguesas no Oriente. Não tinha consigo qualquer fonte material que lhe permitisse levar a cabo este projecto ambicioso. Natu-ralmente, escreveu aoVice-Rei pe-dindo autorização para recorrer a toda a documentação relevante, que estivesse em poder do Secreta-riado Vice-real. Por sua vez o Vice--Rei escreveu ao Rei, D. Filipe, que fi-cou entusiasmado com a ideia. Du-rante muito tempo, tinha recebido relatos enviados pelos seus subordi-nados sobre o fundo histórico da co-lonização no Oriente. A observação imparcial de um historiador servia melhor os seus propósitos do que os relatos oportunistas dos seus funcionários. Surgiu-lhe de repente a ideia de que, tal como a Torre do Tombo em Lisboa, se poderia orga-nizar igualmente um arquivo sobre o Oriente, em Goa. Um historiador co-mo Diogo de Couto seria a pessoa ideal para ser encarregado de um trabalho tão importante como este. Então, sem perda de tempo, emitiu uma Provisão Real em 25 de Feve-reiro de 1595, na qual era ordenada a instalação do arquivo em Goa, no próprio Palácio Vice-real, e nomeado Guarda-Mor, Diogo de Couto, com o pagamento anual de 300 pardaus. (N. T. antiga moeda da Índia Portu-guesa, de valor variável entre 220 a 1250 reis).

Mas, o Secretariado do Vice-Rei levou quase dois anos a pôr todas as coisas em ordem. A 23 de Dezem-bro de 1596, o Vice-Rei Matias de AI-buquerque informou o Rei de que as instalações da Torre do Tombo esta-vam prontas e que já tinha confiado as chaves a Diogo de Couto bem como todos os documentos do Se-cretariado.

Contudo, o Vice-Rei não tinha requisitado junto dos vários departa-mentos administrativos todos os li-vros de registos para que fossem depositados nos novos arquivos. Diogo de Couto lamentou este fac-to. O rei D. Filipe II emitiu então ou-tra Provisão Real dirigida ao Vice-Rei a 13 de Fevereiro de 1602, tornando claro e explícito que todos os livros de registos incluindo os registos das povoações de Ilhas, Bardês e Salce-te, deveriam ser reavidos junto dos respectivos párocos, para serem guardados com mais segurança no novo Arquivo repositório na velha Goa. Diogo de Couto ocupou o seu cargo durante cerca de 19 anos até Setembro de 1616, com grande zelo e iniciativa. Pelos serviços distintos prestados, o Rei ordenou que pa-gassem ao Cronista, até ao fim da sua vida, a quantia anual de 500 xe-rafins (N. T. Antiga moeda de prata da índia Portuguesa valendo entre 300 a 360 reis). Mas, infelizmente, este faleceu no mesmo ano a 10 de Dezembro de 1616, e o augusto car-go foi ocupado durante uns tempos por Domingos de Castilho que não tinha talento nem competência para prosseguir o trabalho histórico do cronista Diogo de Couto.

Durante os 15 anos seguintes, sucederam-se rápidamente neste cargo várias personalidades, tais como Gaspar Aires, João Vasco Casco, Gaspar de Souza de Lacerda, Álvaro Pinto Coutinho, Domingos de Barros, Bartolomeu Galvão e Fran-cisco Monis de Carvalho, mas nunca nenhum deles manifestou qualquer interesse pela manutenção e trata-mento dos livros de registo. Só An-tónio Bocarro, um indivíduo inteli-gente, se mostrou digno sucessor de Diogo do Couto. Foi nomeado Cronista e Guarda-Mor por ordem real a 9 de Maio de 1631. Surpreen-dentemente, António Bocarro, che-gado à índia em 1615, tinha provado o seu valor como soldado do exérci-to, combatendo nas fortalezas os exércitos anti-portugueses, e não lhe era conhecido qualquer mérito li-terário quando foi escolhido para Guarda-Mor. De facto, provou ser uma figura literária de tal valor que o seu nome estará para sempre ligado ao Arquivo Histórico de Goa. Este cronista talentoso, escreveu a obra grandiosa, "Livro das plantas de to-das as fortalezas, cidades e povoa-ções do Estado da índia Oriental". Foi também o autor de "Década 13 da História da índia (1612-1617)", "Reformação do Estado da índia", "Dos Feitos que Sancho de Vascon-celos e outros Fidalgos obraram no Sul" e "Livro dos feitos de Gonçalo Pereira". Desempenhou o cargo de Guarda-Mor durante 12 anos até ser substituído por Francisco Moniz de Carvalho em 1643, que se manteve naquele lugar por mais doze anos, até 1655. Surgem seguidamente os nomes de António de Matos Soeiro, João de Morais, António Alvares e Inácio Sebastião da Silva, o último a ocupar o posto de Guarda-Mor da Torre do Tombo da índia até à sua morte em 1840, depois da qual este cargo foi abolido.

Quaisquer que tenham sido os empreendimentos dos ilustres Guardas-Mores, permanece o facto de que a maior parte dos documen-tos foram levados pelos Vice-Reis, quando se retiravam para Portugal, para sua própria referência biográ-fica ou apenas para satisfação da sua curiosidade.

Obviamente, esta situação ori-ginou a existência de muitas lacunas nas várias colecções de documen-tos. Em 1774, foi ordenado que fos-sem despachados para Portugal al-guns registos antigos do Estado da índia, e em Abril de 1777 foi trans-portado para Lisboa um lote de 62 li-vros da série Monções do Reino, que nunca foram devolvidos. Claro que, subsequentemente, muitos deles foram publicados sob o título Documentos remetidos da índia. Anteriormente, em 1775, o Arce-bispo D. Francisco de Assunção e Brito tinha enviado de Goa docu- mentos religiosos pertencentes a diversas formações eclesiásticas. Mas, pior foi o destino de centenas de documentos relacionados com a Inquisição de Goa, que alegada-mente aí foram queimados, na se-quência do ataque dos maratas em 1779, para evitar a difamação do Es-tado, das famílias e intrigas futuras. A humidade e o clima marítimo tam-bém foram responsáveis pela dete-rioração de grande parte dos docu-mentos. Atento a este aspecto, Joa-quim Heliodoro da Cunha Rivara, que veio para Goa como Secretário do Governo Geral em 1855, lem-brou-se de imprimir em larga escala estes documentos, como único re-médio possível, tendo sido bem su-cedido em grande parte.

Vários estudiosos de renome, goeses e estrangeiros, tais como Cunha Rivara, Filipe Neri Xavier, Tei-xeira de Aragão, Miguel Vicente de Abreu, Ismael Gracias, Amancio Gracias, J. M. do Carmo Nazareth, Rev. H. Heras, Justice A. B. de Bra-gança Pereira, Dr. S. N. Seh, Dr. Charles Boxer, Rev. Silva Rego, Rev. Nicki, Dr. P. S. S. Pissenlencar (que foi responsável pela reorgani-zação dos arquivos no tempo da pré--libertação), Dr. V. T. Gune e muitos outros, trouxeram à luz muitos dos documentos do Arquivo de Goa.

Em 1930 o Governador Geral João Carlos Craveiro Lopes deu no-va lufada de vida aos preciosos re-gistos em deterioração, ao criar o Ar-quivo Geral e Histórico da índia Por-tuguesa com uma colecção inicial de cerca de 1500 volumes só do Se-cretariado do Governo. Sete anos mais tarde, em 1937, este foi rebap-tizado Cartório do Governo Geral do Estado da índia e assim permane-ceu nos 15 anos seguintes, sofren-do uma mudança radical em 1952, ao assumir o nome de Arquivo His-tórico do Estado da índia, até à liber-tação de Goa depois da qual passou a ser conhecido como Arquivo His-tórico de Goa. Presentemente, es-tá ligado às unidade de Arqueologia e Museus, formando um Departa-mento de Arquivos, Arqueologia e Museus.

Hoje em dia, o Arquivo de Goa desenvolveu-se muito. Foi já com-pletamente instalada uma secção de Microfilmes, uma boa oficina de encadernação e uma Biblioteca de referência, instaladas num moderno complexo recentemente construí-do. Esta organização em cresci-mento prepara-se para o grande salto dos anos vindouros, com a in-formatização à vista. A sua revista semestral de pesquisa Purabhilekh- Puratatva (Arquivo-Arqueologia) causou grande impacto no mundo académico. As suas actividades aca-démicas e de pesquisa, que incluem seminários regulares conjuntos com a universidade de Goa para a criação de uma atmosfera conscien-ciosa de pesquisa local, estão já a produzir resultados.

Conseguiu-se o reconhecimen-to do Arquivo, por parte da Universi-dade de Bombaim e agora da Uni-versidade de Goa, como instituição de pesquisa doutoral.

Depois da conquista dos terri-tórios do Oriente pelos portugue-ses, toda a sua estratégia adminis-trativa dependia de quatro institui-ções vitais: Feitorias, Fortalezas, Or-dens Religiosas e Armada. O cresci-mento destas instituições seguia o mesmo padrão das suas correspon-dentes portugueses. Desta manei-ra, a produção de registos e corres-pondência tinha por tema estas qua-tro instituições, cujas caracterís-ticas se foram alterando, através dos períodos da Monarquia (1505--1820), Regime Constitucional (1820-1910) e Republicano (1910--1961).

A colecção de registos do Ar-quivo de Goa é demasiado nume-rosa para ser aqui mencionada, mas não se pode deixar de apontar algu-mas das séries mais importantes, tais como: Monções do Reino, Cor-respondência para o Reino, Cartas Patentes e Alvarás, Reis Vizinhos, Ordens Régias, Assentos do Conse-lho de Estado, Assentos do Conse-lho da Fazenda, Cartas e Ordens, Cartas Patentes, Provisões e Alva-rás, Regimentos e Instruções, Regi-mentos, Acordãos e Assentos da Comarca de Goa, Senado de Goa, Feitorias, Fortalezas, Milicia, Corres-pondência Militar, Mercês Gerais, Fazenda, Estrangeiros, Alvarás e Provisões de sua Magestade, Carta-zes, Chancelaria, Papéis de Conven-tos Extintos, Escravos, Jesuítas, Missões, Moçambique, Damão, Diu, Japão, China e Macau. Além destes, existem milhares de regis-tos referentes às comunidades das povoações. Recentemente, reuniu--se uma boa colecção de documen-tos relacionados com a luta pela li-berdade de Goa.

Os registos que dizem respeito a Macau, encontram-se principal-mente nas séries Monções do Rei-no, Correpondência para o Reino, Ordens Régias, Assentos do Conse-lho de Estado, Assentos do Conse-lho da Fazenda, Regimentos e Ins-truções, Cartas e Ordens, Cartas Pa-tentes e Alvarás, e Correspondência Militar. Existem cerca de 119 livros de registos que abordam únicamen-te as actividades relacionadas com Macau e a China. Alguns deles dão--nos uma ideia dos rendimentos e despesas durante vários períodos. Esta fonte material é extremamente útil para a reconstrução da História de Macau bem como das suas rela-ções com as várias "Províncias" do "Estado da Índia". Estas fontes não foram completamente exploradas. Os estudiosos que decidirem vir examiná-las, darão uma contribui-ção substancial não só à história de Macau mas também à história de Malaca, da China, das ilhas Molu-cas, e dos Holandeses no Oriente.

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até a p.