Linguística

FERNANDO PESSOA EM CHINÊS

Jin Guo Ping*

Nesta breve comunicação não pretendo fazer um ponto da situação relativamente à poesia de Fer-nando Pessoa, traduzida para chinês, mas apenas for-necer algumas informações e a experiência obtida aquando da tradução da Mensagem e da organização de uma antologia poética de Pessoa.

A primeira versão da obra pessoana na minha língua materna surge em forma de uma tradução par-cial da Mensagem, já referenciada pelo consagrado estudioso pessoano dr. José Blanco na obra intitulada Fernando Pessoa, esboço de uma bibliografia, e livro indispensável a qualquer estudioso pessoano.

O tradutor é o conhecido sinólogo macaense, Luís Gonzaga Gomes, na altura professor do Liceu Nacional Infante D. Henrique de Macau. Trata-se de uma edição comemorativa do vigésimo quarto ani-versário da morte do nosso poeta, destinada à divul-gação aos alunos do mesmo Liceu. A tiragem foi de quinhentos exemplares, dos quais trinta em edição de luxo. É uma tradução parcial da Mensagem, como disse, porque, de cada poema, o autor traduz selecti-vamente uns versos. Os poemas traduzidos na íntegra são poucos. Não pretendo medir o valor linguístico da tradução, mas apenas realçar que o trabalho em si é digno de elogio, tratando-se da primeira tradução da obra pessoana para a língua chinesa.

Os trabalhos posteriores ao de Luís Gonzaga Gomes são a Antologia Poética de Fernando Pessoa e a versão integral da Mensagem, em chinês. A primeira obra foi fruto da nossa colaboração com o dr. Gon-çalo Xavier, na altura estudante macaense na Univer-sidade de Pequim, e a segunda é da nossa inteira res-ponsabilidade.

Ambas foram edições comemorativas do quin-quagésimo aniversário da morte de Fernando Pessoa, patrocinadas pelo Instituto Cultural de Macau, orga-nismo que está a desempenhar importantíssimo papel na conservação e divulgação da cultura portuguesa no Extremo-Oriente. Aproveitamos para deixar aqui bem expresso o nosso mais sincero agradecimento, em nome de centenas de milhares de leitores chineses, ao dr. Jorge Morbey, que dirige aquele organismo com tanto e tão reconhecido mérito, porque, com as duas edições, Fernando Pessoa "achinesou-se" e tor-nou-se conhecido entre os leitores chineses.

As edições bilingues na China têm um enorme mercado, o que se prova pela tiragem-de cada livro: quinze mil no primeiro caso e outro tanto no segun-do. São duas edições cuidadas, de bom gosto, e até mesmo atraentes, com capa elegantemente desenha-da. A composição é perfeita, porque mesmo quando o poema tem poucos versos, ocupa toda a página, as-segurando a sua autonomia espacial. Não foram pou-pados esforços para se manter a forma original de cada poema, por exemplo, quanto ao número e ar-ranjo dos versos, o que facilita imenso a leitura por parte da pessoa interessada em comparar as duas ver-sões.

O lento movimento pró-Pessoa no mundo chi-nês iniciou-se com o trabalho pioneiro de Luís Gon-zaga Gomes. É. de esperar que o mesmo movimento conheça um desenvolvimento ainda maior nos próxi-mos anos. A genial criação heterónima está a desper-tar a atenção do povo chinês. Verifica-se, actualmen-te, na República Popular da China, e não só em meios restritos ligados à cultura portuguesa mas também no público em geral, uma curiosidade e um interesse crescentes pela versátil obra do poeta. Prova disso é a Antologia da Poesia Contemporânea Portuguesa, ainda no prelo, na qual o nosso poeta está representa-do, sob vários heterónimos.

Perguntarão porque me dediquei à tradução da obra de Fernando Pessoa. Eis a resposta: uma paixão pela obra do nosso poeta e o intuito de o universalizar no mundo chinês. Já no primeiro contacto com a lí-rica pessoana, quando andava a tirar o curso de pós--graduação de Português na Universidade de Línguas Estrangeiras de Pequim, ficara apaixonado, e a deci-são de verter o nosso poeta para chinês surgiu durante a minha estada em Portugal, como bolseiro da Fun-dação Calouste Gulbenkian, de 1981 a 1982.

Fernando Pessoa é universal. Assim o afirmou, recentemente, o já falecido crítico João Gaspar Si-mões. O nosso poeta é universal por génio próprio, mas para a universalização de qualquer escritor são importantes as traduções da sua obra. São as tradu-ções que transformam um escritor, confinado à sua língua, em escritor universal, alargando-se a sua com-preensão através da acessibilidade do idioma para o qual é traduzida a sua obra.

Com a Mensagem vertida para chinês, o nosso poeta alcança na China, o país mais populoso do mundo, o lugar que bem merece, lado a lado com as maiores figuras do mundo literário internacional da lírica moderna.

A publicação, em Macau, da Mensagem na ver-são integral constitui, talvez, até à data, a mais solene consagração do génio poético da Língua portuguesa no mundo chinês. Se tal objectivo fôr atingido, sen-tir-me-ei completamente recompensado pelos esfor-ços dispendidos na tradução. Traduzir é difícil, tra-duzir a Mensagem... dificílimo. A versão chinesa da Mensagem é o resultado de longa e madura reflexão. Quanta saudade tenho das noites passadas em claro, rodeado de montes de dicionários! Só quem alguma vez tentou traduzir Pessoa é que pode avaliar com propriedade o que isso representa. Durante a tradu-ção, tentámos fazer rimar os versos em chinês, com uma determinada musicalidade, requerida pela versi-ficação chinesa e, ao mesmo tempo, manter a força imagética do original. E contudo, para manter a força das imagens portuguesas tivemos de recorrer a outras imagens chinesas. Dado o espaço limitado, não vos elucidaremos com exemplos.

Toda e qualquer tradução "ao pé da letra" é ge-ralmente medíocre e traduções medíocres banalizam os grandes poetas. Uma tradução literal tem a forma presente mas o conteúdo completamente ausente. Em poesia, o que vale é o espírito. Traições limitadas, controladas, bem escolhidas, enquadram o conteúdo numa forma mais harmoniosa.

Para finalizar, gostaria de lançar o seguinte ape-lo:

Que os colegas estudiosos explorem ainda mais a universalidade do nosso poeta; que os colegas tra-dutores universalizem o nosso poeta com versões nos mais diversos idiomas do mundo.

*- Texto da Comunicação apresentada pelo Dr. Jin Guo Ping, em representação do Instituto Cultural de Macau, ao III Congresso Internacional de Estudos Pessoanos - Secção Brasileira - que decorreu na Universidade de S. Paulo entre 26 e 30 de Abil de 1988.

(N. R.) - Além das obras citadas, o ICM lança no dia 8 de Junho de 1988 uma "Antologia de Fernando Pessoa", edição bilingue de autoria de Zhang Weimin.

*Lic. em português de Univ. Estudos Estrangeiros de Pequim; bolseiro da Gulbenkian e do Instituto Cultu-ral de Macau; tradutor e autor de vários temas de Lite-ratura portuguesa.

desde a p. 24
até a p.