Paisagismo

EVOLUÇÁO DAS ZONAS VERDES, SUA IMPORTANCIA E ORIGENS DA FLORA DE MACAU

António J. E. Estácio *

Fig. 2--Nepentes, planta insectívora. Foto do Arquivo da CMI.

Ointeresse em dominar as rotas marítimas e o comércio das especiarias levou, nos finais do século XV, os portugueses à índia. Cedo, porém, os nossos navega-dores se aperceberam da necessidade de ter que ir mais além, pois, se ali tudo o que nos interessava era comercializado, a verdade é que nem tudo era produzido. Como tal, avançou-se para Oriente, tendo, sob o ponto de vista estratégico, Malaca sido um porto de grande importância, por ser donde irradiavam as naus portuguesas em demanda do famoso Cravo ou Cravinho1 e da Noz-moscada,2que provinham das Ilhas de Banda, Celebes e Molucas. Pelo caminho, foram estabelecidas pequenas feitorias onde se comerciava, quer com os povos nativos, quer com outros, como os provenientes do grande Catai, que de há muito se sabia existir e com quem, aliás, estavam particularmente interessados em aprofundar contactos. Como fruto dessa expansão os portugueses tiveram, em 1557, permissão para se abrigarem num local que viria a constituir o mais antigo pólo de presença europeia nesta região do globo. Assim nascia Macau.

No que concerne ao tema que nos propomos abordar, o aspecto de então era, como teremos oportunidade de demonstrar, bem diferente do actual. A começar pela área da península de Macau que, mesmo em 1840 e com menos de 2,78 Km2, estava bem longe dos 7,84 Km2 atingidos em Fevereiro de 1997. A acidentada orografia era mais notória, pois, praticamente, não existiam as zonas planas que durante a secular presença portuguesa foram surgindo, fruto dos sucessivos aterros, os quais ganharam especial relevância nos últimos setenta anos. A existência de solos pobres, isto é, desprovidos de matéria orgânica, era agravada pelo facto de os que havia serem delgados, ou seja, pouco profundos. A completar todo este cenário existiam ainda factores climatéricos adversos como os ventos marinhos e as grandes precipitações pluviométricas, nomeadamente aquando da ocorrência de tufões que regularmente se faziam (e fazem) sentir, agravando a erosão da camada arável. Assim, ao contrário do que sucedeu noutras paragens, podemos dizer que Macau não foi local onde aportássemos e rapidamente pudéssemos colher o fruto da semente lançada à terra, até porque, como se sabe, não tivemos, desde logo, permissão para viver em terra. Uma vez esta obtida, a instalação processou-se lentamente e, em grande parte, ficou a dever-se às Ordens Religiosas, através dos Jesuítas (1563), seguindo-se-lhe os Dominicanos, os Franciscanos e, finalmente, os Agostinhos. Dedicados ao estudo e à observação das novas realidades que o contacto com diferentes povos proporcionava, alguns desses religiosos mostraram especial interesse pela botânica e pela farmacopeia, até porque era hábito disporem, em redor das suas casas ou Conventos, de pequenos Hortos onde cultivavam plantas medicinais com que regularmente abasteciam as suas farmácias ou boticas, tornando-se fundamentais para debelar doenças, agravadas pela inclemência do clima. Assim, não foi por acaso que, junto à Fortaleza do Monte, existiu o conhecido Horto dos Jesuítas ou do Espírito Santo. Na vertente Este da Penha, para a Baía da Praia Grande, ficava o Horto do Bom Jesus, no local onde, até há bem poucos anos, estiveram instaladas as'Carmelitas.

De entre os botânicos ligados a Ordens Religiosas, merece destaque o Padre Jesuíta João de Loureiro (1710-91) que, vindo de Goa, aqui permaneceu durante quatro anos (1738-42), antes de seguir para a Cochinchina onde viveu trinta e seis anos e em que recolheu dados que lhe permitiram redigir a "Flora Cochinchinense", editada em Lisboa no ano de 1790. De entre as várias espécies da Flora de Macau que classificou, podemos mencionar, a título meramente exemplificativo, o Longane (Euphoria longan (Lour.) Steud.); o Vompi (Clausena lansium (Lour.) Skeels); a Tangerineira Anã (Fortunella marginata (Lour.) Swingle); a Árvore da Pata de Pato (Schefflera octophylla (Lour.) Harms); o Falso Castanheiro (Aleurites montana (Lour.) Wils.); etc., assim como o Alfenheiro da China (Ligustrum sinense Lour.) e a Laranja-Mandarim (Citrus nobilis Lour). Deve-se-lhe também a reclassificação da Flor do Imperador(Osmanthusfragrans (Thunb.) Lour.) e parece-nos justo ainda realçar o facto de lhe ter sido dedicada a espécie Elaeagnus de Loureiro (Elaeagnus loureiri Champ.). A talhe de foice, seja-nos permitido referir também aquela que consideramos ser a planta mais rara da Flora Macaense, que surge espontânea em certos locais das Ilhas e perante a qual o Padre João de Loureiro teria exclamado: "Mirum opus Divini Conditoris!" (Obra Maravilhosa do Divino Criador!). Trata-se da Nepentes3, planta insectívora que, em virtude do ascídio que apresenta no prolongamento da sua nervura principal (Figura 2) é, em cantonense, conhecida por "Chi Lung Chou", isto é, "Gaiola para porcos", numa claxa alusão à sua semelhança com as tradicionais gaiolas usadas pelos chineses para o transporte de suínos para o mercado.

Durante séculos, a passagem de navios pelo porto de Macau foi determinante não só no que respeita à introdução de diversas espécies trazidas da Índia, Ceilão, Tailândia, Timor, etc., muitas delas aclimatadas nos mencionados Hortos, como também quanto ao envio de plantas para a Europa e América do Sul. Na verdade assim foi e a comprová-lo basta recuar na História para recordar que, nos finais do século XVIII e princípios do século xix, a poderosa Companha das índias Orientais, instalada na zona mais acidentada da que é hoje ocupada pelo Jardim de Camões, revelou especial interesse pela Flora desta região, fazendo deslocar para Macau os botânicos David Stornach, que aqui chegou em 1794, e William Kerr, chegado em 1803, o qual reuniu uma valiosa colecção de espécies asiáticas que foram mandadas para Londres, mais precisamente para Kew Gardens, isto é, para o que é hoje um dos mais famosos Jardins Botânicos do Mundo. Mais ou menos por essa altura, mais precisamente em 1812, foram enviadas de Macau para o Real Horto do Rio de Janeiro as primeiras sementes de Chazeiro4. Nos meados do século XIX (1857), com o objectivo de serem ensaiadas em Lisboa, nos terrenos da Casa Pia e por determinação de Portaria Régia, foram enviadas para Portugal plantas de Inhame5. A influência portuguesa nas trocas botânicas fez-se também sentir quanto à introdução do Agrião6 na China e no envio para Macau, em 1882, de sementes de espécies existentes nas matas nacionais. E, nos dias de hoje, valendo-se da tecnologia disponível, o papel desempenhado por Macau no que respeita ao intercâmbio de plantas voltou a ser assumido mediante a oferta pela Câmara Municipal das Ilhas de 825 plantas e o seu transporte via aérea com destino à EXPO' 98, mais precisamente ao Jardim Garcia de Orta.

Fig. 3--Jardim de Lou Lim loc. Slide de Wong Ho Sang.

Aos primeiros portugueses que aportaram a Macau deve-se-lhes ter deparado uma paisagem inóspita, salvo no que respeita às margens da pequena linha de água que corria do Patane para o Porto Interior.

Gradualmente a situação foi sendo alterada e a Ilha Verde, que como ilha existiu até ao Governo do Conselheiro Custódio Miguel de Borja (1890-94) e era pertença dos Jesuítas, ganhara, de há muito, jus ao nome, tendo-se iniciado a sua arborização em 1603-4 e tornado aprazível local de retiro e meditação, cuja exuberante vegetação acentuava o confronto com o escasso coberto verde da península e ilhas adjacentes, pois, ao tempo, a nossa jurisdição não se confinava à Taipa e a Coloane. Ainda sobre a Ilha Verde, a Prof. Dra. Ana Maria Amaro, citando Sir Andrew Ljungstedt, dizia, em 1961, que os padres jesuítas converteram "aquele rochedo com montanhas de pedras e um deserto tristonho, em verdejante horto com as mais raras e variadas espécies".

A necessidade de expansão urbana levou a que cidade-cristã transpusesse a muralha que, vinda do Patane, passava pela Fortaleza do Monte, descendo para as várzeas que existiam entre o Monte e a Colina de S. Jerónimo e subia para esta. Aos poucos foram ocupados e saneados os campos de arroz que havia, desaparecendo duas Hortas cuja importância a História de Macau registou, concretamente a da Mitra e a do Volong (Vo Long), e foi fora de portas que existiu o "Passeio dos Ingleses", situado no sopé Oeste da Colina da Guia, onde os súbditos de sua Majestade se exercitavam na arte equestre. Mais tarde, já quase no final do século XIX, foi também para lá da muralha que surgiu essa valiosa peça-de-arte dos jardins chineses (Figura 3) que é o Jardim do Lou Kao, também conhecido por Jardim Lou Lim Ioc, o qual ocupava, inicialmente, uma área muito maior que a actual e evidenciava uma beleza mais marcante da que hoje apresenta.

Em zonas pouco afastadas do núcleo urbano, os residentes mais abastados, quer portugueses, quer estrangeiros, adquiriram pequenas propriedades onde mandaram construir casas-de-campo, tendo, assim, surgido as conhecidas Chácaras, algumas das quais se tornaram famosas, como por exemplo a do Bispo, a de Maria Filipe, a das Madres, a da Viscondessa, a de S. José ou de Manochai e a do Leitão.

Se ainda neste século e nos meados dos anos trinta a Colina da Barra mostrava a ossatura rochosa desprovida de vegetação, não surpreende que crónicas de visitantes, aguarelas de artistas e mesmo relatórios publicados no século passado fizessem notar que Macau tinha um aspecto desolador dada a aridez das suas colinas. Contra esta situação se insurgia, aliás, o Dr. José Gomes da Silva, quando no seu Relatório anual (1870) realçava a necessidade de árvores "não só na cidade, mas também nas encostas e cumes de alguns montes", pois pouco restava do trabalho feito no tempo do Governador Gonçalves Cardoso (1851). O Governador Coelho do Amaral (1863-66) deixaria marca indelével com a construção do Jardim de S. Francisco, que foi o primeiro Jardim Público de Macau e, talvez mesmo, do Oriente, o qual apresentava um traçado rectangular bem diferente do actual e uma unidade total, pois só muito mais tarde (1935) é que viria a ser fragmentado com a abertura da Rua de Santa Clara. Entre 1877-79, ao tempo do Governador Carlos Eugénio Corrêa da Silva, viriam a ser plantadas na cidade duas centenas de árvores. Mas Macau teria que esperar mais quatro anos até que, no mandato do Governador Tomás de Souza Rosa (1883-86), se fizesse aquele que foi o primeiro grande trabalho em prol das zonas verdes da cidade, com a arborização da escalavrada Colina da Guia (Figura 4), tarefa que de 1883 a 1885 foi dirigida pelo jovem e dinâmico Agrónomo Tancredo Caldeira do Casal Ribeiro, o qual orientou ainda a arborização de certas artérias citadinas. De acordo com registos existentes, sabemos que de 1887 a 1893 foram plantadas na cidade cerca de 16.000 árvores. Nos finais do século xix (Maio de 1898), por ocasião da Comemoração dos Quatrocentos Anos do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Ídia, foi inaugurada a Avenida ou Alameda Vasco da Gama (Figura 5) que, com os seus 65 metros de largura se estendia por 500 metros, ocupando uma área de, aproximadamente, três hectares, existindo ainda hoje algumas árvores que, pelo seu porte, nos levam a admitir terem pertencido a esse belo espaço arborizado que, a partir dos finais da década de quarenta, se foi desagregando. À semelhança do que acontecia no Jardim de S. Francisco, dispunha de um Coreto, sendo um espaço vocacionado para o recreio e, essencialmente, o convívio da população que, em certos meses do ano, a ambos acorria para ouvir números musicais executados pelas Bandas Militar e Municipal.

Fig. 4--Colina da Guia. Foto do "Jornal único" de 20.05.1898 (Biblioteca do Leal Senado).

Ainda que ao correr da pena, não queremos deixar de nos referir a alguns Jardins existentes no Território e de que destacamos, na cidade, para além dos de Camões e Lou Lim Ioc, o'da Flora, situado no sopé da verdejante Colina da Guia e junto ao antigo Palacete desaparecido em 13 de Agosto de 1931 por força de uma explosão num paiol; o da Vitória, evocativo da derrota inflingida aos holandeses que a 24 de Junho de 1622 decidiram invadir Macau; o de Vasco da Gama; o da Montanha Russa; etc.. Nas Ilhas, ainda que em menor número, destacam-se pela graciosidade do seu traçado e dos elementos figurativos o Jardim da Ponte-Cais, junto da velha fortaleza na Taipa e perto do monumento que recorda as vítimas da explosão da Fragata D. Maria II, ocorrida em 29 de Outubro de 1850. Na mesma linha temos o Jardim do Carmo, fronteiro à centenária igreja da Vila, a Oeste da qual se encontra o Mirante ajardinado, contendo motivos náuticos e, no mínimo, bizarros, construído em 1954 pelo então Administrador António Maria da Conceição que, quanto julgamos saber, foi também o autor do projecto.

Com ou sem carga histórica, os Jardins são uma peça fundamental do desenvolvimento e vida das cidades, proporcionando zonas de convívio entre cidadãos de diferentes estratos sociais, cumprindo, assim, o seu importante papel no que respeita ao nivelamento social. Em Macau, onde a densidade populacional é elevada e a exiguidade do território não permite que se disponha de grandes áreas destinadas à habitação, as casas são pequenas e, como tal, as pessoas, nomeadamente as da comunidade chinesa, procuram os Jardins, que importa dotar de condições que estimulem a sua frequência e que passam, essencialmente, por uma dilatação do horário de funcionamento para além do período solar, antecedido do reforço de iluminação e da necessária segurança policial.

As novas artérias, abertas ao tempo do Governador Tomás de Souza Rosa e de outros que se lhe seguiram, foram arborizadas com frondosas árvores do Género Ficus, vulgarmente conhecidas, em Macau, pelos nomes comuns de "Arvores de S. José "Árvores do Pagode". Posteriormente, outras espécies foram introduzidas, como, por exemplo, a bem conhecida Acácia rubra7 originária da Ilha de Madagáscar, que em Junho, e graças às suas flores vermelhas, confere à cidade uma coloração garrida.

A gestão e manutenção dos espaços verdes urbanos esteve durante largos anos a cargo da Repartição Provincial das Obras Públicas, até que, em Outubro de 1933, foi criada a Repartição de Agricultura de Macau, à qual competiria a "conservação e melhoramentos das matas e jardins da colónia", a "instalação e conservação de um jardim botânico", assim como a "instalação do herbário da colónia e museu agrícola". Das suas atribuições, julgamos ser de interesse destacar a "urgente arborização florestal das áreas incultas das ilhas da Taipa e Coloane e dependências" e o "cuidar dos jardins públicos...". Quanto ao mencionado Jardim Botânico, ele devia ficar no "Jardim da Gruta de Camões e conter um ou mais exemplares vivos de cada espécie botânica da colónia e todas as espécies exóticas que seja possível aclimatar". Porém infelizmente, a Repartição de Agricultura viria a ser extinta em Novembro de 1936, voltando a gestão dos espaços verdes da cidade de Macau a ser feita pela Repartição de Obras Públicas, situação que se manteve até à década de sessenta, quando, nos mandatos dos Governadores Silvério Marques (1959-62) e Nobre de Carvalho (1966-74), se efectuou a transferência dessas atribuições para o Leal Senado.

Quanto às Ilhas, a responsabilidade dos espaços verdes cabia, quer aos Comandantes do Posto Militar, quer aos Presidentes das Comissões Administrativas e das Câmaras Municipais. A título meramente exemplificativo, refira-se que, em Maio de 1882, o então Administrador José Corrêa de Lemos aludia à existência de locais a intervencionar; ou o pedido apresentado pelo Comandante Militar das Ilhas quando, em 1918, advogava a plantação de 40.000 Salgueiros8 que, sinceramente, hão cremos tenha sido efectuada. Como é evidente, não obstante o esforço e a boa vontade, a falta de pessoal devidamente qualificado não poderia trazer bons resultados, pelo que não surpreende o facto de no tempo do Governador Jaime Silvério Marques ter sido oficialmente reconhecido o estado de abandono em que estavam as matas do Estado, nas Ilhas da Taipa e de Coloane, as quais passaram, então, a estar sob a dependência dos Serviços de Economia e Estatística Geral da Província. Finalmente, nos primórdios dos anos sessenta (1962) foi instalada a Brigada de Macau da MEAU9 que, com bases científicas, procedeu ao que em termos de espaços verdes consideramos ser a obra de maior vulto efectuada no Território: a florestação das Ilhas da Taipa e de Coloane (Figura 6), em que foram utilizadas, como espécies pioneiras, o Pinheiro10, a Acácia da Formosa11 e a Casuarina12. A MEAU viria a ser extinta em meados de 1976, altura em que foram criados os SFAM,13 que deram continuidade ao trabalho e em 1982 iniciaram, por administração directa, a reflorestação das Ilhas, a qual, a partir de Janeiro de 1986, viria a ser prosseguida pela CMI14 Actualmente (1996) a área reflorestada no Município das Ilhas é de 412 hectares (ha.), sendo que a grande maioria (362 ha.) na Ilha da Coloane. Nos trabalhos de reflorestação foram empregues vinte e quatro espécies diferentes, algumas de reconhecido interesse paisagístico como a Falsa Panha15, a Goma da Formosa16, ou a Árvore da Cera17 visando, essencialmente, a criação de uma mata mista de protecção do solo a qual é percorrida por uma interligada rede de Trilhos Florestais (Figura 7), o que permite à população um seguro e salutar contacto com a Natureza. Em nosso entender, os resultados obtidos são um exemplo positivo da cooperação com entidades congéneres da RPC pois a partir de 1984 contámos com a valiosa colaboração dos Serviços Florestais da Província de Guangdong e, mais tarde, da Comissão de Zonas Verdes de Zhu Hai, a quem foi entregue a reflorestação de grande parte das Ilhas, tendo sido, ao todo, plantadas 311.150 árvores.

As zonas verdes nem sempre viveram em crescente expansão, tendo conhecido momentos de recuo que se traduziram pela perda de Jardins como o do Chunambeiro, a Avenida ou Alameda Vasco da Gama, o Jardim de Po Hong, situado na Rua de Entre-Campos e que, de acordo com a Prof. Dra. Ana Maria Amaro, era considerado o mais antigo de entre os jardins chineses de Macau ou, ainda, o Jardim do Paço Episcopal, que se supõe datar do século XVIII.

A pressão urbana que nas últimas décadas se tem feito sentir provocou profundas alterações no Território, tendo contribuído para o desaparecimento de um grande número de casas com quintal/jardim, que conferiam à cidade uma agradável ambiência de espaço e cor, com os seus muros baixos, ornados por pequenas sebes vivas, registada em crónicas e em fotos que chegaram até nós. Ainda assim, podem ser observadas formas muito pontuais, como no troço da Avenida Conselheiro Ferreira de Almeida, compreendido entre a Rua Sacadura Cabral e a Estrada Adolfo Loureiro.

Fig. 5--Alameda Vasco da Gama. 1898. Foto da "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira" (Biblioteca do Leal Senado).

É essa cidade que ainda tivemos o privilégio de, em parte, conhecer, que nos permite imaginar com alguma margem de segurança a tão falada ambiência que até aos anos sessenta caracterizou Macau. Daí para a frente, e de forma galopante, as vivendas foram sendo substituídas por grandes edifícios que, em virtude das suas fachadas avançadas, foram responsáveis pelo corte de belos exemplares de árvores de arruamento. O exemplo mais triste ocorreu durante o mandato (1981-86) do Governador A. Costa com a destruição do Bairro Albano de Oliveira, em que as oito moradias de primeiro andar foram demolidas para dar lugar a um auto-silo de muito duvidosa utilidade. A par da construção urbana, a necessidade de se dispor de infraestruturas que garantam uma resposta adequada ao crescimento da cidade levou a que, em virtude da abertura de valas para o lançamento de cabos ou para a colocação de canos, quer para esgoto, quer para abastecimento de água, centenas de árvores fossem debilitadas no seu sistema radicular. Como consequência desse enfraquecimento, as árvores não só ficaram mais sujeitas a doenças, como passaram a ter um equilíbro instável, pelo que, com a passagem de tufões, muitas delas vieram a ser derrubadas, causando avultados prejuízos.

A importância das árvores de arruamento é, hoje em dia, absolutamente pacífica, porquanto elas contribuem não só para o embelezamento das cidades como intervêm, de forma positiva, graças ao benefício que proporcionam ao funcionarem como factor moderador do clima, já que permitem suavizar os seus rigores, criando não raras vezes autênticos túneis de sombra como os que outrora existiam em várias artérias de Macau. Acontece, porém, que hoje nem sempre as condições em que muitas dessas árvores vegetam são as mais indicadas e, como tal, entendemos não ser displicente encarar-se a possibilidade de se efectuar uma intervenção que lhes restitua a qualidade de vida de que necessitam para cumprirem o seu papel. Tomemos como exemplo o eixo central da Avenida da Praia Grande, no troço compreendido entre o Jardim de S. Francisco e a Avenida Dr. Mário Soares, onde uma medida desejável, que se nos afigura de execução relativamente fácil, consistiria na substituição dos actuais pavimentos impermeáveis, feitos à base de asfalto ou de cimento, por um piso empedrado, o qual, para além de permitir um maior arejamento, contribuiria para garantir uma maior capacidade de drenagem, pondo assim à disposição dos sistemas radiculares uma preciosa quantidade de água, reduzindo a ocorrência das inundações que com frequência se registam nas zonas baixas da cidade.. Ainda que se pudesse traduzir por um incómodo temporário, esta proposta nem viria a reduzir o número de parques de estacionamento actualmente existente, podendo-se recorrer aos paralelepípedos das antigas calçadas, tão características de Macau.

Como forma de atenuar a pressão urbana sobre as zonas verdes, a antiga Lixeira do Canal dos Patos foi, em meados da década de oitenta, transformado em Parque18 (Figura 1) e saúda-se a recente reconversão em Parque da Colina de Mong Há, que, situado numa zona densamente povoada, é natural que venha a registar uma boa adesão por parte da população. E nessa sequência é de esperar que outras intervenções, nomeadamente na ilha Verde e na Colina da Barra, sejam devidamente equacionadas de modo a disponibilizar mais espaços verdes para os cidadãos que, assim, verão melhorar a sua qualidade de vida.

Na Zona dos Aterros do Porto Exterior (ZAPE) e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), surgiram na última década dois Jardins, nomeadamente o do Comendador Ho In, com os seus 12.600 m2 e o do Dr. Carlos Assumpção, com 23.205 m2. O esforço da edilidade macaense é bem visível, merecendo também realce o recente reordenamento ocorrido na Colina da Guia que, assim, ficou apta a poder proporcionar uma maior gama de actividades lúdicas e recreativas.

A par disso, tem sido desenvolvido um assinalável esforço no que respeita ao esverdeamento das artérias da cidade, graças à plantação de largas centenas de árvores de arruamento, o que permitiu que, em Dezembro de 1996, o número de árvores de arramento, na cidade de Macau, se elevasse para 4.100.

De acordo com dados recolhidos, existiam em 1996 na cidade de Macau 351.401 m2 de Parques e Jardins, enquanto nas Ilhas e para o mesmo tipo de equipamento havia 254.166 m2, no que respeita a Separadores havia 18.069 e 65.817 m2, respectivamente.

Fig. 6-- Ilha de Coloane (Arquivo da CMI).

Em relação às Ilhas é também visível o esforço desenvolvido, muito embora tenhamos consciência de se estar aquém do que seda desejável em termos de Jardins, nomeadamente na Baixa da Taipa, zona preparada para acolher uma elevada densidade de população residente. Na verdade, a implantação das zonas imobiliárias não foi acompanhada da criação de Jardins, os quais, como aliás defendemos em sede própria, deveriam ter precedido as torres habitacionais por forma a que, em termos de qualidade de vida, proporcionassem logo à partida boas condições aos novos residentes. Muito embora não estejamos certos que este tipo de situação se não volte a repetir no Território, é caso para se dizer que, ainda que a posteriori, mais vale tarde do que nunca, pois é importante a função social que os Jardins assumem.

Tal como em relação às pessoas, também podemos encontrar espécies botânicas que têm a particularidade de serem provenientes desta região, como é o caso das Líchias19, do Longan20, da "Árvore de S. José''21, e da Falsa Murta-Vermelha22, ou, pelo contrário, outras oriundas de longínquas regiões. Assim, o Eucalipto23 é uma espécie originária da Austrália e de Timor, a Goiabeira24 é da América do Sul, o Rícino25 é de África e a Figueira26 e o Salgueiro são da Europa. Como se compreende, nem sempre é fácil determinar, com precisão, o momento em que ocorreu a introdução de determinada espécie e, muito menos, em que circunstâncias a mesma se terá processado. Tal situação é perfeitamente compreensível pois só raras vezes as importações de espécies botânicas exóticas são feitas de forma premeditada já que, por norma, decorrdm por mero acaso e prendem-se com razões que têm muito a ver com o gosto individual das pessoas.

Foi, por exemplo, o que sucedeu em relação à Acácia Rubra, que não tendo sido mencionada na lista de plantas de Macau e Timor, organizada pelo Chefe dos Serv. de Saúde Dr. José Gomes da Silva, levou a que, em 1933, Aires Carlos de Sá Nogueira admitisse, e muito bem, a sua introdução após 1886, ano em que a referida lista foi publicada no Boletim Oficial.

Por experiência própria, podemos afirmar que, por exemplo, a Árvore da Teca27 foi introduzida nos princípios dos anos sessenta por técnicos da MEAU que a trouxeram de Timor; que o Tulipeiro Africano28 entrou em 1980-1 graças ao intercâmbio de sementes efectuado entre os SFAM e instituições científicas, como os Jardins Botânicos; que a Acácia da Tailândia29 foi, a nosso pedido, enviada de Bangkok, em 1981-2, tal como, aliás, sucedeu em relação ao Castanheiro da índia30 que, mais ou menos por essa altura, foi oferecida pelo Urban Council de Hong Kong ou, ainda, que a Acacia auriculaeformis A. Cunn. surgiu como espécie base usada nos trabalhos de reflorestação efectuados em 1984, pelos Serviços Florestais da Província de Guangdong.

Como muito bem realçou a Prof. Dra. Ana Maria Amaro, "... a actual flora macaense não é mais que o resultado de intermitentes tentativas de adaptação de enorme e variadíssimo número de espécies, das quais umas se não teriam aclimatado, outras, dificilmente encontraram condições para viver sem, jamais, florir ou frutificar, estando condenadas à extinção e, terceiras, ainda, se acham plenamente adaptadas, tendo acabado algumas por confundir-se com a própria vegetação espontânea, com a qual se associaram.''31

Fig. 7--Rede de Trilhos Florestais (Arquivo da CMI).

NOTAS

1 Syzigium aromatium (L.) Merr. Et Perry.

2 Myristicafrangans Hout..

3 Nepenthes mirabilis (Lour.) Druce

4 Thea sinensis Sims..

5 Colocassia esculenta (L.) Schott..

6 Nasturtium officinale R. Br..

7 Delonix regia Raf..

8 Salix babylonica L..

9 Missão de Estudos Agronómicos de Macau

10 Pinus massoniana Lambert.

11 Acacia confusa Merr..

12 Casuarina equisetifolia L..

13 Serviços Florestais e Agrícolas de Macau.

14 Câmara Municipal das Ilhas.

15 Bombax ceiba L..

16 Liquidambarformosana Hance.

17 Sapium sebiferum (L.) Roxb.

18 Parque Dr. Sun Yat Sen.

19 Litchi chinensis Sonn.

20 Euphoria Iongan (Lour.) Steud.

21 Ficus virens Ait..

22 Melastoma sanguineum Sims.

23 Eucaliptus sp..

24 Psidium guajava L..

25 Ricinus communis L.. "

26 Ficus caryca L..

27 Tectona grandis L. f..

28 Spathodea campanulata Beauv..

29 Cassia spectabilis DC..

30 Terminalia catappa L..

31 Prof. Dra. AnaMaria Amaro, em Boletim Eclesiástico de Março de 1961.

* Curso de Regente Agrícola pela Escola Nacional de Agricultura, de Coimbra. Reside em Macau desde Setembro de 1972, tendo-se aposentado da Administração Pública recentemente. Foi técnico da Brigada de Macau da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar (MEAU); técnico e chefe dos Serviços Florestais e Agrícolas de Macau; vogal permanente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal das Ilhas; vogal do Conselho Consultivo do Governador; membro do Conselho do Ambiente; etc.

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